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O "Véi" na colação de grau em Ciências Contábeis |
José Ataide e sua esposa Vânia |
DIÁRIO
[A legenda de um homem de bem]
Elmar Carvalho
27/07/2020
Desde o início da semana passada que venho às voltas com um prefácio para o livro “Reminiscências de Minha Vida”, que são as memórias de José Ataide Torres Costa Filho, do qual tenho a honra de ser amigo e irmão maçônico há várias décadas. Estreitei amizade com o seu irmão Carlos Cardoso e com vários outros seus parentes, entre os quais citarei apenas o saudoso Otaviano, a Cristina do Vale e Silva, o craque futebolístico Augusto César e o escritor Francisco da Silva Cardoso. Dessa forma tomei a deliberação de tornar o referido texto preambular parte integrante deste Diário. Assim, sem necessidade de delongas, ei-lo abaixo:
A LEGENDA DE UM HOMEM DE BEM
Elmar Carvalho
Conheci José Ataide Torres Costa Filho, ou mais simplesmente Zé Ataide, em 1972, quando eu tinha 16 anos de idade, e ele um pouco mais. Eu era colega de aula e amigo do seu primo e vizinho Otaviano Furtado do Vale. Através deste fiz amizade com o seu irmão Carlos Cardoso. Nessa época passei a conhecer a professora Cristina do Vale e Silva, irmã do Tavico (acima citado com seu nome completo), e o seu falecido marido Tarcísio, um bom e cordato gigante. A Cristina tinha uma boa biblioteca, com clássicos da literatura brasileira e universal, e me emprestava famosos romances, que eu logo lia e devolvia, em busca de outros. Também, claro, conheci os pais do Zé Ataide e seus irmãos Antônio Francisco e Isabel.
Com o Otaviano, saudoso amigo, eu e o Carlos praticávamos
futebol, tomávamos as libações nos finais de semana, e íamos às festas e
tertúlias, no Campo Maior Clube, no Grêmio Recreativo e em casas particulares,
como era de praxe na época.
O Otaviano, que era uma espécie de líbero e faz tudo, poderia
atuar em sete ou mais posições, e chegou a ser goleiro (reserva) do Comercial,
em que jogava o seu irmão Augusto César, um dos melhores craques do futebol
campomaiorense, em seu estilo altivo e elegante, de quem disse no meu livro O
Pé e a Bola: “quarto zagueiro, bom no domínio, boa visão, inteligente
(...)”.
Circulávamos nas praças, sobretudo na Bona Primo e, às vezes,
fazíamos pequenas jornadas em nossas velhas bicicletas. Mas um ou dois anos
depois as famílias do Zé Ataide e do Otaviano foram morar em Fortaleza e
Teresina, respectivamente, e em junho de 1975 a minha se transferiu para
Parnaíba, de modo que demoramos a nos rever.
•
O tempo andou, virou e mexeu. Assumi, em setembro de 1975,
meu emprego na ECT (Empresa de Correios e Telégrafos), me formei em
Administração de Empresas (UFPI – Campus Ministro Reis Velloso – Parnaíba) e
passei em concurso do DASP para fiscal da extinta SUNAB, de cujo cargo tomei
posse no dia 10 de agosto de 1982, em Teresina, sede da Delegacia Regional.
Ainda em agosto ou setembro, no hotel da senhora Maru, no
início da Frei Serafim, perto da igreja de São Benedito e do Convento São
Francisco de Assis, recebi a visita do amigo Carlos Cardoso, que me convidou
para morar numa república, da qual ele fazia parte, instalada numa casa da
Avenida Jockey Club, que anos depois se transformou no Colégio Madre Savina.
Foi um tempo muito bom e feliz, mas que não comporta maiores detalhes neste
espaço. Meses depois o Carlos deixou o convívio republicano, por causa de seu
casamento, mas continuamos a nos rever e a nos telefonar com certa frequência.
Um belo dia, no escritório de contabilidade do Carlos, o Zé
Ataide, em presença de outro maçom, já falecido, me convidou a ingressar nos
augustos mistérios da Maçonaria. Sem dúvida, curioso como sou, devo ter feito
várias perguntas, sobretudo sobre meus deveres e responsabilidades. O certo é
que passei pela “investigação” de praxe, visita de comitiva a minha mulher, e
meses depois era iniciado em belo ritual maçônico. Portanto, considero que
adentrei na Sublime Ordem, atendendo convite de dois irmãos sanguíneos, ambos
meus amigos e velhos conhecidos.
A família do Zé Ataide e do Carlos, que já conhecia desde
minha adolescência, como disse, era bem constituída e tinha fortes princípios
religiosos e morais. O velho José Athayde também era maçom. Ele e sua esposa
dona Maria da Conceição (Maria Cardoso, como era mais conhecida em Campo Maior) trabalhavam, ele em seu escritório de contabilidade e
ela em sua casa, e acostumaram os filhos ao labor e ao senso do dever desde
meninos, tendo Zé Ataide, em sua meninice, prestado pequenos serviços a uma das
lojas maçônicas de Campo Maior.
De forma que os quatro filhos eram diferenciados, mais
sisudos e responsáveis que o comum dos adolescentes e jovens. Logo podíamos
perceber que jamais haviam sido “moleques” de rua, a fazerem peraltices,
conquanto vez que outra não tenham fugido à regra das brincadeiras próprias da
idade, como o autor confessa em seu livro. Mas o fato é que foram induzidos
pelos pais a bem cumprirem os seus deveres escolares e laborais, desde bem
jovens.
•
Na parte denominada Prelúdio o autor conta passagens
interessantes e pitorescas da vida de seus pais, de modo a lhes traçar uma
espécie de perfil biográfico, moral e de experiência de vida, quase um retrato
da personalidade paterna e materna, pelo qual podemos perceber os pais
amorosos, dedicados e responsáveis que eles foram.
Conta a experiência profissional de seu pai, como gerente de
empresa privada, como servidor público e como proprietário de importante
escritório contábil. Nesta última atividade, transmitiu seus conhecimentos aos
filhos e a José Antônio da Costa Filho, seu amigo e funcionário do Banco do
Brasil, que mais tarde lhe ajudou no processo de mudança para Fortaleza, onde
já residia. José Antônio, pelo que pude depreender da leitura destas
Reminiscências era um legítimo empreendedor, dotado de notável dinamismo, tanto
que fundou a SECREL, pioneira na capital Alencarina da contabilidade
informatizada.
Em 1981 essa empresa contábil se estabeleceu em Teresina, com
o concurso primordial dos servidores Vicente Miranda, Carlos Cardoso e Manoel
Teófilo Maia, tornando-se a pioneira em serviço contábil informatizado no
Piauí. Anos depois, Vicente Miranda fundou a sua própria empresa de informática
jurídica (STS – Informática Ltda.), que presta serviços de assessoria e
consultoria ao serviço público, sobretudo municipal, bem como se tornou notável
historiador e genealogista do Piauí e do Ceará, mormente da região da Ibiapaba
e adjacências. Carlos Cardoso instituiu e ainda hoje mantém o seu próprio
escritório de contabilidade, que presta serviços a várias e importantes
empresas teresinenses. Manoel Teófilo se tornou proeminente professor da
Universidade Federal do Piauí e do Instituto Federal do Piauí (antiga Escola
Técnica Federal).
Fala também dos irmãos, dos colegas de aula e de
brincadeiras, dos velhos professores, dos filhos, dos filhos e irmãos do
coração, dos colegas do serviço público e dos amigos que amealhou ao longo da
vida, claro que em breves palavras.
Veio a descobrir que a vida não é feita somente de luzes e
cores, de festas e de flores, quando foi testemunha ocular, ainda na infância,
da morte de dona Domingas Puba, uma vizinha, cujo desfecho ele narra de forma
pungente, quase dramática, nestas suas confissões.
Para ser sintético e não fazer um spoiler, importa dizer que
o autor relata fatos e episódios interessantes, singulares ou jocosos de sua
infância, como eventuais travessuras, suas e de familiares, as brincadeiras da
época, em que não havia brinquedos ou jogos eletrônicos, e a sua trajetória de
vida, com vitórias, conquistas e eventuais frustrações. Contudo, farei
referência, de forma concisa a alguns desses fatos e “causos”, para atrair a
curiosidade do leitor, como se fora um aperitivo, e assim fazê-lo ler o livro
na íntegra, em todos os seus pormenores.
Nas suas memórias vislumbramos as sonhadas e gostosas férias
de julho, passadas na fazenda Palestina, situada na beira do Parnaíba, no lado
maranhense, a seis léguas da cidade de Timon, onde aconteceram dois episódios
engraçados, em que foram protagonistas sua prima Dulce e seu irmão Carlos.
Basta que se veja o índice e se leiam alguns desses fatos e
“causos”, para que tenhamos uma ideia dos costumes de uma cidade interiorana
como Campo Maior, nos anos 60 e 70, quando o extrativismo econômico já se
encontrava no final de sua amarga derrocada, quando os velhos e pitorescos
cabarés, como o Isabelão (ou Zabelona) e os da Rua Santa Antônio, outrora bela e poeticamente
denominados “Zona Planetária”, já marchavam para o seu melancólico crepúsculo.
Anfion percorre os sulcos
dos discos das vitrolas e as
emoções são alinhadas pedra a pedra.
Apolo é qualquer moço feio
que nos vitrais Narciso se julga.
De repente, Átropos corta o fio da vida
que era tecido pelas Parcas lentamente
pelos golpes de facas, adagas ou estiletes
nas mãos de um velho Pã embriagado.
(...)
Através de suas páginas recordamos os encantados circos de
nossa infância, por natureza nômades, e a maioria mambembe, com seus
malabaristas e trapezistas e os engraçados palhaços, de espalhafatosos adereços
e roupas. Faz referência à antiga “procissão na carreira”, hoje extinta, que
percorria várias ruas no entorno da Matriz, por ocasião da abertura das
festividades. Lembramos os festejos de Santo Antônio, com suas barracas de
palha de carnaúba, a bandinha do Antônio Músico, os leilões gritados por Bilé Carvalho,
os foguetes e rojões, e as deslumbrantes estrelas da pirotécnica.
As novenas do padroeiro são realizadas na imponente catedral,
construída por iniciativa do pároco Pe. Mateus Cortez Rufino, no lugar da
vetusta igreja colonial, demolida em 1944, cuja origem remonta ao mestre de
campo Bernardo de Carvalho, fundador de várias cidades e igrejas no Piauí e no
Maranhão, que construiu a primeira igreja de Santo Antônio do Surubim em 1711,
a pedido de seu parente, o Pe. Tomé de Carvalho, vigário da Freguesia de Nossa
Senhora da Vitória, que então se estendia de Oeiras a Campo Maior.
Perlongando as páginas de seu livro, notamos que o autor, ao
contar a sua história ou o romance de sua vida, colheu o ensejo para relatar um
pouco da rica e antiga história de Campo Maior, bem como para falar, em
momentos apropriados, da antiga arquitetura de sua terra natal, dando ao leitor
uma ideia de alguns dos seus principais edifícios públicos, de suas praças,
logradouros e dos vetustos sobrados e casarões solarengos. Assim, discorreu
sobre o histórico de algumas dessas construções ou sobre as pessoas que lhe
deram o nome, entre as quais podemos citar o Estádio Deusdete Melo, o
Patronato, o Grupo Escolar Briolanja Oliveira, as praças Bona Primo e Rui
Barbosa, o Cine Nazaré, etc. Sobre este último tive ocasião de dizer:
“O Cine Nazaré, pertencente ao Sr.
Zacarias Gondim Lins, ficava ao lado da matriz, hoje Catedral de Santo Antônio
do Surubim, entre as praças Bona Primo e Rui Barbosa. Fui a algumas sessões
levado por meu pai (que também me levou a partidas de futebol e a espetáculos
circenses), quando ainda menino, e sozinho em minha adolescência.
Havia um grande anteparo com espelho, que separava o hall de entrada da sala de exibição propriamente dita. As cadeiras eram de madeira, e a parte para sentar era móvel, de forma que poderia ficar na vertical, quando desocupada. Parecia nele ter cadeira cativa a negra Dodó, esguia e um tanto espigada, descendente de escravos, trazida de Colinas (MA), segundo consta, pelo padre Benedito Portela; morava ela na Praça Bona Prima ou em seu entorno.
Como um Cérbero do bem, guardava-lhe a porta de entrada o senhor Estácio, pai do historiador padre Cláudio Melo. Só que, enquanto Cérbero era guardião de Hades, deus do reino das sombras subterrâneas, o velho Estácio vigiava a portaria de um paraíso, um Éden cinematográfico; ao passo que o monstruoso cão infernal fazia festas aos que entravam e impedia ferozmente a saída, o segundo exigia o bilhete de entrada e franqueava, com a maior prodigalidade, a saída.”
Deu um bom destaque ao nosso belo e pequenino Açude Grande, que deslumbra os turistas e todos os campomaiorenses, sobretudo os nostálgicos, que residem em plagas distantes. Eu, que em sua orla joguei futebol e em suas águas plúmbeas tomei banho, em minha adolescência, já tive o ensejo de o cantar em verso e prosa, pelo que peço licença para fazer duas breves transcrições de minha autoria:
"Açude Grande
apenas no nome, mas pequeno
na paisagem ampla dos descampados.
Tuas águas cinzentas
azularam-se em minha saudade.
Tuas águas barrentas
são tingidas de azul pelo
azul do céu que se espelha
em tuas águas de chumbo."
“O açude era o meu imenso mar-oceano.
O mar mesmo eu só conhecia na prosa poética de Iracema, a
linda índia de Alencar, de longos e escorridos cabelos negros, mais negros que
a asa da graúna: “verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a
jandaia nas frondes da carnaúba”...
As carnaúbas, com sua beleza esbelta, com suas palmas
farfalhando ao vento, com seus quebros e requebros de moça faceira e dengosa,
ornavam a orla sinuosa do açude.
O movimento do mar eu só conhecia através da tela panorâmica
e technicolor do velho Cine Nazaré, do senhor Zacarias, em filmes de pirata,
com sua perna de pau, caolho, braço de gancho, a carregar no ombro o indefectível
papagaio, tal como no rótulo do Ron Montilla, ou em filmes épicos de heróis ou
deuses da velha Grécia, com suas ilhas paradisíacas.”
•
Já me alongando além do que deveria, partirei agora para um
conciso arremate.
Além de suas memórias, de uma árvore genealógica, da memória
fotográfica e do Diário, feito por sua mãe, sobre o seu primeiro ano de vida, o
autor ainda dá uma significativa contribuição à historiografia genealógica do
Piauí, ao se reportar às estirpes Costa, a que pertence, e Veloso, de que faz
parte Vânia, sua esposa.
Retornando ao Piauí, já formado em engenharia agronômica, nos
idos de janeiro de 1978, Zé Ataide foi trabalhar na CIDAPI – Companhia de
Desenvolvimento Agropecuário do Piauí, empresa de economia mista, na qual exerceu
cargo de chefia de departamento, até a sua extinção, quando foi trabalhar na
Secretaria de Agricultura, em que se aposentou, sem nunca receber qualquer tipo
de punição, de modo que pode ser considerado um legítimo ficha limpa.
Porém, como se tudo isso não fora o bastante, em 2011, já
aposentado, ainda cometeu a proeza de ingressar no curso de Ciências Contábeis,
concluindo-o em fevereiro de 2015. Na sua turma era chamado carinhosamente
pelos seus jovens colegas de Véi, que certamente lhe admiravam a garra e a
força de vontade, que lhes serviam de estímulo e exemplo.
Ingressou na maçonaria, em oficina obreira vinculada à Grande
Loja do Piauí. Em virtude de fatos e atos administrativos dos quais discordava,
que no livro ele relata em detalhes, desligou-se da Potência a que
pertencia, e foi admitido no Grande
Oriente do Brasil/Piauí. Juntamente com alguns companheiros, entre os quais eu,
fundou a Augusta e Respeitável Loja Hiram Abib, que funciona no prédio da
Caridade II, loja mãe da maçonaria piauiense. Sentou no trono de Salomão
(exerceu o cargo de Venerável) e hoje preside a Assembleia Legislativa
Maçônica. Em resumo, é um maçom paradigmático, que se iniciou nos augustos
mistérios não para ser servido, antes para servir e prestar bons serviços à
sublime Ordem.
Flertou, paquerou, namorou, mas cedo se fixou em Vânia, com
quem construiu uma bem estruturada família, como a que seus pais haviam
constituído décadas atrás. O casal teve os filhos Olívia, médica, Larissa e
Liana, advogadas, e o caçula José Athayde Neto, formado em Ciência da
Computação.
Portanto, como engenheiro agrônomo plantou várias árvores,
que deram inúmeros frutos; como pai de família, teve bons filhos, que também
tiveram seus filhos. E agora escreveu este livro, que é, como eu disse, a
história ou o romance de sua vida. Assim, cumpriu o que o adágio recomenda:
plantou uma árvore, teve filhos e escreveu um livro.
Uma vida sem drama e sem tragédia, principalmente grega, mas
uma bela vida, de um homem digno, de um homem bom, de um homem que se consagrou
ao bem.
Batendo, por três vezes, o martelo, posso dizer que Zé Ataide
amou e buscou o belo, o bom e o bem.
O belo ele encontrou na beleza de sua família, o bom ele sempre o teve na bondade de seu coração, e o bem lhe foi inerente, através do bem que espargiu em sua vida digna e honrada.
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