HISTÓRIAS
DE ÉVORA
Este romance será publicado neste sítio
internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem
sendo escritos.
Capítulo IX
Caça e caçador
Elmar Carvalho
Após as explicações sobre a campanha
de vacinação, Madalena, notando a timidez do rapaz, mas também percebendo o seu
olhar embevecido e guloso ao mesmo tempo, sobretudo direcionado ao seu colo e
ao seu rosto, com cautela e habilidade, caçou conversa. Perguntou-lhe se ele
gostava de literatura, principalmente de ler poemas e romances, tendo ele lhe
respondido afirmativamente.
Marcos lhe falou sobre suas produções
e projetos literários. Acrescentou que publicava alguns contos, crônicas e
poemas no jornal mural e no tipográfico; que já lera todos os livros da pequena
biblioteca de seu pai, mas que este tomava livros emprestados de uma pessoa
amiga e ele próprio recorria aos livros da biblioteca pública, cujo prazo
máximo para devolução era de dez dias.
Percebendo a mulher que o jovem,
embora a olhasse com admiração e desejo, jamais iria tomar qualquer iniciativa,
por retraimento, receio ou respeito, pousou, muito de leve as suas mãos sobre
as dele, que de imediato reagiu, entrelaçando nos seus os cálidos dedos de
Madalena.
Num impulso, quase sem pensar, cego
de paixão e desejo, o rapaz se levantou, contornou a mesa, e foi em direção à
mulher, que também se levantara. Olhando-a profundamente nos olhos, segurou as
suas têmporas, em seguida a enlaçou com suavidade, e colheu nos seus os
carnudos lábios dela. Ela correspondeu, mas em seguida, com muita delicadeza,
se afastou.
– Olhe, aqui não, cuidado, a
empregada pode nos ver. Por favor, me acompanhe, venha conhecer a nossa
biblioteca.
Foram para um amplo compartimento,
onde se encontravam grandes e altas estantes de madeira, repletas de livros. Para
não chamar a atenção da empregada, ela puxou a porta, mas a deixou entreaberta.
Para a realidade da época, era uma grande biblioteca particular.
Em suas estantes se enfileiravam os
volumes da Enciclopédia Britânica, do Tesouro da Juventude, dos Clássicos
Jackson, da Biblioteca do Prêmio Nobel, das coleções Clássicos da Literatura
Brasileira e Clássicos da Literatura Universal, todos em capa dura, com
vinhetas, cercaduras e letras douradas, além de centenas de livros avulsos de
poemas, contos, fábulas e romances.
O moço contemplava tudo isso com
ternura, e uma quase beatitude, tal qual estivesse diante de um tesouro sagrado.
Retirava alguns exemplares e os folheava com delicadeza, em verdadeira carícia.
Chegou a roçar o nariz em alguns deles, como se os estivesse cheirando e
beijando.
Com muita suavidade e cuidado, passou
páginas e páginas da Poesia Completa de Manuel Bandeira, impressa em papel
bíblia. Nada disso escapou aos olhares furtivos e periféricos de Madalena, que
lhe franqueara escolhesse alguns livros, que só deveriam ser devolvidos quando
ele concluísse a leitura, que deveria ser atenta e sem pressa. Ela imaginou a
pele suave de seu rosto afagada por dedos tão hábeis e tão macios, conforme já
pudera constatar, ainda que por instante demasiado fugaz.
Marcos escolheu dois romances e
Poesias Escolhidas, de Castro Alves, edição comemorativa do centenário do
poeta, obra publicada em 1947 pela Imprensa Nacional. Ela se aproximou dele.
Fitou-o nos olhos, e emocionada e nervosa disse, com a voz embargada:
– Peço todo sigilo e que não pense
mal de mim. Não sou uma leviana e nem doidivanas. Amo e respeito meu marido.
Não sei o que deu em mim. Quando você voltar para devolver os livros,
conversaremos novamente...
Marcos lhe fez discreta reverência e,
sério, a fitou nos olhos, mas não tentou beijá-la ou afagá-la. Não era caçador,
mas se fosse, jamais espantaria uma incauta e entontecida gazela.
Meu caro amigo, um capítulo exuberante, embora curto,e cheio de maliciosas vibrações e de esmero romanesco. Estás a dominar completamente a técnica da prosa, com insinuações, meneios, dribles e provocações dos grandes autores. Vamos aguardar a próxima quinta-feira para sabermos qual será a próxima botada do nosso Marcos Caçador.
ResponderExcluirSe ao final, o nosso Don Juan dos carnaubais não "papar" ninguém, é o caso de lançá-lo ao mar para ser comido!
ResponderExcluirO nosso bravo Marcos está se tornando matreiro, e aprendendo os jogos do amor e da sedução, com os seus avanços e recuos, desejos e negaças.
ResponderExcluirObigado pelo incentivo de seus comentários, sempre com palavras de estímulo.