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Muriçoca de pé de ouvido
Antônio de Pádua Marques
Escritor e jornalista
Nunca
conheci lugar pra ter mais muriçoca do que no bairro de Fátima, talvez só o
bairro São José. O como chamavam os mais antigos, Macacal. Era de manhã, de
tarde de noite, sábado, domingo, dia santo. Era coisa de ficar num canto e em
menos do que se esperava lá vinha um magote cantar no seu pé do ouvido. Não
tinha, creio que até hoje seja assim, hora e lugar pra elas incomodarem.
Era
inverno e verão e elas fazendo e acontecendo. Quando nascia um menino as mães
já ficavam tristes com a mão na cabeça e se preparando com um mosqueteiro pra
livrar a criança das agulhadas dolorosas e covardes daqueles insetos. Que não
respeitavam cara fosse rico ou fosse pobre. Mais de preferência filho de pobre
porque filho de pobre precisa ficar logo desde cedo com o couro grosso pra
aguentar as lapadas da vida.
À
noite elas vinham cantar no seu pé do ouvido tão logo as lamparinas eram
acesas. E lá pelos anos de 1969 quando tudo em quanto foi casa ganhou luz
elétrica, as muriçocas se passaram pra dentro de casa sem cerimônia. Quando
apareceu televisão na Parnaíba elas assistiam novela e o Jornal Nacional, junto
com a gente, na sala e dando opinião na vida dos artistas, na política e na
vida alheia sem terem sido chamadas.
Sofrimento
mesmo se deu foi com os pobres velhinhos do Abrigo São José, lá perto da
vacaria do Ioiô Pires, na hoje deserta avenida Primeiro de Maio. Certa vez um
conhecido meu foi lá por volta da boca da noite e em lá chegando as muriçocas
estavam feito nuvem na cara dos pobres velhinhos. Tinha delas entrando na boca
dos que nem tinham como se defender. Mais
um pouco e elas comiam os pobrezinhos vivos.
Judiação
essa. Não tinha um filho de Deus pra espantar. Não tinha ninguém pra levar um
caneco dágua. Porque se existe gente que sofre e sofre mais que sovaco de
aleijado, é velho em asilo. Vive rebolado pra cima e pra baixo feito mulambo. E
falando em mulambo, tinha gente no bairro de Fátima que se danava a queimar
pano velho pra espantar muriçoca. Tinha gente que queimava merda de vaca.
Mas
agora as muriçocas ganharam nomes e sobrenomes. Andam de carro do ano,
frequentam restaurantes, vão tomar caldo no Zé do Santos, ali perto do mercado,
uma cervejinha e cachaça no Bar da Fefa
ou encompridar conversa no Barbeirinho enquanto esperam a hora de serem
atendidas. Tem muriçoca que passa a semana inteira no bar da Vera Coutinho. Falam de um tudo. De política ao futebol. Dão
palpites sobre economia sem nunca terem estudado esta ciência.
Falam
de traições, de quem fuma maconha ou cheira cocaína. Falam de quem é suspeito
de andar pegando no alheio. De quem é corno ou tem filho viado e filha sapatão.
Falam de Bolsonaro, do Wellington Dias, do Mão Santa. Criticam as decisões
sobre esse negócio de armas de fogo. Falam agora dessa peleja pela posse da
Agespisa e que ainda vai derramar muita água pelo caminho. Dão ideias pra
desenvolver a Parnaíba e isso e mais aquilo. Pra essas não tem Baigon que dê
jeito.
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