Prof. Welington Soares, Gutemberg Rocha e Elmar Carvalho |
DIÁRIO
[As escaramuças e garatujas de Carlos Rubem]
Elmar Carvalho
30/09/2020
Neste últimos dias, recolhido por causa da quarentena, aproveitei para escrever um longo prefácio para o livro Acordo de Oeiras e outras garatujas, de Carlos Rubem. Não preciso dar maiores explicações porque nele tudo está devidamente explicado. Assim, sem delongas e sem nenhuma excrecência, segue abaixo o meu texto, que passa a integrar o vertente Diário destes tempos de pandemia e pandemônio:
As
escaramuças e garatujas de Carlos Rubem
1
Conheci Carlos Rubem em agosto de 1989, em Oeiras, quando, na
qualidade de presidente da União Brasileira de Escritores do Piauí – UBE-PI,
promovi o III Encontro de Escritores do Piauí. A esse evento compareceram
importantes literatos piauienses, entre os quais, salvo eventual falha de minha
memória, Francisco Hardi Filho, Francisco Miguel de Moura, Rubervam Du
Nascimento, Júlio Caribé, Adrião Neto, José Pereira Bezerra, Ivanildo de Deus,
etc.
Como um dos pontos altos do Encontro, haveria uma palestra
sobre a imprensa oeirense, a ser proferida pelo médico e escritor Expedito
Rêgo. Posso testemunhar que foi uma bela conferência, feita por escrito, com
muitas informações e dados históricos precisos. Era um texto profundo, sem
dúvida elaborado através de muito trabalho de pesquisa, e que daria um belo
opúsculo, que elucidaria muitos fatos obscuros da história da imprensa no
Piauí.
Não sei que fim levou essas laudas escritas e lidas por
Expedito Rêgo, romancista, poeta e cronista, que um pouco depois viria a
integrar, como membro efetivo, a Academia Piauiense de Letras. Sei que Carlos
Rubem, já então Promotor de Justiça, o cercou de muitos cuidados, e mesmo
respeitosa reverência. O Promotor de Justiça, como no decorrer destas linhas se
verá, com o passar do tempo, se tornou também um grande promotor de eventos
culturais, de livros e de memoráveis e importantes campanhas em defesa do
patrimônio histórico e artístico, não só de Oeiras, mas de outras paragens
piauienses.
Posteriormente, vim a saber que Carlos era seu afilhado,
através de sacramento católico, embora o padrinho se declarasse agnóstico. Anos
mais tarde, em conversa, senti que ele não tinha Fé, mas parecia buscá-la,
quase com sofreguidão. Tive conhecimento que, por ocasião de sua doença e
morte, ele se reencontrou com Deus, do qual, na verdade, nunca esteve afastado,
pois era um homem digno e bom.
Numa das manhãs do Encontro de Escritores, o Carlos Rubem nos
levou em comitiva para visitarmos o grande compositor, músico e escritor
Possidônio Queiroz, uma de suas mais entusiasmadas admirações. Foi engraçada
essa visita, porque, quando o mestre da oratória e de maviosas valsas, veio
para a sala, trazia o seu aparelho auditivo numa das mãos, e foi logo nos
esclarecendo que sem ele nada ouvia. Por isso mesmo, não foi interrompido em
sua longa e erudita conversa, na verdade um monólogo. E isso terminou sendo
algo positivo, porque saímos mais enriquecidos com a sua atraente e cultural
prática, como se dizia outrora.
Peço licença ao autor, para abrir um pequeno parêntese, e
transcrever um pequeno trecho de crônica de minha autoria, em memória e como
uma homenagem ao grande Possidônio Queiroz:
“Vi o Bruxo Velho de Oeiras, como o cognominou Carlos Rubem,
em bela e brincalhona alusão ao epíteto de Machado de Assis, o Bruxo do Cosme
Velho, pela derradeira vez, no Cine-Teatro Oeiras, quando do lançamento de seu
cd Valsas Piauienses, em que se apresentou a Orquestra de Câmara de Teresina,
sob a regência do maestro Emmanuel Maciel. O mestre Possidônio, surdo, colocava
a cabeça dentro das cavidades das caixas amplificadoras, na ânsia inglória de
escutar as sublimidades que ele próprio criara. Lembrou-me Beethoven, sem poder
ouvir a música extraordinária que produzira e nem os aplausos delirantes que o
seu gênio divino arrancava.
Lembrou-me, também, os versos de Drummond: ‘Era meu avô já
surdo, / querendo escutar as aves / pintadas no céu da igreja’. E a música do
sacerdotal Possidônio era como uma catedral soberba, que tudo envolvia, em que
éramos os crentes e o culto era o êxtase dessa música celeste.”
Ao longo de minha vida, participei de diversas solenidades
culturais em Oeiras, a convite de entidades culturais ou de amigos, entre os
quais cito Carlos Rubem, Antônio Reinaldo Soares Filho e Ferrer Freitas. Por
solicitação deste último, escrevi um trabalho de crítica literária sobre a mais
recente obra de Expedito Rêgo, o romance Vidas em contraste.
Um pouco depois, em nome do Instituto Histórico de Oeiras, o
nosso bravo Carlos Rubem, um verdadeiro Dom Quixote da cultura oeirense, divulgou,
organizou e promoveu o seu lançamento em Oeiras, cuja solenidade aconteceu na
noite do dia 31 de outubro de 1992, no espaço cultural do Café Oeiras, perto do
velho e bonito coreto do Passeio Leônidas Mello. Por causa do meu texto, creio,
publicado no jornal O Dia, fui convidado para ser o seu apresentador.
Quando o evento terminou, ficamos conversando alguns amigos,
entre os quais, se não me falha a memória, o autor do livro, Ferrer Freitas,
Carlos Rubem e o professor Balduíno Barbosa de Deus, ex-secretário de Educação
do Estado do Piauí, oeirense e muito amigo de Expedito, que fora meu professor
no curso de Direito (UFPI). Das tantas para as tantas, para minha surpresa, o
velho mestre disse que eu fora um de seus melhores alunos.
Foi uma cortesia e generosidade sua, porque eu trabalhava, já
era pai de dois filhos e confesso que pouco estudava, a não ser às vésperas da
prova. Incontinenti respondi: – É bondade do professor Balduíno; ele é que foi
um dos melhores professores que já tive. Não bastasse essa cortês troca de
confetes, mais adiante, após eu haver dito que queria assistir à sua
apresentação do livro em Teresina, o saudoso mestre, invocando Camões e
apontando para mim, exclamou: – Cesse tudo que a antiga musa canta, que outro
valor mais alto se levanta.
Não me dei por achado, e de bate-pronto, apontando direto
para o seu coração, retruquei: – Levanta-se, mas apenas para aplaudir o Mestre!
Balduíno sorriu, balançando a cabeça, como se dissesse que eu não tinha mesmo
jeito. Em seguida, caminhou em direção à Praça das Vitórias e sumiu na noite
oeirense, para nunca mais revê-lo. Poucos dias depois soube de sua morte,
vítima de fatal acidente automobilístico.
2
No começo de minha carreira, quando fui juiz substituto na
longínqua Comarca de Socorro do Piauí, durante três meses, no começo de 1998,
passava por Oeiras no começo de uma semana e no final da seguinte, quando
retornava a Teresina, onde minha família residia. Algumas vezes, no centro
histórico da velha capital, encontrava o Carlos Rubem. Entretínhamos breve
conversa, a reforçar nossa amizade, e eu prosseguia em minha demorada e um
tanto penosa viagem, em meu pequeno e valente Fiat Palio verde.
Foi exatamente nesse tempo em que exerci a magistratura na
pequenina, quase insulada e bucólica urbe, que quiseram borrar o antigo
calçamento oeirense com o breu feioso de asfalto. Carlos se insurgiu contra
isso e desenvolveu uma forte campanha contra essa indesejável agressão contra o
patrimônio de sua terra natal. O calçamento do centro de Oeiras fora feito com
uma técnica antiga, com a utilização de pedaços de laje, e não com blocos de
pedra, como nos dias de hoje. Portanto, era algo que já se encontrava agregado
à paisagem arquitetônica dos vetustos solares e sobrados. Pediu-me publicasse
uma matéria contra essa verdadeira barbárie e quase vandalismo praticado pelo
Poder Público, que exatamente deveria zelar pela conservação e restauração do
velho calçamento. Escrevi uma crônica, em que pretendi imprimir um toque de
arte e emoção. Espero ter alcançado o meu objetivo.
Em outra ocasião, creio que no início dos anos 1990, quando o
antigo sobrado, que fora outrora Casa de Câmara e Cadeia, começava a se
transformar numa quase ruína, o intrépido defensor do patrimônio oeirense, mais
uma vez, me pediu escrevesse algo a respeito. Esse sobrado, como seu nome
indica, fora nos tempos provinciais a sede da Câmara, vale dizer do governo
local, e sede da cadeia pública; mais adiante, quando Oeiras não era mais a
capital do Piauí, foi adquirido pelo coronel João Batista Ferraz, que o
modificou e lhe fez adaptações, como nos informa o primoroso livro Passeio a
Oeiras, de Dagoberto Carvalho Jr. Tive a honra de ser o prefaciador de sua esmerada 6ª edição,
cuja capa ostenta o velho e belo solar assobradado.
Mais uma vez atendi ao pedido do nobre paladino das coisas de
Oeiras, e fiz uma crônica em que dizia que se providências urgentes não fossem
tomadas, o antigo sobrado, que já servira ao Poder Público, em que pontificaram
os vereadores do velho Senado da Câmara, que já fora casa residencial, e que
por isso ficara com o nome de Sobrado dos Ferraz, em homenagem ao velho
coronel, que o comprara, que já abrigara escola e que, por último, se tornara a
sede do Círculo Operário, fatalmente se transformaria em escombros.
Acrescentei que suas vigas já ameaçavam despencar, que suas
paredes já se encontravam gretadas, cheias de fissuras, que o velho solar se
encontrava acometido pelos achaques das intempéries e do tempo. O certo é que
essa campanha do Carlos Rubem foi empreendida também por outros intelectuais,
com reivindicações e sugestões em textos literários, entre os quais o amigo e
confrade do Instituto Histórico de Oeiras e da Academia Piauiense de Letras
Dagoberto Carvalho Jr., e se tornou vitoriosa com a restauração do velho e
histórico sobrado, que se transformou na bela sede da Prefeitura de Oeiras.
Uma das mais importantes lutas encampadas pelo autor foi a
sua campanha em prol da conservação e restauração do prédio da Fábrica de Laticínios
de Campos, hoje Campinas do Piauí. Por décadas, desde que assumiu a Promotoria
de Justiça da Comarca de Campinas do Piauí, que ele vem clamando, quase como um
novo profeta a clamar no deserto das incompreensões e do descaso, e mesmo do
menosprezo e do sarcasmo, para que essa antiga, imponente e bela construção não
venha a cair, posto que já está quase em ruínas. Graças ao seu esforço alguns
remendos e escoras foram feitos, de forma precária e provisória.
Sobre esse sonho do engenheiro Sampaio, hoje de fogo morto e
quase apenas a sombra ou o escombro do que foi outrora, em minha crônica
Expedição ao Sertão Colonial, publicada na internet e na Revista da Academia
Piauiense de Letras (2019), tive o ensejo de dizer:
“De mulheres idosas, nas quais ainda remanesce um pouco da
antiga e gloriosa beleza, dizem os ironistas e sarcastas, entre os quais não me
incluo, que são uma bela ruína. Mas a fábrica de laticínios do engenheiro
Sampaio, bastante deteriorada, é mesmo uma bela e imponente ruína, a um passo de
se tornar escombros, quase uma imensa tapera, no meio de construções novas e de
uma quadra esportiva, que lhe encobre a fachada, ainda majestosa apesar da
incúria do poder público.”
O sonho de Antônio José de Sampaio foi um sonho malogrado,
porque, a meu ver, ele cometeu graves erros de perspectivas financeiras,
econômicas e, sobretudo, de logística, conforme explicitei no mesmo texto:
“Levar esses pesados equipamentos e peças, no final do século
XIX, de Floriano até Campos (hoje Campinas do Piauí) foi um trabalho hercúleo e
uma verdadeira epopeia, como bem disseram os escritores Luís Mendes Ribeiro
Gonçalves e Reginaldo Miranda, ambos da Academia Piauiense de Letras. Sem
dúvida, os entraves burocráticos, as dificuldades financeiras enfrentadas pelo
engenheiro Sampaio, e a condução das partes desmontadas da fábrica, em longo
trecho de precárias estradas carroçáveis, enfrentando atoleiros de lama e
areais, atravessando rios e riachos, dariam um belo filme épico. Para que
fossem vencidos esses atoleiros usavam peles bovinas, sobre as quais passavam
as ringidoras rodas de madeira. Em alguns trechos teve de abrir estradas,
quebrar morros e construir pontes e pontilhões. Dezenas de bois morreram,
extenuados, nessa penosa jornada.
(...)
Mas, além de todos esses percalços econômicos, financeiros,
de transporte, de pessoal, e burocráticos, que tiveram de ser enfrentados, como
dito acima, a meu ver o maior problema foi o da logística. Ora, havia a
imensidão de terra e o gado pé-duro, adaptado à criação extensiva. Mas para o
leiteiro talvez houvesse a necessidade de ração, medicamentos e outros insumos,
que teriam de vir de muito longe. Teria que haver consumidores para os produtos
da fábrica, que não estavam na região, que então era deserta ou de desprezível
densidade demográfica, como ainda hoje o é.”
A voz de Carlos Rubem continua a reboar, clamando pela
restauração do prédio da velha fábrica, cuja chaminé, que já não fumega há
várias décadas, está em quase completa ruína, mas agora parece ter encontrado
ressonância nos ouvidos de Valdeci Cavalcante, que promete fazer a sua
restauração, desde que seja feito um simples contrato de cessão de direito real
de uso em favor da Fecomércio do Estado do Piauí.
Dando por finda esta parte de meu prefácio, devo dizer que o
cavaleiro andante destas garatujas e prosopopeia ainda se envolveu em várias
outras escaramuças e guerrilhas culturais, de que não irei falar, entre as
quais uma que tinha como meta fazer a imagem original da Senhora da Vitória,
que se encontrava em poder de um cidadão, voltar a ser entronizada na Catedral
oeirense de sua invocação, de onde nunca jamais deveria ter sido retirada. A
luta sacra, com a ajuda de vários combatentes, foi vitoriosa, e hoje a
escultura sagrada se encontra em seu altar (no Museu de Arte Sacra de Oeiras).
3
Ao longo dessas décadas de amizade, pude acompanhar o
devotamento de Carlos Rubem às coisas de Oeiras, fossem elas do patrimônio
material ou imaterial. Assim, a música, a pintura, o artesanato, o esporte, os
costumes, a arquitetura, os velhos logradouros, becos, ruas e vielas tortuosas
estiveram no centro de sua preocupação e defesa intransigente.
Quando em 1990 o grande poeta Nogueira Tapety completou o
centenário de seu nascimento, Carlos, com seu esforço pessoal, deu ampla
divulgação a essa importante efeméride literária. Conseguiu a publicação do
livro Arte e Tormento e de um lindo e grande cartaz em que se encontrava
estampado o sublime soneto Senhora da Bondade, que sei de cor, e que sempre me
emociona e enternece. Me solicitou escrevesse um trabalho de crítica literária
sobre a poesia desse notável bardo piauiense. Tive o prazer de lhe atender ao
pedido, embora não me considere propriamente um crítico. Esse pequeno ensaio
foi publicado em jornal de Teresina e na Revista do Instituto Histórico de
Oeiras – IHO, de que me tornei mais tarde sócio correspondente, bem como do
qual recebi a Medalha do Mérito Visconde da Parnaíba, outorgada pelo presidente
Dagoberto e recebida no início da gestão de Antônio Reinaldo.
O cartaz com o poema Senhora da Bondade foi afixado em várias
repartições públicas e casas bancárias e comerciais da cidade de Oeiras. Isso
gerou um fato anedótico, porém verídico, que não resisto à tentação indiscreta
de contar. Um casal, que residia há muitos anos distante de Oeiras, estava
passando uns dias na velha capital.
Num de seus vários passeios, adentrou uma farmácia, onde
estava afixado em lugar bem visível e de fácil leitura o cartaz. A mulher,
tomada de forte e perceptível emoção, o leu atentamente. Ao final, com a voz
embargada e cheia de indignação, vociferou: – Mentiroso, marido mentiroso, você
sempre me disse que esse poema era de sua autoria, e que você o havia feito em
minha homenagem!... Agora, vejo que é do poeta Nogueira Tapety. O homem,
trêmulo, amarelou, e sentindo, talvez, forte vergonha e remorso, tratou de
deixar o recinto em passos apressados e sorrateiros.
Posteriormente, graças em grande parte a seu esforço, foi
criada a Fundação Nogueira Tapety, que promove eventos, conserva a sede da
antiga Fazenda Canela, onde nasceu, morou (em temporadas) e morreu o poeta, e
que manteve um importante site cultural por muitos anos. Em 2013, essa Fundação
promoveu o lançamento da belíssima 2ª Edição do livro Sonetos & Retalhos de
Gerson Campos, cuja solenidade ocorreu no dia 13.09.2013, na época em que eu
era o titular do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Oeiras.
Gerson, além de poeta, ator, radialista, repentista e
performático, cometeu ainda a peripécia de ser um grande goleiro do Oeirense, a
perpetrar defesas estilizadas e, às vezes, espetaculosas e espetaculares, à moda
dos goleiros Higuita e Morcego. Ao lembrar o nome de Gerson como guarda-meta,
não poderia cometer a irreverência de esquecer os nomes dos inesquecíveis goleiros
Castanhola e Oscar Barros.
Em data que não sei precisar, mas igual ou anterior a 1994,
compus o meu poema Noturno de Oeiras. Sei que foi nessa época, porque na
primeira edição de Rosa dos Ventos Gerais se encontra o poema Noturno do
Cemitério Velho de Oeiras, com a data de 13/14-10-1994, portanto há quase 26
anos. Não sei quem (não sei se Ferrer Freitas, ou eu próprio a pedido dele)
encaminhou o poema Noturno de Oeiras ao oeirense Talver de Carvalho Mendes,
advogado residente em Goiânia – GO.
O Dr. Talver, em agradecimento, me fez uma linda carta, em
que falava, mostrando as diferenças, dos sons celestiais de bandolins e
violinos. E me dizia haver sentido falta, no poema, dos bandolins de Oeiras,
que tão maviosamente entoam as lindas valsas de Possidônio Queiroz. No ensejo
dessa simpática instigação e cobrança escrevi o poema Noturno do Cemitério
Velho de Oeiras, no qual em tons melancólicos e fantasmagóricos embuti os sons
angélicos de inefáveis bandolins.
Entrei nessa digressão para dizer que desde que escrevi
Noturno de Oeiras, que para honra minha caiu no gosto dos oeirenses, o Carlos
Rubem se tornou um grande divulgador desse poema, nas mais diferentes ocasiões.
Tratou de conseguir com o artista plástico Francisco Leandro umas belas
ilustrações para ele, o que me facilitou conseguir a sua publicação em formato
de álbum.
Depois, com a participação do ator Bonifácio, possibilitou
que ele fosse encenado em diferentes oportunidades e locais, inclusive entre as
naves severas da velha catedral de N. S. da Vitória. Graças a sua influência, a
TV Cidade Verde fez um videoclipe dele, que se encontra postado no You Tube.
Foi recitado por Gutemberg Rocha na 1ª Live Lítero-Musical Oeirense, da qual
ele foi o apresentador, na qualidade de presidente da Fundação Nogueira Tapety.
Numa noite inesquecível, eu, o Carlos Rubem, o ator Bonifácio
e uma outra pessoa, cujo nome não recordo, estivemos no alto do Morro da Cruz,
de onde se vê todos os cantos e recantos de Oeiras. Então, eu sonhei que no
alto daquele morro poderiam ser afixadas placas com poemas que exaltassem
Oeiras, suas belezas naturais e arquitetônicas. Não sonhei só, porque o nosso
autor passou a defender a realização desse sonho. Outro dia ele me disse que
esse desejo continua vivo, e que ainda pode ser concretizado. Que os anjos
cantores e poetas digam amém.
4
Já era o momento de pararmos de descrever e narrar as proezas
e escaramuças do autor, senão seria um nunca acabar, pois são quase infindas, e
dissertarmos agora sobre as suas belas “garatujas”, sobre a forma e conteúdo
destas crônicas, escritas ao longo de algumas décadas e ao sabor de muitos
acontecimentos e ensejos.
Sem preciosismos desnecessários, sua linguagem é escorreita,
contudo sem excesso de zelo gramatical. Nada é redundante, pois o autor busca
dizer apenas o essencial. Portanto, sua linguagem é exata, comedida, geralmente
vazada em períodos curtos. Busca o autor a objetividade, a clareza e a síntese,
como recomendam os melhores manuais de redação, mas sem deixar de lado a
criatividade, eventuais chistes e as vivacidades da boa prosa.
Quando esposa alguma tese ou a defesa de alguma causa, sabe
expor bem suas ideias, com a lógica e a razão, e, sobretudo, com forte
capacidade argumentativa, talvez aperfeiçoada em sua função de Membro do Ministério
Público. Entretanto, seus assuntos são sempre propícios a uma boa argumentação,
porque sempre defendeu, enquanto intelectual e cidadão, as boas causas, as
causas justas e de interesse da sociedade, e que, por isso mesmo, favorecem a
fundamentação.
Em muitas de suas crônicas trata de assuntos importantes da administração
pública e da história de Oeiras, tendo como protagonistas ilustres figuras das
letras e da política piauienses. Sem dúvida o seu foco não é propriamente a
pesquisa histórica, posto que não se arvora de historiador, mas a simples e
necessária divulgação de fatos e episódios importantes ou interessantes e
curiosos.
Em outras, como deixei implícito ou disse às claras, discorre
sobre os logradouros, prédios e ruas de Oeiras, seja para divulgá-los,
enaltecê-los ou defendê-los da incúria de certos administradores públicos ou da
maldade gratuita ou inconsciente dos vândalos. Seja como for, a preservação e
conservação do patrimônio natural e arquitetônico oeirense é uma constante
preocupação em sua vida de cidadão proativo e cultural.
Todavia, as crônicas não discorrem apenas sobre as notáveis
personalidades da história ou da arte oeirenses, mas também sobre pessoas
humildes, simples, e que foram (e são) importantes na paisagem humana da velha
urbe; várias ainda estão vivas na lembrança de muitos, como Tiborão, João Rapadura,
Dorete, Juarez Hilarião Cunha, vulgo Bamba... Dessa forma, tem procurado
preservar a biografia dessas pessoas, não só através de suas crônicas, mas de
fotografias e pequenos vídeos, que difunde através das redes sociais, de sites
e do You Tube.
Portanto, nelas estão presentes os músicos, os loucos, os
ébrios engraçados e espirituosos, os artesãos, os poetas populares, os
comediantes do cotidiano e do improviso, mas tudo sem maldade e sem menoscabo,
tudo revestido de uma legítima compreensão humana, de quem verdadeiramente sabe
interagir com eles. Num desses vídeos ele gravou a arte quase perdida de uma
mulher idosa a confeccionar belas e trabalhosas flores de papel. Essas criaturas
do povo, de muitas das quais o livro estampa as caricaturas, se sentem honradas,
dignificadas e valorizadas com essas referências e citações.
Compreendi que Carlos Rubem, de forma sincera, genuína, gosta
de conversar com essas pessoas humildes, quando um dia me levou a conhecer o
Hermínio, em sua quinta, em cujo quintal ele tinha um verdadeiro museu de
carcaças de carros velhos, e em cuja casa ele tinha quase um viveiro de
esvoaçantes morcegos, como se fossem suas “aves” de estimação. Dessa inesperada
e inusitada visita, registrei o seguinte:
“(...) Fiz novo périplo turístico, ciceroneado por Carlos
Rubem, em que tirei muitas fotografias desses inesquecíveis logradouros, e
conheci as excentricidades mansas do Hermínio, que na busca utópica e inglória
de montar uma pretensa oficina, construiu um verdadeiro museu a céu aberto de
velhos carros, de automóveis que marcaram época, com suas carcaças enfiadas na
areia, às vezes expostas ao sol inclemente do semiárido, às vezes protegidas
pelas frondosas árvores da quinta, que me fizeram retornar no tempo, como se eu
tivesse entrado no túnel do tempo de antiga ficção científica, ou atravessado
um “buraco de minhoca”, como se fala, de forma algo bem-humorada, com pitadas
de ironia, nas especulações quânticas da mais avançada física teórica.”
Muitos dos textos do livro são narrativas, quase contos, em
que o autor relata casos curiosos, interessantes, jocosos, alguns anedotas
verídicas, acontecidos com pessoas da cidade ou do município. Em vários ele é
protagonista, ou simples observador ou narrador. Alguns aconteceram com pessoas
de sua própria família. Sempre narram fatos interessantes, inusitados ou
hilários. Entretanto, muitos têm por tema costumes antigos da cidade, como os
cortejos fúnebres, as rodas de conversa, as serenatas, etc. Falou também de futebol, festas e lazer.
Portanto, seu livro é uma importante fonte de pesquisa, para
os historiadores em geral, sobretudo os que buscam informações da história
recente, e da história social da velha metrópole.
Por tudo o que disse e pelo que a necessidade de síntese me
impediu de dizer, considero Carlos Rubem um cavaleiro andante da cultura
oeirense, um paladino das boas causas, em defesa do rico patrimônio natural,
artístico e arquitetônico da velha Mocha, um guardião sempre vigilante da arte
e da literatura de nossa invicta Oeiras de ontem, de hoje e de sempre.
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