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JOVITA FEITOSA - AS GLÓRIAS E OS
INFORTÚNIOS DE UMA HEROÍNA
Chico Acoram Araújo*
A orfandade
A cearense Antônia Alves
Feitosa, morando em terras piauienses, tornou-se uma das figuras mais
importante e emblemáticas que o Brasil já conheceu. Ficou conhecida
nacionalmente como Jovita Alves Feitosa, a heroína da Guerra do Paraguai, tendo
inclusive seu nome inscrito, por força da Lei nº 13.423/2017, no Livro dos
Heróis da Pátria, que se encontra exposto no Panteão da Pátria e da Liberdade
Tancredo Neves, em Brasília.
Narremos, então, a vida e morte
de Jovita Alves Feitosa que se tornou célebre em todo o Brasil, no ano de 1865,
ao se alistar como voluntária da Pátria na Guerra do Paraguai, causando
perplexidade e admiração de todos os brasileiros. Foi aclamada heroína da
Pátria.
Em Inhamuns, hoje Tauá-CE, um
surto de cólera grassava implacavelmente nos anos de 1862 a 1864. O Ceará foi
um dos estados do Nordeste mais castigados por essa terrível doença. Na época,
Inhamuns tinha uma população de 14.060 habitantes. Do total da população, 510
pessoas foram infectadas, e dessas, 216 vieram a óbito.
Na localidade chamada Brejo Seco,
nos confins de Inhamuns, uma família que ali residia chorava a perda de um ente
muito querido, uma das 216 vítimas do surto de cólera. Morria d. Maria Alves
Feitosa, deixando viúvo o senhor Maximiano Bispo de Oliveira e três filhos,
sendo dois homens e uma moça de idade intermediária aos dois irmãos. Seu nome
de batismo era Antônia Alves Feitosa, conhecida apenas por Jovita, apelido que
recebeu desde quando ainda era criança. Esta nasceu a 8 de março de 1848, no
mencionado lugar. A genitora da jovem, segundo os historiadores, era
pertencente ao ramo pobre da destemida família dos Feitosa, sobrenome que
Jovita recebeu ao ser batizada.
A história do Ceará conta que,
durante muitos anos, o sertão de Inhamuns tornou-se palco de sangrentas guerras
entre famílias latifundiárias em disputa por terras, notadamente entre os Monte
e Feitosa, os Araújo e Maciel, Viriato e Calango, além dos confrontos entre os
Cunha e os Pataca.
Nesse ambiente de contínuos
conflitos, bem como das dificuldades existentes na obtenção dos meios de
sobrevivência em terras com características de semiárido, sempre atingidas por
longas estiagens, conviveu Jovita até os seus 16 anos de idade.
Assim, é razoável supor que
aquela jovem tenha aprendido com seu pai e os irmãos o manejo adestrado com as
armas de fogo com a finalidade defender a família e também sua pequena
propriedade, uma vez que na região onde residiam verificavam-se, como foi dito
acima, constantes brigas pela posse de terras.
O piauiense Fernando Lopes
Sobrinho, jornalista, jurista e poeta, em uma sua crônica intitulada de “JOVITA
ALVES FEITOSA, A HEROÍNA FRUSTRADA” (publicado na Revista PANÓPLIA Nº 6, de
setembro de 1955, órgão oficial da Associação Profissional dos Jornalistas do
Piauí) nos relata que aos 16 anos de idade, falecendo sua mãe, Jovita deixa seu
lar, no Brejo Seco. Com as bênçãos do pai, a filha foi residir na cidade
piauiense de Jaicós, distante 48 léguas, em companhia de um tio, Rogério Alves
Feitosa, conceituado professor de música, que desde muitos anos residia daquela
cidade do Sudeste piauiense. Dias antes, o Senhor Rogério chegara a Brejo Seco
para uma visita aos parentes. Na ocasião, o pai, em comum acordo, decidiu que
Jovita fosse morar com o tio em Jaicós.
No livro 10 MULHERES ANTES DA
HORA, organizado pelo conceituado jornalista Fenelon Rocha, a jovem de Inhamuns
é reverenciada no capítulo JOVITA FEITOSA -
a guerreira esquecida. Nesse capítulo, em coautoria com a jornalista
Katya D’Angelles, Fenelon destaca que, em Jaicós, o professor Rogério Feitosa e
sua esposa, sem herdeiros, fazem de Jovita uma verdadeira filha. Do tio,
recebeu os ensinamentos da alfabetização e das notas musicais, e até mesmo
alguns incentivos no manejo das armas. Com a tia, aprendeu a costurar e passou
a ganhar algum dinheiro advindo dos serviços com costuras de camisas, vestidos
e outras utilidades domésticas.
A Voluntária da Pátria
Por cerca de um ano Jovita morou em Jaicós até
que, em meado do ano de 1865, tomou uma decisão que viria mudar radicalmente
sua vida. Perto de completar seus 18 anos de idade, a jovem resolveu se alistar
como voluntária do exército brasileiro para lutar na Guerra do Paraguai. Sobre
esse inusitado e nobre gesto patriótico, um jornal maranhense da época publicou
uma crônica com o título Jovita Feitosa:
“Jovita Alves Feitosa é um
exemplo que mais honra a história heroica dos filhos do império de Santa Cruz.
Frágil pelo sexo mas forte e invencível pelo patriotismo, sentio também
bater-lhe no coração o apelo da pátria, convocando seous filhos a defendel-a e
honral-a.
Lopes Sobrinho enfatiza em sua
crônica acima já mencionada que Jovita Alves Feitosa se sente muito
entusiasmada ante à notícia de que o Tenente-Coronel José Lustosa da Cunha
estaria recrutando homens residentes na vila de Santa Filomena para comporem o
2º corpo de Voluntários da Pátria, com destino à campanha do Paraguai. O maior
desejo de Jovita era de participar nas frentes dos combates uma vez que
manejava bem as armas de fogo. O jornalista diz ainda que certa noite, às
escondidas, a jovem cearense, em companhia de um grupo de rapazes de Jaicós,
foge da casa do tio rumo à Teresina, trajando roupas masculinas, cabelos
cortados rente, os seios disfarçados com bandagens, e um chapéu de vaqueiro na cabeça.
Era 20 de junho de 1865.
Fenelon Rocha lembra também
que, após uma longa e exaustiva viagem de 72 léguas, travestida domo um jovem
rapaz, Jovita chega em Teresina no dia 9 de julho de 1865, onde se alista na
circunscrição militar do 2º corpo de Voluntários da Pátria, sob o comando do
Tenente-Coronel José Lustosa da Cunha, recebendo o registro de combatente com o
nome Antônio Alves Feitosa.
Muito feliz por ter sido admitida
na corporação, Jovita e outros alistados tiveram a ideia de visitar alguns
lugares da nova capital da província do Piauí, fundada no ano de 1852 por
Conselheiro Saraiva, então presidente da Província do Piauí. Foram conhecer o
mercado da cidade, e quando o cortejo chegou à então Casa da Feira, uma senhora
de olhar atento, que por ali estava a fazer compras, observou que um dos
soldados era diferente dos demais. Desconfiada, a curiosa mulher aproximou-se
um pouco mais daquele militar. Observou que o rapaz tinha altura média, pele
morena, de feições indígena, o peitoral um pouco empinado, gestos calmos, e
olhos negros brilhantes; de um olhar algo feminino.
Os traços fisionômicos daquele
jovem soldado seriam semelhantes aos descritos no livro “Traços Biográficos da
Heroína Brasileira Jovita Alves Feitosa”, de autoria do escritor e jornalista
José Visconti Coaracy, publicado em setembro de 1965. Fenelon destaca ainda que
esse escritor entrevistou Jovita, em 9 de setembro de 1965, quando do seu
desembarque no Rio de Janeiro, vinda do Norte a bordo do vapor Tocantins. Nesse
livro biográfico, o escritor fluminense descreve a jovem cearense como uma
figura de “estatura mediana, maneiras simples e sem afetação”.
O ilustre escritor do Rio de
Janeiro acrescenta ainda a respeito da jovem heroína brasileira: “seus olhos
negros, cheios de luz, a tornam simpática; seus lábios fechados com alguma
graça ocultam dentes alvos, limados e pontiagudos”. Finalizando a descrição
biográfica da jovem sertaneja cearense, o escritor destaca: “Uma serenidade
d’alma estende-se pelo seu todo, e mesmo lhe assegura uma confiança que a
tranquiliza”.
Oportuno lembrar que a José
Visconti Coaracy é atribuída também a autoria do livro romance-histórico com o
título “JOVITA, A VOLUNTÁRIA DA MORTE”, que narra a vida e a morte trágica de
Jovita Alves Feitosa, a grande heroína nacional. Quando foi publicado no ano
1967, o livro apresentava apenas as iniciais J.C. como autor.
Ainda sobre os traços da
fisionomia de Jovita Feitosa, o Jornal do Comércio do Rio de Janeiro de 10 de
setembro de 1865, publica uma carta particular de um remetente de São Salvador,
de 5 setembro daquele mesmo mês, onde em um dos seus parágrafos descreve a
nossa heroína assim:
“A sargenta Jovita não é uma
beleza, nem a conquistar esse título, mais próprio das pretenções femininas, se
distina a sua expedição voluntária para os arraiaes do deus Marte; é porém um
typo dessas sympathias raras que se recommendão pela idéa, sem desmerecer pela
forma.”
Mas retornemos então ao incidente ocorrido na Casa da Feira de Teresina.
De acordo com a narrativa de Fenelon Rocha, a astuta senhora que bisbilhotava a
nossa personagem verificou também que esta tinha as orelhas furadas. Foi o estopim de uma grande confusão.
Apalpando de forma audaciosa os seios do suposto soldado, a indistinta senhora
gritou bem alto, dizendo: “esse aqui nunca foi homem; é uma mulher!” Num
instante, em torno da acusadora com seu dedo-duro apontando para a acusada, uma
multidão se formou. Sobre esse episódio, o notório jornalista complementa:
“A confusão cresceu e dois
soldados receberam ordem para levarem Jovita até a polícia, onde chegou
acompanhada por uma multidão – mas “livre de ferros sem coação, conforme
registrou a imprensa teresinense da época. Foi recebida pelo próprio chefe de
polícia, José Manoel de Freitas. O Dr. Freitas convocou o escrivão Raymundo
Dias de Macedo para tomar o depoimento do soldado – isto é, da soldado. ”
Chorando copiosamente, a pobre
sertaneja declarou que, na verdade, seu nome era Antônia Alves Feitosa. Falou
que decidiu vestir-se de homem para ingressar, como soldado, no corpo de
Voluntários da Pátria, e lutar nos confrontos da guerra do Paraguai, uma vez
que sabia atirar com arma de fogo. Disse ainda, que não queria exercer funções
apropriadas às mulheres, como por exemplo no atendimento aos feridos no
Hospital do Sangue.
Vendo o seu iminente e sumário
desligamento da corporação em razão da sua condição de mulher, Jovita recorre
ao então Presidente do Piauí, Dr. Franklin Américo de Menezes Dória - depois
Barão de Loreto - que governou a Província do Piauí de 28 de maio de 1864 até 3
de agosto de 1866, suplicando-lhe que a mantivesse como soldado do corpo de
Voluntários da Pátria. Sobre esse pedido, o jornalista Fernando Lopes Sobrinho
nos conta em sua mencionada crônica:
“A ele, Jovita pede para
alistar-se como voluntária da Pátria, dizendo, segundo nos conta Pereira da
Costa, na sua “Cronologia Histórica do Estado do Piauí”, “ser o seu maior
desejo bater-se com os monstros, que tantas ofensas tinham feito ás suas irmãs
de Mato Grosso, e vingar-lhes injúrias ou morrer nas mãos desses tigres
sedentos”.”
O Presidente Franklin Dória,
muito sensibilizado com as súplicas daquela jovem sertaneja, percebeu que esta
poderia, como a primeira mulher a entrar em uma corporação militar no Brasil,
servir de exemplo de patriotismo na defesa do país contra os ataques covardes
de Solano Lopes, o ditador do Paraguai. Com essa estratégia, Franklin Dória
imaginou que Jovita poderia servir como uma espécie de garota propaganda de uma
campanha de motivação para aumentar o contingente de voluntários da pátria da
Província do Piauí. Sabe-se que na época, ao contrário daquela jovem mulher,
muitos rapazes fugiam do alistamento militar, assim como o diabo foge da cruz.
O Presidente Dória não teve
dúvidas. Além de autorizar a reintegração de Jovita Alves Feitosa no 2º Corpo
de Voluntários, ainda lhe concedeu as divisas de 2º Sargento daquela
corporação.
O futuro mostraria que Franklin
Dória tinha razão em alistar pela primeira vez uma mulher na corporação militar
piauiense. Jovita Feitosa, em pouco tempo, tornou-se célebre em todos os
lugares aos quais passava, recebendo manifestações de louvores e admirações. Os
jornais de todo o país não paravam de publicar matéria sobre essa valente guerreira,
com destacadas manchetes. Os fotógrafos esmeravam-se para conseguir reproduzir
a imagem da jovem soldado, e ganhar algum dinheiro com a venda das suas fotos.
Em razão disso, a adesão dos
piauienses no corpo de voluntários da Pátria foi bastante significativa,
chegando a mais de 400 militares. Destes, cerca de 200 advieram da vila de
Parnaguá, no Sul do Estado, transportados para Teresina em várias balsas de
buriti e um velho bote de madeira; os demais eram oriundos de diversas
localidades piauienses.
Sobre isso, dois anos depois, o
próprio Franklin Dória confirma a importância que Jovita Alves Feitosa teve,
como grande incentivadora, no êxito do processo de recrutamento dos voluntários
da Pátria no Piauí.
“(...). Tolerei, é verdade, que ella usasse
das insígnias de 2.º sargento; o que alias, acedendo o enthusiasmo publico onde
quer que ella se apresentou, contribuiu para facilitar a aquisição de muitos
voluntários.”
O trecho supra consta da carta
que Franklin Dória dirigiu aos piauienses, divulgada no jornal “A IMPRENSA”, no
ano de 1869, em resposta a um discurso maledicente proferido pelo Deputado
piauiense Coelho Rodrigues na Câmara do Deputados, no Rio de Janeiro, e
publicado no Jornal do Comércio (RJ), onde este parlamentar manifestava dúvidas
sobre as despesas realizadas, em 1865, com o 2º corpo de voluntários do Piauí,
bem como a respeito da nomeação da Jovita Alves Feitosa como 2º Sargento,
quando Dória ainda era presidente daquela província.
Heroína, celebridade e glórias
No dia 10 de agosto do ano de
1865 esses bravos guerreiros seguiram rumo ao Rio de Janeiro. Descendo pelo rio
Grande dos Tapuias, o nosso Parnaíba, o 2º corpo de voluntários do Piauí chega
ao litoral, onde embarcaram no vapor Gurupy. Da Parnaíba o batalhão segue para
São Luís, onde o mesmo é recepcionado com muita alegria e satisfação. Jovita
Feitosa foi a mais festejada. No grande teatro São Luiz lhe foi preparado um
espetáculo de honra e foi lhe oferecido um camarote especial enfeitado com a
bandeira nacional. Ali, a heroína recebeu as maiores ovações e ramalhetes de
flores, além de um grosso cordão e crucifixo de ouro. Sobre a estadia de Jovita
na capital maranhense, um jornal local publica a seguinte notícia:
“Traja calça e saiote,com fardeta e boné, e o cabelo cortado a
escovinha.”
“Os maranhenses tem prestado á
heroina todo o apreço e consideração de que ella é credora. A Exm.ª família do
Sr. tenente Campos ajudante de ordens da presidencia, em cuja casa se hospedou,
tem dado á heroína distincto agasalho, e ahi tem sido a mesma comprimentada por
innumeras pessoas. ”
Em São Luís, a tropa piauiense
embarcou no vapor Tocantins, embarcação de grande porte, com destino ao Rio de
Janeiro, fazendo escalas nos portos de Recife e Salvador, além de outras
cidades do Nordeste. Em Recife, o presidente da Província de Pernambuco, o
piauiense, Conselheiro João Lustosa da Cunha Paranaguá, recepciona em Palácio
do Governo seu irmão e comandante do 2º corpo de Voluntários do Piauí, o
tenente-coronel José Lustosa da Cunha, acompanhado da oficialidade do corpo de
voluntários e também da 2º sargento Jovita Alves Feitosa, que recebeu todas as
considerações de apreço e respeito. Na ocasião, a jovem militar foi muito
festejada por uma multidão que ali a esperava. Em Salvador e Paraíba, também
não foi muito diferente de São Luís e Recife.
O povo recebeu Jovita com muito entusiasmo e aplausos. Na Paraíba,
segundo Fernando Sobrinho, uma comissão de senhores foi a bordo do vapor
Tocantins para prestar homenagens à voluntária vinda do Piauí, presenteando-lhe
com um rico anel de brilhantes.
No dia 9 de setembro de 1865,
após um mês viagem desde que partiu de Teresina, o 2º corpo de Voluntários do
Piauí, a bordo do vapor Tocantins, chega finalmente ao Rio de Janeiro, a então
capital do Brasil. Por esse tempo, Jovita já se tornara célebre em todo o país.
No cais do porto, uma multidão aguardava a jovem militar. A curiosidade era
enorme. Com o desembarque da tropa, muitas pessoas, acotovelando-se, corriam em
sua direção para conhecer e cumprimentar a famosa heroína da Guerra do
Paraguai.
Alguns dias depois da chegada à
Corte, convicta de que iria para o front de batalhas combater os inimigos
paraguaios, Jovita teve uma grande e dolorosa desilusão. O Ministro da Guerra
encaminha uma correspondência, datada de 16 de setembro de 1865, ao
tenente-coronel José Lustosa da Cunha, comandante do 2º Corpo de Voluntários do
Piauí determinando que Jovita Alves Feitosa não acompanhasse seus companheiros
rumo às regiões onde ocorriam os confrontos armados, por entender não existir
nas leis e regulamentos militares disposições que permitissem as mulheres
sentarem praça nos Corpos do exército, e tampouco na Guarda Nacional, ou de
Voluntários da Pátria.
Entretanto, a citada carta permitia que Jovita
embarcasse com as tropas para prestar serviços compatíveis com a natureza do
seu sexo, como por exemplo, nas atividades de enfermarias, no apoio aos doentes
feridos em combates, “cuja importância podem tornar a referida voluntária tão
digna de consideração, como de louvores o tem sido pelo seu patriótico
oferecimento”, finaliza o Ministro.
Sobre o alistamento de Jovita no
Corpo de Voluntários, o Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, publica em
setembro de 1865 um texto com o “A heroína brasileira” de autoria de um cidadão
que assina apenas com iniciais J.M.C., onde faz severas críticas ao Presidente
da Província do Piaui, Dr. Franklin Dória, exigindo-lhe que dissesse “em que se
firmou para fazer semelhante aceitação e conferir-lhe o posto que lhe
mencionamos” [2º sargento]. Complementa ainda o texto apócrifo:
“Nos exércitos em campanha,
muitas mulheres, quer de soldados ou não, acompanhão e prestão reunidas á eles,
serviços uteis como sejão, lavar, cozinhar e engomar a roupa dos praças. (...);
mas não poderá jamais lançar mão de um sabre e bater-se quando se apresentão as
ocasiões. ”
Apesar do tom conciliatório da
correspondência do Ministro da Guerra, a brava sertaneja cearense não aceita a
proposta de atuar como enfermeira junto ao Corpo de Voluntários, e sim pegar
das armas e combater os inimigos na Guerra do Paraguai. Jovita não desistiu do
seu objetivo. Por mais de uma vez,
solicitou ao Ministro da Guerra que reconsiderasse tal decisão. Não logrou
êxito. Com o seu afastamento da corporação militar do Piauí e a perda da sua
insígnia de 2º sargento, sem o devido amparo do Governo, a pobre moça se viu
completamente abandonada em terras estranhas. O mundo desabou aos seus pés.
Seus sonhos e ideais, tudo acabado. Desiludida, Jovita decidiu voltar para o
Piauí. Mas retornar como, se não tinha dinheiro para comprar suas passagens de
volta?
Vendo o estado de desolação e
penúria em que se encontrava Jovita Feitosa, um grupo de admiradores da valente
nordestina, e com o apoio de empresários do setor de teatro do Rio de Janeiro,
consegue realizar alguns dramas e espetáculos com a finalidade de arrecadar
fundos para ajudar a incompreendida voluntária da Pátria na aquisição de
passagem e outras despesas no navio que a levaria de volta para província do
Piauí.
A decadência
Em meados de outubro de 1865,
Jovita Feitosa, tendo recebido o dinheiro arrecadado por aquela generosa gente,
retorna para o Piauí a bordo de um vapor que partia com destino aos portos do
Norte. Nos primeiros dias de outubro, Jovita desembarca em São Luís para, em
seguida, embarcar no vapor Camossim rumo à cidade de Parnaíba no Piauí. Por
motivo ignorado, a ex-voluntária não pode tomar aquela embarcação, tendo a
mesma que viajar por terra para o Piauí. Sobre esse acontecido, o jornal
PUBLICADOR MARANHENSE, de 16 de novembro, publica um expediente do Governo da
província do Maranhão, datado do dia 13 do mesmo mês, com os seguintes termos:
“ – Ao Exm. Presidente da
província do Piauhy. – Comunico a V.Exc. que Jovita Alves Feitosa, de que trata
o meu officio de 9 do corrente não poude seguir no vapor Camossim para a
Parnahiba, com destino a essa capital. Segue porem para Caxias, afim de
transportar se d’aquella cidade para essa.”
Chegando em Teresina, Jovita
hospeda-se na residência do Sr. Fernando Costa Freire, inspetor da tesouraria
de fazenda, em obséquio especial ao Sr. Presidente da Província do Piauí, Dr.
Franklin Dória. Aí permaneceu até o dia em que recebeu uma certa quantia que
estava aguardando do Rio de Janeiro, como parte do dinheiro arrecadado em
campanha a seu benefício. Nesse mesmo dia, a ex-voluntária, a bordo do vapor
Paranaguá, parte para o porto de São Gonçalo, hoje cidade de Amarante. De lá,
Jovita Feitosa segue, por terra, até a casa de seu tio Rogério Alves Feitosa,
em Jaícó-PI.
Entretanto, a jovem sertaneja
cearense não se conservou em Jaicós por muito tempo. Com seu espírito
determinado para aventuras, deslumbrada ainda pelas luzes de uma cidade grande,
e vendo que os seus dias, na casa do seu Tio Rogério, tornavam-se intensamente
monótonos e intermináveis, observa que sua família denotava incompreensões
sobre sua conduta recente. Então decide morar em definitivo na Corte. A 18
março de 1866, chega no porto do Rio de Janeiro o vapor “PARANÁ” trazendo a
bordo vários passageiros, dentre os quais a nossa célebre heroína Jovita
Feitosa. Ao descer do navio, Jovita observou que as poucas pessoas que estavam
ali no local, apenas cumprimentavam seus próprios parentes que acabavam de
desembarcar. Não houve vivas, aplausos ou louvores para aquela ex-voluntária.
Sequer um olhar de curiosidade recebeu. Se recebeu, foi um olhar de
indiferença. Jovita Feitosa, o mais que depressa, saiu correndo dali a procura
de um lugar para ficar.
Os infortúnios e a tragédia
Daí em diante, quase nada se sabe
a respeito Jovita Feitosa, com exceção de outra chegada sua ao porto do Rio de
Janeiro, a bordo do vapor “Galgo”, vinda de Montevidéu, capital do Uruguai.
Segundo José Alves Visconti
Coaracy, no seu livro “Jovita a Voluntária da Morte”, conta que o motivo da
viagem da jovem cearense era empregar-se nos hospitais de sangue, como expiação
de suas culpas. Não conseguindo o emprego nessa Capital, Jovita parte para
Buenos Ayres. Lá também não obtém êxito. Bastante resignada e com tantas
contrariedades, a ex-voluntária volta para o Rio de Janeiro. Esse retorno, na realidade, ocorreu em 8 de
janeiro de 1867, conforme registros de saídas e entradas dos postos da Corte,
publicados na edição do dia seguinte do jornal CORREIO MERCANTIL (RJ).
Na metrópole, Jovita viveu alguns
amores fortuitos, até conhecer um homem que pensava ser o grande amor de sua
vida.
Sobre a vida de Jovita daí em
diante, alguns jornais da época fazem graves insinuações a seu respeito. Por
exemplo, há citações que Jovita “balda em recursos, sem amparo, deixou-se
transviar-se”; ou “era uma das elegantes do equívoco”. Ou ainda “arremessou-se
no caminho da perdição e da amargura”, como disse o historiador Pereira de
Vasconcelos (Seleta Piauiense).
Entretanto, também se verifica
notícias veiculadas em jornais defendendo a honra da sertaneja. Veja, por exemplo,
um editorial publicado no jornal A IMPRENSA (PI), do mês de setembro de 1865,
que contesta com veemência um artigo do jornal MODERAÇÃO, sob o título de
“Escandalo”, onde um jornalista chama a cearense de prostituta sem, contudo,
mencionar-lhe o nome. Diz o editorial da A IMPRENSA:
“O artiguista da Moderação, a
quem cabe a gloria de ter-lhe substituído a consagração popular de heroína pelo
apitheto afrontoso que se cospe na face da mulher perdida, não ignora que a
Jovita, aqui chegando ultimamente, de volta do Rio, foi logo hospedada, em
obséquio especial ao Exmo. Sr. presidente, em casa do honrado pae de família, o
Sr. Fernando Costa Freire, inspector da tesouraria de fazenda”.
O personagem-autor do já citado livro
romance-histórico, o amigo e confidente da nossa heroína, narra que Jovita
passou por diversos episódios e se afeiçoou muito a um amante. Na verdade,
apaixona-se loucamente por um homem, mesmo sentindo da sua parte habitual indiferença. Na vida real, o amante
chamava-se William Noot, um engenheiro inglês que veio trabalhar
temporariamente na companhia de esgotos do Rio de Janeiro. Nesse tempo, Jovita
morava com uma amiga na rua das Mangueiras nº 36. Já o amante residia em um
quarto alugado em uma casa situada na praia do Russel nº 43, não tão distante
da casa de Jovita.
Esse cavalheiro da Inglaterra,
tendo terminado o contrato com a companhia do Rio, partiu de imediato para a
sua pátria. Quando soube da notícia que seu homem tinha retornado para
Inglaterra, Jovita, muito surpresa, entrou em estado de choque e comoção; uma
profunda tristeza lhe abateu, levando-a a pensar até mesmo tirar sua própria
vida. Correu mais que depressa para a casa do amante. Lá chegando, por volta de
3 horas da tarde, foi informada por uma empregada que de fato o rapaz havia
mesmo retornado para a pátria distante. Jovita pediu a empregada da casa para
entrar no quarto que até então servira de dormitório para o amante e também
para seus encontros amorosos. Jovita pede também à empregada papel e tinta.
Chegando no quarto, senta-se na cama, e começa a escrever alguma coisa.
Dois dias depois, lê-se no Jornal
do Comércio (de Sexta-feira, 11 de outubro de 1867) a seguinte manchete:
"Suicídio"
“Suicidou-se ante-hontem de tarde, na casa da
praia do Russel n. 43, Jovita Alves Feitosa, natural do Ceará, a mesma que
viera para esta côrte com o posto de sargento de um batalhão de voluntários
d’aquella província, e que tendo depois tido baixa aqui ficou residindo. ”
O Correio Mercantil (RJ) também
publica matéria sobre o suicídio de Jovita Feitosa, acrescentando dentre outros
detalhes, o seguinte:
“Ante-hontem pelas 6 horas da
tarde, a chamado do Sr. tenente-coronel João Frederico Russel, dirigiu-se o Sr.
subdelegado da freguesia da Gloria, a uma das propriedades daquelle senhor, na
praia do Russel n. 43, [...] e, penentrando, acompanhado do respectivo
escrivão, peritos e testemunhas, em um dos quartos da casa, que até á véspera
daquelle dia servira de dormitório ao engenheiro da companhia de esgotos
William Noot, o qual seguira no último paquete para a Europa, encontrou
atravessada sobre uma cama de ferro, com as pernas pendentes ao chão e a face
voltada sobre o lado direito, o cadáver da infeliz Jovita, tendo implantado
obliquamente da esquerda para a direita e de cima para baixo, na região
precordial, um canivete em forma de punhal, com cabo de madreperola.”
Diz ainda a citada matéria que no
bolso do vestido de sarja preta que trajava a pobre moça foi encontrado um
bilhete, duas fotografias de Noot, alguns escritos deste, entre os quais uma
carta em inglês que comunicava à Jovita que estava partindo para a Inglaterra,
e também várias poesias manuscritas. A carta do amante nunca foi Lida por
Jovita, uma vez que esta não dominava o vernáculo inglês.
No bilhete deixado por Jovita,
assim estava escrito: “Não culpem a
minha morte á pessoa alguma. Fui eu que me matei. A causa só Deus sabe”.
Sobre esse suicídio, o Jornal
CORREIO MERCANTIL acrescenta em sua notícia que se não fosse a ação de um
caridoso senhor de mais de 60 anos, empregado do depósito da Santa de
Misericórdia do Rio de Janeiro, ganhando um irrisório salário, o corpo de
Jovita Feitosa teria sido enterrado na vala comum do cemitério do Caju. Esse
senhor, em cujo peito carrega uma medalha da Independência, chamava-se
Francisco Mendes de Araújo, combatente da campanha da Bahia, onde foi ferido
nos combates. Esse velho soldado foi quem com suas benfazejas mãos pedira a
diversas pessoas uma esmola para que a infeliz ex-voluntária tivesse uma
sepultura, embora humilde, mas em cova separada.
“Por mais degradante que tenha
sido a existência de Jovita nos últimos tempos, a história de sua vida torna-se
digna de compaixão”, finaliza a notícia do o jornal Correio da Manhã, de 11 de
outubro de 1867.
Para as considerações finais
sobre essa valorosa mulher que veio dos sertões de Inhamuns-CE para
transformar-se em um belo exemplo de patriotismo, recorro ao conceituado
jornalista e escritor oeirense Bugyja Britto que, com muita propriedade, disse
a respeito da sofrida heroína cearense: “Jovita Alves Feitosa, com a sua
história triste e épica, deve ser considerada com a mais alta expressão de
civismo e de bravura da mulher nortista-brasileira. ”
(*) Chico Acoram é funcionário
público federal, contador e cronista
Fonte: blog Folhas Avulsas
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