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Ruas de Campo Maior
Celson Chaves
Professor e historiador
Fonte do texto e das fotos: Portal de Olho
As ruas de Campo Maior no século
XIX eram poucas. Elas interligavam-se a becos e vielas, que partiam em direção
à “baixa” do Cariri e Califórnia (1876), principais subúrbios da vila. Lá
residia parte dos escravos. A sede da vila também possuía a rua e a igreja dos
Negros. A taberna da prostituta Quitéria ficava na via mais afastada. As
famílias abastadas moravam no Largo da Matriz, onde fluía parte das pessoas.
Beco do “Paixão”, um dos quatro becos interligados à Avenida Vicente Pacheco. Mesmo vago, o Beco do “Paixão” é citado na literatura de memória por alguns autores. O historiador Marcus Paixão (2016) defende a tese de que o beco recebeu esta denominação popular em virtude de um parente seu, um cearense caixeiro viajante de sobrenome “Alves Paixão” que se hospedara numa das casas do referido beco, nos tempos em que os cearenses vinham à cavalos (tropas de mulas) negociar nas vilas do Piauí e do Maranhão. Campo Maior, era um dos entrepostos comerciais entre o Ceará e Maranhão, parada obrigatória para muitos comerciantes ambulantes. Apesar do nome ser antigo e reconhecido pela força da tradição, o Beco do “Paixão” nunca foi reconhecido em Lei pela Câmara e continua no mapa da cidade como uma das muitas ruas sem nome em Campo Maior.
As vias da vila eram um encanto,
mesmo desprovida de qualquer saneamento. Os escravos circulavam livremente, os
comboios das mulas dos tropeiros, carros de boi, jumentos e cavalos tumultuavam
o trânsito durante o dia. À noite, as ruas ficavam desertas. A escuridão
reinava. Os poucos lampiões ficavam acesos até o horário estabelecido. Eles
iluminavam apenas o Largo ou Praça da Matriz. A Cadeia Velha tinha seus
próprios lampiões. Extrapolava-se o horário do funcionamento dos lampiões nos
dias de festas cívicas e nos festejos de Santo Antônio. “Em noites de lua”
apagavam-se para economizar o azeite.
A vida fluía lentamente na vila.
O primeiro Mercado Público situava-se no Largo da Palma. A Câmara e o Tribunal
do Júri na rua do Nincho, instalados no charmoso sobradinho, cedido
gratuitamente pelo coronel e vereador Jacob Manoel de Almendra, o homem mais
rico da povoação. As vias surgiam espontaneamente. Muitas tinham nomes
sugestivos e não eram reconhecidas em lei pelo poder público. Não havia essa
preocupação.
A rua das Flores cruzava com a
rua do Sol. A rua do Norte atravessava a rua das Quintas. As linhas sinuosas da
rua Bandolim desaguavam na rua da Lagoa (rua dos Negros). A travessa do Curral
da Câmara, do Rosário… Na rua da Botica, residia um dos curandeiros da vila:
João Joaquim Mendes da Rocha ou João Antônio Pacheco, avô do senador Sigefredo
Pacheco, nosso maior expoente na política até hoje. Mesmo a vila sendo pequena
havia segregação urbana, como a rua dos Artistas, onde residiam os sapateiros,
pedreiros, alfaiates, marceneiros…
Rua da Lagoa (rua dos Negros), atual Maranhão. O escritor Marcos Vasconcelos fez um amplo roteiro histórico-sentimental da rua da Lagoa no livro Raízes de Pedra (2006). |
Os antigos nomes das ruas de
Campo Maior do período Imperial, batizadas pelos populares, começavam a serem
oficializadas pela Câmara com outros nomes, de personalidade e acontecimentos
que marcaram o Brasil no século XIX: a Independência, Guerra do Paraguai e
Proclamação da República. Assim trocam-se os nomes da rua do Sol, do Norte, das
Flores, do Negros, da Botica, …. por José Bonifácio, General Câmara, Riachuelo,
Benjamim Constante, Quintino Bocaiuva, 15 de Novembro…
O sentimento bairrista também
florescia no coração e na ideologia política da época. Com isso, surgem as
primeiras ruas batizadas com nomes de campo-maiorenses: rua coronel Antônio
Maria Eulálio, major Honório Bona, padre Fábio Costa…
A rua Senador José Eusébio era a
rua “rua dos fotógrafos” ao concentrar, entre o trecho da praça Rui Barbosa à
rua Siqueira Campos, os ateliês dos fotógrafos Agenor Azevedo, Joaquim Gomes e
o Braga Primo (para destacar os fotógrafos mais famosos).
Rua coronel Antônio Maria Eulálio (1913) [antiga Barão de Uruçuí (1898)]. A foto registra a carreta em comemoração ao Dia do Motorista (1962). Fotógrafo Raimundo Holanda. |
A literatura tem mantido um
diálogo com a cidade através de obras que revelam aspectos de algumas ruas em
Campo Maior. Um roteiro histórico-sentimental-literário. O poeta Elmar Carvalho
imortalizou a rua Santo Antônio, mesclando a mitologia greco-romana, a
astronomia e a sociologia dos cabarés. Por sua vez, o escritor Marcos
Vasconcelos em seu livro Raízes de Pedra fala sobre a degradação ambiental da
Lagoa que deu nome a rua.
As ruas da periferia, tão
decantadas em versos e prosas pelos escritores, quanto a assediada praça Bona
Primo, local de discursos e narrativas, é um exemplo da formidável criatividade
entre autores e suas origens. O cordelista altoense, Zé da Prata de visita na
casa do amigo Odilon, saiu à noite para fazer necessidades fisiológicas, quando
retornou viu que os calçados estavam cagados. E assim emendou uma quadrinha:
“Vesti o meu terno branco,
Calcei sapato marrom
Vim cantar na Rua da Merda
Na casa do Odilon”
(Carlos Dias, 2008)
Existe outra versão do poeta
altoense, exposto na pesquisa de Carlos Dias, sobre esse episódio:
“Terno de brim H.J
Sapato de cor marrom.
Estou indo a uma festa
E uma samba muito bom,
Ali no Canto da Bosta
Na casa do Odilon”
(Carlos Dias, 2008)
Cada escritor traça algum aspecto da cidade.
Joaquim Oliveira releva sua primeira impressão assim que chegou a Campo Maior,
quando menino matuto do interior: “a cidade era uma rua de terra com lama e
poças d´agua ladeada por casas e mais coladas umas às outras, até finar-se em
tabuleiros e carnaubais sem fim. Minha primeira impressão de cidade era apenas
uma ponta de rua de Campo Maior, naqueles longe tempos de não sei quando
(Joaquim Pereira de Oliveira,1997)”.
O campo-maiorense desconhece o
nome que homenageia sua rua. Poucos sabem sobre a origem do bairro em que
nasceram e cresceram. Aquela pracinha da infância abandonada há anos pela
prefeitura… O nosso percurso diário são marcados por significados,
subjetividades e afetividades. Porém, muitos não conseguem enxergar por está
imersos na rotina sufocante, que nos consome, naturaliza gestos e estreita a
percepção. A relação com a cidade pode revelar muito sobre nós. As ruas são
locais de memória e sociabilidade e não são apenas concreto, pedras, traçados e
trajetos.
Referências Bibliográficas
Elmar Carvalho. Rosa dos ventos
Gerais. Teresina-PI: SEGRAJUS- Serviços Gráficos do Tribunal de Justiça do
Piauí, 2002.
OLIVEIRA, Joaquim Pereira de.
Estrela no Chão: Memórias. Brasília-DF: André Quicé Editor, 1997.
DIAS, Carlos Alberto. Prata da
Lei. Altos-PI: edição do autor.
VASCONCELOS, Marcos. Raízes de
Pedra. Fortaleza – CE: Premius, 2006.
CELSON, Chaves. A Urbanização em
Campo Maior (1930-1970). Campo Maior: edição do autor, 2007.
CELSON, Chaves. Rua Santo
Antônio: a prostituição feminina em Campo Maior (1940-1975). Campo Maior:
edição do autor, 2007.
PAIXÃO, Marcus. Ensaios do Norte.
Campo Maior: edição do autor, 2016.
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