O Louro visto por Fernando di Castro |
BANCAS DE REVISTA
Alcenor
Candeira Filho
o sol nas bancas de revista
me enche de alegria e preguiça
quem lê tanta notícia?
eu vou
(Caetano Veloso - “Alegria, Alegria”)
Em minhas reminiscências, se o assunto é
venda de jornais e revistas, ocorre-me primeiramente o estabelecimento de José
de Moraes Veras, o Zequinha da
Coca-Cola, situado nas proximidades da praça da Graça, na rua Marechal Pires Ferreira.
Quando criança gostava de ir à banca do
Zequinha para me abastecer de revistas em quadrinhos e figurinhas colecionadas
em álbuns. A “Revista dos Esportes” também me atraía. Zequinha comercializava
só publicações novas. Quem queria revistas usadas e bem mais baratas visitava
no Mercado Central a banca do Sr. Lira, um sessentão muito simpático com pelos
plantados no corpo inteiro. Seu Lira vendia e permutava revistas em quadrinhos
(Pato Donald, Mickey, cow-boy, Bolinha, Luluzinha), cordéis, livretos pornôs do
Carlos Zéfiro e figurinhas ou supercromos tecnicoloridos para álbuns, como “Os Dez Mandamentos” ,inesquecível filme de
Cecil B. de Mille, estrelado por Charton Heston como Moisés, Anne Baxter como
Nefretiri, Yul Brynner como Ramsés
II, Yvone De Carlo como Sephora, Debra Paget como Lília, John DereK como
Josué, Edward G. Robinson como
Dathan, Sir Cedric Hardwick como Seth I,
com total de 210 supercromos, que retratam a trajetória de Moisés, do
nascimento à expulsão do Egito por decreto do faraó Ramsés II e o abandono nas
areias de deserto quase infindo, com ração e água para um só dia. Depois, a
imensa responsabilidade de conduzir seu povo a lugar incerto, a terras novas, à
terra que seja só sua, sob impiedosa perseguição do exército comandado pelo
faraó. A abertura do mar. O afogamento de militares egípcios. A subida ao Monte
Sinai. O bezerro de ouro. A terra se abrindo e o bezerro de ouro e seus
adoradores caindo no abismo que se abriu a seus pés. Lá em cima o fogo, a voz ,
as regras. Os Dez Mandamentos. Moisés:
braços abertos para o infinito, barba e cabelo longos e brancos, em cima do
monte, na despedida de quem esconde para onde vai.
Outro álbum inesquecível , que conservo
até hoje, é o constituído de 200 supercromos impressos -
“Estrelas de Ontem e de Hoje”, retratando atores e atrizes brasileiros e
estrangeiros que se destacaram na primeira metade do século XX e nos anos
60: Ronald Golias, Anselmo Duarte,
Grande Otelo, Oscarito, Ankito, Zé Trindade, Norma Benguel, Paul Newman, Elvis
Presley, Audie Murphy, Robert Wagner, Natalie Wood, Anita Ekberg, Gina Lollobrígida,
Anthony Quinn, Marilyn Monroe, Richard Burton, Marlon Brando, Rock Hudson, Gary
Cooper, James Stewart, Glenn Ford, Kirk Douglas, Victor Mature...
O troca-troca de figurinhas era
interessante e tinha suas regras: qualquer pessoa podia chegar na banca do Lira
com uma Gina Lollobrígida repetida e sair com um Anthony Quinn que lhe faltava
no álbum. Claro que havia supercromos
mais raros que outros e na negociação dez figuras poderiam por exemplo ser
trocadas por uma.
A banca do Zequinha só vendia envelopes
lacrados com cinco figurinhas cada. Era quem bancava o produto na praça.
As bancas de revista satisfazem todos os
gostos e gastos: jornais e revistas nacionais, estaduais e municipais,
charadas, palavras cruzadas, casa e jardim, apostilas para concursos públicos,
esporte, artes, religião, ciências, filosofia, cordel, pornô, além de livros,
muitos dos quais de autores parnaibanos.
A partir dos anos 60, a banca de revista
mais procurada pertencia ao senhor Aluísio Cruz , que sucedeu o cunhado
Zequinha no negócio. Dona Carlota trabalhava com o marido.
Da fase áurea da banca do Aluísio, na
avenida presidente Vargas, lembro-me dos encontros dominicais de leitores em
busca do Jornal do Brasil, com seus diversos cadernos (esporte, literatura,
turismo, economia, política). O JB era o jornal de circulação nacional mais
consumido em Parnaíba. E olha que as edições
de domingo chegavam na cidade a partir das nove horas do mesmo dia.
Através da banca do Aluísio formei
coleções completas de lançamentos de grandes editoras nacionais, como os 32
volumes das obras de Érico Veríssimo, os 50 da coleção “Literatura Brasileira
Contemporânea”, os 50 da coleção “Obras Imortais de Nossa Literatura, os 50 de
“Literatura Comentada”, os 21 da “História da República Brasileira”, de Hélio
Silva e Maria Cecília Ribas Carneiro, e muitas outras obras.
Hoje há várias bancas de jornal na cidade.
A mais conhecida e frequentada é a Banca do Louro, localizada na praça da
Graça. Em sua volta, quatro instituições financeiras, duas igrejas
bicentenárias, um hotel, receita federal, câmara municipal e estabelecimentos
comerciais.
A Banca do Louro, graças à simpatia e
educação do proprietário, é muito visitada. Em torno dela as pessoas gostam de
bater papo.
Durante o tempo em que viveu, o sr. Pedro
Alelaf reunia a partir dos anos 60 na calçada de sua casa comercial, aos
domingos de manhã, várias pessoas - políticos, empresários, bancários, comerciários,
jornalistas, intelectuais. Tema: livre. Quem quisesse falar mal de alguém que
falasse, quem preferisse falar bem que o fizesse. Esse grupo chamava o ponto de
reunião de senadinho. E realmente os pontos de vista políticos predominavam
democraticamente nas conversas. Além do anfitrião, José Maria Medeiros e Pedro
Borges eram presenças constantes.
Depois do falecimento de Pedro Alelaf, o
senadinho se mudou para a banca do Louro. A democracia continua plena. Todos
têm razão neste mundo sem razões.
Um dos traços marcantes no comportamento
do Louro é a discrição. Ele fala muito menos do que ouve. Aliás, quando fala,
não ofende a ninguém. A esposa e o filho aprenderam bem a lição da boa convivência.
O Louro parece ter um só partido: PCP –
Partido da Cultura Parnaibana e por isso se entende bem com todo o mundo.
Em todo ano eleitoral, o Louro colocava
uma urna ao lado de sua banca para que
as pessoas manifestassem sua intenção de voto. Suas pesquisas sempre batiam com o resultado
oficial. Na última eleição municipal, algumas pessoas não comprometidas com a democracia
tentaram desvirtuar a pesquisa feita
pelo Louro, desestimulando-o a prosseguir nesse
trabalho.
Além de publicações de praxe, a Banca do
Louro vende livros diversos, principalmente de autores parnaibanos.
Recentemente escrevi e publiquei um
poeminha chamado Epigrama:
o poeta foi à livraria
atrás de livro de poesia:
-
como podes ver nas estantes
aqui temos livros bastantes
que vendemos a todo instante
e que agradam o leitor
-
obras de autoajuda de amor
de culinária de ficção
de botânica de religião...
como vês são livros diversos
mas não temos nenhum de versos
por escassez de comprador.
Na Banca do Louro, cuja missão superior é
divulgar a cultura, com ou sem lucro, tem até livros de poesia. Talvez até mais
que obras em prosa.
Existem outras bancas de revista em
Parnaíba e é provável que tenha havido outras anteriores às do período em tela.
Neste artigo, menciono apenas as que me marcaram efetivamente.
2017
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