quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

EU QUERO UMA CASA NO CAMPO



EU QUERO UMA CASA NO CAMPO

José Pedro Araújo
Romancista, contista, cronista e historiador

Tempos atrás fizeram uma enquete entre os paulistanos para saber qual o sonho de consumo de cada um deles. Os pesquisadores se surpreenderam com as respostas recebidas. Percentual elevado dos pesquisados respondeu que gostaria muito de possuir uma casinha no campo para descansar das correrias do dia-a-dia na Paulicéia desvairada, onde pudessem criar galinhas e ouvir os pássaros cantar.  O mais surpreendente é que boa parte dos que responderam isso, nunca havia morado no campo. Alguns, sequer descendiam diretamente de família interiorana. Esse atavismo era proveniente de antepassados que se perderam nas brumas do tempo, logo apareceram os especialistas com uma justificativa.

Quando a revista Globo Rural foi lançada, escolheram o poeta Carlos Drummond de Andrade como padrinho da publicação. Nesse período, grande nomes da literatura brasileira foram convidados a contribuir com um texto sobre o que mais lembravam do campo. E eles escreveram sobre pessoas, animais, paisagens, acontecimentos ou, simplesmente, deixaram que a mente navegasse pelo espaço criativo. Literatos como Raquel de Queiroz, Milton Hatoum, Marcos Reis, Dias Gomes, e o próprio Drummond, encheram as páginas da revista com textos repletos de saudosismo. Drummond, por exemplo, logo no exemplar de lançamento da revista, esgotou-se em saudades da fazenda da família em Minas. Sob o título “A Fazenda que Desapareceu do Mapa”, ele relembrou com tristeza “Às vezes me assalta o remorso de, sendo filho, neto e bisneto de fazendeiros, ter contribuído para que morresse a nossa fazenda. No momento em que chegou a minha vez de trabalho no campo, fugi da responsabilidade, alegando falta de jeito para lidar com a terra e com os animais. Cedi a minha parte e fui cuidar de nuvens, no exercício da literatura. Passaram-se os tempos, e a fazenda acabou vendida a uma empresa estatal, que ali instalou uma represa para depósito de rejeito do minério de ferro por ela explorado. Assim terminou, submersa, a Fazenda do Pontal, antiga dos Doze Vinténs, ou Fazenda dos Doze”.

Naquele momento o poeta devia está saturado de tudo o diz respeito à cidade grande. Cansado da violência urbana, do barulho e da fumaça dos veículos; do trânsito retido e das filas intermináveis nos bancos e nas repartições públicas. Assim como ele, quando estou perdido no meio do trânsito ou retido por longos e longos minutos na fila do açougue, como aconteceu hoje, por exemplo, bate-me uma vontade de estar naquele momento sob a proteção de uma árvore no campo ou mesmo à sombra de um alpendre refestelado em uma cadeira espreguiçadeira só acompanhando a passagem do tempo sem pressa.  Já houve um tempo em que pensei diferente, quando ainda morava no meu velho Curador. Encapsulado na juventude dos meus treze, quatorze anos, entediava-me com a calma da cidade pequena e quase sem movimentação. E nesses instantes, imaginava-me fugindo da calmaria e indo residir em uma cidade maior e mais movimentada. Um lugar vibrante, onde houvesse cinemas, estádios de futebol, televisão, bancas de jornal, e meios de transporte que me levasse para onde eu quisesse ir. Cheguei a ficar empolgado quando soube, ao término do ginásio, que esse tempo havia chegado para mim.

Como estava enganado! Hoje, quase não vou ao cinema ou aos campos de futebol. Por sua vez, nas cidades pequenas, o futuro chegou trazendo a televisão digital para mostrar os grandes jogos de futebol, a internet por lá também aportou e disponibilizou aos “matutos”, notícias do que acontece no mundo no instante em que o fato acontece. Até mesmo as TV’s por assinatura e os “streams” com filmes e shows musicais em quantidades mais do que suficiente para suplantar a vontade de qualquer cinéfilo, fez-se presente nos lugares mais remotos. E mesmo que você resida no mais profundo de uma floresta, os sinais de tevê ou a internet chegam até você, pois a energia elétrica pode ser gerada em placas fotovoltaicas instaladas no seu próprio teto.

Muitos citadinos ainda acham que o campo é lugar para bicho-grilo. Meu filho Bruno, por exemplo, afirmou-me diversas vezes não gostar do campo. E arrematava a frase com uma série de argumentos. Senhor da sua verdade, e para encerrar o assunto, dizia-me peremptório até sentir falta da fumaça dos escapamentos dos automóveis. Talvez, algum dia, ele ainda venha a mudar de ideia. Pois em épocas não tão remotas assim, vivia a me atormentar durante as viagens quando colocava no toca-fitas do carro um cassete dos Beatles ou do Creedence. Anos depois, surrupiou-me quase toda a minha coleção de CD de rock dos velhos tempos. Mas sei que não é fácil mudar o pensamento da geração do vídeo game e do RPG.

De minha parte, ando com uma vontade imensa de criar umas galinhas, ordenhar umas vaquinhas e saturar-me de música ouvindo o canto estriduloso da cigarra. Dormir, enfim, ouvindo o coaxar dos sapos e não o som estrondoso dos motores a combustão. E se na casa com alpendre largo e entre árvores sombrosas, puder ligar o meu notebook na internet ou a tevê a cabo para assistir aos jogos do meu time favorito, melhor ainda. Tudo isso enquanto na cozinha, no fogão à lenha, está sendo preparado um belo tira-gosto para acompanhar uma gelada “empoada” extraída do congelador que mais parece uma calota polar.

Então ficamos assim. Quero voltar para o campo, mas na companhia de algumas modernidades das quais não posso mais me separar. E então cantar como o Zé Rodrix:

“Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar do tamanho da paz...
Eu quero carneiros e cabras pastando
Solenes no meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas”.   

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