domingo, 20 de agosto de 2017

Seleta Piauiense - Hermínio Castelo Branco


A maldita quebradeira

Hermínio Castelo Branco (1851 - 1889)

Se há inferno na vida,
Antes do homem morrer,
Se existe acerbo sofrer,
Antes da morte temida;
Se nossalma é constrangida
A mergulhar na caldeira
Fervente, na tal fogueira,
De que fala a tradição,
É, com toda a precisão,
A maldita quebradeira.

Só quem anda rebentado,
Ou quem por isso passou;
Que, sendo pobre, ficou
Na rua, desempregado,
Pode já ter mastigado
A casca de pau-pereira,
Quinaquina verdadeira,
E batata de babosa,
Sabendo quanto é gostosa
A maldita quebradeira.

Febre amarela passando,
Cólera-morbus, morfeia,
Bexiga, tifo, diarreia,
Pelas ruas assolando,
Nunca terror vão causando
Nesta humanidade inteira,
Como produz a viseira
Do pobre homem quebrado!
Traz todo povo assombrado
A maldita quebradeira.

Os amigos dedicados
Doutro tempo mais feliz,
Torcem, agora, o nariz
Quando nos sentem quebrados.
Se mostram desconfiados,
Se, mesmo de brincadeira,
Dizemos desta maneira:
- Me empreste aí dez tostões
Té nos corta as relações
A maldita quebradeira.

Se o tipo é namorado,
E passa lá pela rua
Da bela menina sua,
De quem era apreciado,
Apenas sendo avistado,
Sai, da janela, ligeira,
A formosa feiticeira,
Dizendo mui desdenhosa:
“É peste contagiosa
A maldita quebradeira.”

E no ninho conjugal
A serpente penetrando,
Se desenrola, silvando,
Mordendo a paz do casal...
Pelo portão do quintal,
Foge a honra na carreira,
Quando, da porta fronteira,
Penetra no corredor
Um tal espetro de horror:
- A maldita quebradeira.

Se é homem ambicioso
De gozos materiais,
Sente as angústias fatais
Do infeliz invejoso.
O prazer do venturoso
Irrita de tal maneira
Sua ambição altaneira,
Que lhe gera mil torturas,
É causa das amarguras
A maldita quebradeira.

Ao contrário: se ele tem
Alma grande, generosa,
Sofre, inda mais amargosa,
A dor no peito, também.
Deseja fazer um bem,
Abrindo a seca algibeira
A pobreza sofredeira,
Que caridade mendiga:
Porém males não mitiga
A maldita quebradeira.

Inda sendo comportado,
Bom filho, bom cidadão,
Bom esposo, bom irmão
E bom pai considerado,
Logo que fica quebrado,
Perde a fama, por asneira;
Sem dar causa verdadeira,
É sevandija, bandido!
Por tê-lo, assim, convertido
A maldita quebradeira.

Nem que seja verdadeiro,
É tido por mentiroso;
Sendo honesto, escrupuloso,
Se tacha de caloteiro!
Enfim, quem não tem dinheiro,
É feio, tolo, toupeira,
Perde o ar, só diz asneira
Té perde o jeito de andar
E, jamais, pode ocultar

A maldita quebradeira.  

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