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Coronel Simplício Dias da Silva
Reginaldo Miranda *
Nasceu Simplício Dias da Silva,
em 2 de março de 1773, na vila de São João da Parnaíba, hoje cidade de
Parnaíba, no litoral do Piauí, filho do rico empresário português ali radicado,
Domingos Dias da Silva e da mestiça Claudina Josefa, sendo, porém, reconhecido
pelo pai e legitimado por provisão real.
Menino rico, foi criado na
abastança, embora seu pai nunca tenha regularizado o relacionamento com a
companheira. E com pouco menos de 21 anos de idade perdeu o genitor, herdando,
assim, um avultado patrimônio que foi dividido entre ele e um meio-irmão mais
moço, havido de seu pai com outra mestiça, Maria Dias, o alferes Raimundo Dias
da Silva. No entanto, houve denúncia de que ele e o tutor do menor, Manuel
Antônio da Silva Henriques, sobrinho e testamenteiro do falecido, lançavam mão
da herança em prejuízo do menor. Porém, parece que essa denúncia não procede,
porque eles nunca dividiram os bens do espólio, deixando-os indiviso(AHU-ACL-CU
016-Cx 30, D. 1539).
Ainda muito moço esse rico
mancebo iniciou carreira das armas, assumindo o posto de alferes de cavalaria
da ordenança de São João da Parnaíba, em 7 de março de 1793. Em 27 de maio do
mesmo ano, foi promovido a capitão de cavalaria sendo depois confirmado por ato
régio de 14 de junho de 1796, para servir no regimento de auxiliares da
guarnição do Maranhão (PT/TT/RGM/E/0000/126206. Registo Geral de Mercês de D.
Maria I, liv.28, f. 73).
Nesse posto, conta-nos F. A.
Pereira da Costa, “tomou ele parte da tristemente célebre expedição de Axuí, no
Maranhão, como ajudante-de-campo do comandante-chefe, expedição essa que tanto
desabona os créditos do general dom Fernando Antônio de Noronha, governador
daquele Estado, que a empreendeu”. Em nota à 2ª dição, explica-nos o velho e
saudoso presidente da Academia Piauiense de Letras, Arimatéa Tito Filho:
“Expedição ao Açuí ou à rica cidade encoberta. Em 1794 fugiu do seu dono um
negro escravo de nome Nicolau. Preso, para livrar-se de castigo, aproveitou-se
de velha notícia fantasiosa, segundo a qual havia um mocambo, já cidade,
chamado Axuí. Apresentou-se ao governador.
Afirmou-lhe que a cidade era habitada por negros tão ricos, que possuíam
grande imagem de N. S. da Conceição toda em ouro, bebiam água em cuias de ouro
e tinham muito dinheiro em ouro e prata. Embora muitas pessoas achassem que o
negro mentia, foi acreditado. O governador deu-lhe a patente de capitão. Dizia
que algumas pessoas se comunicavam com Axuí, entre as quais o mestiço Antônio
Tatu. Para livrar-se da cadeia, Tatu
afirmou que conhecia a rica cidade. O governador aprontou tropa de dois mil
homens para a conquista. Em 3 de agosto de 1794 partiu a tropa, dividida em
dois corpos: uma para o rio Munim, guiada por Nicolau, outra para o lugar
Lagarteira, guiada por Tatu. Esses corpos de tropa muito padeceram, inclusive
fome. Quando foi descoberto o embuste, Nicolau fugiu. O governador Fernando
Antônio de Noronha, para salvar as aparências, afirmava que as tropas fizeram
passeio tático, que muito efeito moral produziu sobre elas” (COSTA, F. A.
Pereira da. Cronologia histórica do Estado do Maranhão. 3ª ed. Coleção Grandes
Textos 9. Teresina: APL/FUNDAC, 2010).
Mais tarde, por provisão do governador
de 22 de janeiro de 1806, Simplício Dias da Silva foi nomeado comandante
militar da vila de São João da Parnaíba, em cujo exercício permaneceu por
largos anos.
Nesse ínterim visitou
demoradamente diversos países da Europa, frequentando salões refinados e
travando contato com as ideias liberais então em voga. Amante das belas-artes,
mantinha “banda de música composta por seus escravos, alguns dos quais educados
em Lisboa e Rio de Janeiro”, informa o viajante inglês Henry Koster, que com
ele travou contato em 1811. Sobre o assunto em notas ao referido livro,
acrescenta o notável escritor Luís da Câmara Cascudo: “Simplício, deixando o
irmão administrando, viajou para a Europa, como rapaz rico, percorrendo vários
países demoradamente. Quando regressou, faleceu Raimundo, e Simplício, dono de
uma fortuna vultosa, com mais de 1.800 escravos, instalou-se com o fausto de um
príncipe, edificou solar confortável, reformando a Matriz de Parnaíba e
ligando-a por uma galeria à sua residência”. Aliás, essa residência foi
visitada por F. A Pereira da Costa: “Em 1884, de passagem na cidade de Parnaíba
visitamos a casa solarenga de Simplício Dias da Silva, um vasto prédio de
sobrado, situado na rua grande, com comunicação interna para a igreja matriz; e
de envolta com a mais humilhante pobreza dos seus netos, encontramos ainda
veementes vestígios da riqueza e opulência daquela casa” (KOSTER, Henry.
Viagens ao Nordeste do Brasil. Fortaleza: ABC, 2003; COSTA, F. A. Pereira da.
Cronologia Histórica do Estado do Piauí. Vol. 1. 3.ª Ed.. Coleção Centenário
17. Teresina: APL, 2015).
Prosseguindo na carreira militar,
em 7 de fevereiro de 1809, Simplício Dias da Silva foi promovido ao posto de
coronel-comandante do regimento de cavalaria miliciana da vila de São João da
Parnaíba, em cujo posto foi reformado por decreto de 28 de julho de 1821,
depois de relevantes serviços prestados. Em face dessa patente militar, com a
morte do coronel Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar, em 31 de agosto de 1811,
foi convocado para integrar em seu lugar a junta trina que então governava o
Piauí, recusando sob o pretexto de doença (Arquivo Público do Piauí. Códice
613. P. 111v/112).
Porém, no ano seguinte, rompendo
a Guerra da Independência, volveu ao serviço ativo e comandou o regimento de
cavalaria n.º 2 da mesma vila, promovendo os feitos mais gloriosos de sua
carreira militar na consolidação de nossa independência política, assim,
inscrevendo seu nome nos anais da pátria.
Tomou parte ativa no movimento da
Independência, liderando-o na Parnaíba, juntamente com o juiz de fora, João
Cândido de Deus e Silva, capitão Domingos Dias da Silva Henriques, José
Ferreira Meireles, Ângelo da Costa Rosal, Bernardo de Freitas Caldas e tenente
Joaquim Timóteo de Brito. Sob a liderança desses próceres do movimento
emancipacionista, em 19 de outubro de 1822, ainda sem conhecimento exato do 7
de setembro no Ipiranga, o Senado da Câmara Municipal de Parnaíba, proclamou
oficialmente a Independência do Brasil, e sua espontânea união com Portugal, a
constituir uma confederação, como desfecho lógico da cadeia de fatos que, de
modo inesperado, quebrou-se às margens do Ipiranga, no dizer de Odilon Nunes.
“Foi a restauração do Reino Unido, caso único na história do Brasil, e também
foi ato precursor de 24 de Janeiro, e da batalha do Jenipapo” (NUNES, Odilon.
Pesquisas para a história do Piauí. Vol, 2. Teresina: FUNDAPI/FCMC, 2007).
Dado o destacado papel que
desempenhou nesse movimento de emancipação política do Brasil, com a
consolidação da Independência, foi reconhecido pelo imperador D. Pedro I. E
nomeado por carta imperial de 25 de novembro de 1823, para inaugurar a
presidência da província do Piauí, como seu primeiro presidente, “em
consideração aos distintos merecimentos, patriotismo e adesão à sagrada causa
deste império e mais qualidades recomendáveis”. No entanto, mais uma vez por
causas que ainda não foram definitivamente analisadas, mas também por não
querer deixar o seu domicílio e a gerência de seus negócios em Parnaíba, recusa
a nomeação que, por fim, recai na pessoa de Manuel de Sousa Martins, depois
visconde da Parnaíba, figura central do mesmo movimento na capital da província
e no centro-sul do Piauí.
Outro aspecto relevante da vida
de Simplício Dias da Silva foi sua luta, em sucessão ao pai, pela criação da
alfândega de Parnaíba, que foi coroada de êxito com sua instalação depois da
Independência do Brasil. Portanto, a ele e a seu saudoso pai muito devem
Parnaíba e o Piauí, que, assim, alargaram suas possibilidades econômicas.
Foi, também, um benemérito de
Parnaíba e da religião católica, prestando relevantes serviços à igreja matriz
e a paróquia de Nossa Senhora da Graça da Parnaíba.
Em retribuição aos relevos de sua
personalidade foi o coronel Simplício Dias da Silva, agraciado com a carta de
brasão de armas que recebeu da rainha Dona Maria I, em 1795, conforme consta em
autos de justificação de nobreza; com o hábito da Ordem de Cristo e tença de
12$000 reis, em que professou o foro de fidalgo cavaleiro da casa real e,
posteriormente a de dignatário da ordem do Cruzeiro (2.4.1799, 10.6.1799)
(PT/TT/CCVC/004/0031/00048. Feitos Findos, Justificações de Nobreza, mç. 31,
n.º 48; T/TT/RGM/E/0000/126207. Registo Geral de Mercês de D. Maria I, liv.14,
f. 143v; PT/TT/RGM/E/001/0030/126208. Registo Geral de Mercês de D. Maria I,
liv. 30 (número de ordem 156), f. 211; PT/TT/RGM/E/001/0030/132925. Registo
Geral de Mercês de D. Maria I, liv. 30 - número de ordem 156 -, f. 211).
Conforme se disse, os irmãos
Simplício e Raimundo Dias da Silva herdaram avultado patrimônio, fruto do tino
comercial e capacidade empreendedora de seu pai, dos quais foram os últimos
vinte anos no Piauí, onde constituiu “grossa riqueza, tornando-se rico
fazendeiro, lavrador com grande número de escravos e negociante de grosso
trato, em cujo manejo custeava 5 navios, ocupando 3 na exportação das carnes e
2 que navegavam diretamente para Lisboa e Porto, a conduzir fazendas e gêneros
daquele país, que vinham ao Maranhão despachar na alfândega, e dali para aqui”,
dissera mais tarde o contraparente José Francisco de Miranda Osório, antigo
coronel, deputado, presidente da província, líder liberal e chefe político de
Parnaíba.
Sobre o genitor Domingos Dias da
Silva e a sucessão dos herdeiros, acrescentou ainda a mesma fonte:
“Este homem faleceu em 1793,
deixando em movimento o grande estabelecimento de charque, e colossal fortuna,
da qual foram herdeiros dois únicos filhos naturais, que aqui teve, o afamado
Simplício Dias da Silva e o tenente-coronel Raimundo Dias da Silva. Estes
filhos conservaram por alguns anos o comércio e o charque. Mas dados ao fausto,
grandeza e fidalguia, não tiveram o mesmo tino do pai e se foram deixando do
charque, que ainda durou até 1827, e assim do comércio, ficado resumidos à
lavoura. O coronel Simplício faleceu em 1829 e o tenente-coronel Raimundo em
1812, e deixaram grande fortuna, porque nunca quiseram dividir o espólio
deixado pelo pai” (In: COSTA, F. A. Pereira da. Cronologia Histórica do Estado
do Piauí. Vol. 1. 3.ª Ed.. Coleção Centenário 17. Teresina: APL, 2015).
Portanto, embora ao tempo tenha
havido denúncia de que o irmão mais velho lançava mão da herança em prejuízo do
mais moço, existe o testemunho posterior de que eles nunca dividiram o rico
espólio, em claro sinal de harmonia e união. E isto ocorreu, segundo petição do
primo e testamenteiro Manuel Antônio da Silva Henriques, porque “se não pode
conservar o giro desses estabelecimentos sem as suas feitorias, móveis e
semoventes, como escravos, gados, cavalos, embarcações e mais acessórios; e
poderá parecer que os referidos bens são de natureza de se dever vender, sem
embargo da lei dos órfãos, que manda conservar quando for mais útil, como estes
foram a seu pai, requer por isso a V. Maj., lhe haja de mandar passar Provisão
para se não venderem os referidos móveis e semoventes, por serem como adstritos
às propriedades, sem os quais nada valem, conforme o estado do País.
(AHU-ACL-CU 016-Cx 21, D. 1106).
A vida do coronel Simplício Dias
da Silva foi envolta em faustos e lendas. Segundo Abdias Neves, era ele
admirador extremado do imperador D. Pedro I, a quem mandava presentes
valiosíssimos. Dizem que certa vez presenteou-lhe com um cacho de banana, em tamanho
natural, todo de ouro e com pedras preciosas no bico das frutas.
Louis François de Tollenare (L.
F. de Tollenare), em suas Notas dominicaes – Tomadas durante uma residência em
Portugal e no Brasil nos anos de 1816, 1817 e 1818, Parte de Pernambuco (Recife,
1905), citado por F. A. Pereira da Costa, diz: “que se calculava o número de
seus escravos em 1800, com os quais organizou um regimento, que às vezes causou
inquietações ao governo; que viajou ele na França e na Inglaterra, ocupava-se
das belas-artes, vivia com um luxo asiático, mantinha músicos com grande
dispêndio, acolhia bem os estrangeiros, gostava particularmente dos franceses,
e vivia nos seus domínios como um homem poderosamente rico” (In: COSTA, F. A.
Pereira da. Cronologia Histórica do Estado do Piauí. Vol. 1. 3.ª Ed.. Coleção
Centenário 17. Teresina: APL, 2015).
Conforme consta, toda essa vida
fidalga descurando do trabalho árduo abalou seu rico patrimônio, diminuindo a
herança que deixou aos descendentes. “Em 1820, a fortuna do coronel Simplício
Dias, já um tanto abalada, atingia a 150:000$000, mesmo assim ainda avultada
para a época”, informa F. A. Pereira da Costa (COSTA, F. A. Pereira da.
Cronologia Histórica do Estado do Piauí. Vol. 1. 3.ª Ed.. Coleção Centenário
17. Teresina: APL, 2015).
E conclui F. A. Pereira da Costa:
“De todos esses dados se vê, portanto, que não se trata de um homem vulgar,
que, se teve defeitos, teve porém virtudes, merecimento cívico e outros
predicados que muito honram a sua memória” (COSTA, F. A. Pereira da. Cronologia
Histórica do Estado do Piauí. Vol. 1. 3.ª Ed.. Coleção Centenário 17. Teresina:
APL, 2015).
O coronel Simplício Dias da Silva
faleceu em sua residência, na cidade de Parnaíba, em 17 de setembro de 1829, e
foi sepultado na igreja matriz, capela do S.S. Sacramento, ao lado do pai e do
irmão prematuramente falecido. E sobre a campa da sepultura se vê, em relevo,
na parte superior, o escudo de suas armas, partido em pala, sobressaindo os
Dias e os Silva, sucedido do seguinte epitáfio: “Aqui jaz um dos benfeitores
desta igreja e donatário desta capela Simplício Dias da Silva, cavaleiro
fidalgo professo na ordem de cristo, dignatário da Imperial Ordem do Cruzeiro e
coronel de cavalaria de milícias. Foi presidente desta província do Piauí e
natural desta vila de São João da Parnaíba, onde nasceu a 2 de março de 1773 e
morreu a 17 de setembro de 1829, com 56 anos, 6 meses e 15 dias de idade. Era
filho do capitão Domingos Dias da Silva”.
Com essas notas prestamos justas
homenagens a esse grande piauiense, negociante de grosso trato, herói da
independência, pugnador pela alfândega de Parnaíba e benfeitor da cidade. Foi
um grande piauiense que muito honra a nossa terra.
__________
* REGINALDO MIRANDA é membro
efetivo da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico
Piauiense.
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