DIÁRIO
[Felipe Mendes: Economia e Desenvolvimento do Piauí]
Elmar Carvalho
19/05/2020
No dia 14 tive uma longa conversa telefônica com o confrade
Felipe Mendes, escritor e economista renomado, sobre assuntos diversos do
Piauí, incluindo sua economia, aspectos sociais, administrativos, financeiros,
políticos e históricos.
Por ter sido deputado federal,
vice-governador, secretário de estado da Fazenda, do Planejamento, e secretário
municipal de Teresina nas pastas do Planejamento e de Finanças, além de
professor do Curso de Economia da UFPI, ele é profundo conhecedor da
administração, da economia e do planejamento do Estado do Piauí. Exerceu seus
cargos públicos com probidade, eficiência e dedicação, como um verdadeiro
servidor público e estadista, com o olhar voltado para o interesse social e com
espírito público.
No final da
conversa, ele me pediu meu endereço; dei-lhe também os necessários pontos de
referência, para uma mais eficaz localização. Um pouco mais tarde, chegava à
portaria do condomínio onde moro a 2ª edição (2019) do importante livro
Economia e Desenvolvimento do Piauí, publicado pela Editora da Universidade
Federal do Piauí, que no ano vindouro completará 50 anos de bons serviços
prestados à educação superior de nosso estado. Na folha de rosto encontra-se a
amável dedicatória: “Ao amigo e confrade Elmar Carvalho, com estima e
admiração, Felipe – 14.05.2020.” Desnecessário dizer que é verdadeira a
recíproca.
Neste
registro, referente ao livro de Felipe Mendes, me servirá de mote o pequeno
comentário de Teresinha Queiroz, de apenas seis linhas, inserto em sua
contracapa, assim como usarei, como aperitivo ou chamariz para futuros
leitores, algumas passagens, sobretudo as do capítulo 1 – O Piauí em 1950, da
Terceira Parte, que traz a seguinte epígrafe, da lavra de Renato Castelo
Branco, com quem tive a honra de manter correspondência pelos Correios na
década de 1980: “[...] por um erro administrativo crônico, por um vício
hereditário dos nossos governos, temos preferido, até hoje, solucionar o
acessório, com abandono do fundamental.”
Confessou-me,
em outro telefonema, que a gênese de seu livro, ou pelo menos o que lhe
provocou o desejo forte de escrevê-lo, foi o ensaio Formação Econômica do
Piauí, de sua autoria, publicado originalmente no livro Piauí – formação –
perspectivas – desenvolvimento, organizado pelo professor R. N. Monteiro de
Santana, editado em 1995, do qual constituía o
capítulo III.
Sem dúvida o magistério superior de
economia, as longas e profundas leituras e a experiência e conhecimento
adquiridos nos importantes cargos públicos que exerceu lhe possibilitaram
escrever essa importante obra, pioneira do ponto de vista do enfoque e
abordagem e da formatação do conteúdo.
Como o próprio autor admite na
“orelha”, a vertente edição teve pouca modificação em referência à primeira. Houve a necessária
correção de erros de digitação e de eventuais “cochilos” ortográficos. A quarta
parte foi suprimida para ser transformada “em versão eletrônica da Quarta
Parte, constituída pelo Documento dos Governadores e a Cronologia Histórica”.
Associaram-se a esse adendo
eletrônico os arquivos de fotografias e vídeos relacionados com os temas
abordados no livro, que evidentemente não poderiam integrar a edição impressa.
Tanto o conteúdo do livro físico como essa parte eletrônica estarão integrados
no site felipemendes.com.br, em fase de construção.
De fato, em sua seara, é
enciclopédico, como disse Teresinha Queiroz, pela quantidade e diversidade de
informações que contém. Sem dúvida, é também uma obra de consulta, e abarca um
amplo corte cronológico, que se estende do período colonial aos nossos dias.
Sem pretensão a fazer exercício de futurologia, o autor, com fundamento em suas
análises e diagnósticos, aponta prognósticos e perspectivas coerentes com a
nossa realidade, e não fantasiosos ou ufanistas.
Não apenas nos fornece informações e
dados, mas os coteja, quando necessário. E os analisa e interpreta de forma
perspicaz, de modo a esclarecer ou justificar os fatos e fenômenos de nossa
economia. Lança luz em nossos sucessos e insucessos econômicos, em diferentes
períodos de nossa história, apontando os “erros e acertos de nossos ancestrais
e contemporâneos”, conforme escreveu Teresinha Queiroz, que além da notável
historiadora que todos conhecemos, é também afeita aos estudos da economia.
Além de expor os dados, os fatos e
informações de forma clara e objetiva, o autor os ilustra com quadros, tabelas
e gráficos, cujos dados e informações são analisados, esclarecidos e
interpretados de forma didática, sem filigranas ou firulas sibilinas, com que
muitos pretendem fazer pose de profundos. Assim, esses quadros demonstrativos
são uma síntese do objeto da dissertação e ao mesmo tempo a sua comprovação
estatística.
Não é uma obra maçante ou meramente
técnica, recheada de hermético economês. Ao contrário, é permeada pela história
social, econômica, política e administrativa do Piauí, o que torna atraente e
agradável a leitura. Para melhor condimentar esta crônica e fazê-la mais
atrativa, pinçarei alguns tópicos, de forma sintética, do aludido capítulo 1 da
Terceira Parte.
No ano de 1950, o nosso estado
ultrapassou mais de um milhão de habitantes, conforme o censo demográfico desse
ano. Contudo, de cada quatro piauienses, de 10 ou mais anos de idade, apenas um
era alfabetizado. Essa faixa etária totalizava 702.424 habitantes, dos quais
apenas 591 “afortunados”, como os classificou o autor, possuíam curso superior
completo.
A estatística não era e nunca foi
cruel; cruel era a realidade que ela expressava. De fato, a estatística não tem
coração, mas apenas deve ser a pura expressão da verdade. No mesmo ano acima
referido, a taxa de mortalidade infantil era alta: de cada mil nascimentos,
146,54 infantes morriam. Ainda assim era relativamente favorável, se comparada
com a do Nordeste, que era de 176,34.
Somos informados de que, no início da
segunda metade do século XX, o Piauí amargaria uma de suas piores crises, com a
chegada do fim do ciclo do extrativismo vegetal associado ao comércio exterior,
cujas atividades possibilitaram, a partir do final do século XIX, “um período
de prosperidade singular na história do Estado”.
O autor nos informa que “as
exportações de cera de carnaúba, iniciadas em 1894, as de babaçu, em 1911, e as
de borracha de maniçoba”, que alcançaram seu auge no período de 1900 a 1920,
tornaram possível o Piauí alcançar, na primeira metade do século passado,
relevante posição no conjunto das exportações de nosso país. O fim da Segunda
Guerra Mundial, em 1945, teria determinado a queda dos preços desses produtos,
sobretudo da cera de carnaúba e do babaçu.
A borracha da maniçoba, no início do
século XX, que teve sua exploração impulsionada pela nascente indústria
automobilística nos Estados Unidos e na Europa, foi sufocada pela produzida na
Malásia, o que também aconteceu, ainda em proporções maiores, com a produzida
nos seringais do Acre.
A vontade de mostrar outros dados,
informações e análises contidos na obra em comento é enorme, todavia devo me
curvar ao fato de que não devo subtrair ao leitor o prazer de beber na fonte
límpida, fecunda e original do livro. E também não desejo fazer uma espécie de
spoiler.
Mas, como curiosidade e por ser
interessante, ainda um fato quero e devo comentar. Com o declínio do
extrativismo local, que prosseguiu até hoje, e do surgimento de outros produtos
extrativos de outros estados e regiões, as companhias de navegação
estrangeiras, com escritórios instalados em Parnaíba, começaram a encerrar suas
atividades, desde o final da Segunda Guerra Mundial até meados da década de
1950, o que mais agravou a crise econômica parnaibana.
Com o agravamento da crise, segundo
nos revela o livro, em 1957, a Companhia de Fiação e Tecidos Piauienses,
instalada em Teresina, deixou de funcionar, após 64 anos de existência. E nessa
derrocada econômica, pequenas fábricas de cigarro e quase dois mil engenhos,
produtores de cachaça e açúcar, situados em diferentes rincões do estado,
encerraram suas atividades.
Os pequenos engenhos, que inspiraram
Da Costa e Silva a fazer o seu célebre soneto, ficaram de fogo morto,
como no belo título do romance de José Lins do Rego. Restou apenas a saudade
dos pequenos engenhos de madeira, “movidos pelos bois tardos e sonolentos”, que
também povoam a poesia de Ascenso Ferreira: “Dos engenhos de minha terra / Só
os nomes fazem sonhar: // – Esperança !
/ – Estrela d’Alva ! / – Flor do Bosque ! / – Bom-Mirar !”
Todavia, esse capítulo também refere
os fatos auspiciosos da história social, administrativa e econômica de nosso
estado, tais como, em 1954, a fundação em Parnaíba da Federação da Indústria do
Estado do Piauí; o início do processo de organização e planejamento da
administração pública estadual, com a criação, em 1956, da Comissão de
Desenvolvimento do Estado – CODESE; a vinda, neste mesmo ano, do novo arcebispo
de Teresina, Dom Avelar Brandão Vilela, que além da ênfase que deu à solução de
problemas sociais, com a criação da Ação Social Arquidiocesana – ASA, fundou a
Rádio Pioneira de Teresina e a Faculdade de Filosofia – FAFI; e a fundação, por
um grupo de particulares, da Faculdade de Odontologia, cujo funcionamento
contou com o auxílio do governo estadual. O Piauí já dispunha da Faculdade de
Direito, instalada em 14/04/1931 e federalizada através da Lei nº 1254, de
04/12/1955.
Podemos dizer que essas três
faculdades e mais a de Administração de Empresas (Parnaíba) e a estadual de
Medicina foram a semente ou o embrião da Universidade Federal do Piauí, criada
em 1968 e instituída pelo Decreto nº 64.969, de 11/08/1969, conforme
informações colhidas no monumental Dicionário Histórico e Geográfico do Estado
do Piauí, de Cláudio Bastos, para cuja publicação tive a honra de contribuir, na época em que fui presidente do Conselho Editorial da Fundação Cultural
Monsenhor Chaves. Sua instituição pelo Poder Executivo fora autorizada pela Lei
nº 5.528/68. Foi instalada em 01/03/1971, e no próximo ano completará, como
dito, meio século de relevantes serviços educacionais, culturais, hospitalares
e editoriais prestados ao Piauí.
Por fim, merece uma menção honrosa e
destacada a construção da Barragem de Boa Esperança, que no livro de Felipe
Mendes teve uma longa abordagem, inclusive em seu aspecto histórico. A obra,
uma das mais importantes em nosso estado, foi iniciada no princípio do governo
do marechal Humberto de Alencar Castelo Branco e concluída em 1970.
Também mereceu um percuciente, embora
sintético estudo o panorama político que se desdobrou de 1947 até 1960, em que
analisou as eleições e os embates políticos e partidários, as mazelas
econômicas e eventuais conquistas, bem como as crises administrativas. Por
conseguinte, comentou as eleições de José da Rocha Furtado, Pedro de Almendra
Freitas, Jacob Manuel Gayoso e Almendra e Chagas Rodrigues.
Nesta segunda edição foram
acrescentados os capítulos 6 e 7, que versam fatos ocorridos a partir de 2000,
de forma resumida, mormente quanto aos aspectos sociais, econômicos e ao “papel
do governo estadual no processo de desenvolvimento do período”. O livro, como
já tive oportunidade de afirmar, é recheado de fatos históricos e políticos,
que terminam comprovando que os problemas atuais de nosso estado vêm de um
tempo remoto. Afirma e demonstra que o progresso e o avanço econômico do Piauí,
nos últimos vinte anos, dependeu da iniciativa privada, e não de induções, de
estímulos e de obras estruturantes do governo estadual.
Teresinha Queiroz, em entrevista
publicada pela revista Revestrés (setembro/outubro de 2012), diz que “O IBGE,
em meados dos anos 50, publica a primeira pesquisa com o ranking dos estados
brasileiros. São Paulo aparece em primeiro lugar. O último era o Piauí. Essa
descoberta impactou fortemente a maneira como os Estados passaram a se
enxergar. O Piauí se tornou, a partir
daí, no discurso local e nacional, o pior Estado do Brasil. A ironia é que se a
pesquisa tivesse sido feita alguns anos antes, o Piauí estaria muito bem”. O
livro de Felipe Mendes, por suas análises e interpretações pautadas nos fatos,
na lógica e nos números, por suas informações, dados e quadros demonstrativos
estatísticos, além do volumoso conteúdo histórico que possui, no âmbito
econômico, social, administrativo e político, é uma fotografia e uma
radiografia do que disse a historiadora e economista.
Teresinha também afirmou, no breve comentário
da contracapa, que Economia e Desenvolvimento do Piauí já surgira como “um
clássico da cultura escrita piauiense”.
E pelo respeito e acatamento, que tem
merecido dos estudiosos e leitores ao longo de dezessete anos, permanece e há
de permanecer como um clássico, ocupando o pódio que merece ocupar.
É um trabalho de fôlego sobre a economia do Piauí.
ResponderExcluirPara o Piauí crescer precisamos, com urgência, de estradas, energia elétrica e saneamento. Temos sol, terra fértil e, com algumas adaptações, água. Temos gente e temos cultura. Falta coragem e boa vontade.
ResponderExcluirEm tempo, falta coragem e boa vontade daqueles que poderiam tornar realidade essas necessidades.
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