EU QUERO UMA CASA NO CAMPO
José Pedro Araújo
Romancista, contista, cronista e
historiador
Tempos atrás fizeram uma enquete
entre os paulistanos para saber qual o sonho de consumo de cada um deles. Os
pesquisadores se surpreenderam com as respostas recebidas. Percentual elevado
dos pesquisados respondeu que gostaria muito de possuir uma casinha no campo
para descansar das correrias do dia-a-dia na Paulicéia desvairada, onde
pudessem criar galinhas e ouvir os pássaros cantar. O mais surpreendente é que boa parte dos que
responderam isso, nunca havia morado no campo. Alguns, sequer descendiam
diretamente de família interiorana. Esse atavismo era proveniente de
antepassados que se perderam nas brumas do tempo, logo apareceram os
especialistas com uma justificativa.
Quando a revista Globo Rural foi
lançada, escolheram o poeta Carlos Drummond de Andrade como padrinho da
publicação. Nesse período, grande nomes da literatura brasileira foram
convidados a contribuir com um texto sobre o que mais lembravam do campo. E
eles escreveram sobre pessoas, animais, paisagens, acontecimentos ou, simplesmente,
deixaram que a mente navegasse pelo espaço criativo. Literatos como Raquel de
Queiroz, Milton Hatoum, Marcos Reis, Dias Gomes, e o próprio Drummond, encheram
as páginas da revista com textos repletos de saudosismo. Drummond, por exemplo,
logo no exemplar de lançamento da revista, esgotou-se em saudades da fazenda da
família em Minas. Sob o título “A Fazenda que Desapareceu do Mapa”, ele
relembrou com tristeza “Às vezes me assalta o remorso de, sendo filho, neto e
bisneto de fazendeiros, ter contribuído para que morresse a nossa fazenda. No
momento em que chegou a minha vez de trabalho no campo, fugi da
responsabilidade, alegando falta de jeito para lidar com a terra e com os
animais. Cedi a minha parte e fui cuidar de nuvens, no exercício da literatura.
Passaram-se os tempos, e a fazenda acabou vendida a uma empresa estatal, que
ali instalou uma represa para depósito de rejeito do minério de ferro por ela
explorado. Assim terminou, submersa, a Fazenda do Pontal, antiga dos Doze
Vinténs, ou Fazenda dos Doze”.
Naquele momento o poeta devia
está saturado de tudo o diz respeito à cidade grande. Cansado da violência
urbana, do barulho e da fumaça dos veículos; do trânsito retido e das filas
intermináveis nos bancos e nas repartições públicas. Assim como ele, quando
estou perdido no meio do trânsito ou retido por longos e longos minutos na fila
do açougue, como aconteceu hoje, por exemplo, bate-me uma vontade de estar
naquele momento sob a proteção de uma árvore no campo ou mesmo à sombra de um
alpendre refestelado em uma cadeira espreguiçadeira só acompanhando a passagem
do tempo sem pressa. Já houve um tempo
em que pensei diferente, quando ainda morava no meu velho Curador. Encapsulado
na juventude dos meus treze, quatorze anos, entediava-me com a calma da cidade
pequena e quase sem movimentação. E nesses instantes, imaginava-me fugindo da
calmaria e indo residir em uma cidade maior e mais movimentada. Um lugar
vibrante, onde houvesse cinemas, estádios de futebol, televisão, bancas de
jornal, e meios de transporte que me levasse para onde eu quisesse ir. Cheguei
a ficar empolgado quando soube, ao término do ginásio, que esse tempo havia
chegado para mim.
Como estava enganado! Hoje, quase
não vou ao cinema ou aos campos de futebol. Por sua vez, nas cidades pequenas,
o futuro chegou trazendo a televisão digital para mostrar os grandes jogos de
futebol, a internet por lá também aportou e disponibilizou aos “matutos”,
notícias do que acontece no mundo no instante em que o fato acontece. Até mesmo
as TV’s por assinatura e os “streams” com filmes e shows musicais em
quantidades mais do que suficiente para suplantar a vontade de qualquer
cinéfilo, fez-se presente nos lugares mais remotos. E mesmo que você resida no
mais profundo de uma floresta, os sinais de tevê ou a internet chegam até você,
pois a energia elétrica pode ser gerada em placas fotovoltaicas instaladas no
seu próprio teto.
Muitos citadinos ainda acham que
o campo é lugar para bicho-grilo. Meu filho Bruno, por exemplo, afirmou-me
diversas vezes não gostar do campo. E arrematava a frase com uma série de
argumentos. Senhor da sua verdade, e para encerrar o assunto, dizia-me
peremptório até sentir falta da fumaça dos escapamentos dos automóveis. Talvez,
algum dia, ele ainda venha a mudar de ideia. Pois em épocas não tão remotas
assim, vivia a me atormentar durante as viagens quando colocava no toca-fitas
do carro um cassete dos Beatles ou do Creedence. Anos depois, surrupiou-me
quase toda a minha coleção de CD de rock dos velhos tempos. Mas sei que não é
fácil mudar o pensamento da geração do vídeo game e do RPG.
De minha parte, ando com uma
vontade imensa de criar umas galinhas, ordenhar umas vaquinhas e saturar-me de
música ouvindo o canto estriduloso da cigarra. Dormir, enfim, ouvindo o coaxar
dos sapos e não o som estrondoso dos motores a combustão. E se na casa com
alpendre largo e entre árvores sombrosas, puder ligar o meu notebook na
internet ou a tevê a cabo para assistir aos jogos do meu time favorito, melhor
ainda. Tudo isso enquanto na cozinha, no fogão à lenha, está sendo preparado um
belo tira-gosto para acompanhar uma gelada “empoada” extraída do congelador que
mais parece uma calota polar.
Então ficamos assim. Quero voltar
para o campo, mas na companhia de algumas modernidades das quais não posso mais
me separar. E então cantar como o Zé Rodrix:
“Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar do tamanho da
paz...
Eu quero carneiros e cabras pastando
Solenes no meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas
cansadas”.
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