Visitando a casa de Petrarca. Em
Arquà, diz-se que se tem a vista de montanhas mais bonita de toda a Itália
PEQUENA CANÇÃO
Vitor de Athayde Couto
– Meu pai gostava muito de
sonetos. Camões, Shakespeare… Ele costumava dizer que fazer sonetos não é para
todo mundo.
– Por quê?
– Porque, além dos recursos
tradicionais da elaboração de poemas, como métricas, rimas cruzadas e bem
colocadas, na base de 4-4-3-3, o tema, as metáforas, as emoções, as críticas –
quando é o caso – têm que estar bem encaixados. Sempre em 14 versos.
– E a modernidade?
– Ora, ora, ora. Você pode ser
moderno. E até pós! E continuar fazendo sonetos. Manuel Bandeira, por exemplo.
Outro dia consultei o Gúgli com a palavra-chave “soneto”. O primeiro registro
que me apareceu foi “Soneto de fidelidade”. De quem? De algum parnasiano? Haha!
– Que foi?
– Tou aqui pensando nos poetas
extemporâneos.
– Diabéisso?
– São os poetas que se acham
modernos, embora coevos da pós-modernidade, mesmo sem saber…
– Haha, nunca tinha pensado
nisso.
– Pois… É como a pintura moderna,
abstrata.
– Por quê?
– Assim como os sonetos, a
pintura de inspiração e técnicas clássicas também dá muito mais trabalho para
ser feita. Os auto-retratos, por exemplo. Mas isso é coisa do passado. Com as
câmeras nos celulares, ninguém precisa mais nem de fotógrafos, muito menos de
pintores. Só os turistas, na Place du Tertre.
– Verdade. Agora, todo mundo se
acha artista. Até os postes fazem arte.
– Como assim? – perguntei.
– Munidos de câmeras de
segurança, os postes fazem vídeos, alguns deles estão entre os mais exibidos
nos noticiários. E viralizam.
– Haha, eu também não tinha
pensado nisso.
– Até os gatos.
– Agora, fui eu que não entendi.
– Certa vez, um artista plástico
dito moderno ganhou um prêmio internacional por suas telas ditas abstratas.
Quando os jornalistas perguntaram a que escola ele pertencia, respondeu, bem no
estilo irônico de Villa-Lobos: “Escola Felina”. Todos se entreolharam e pediram
que ele falasse mais dessa escola, tão pós-moderna quanto desconhecida, qual a
sua técnica, etc. O artista explicou assim: primeiro, eu disponho algumas telas
em branco pelo ateliê. Depois, amarro, no rabo do meu gato, uns pincéis untados
com pastas de diferentes cores. Solto um rato naquele espaço de criatividade e
empreendedorismo. Enquanto o gato persegue o rato, vai distribuindo as tintas
nas telas. No final, pelo menos uma delas será premiada. Arte moderna, poesia
moderna, dança moderna, universidade moderna… Simples assim. É preciso ser
empreendedor.
– Haha. E a crônica “A boneca de
milho”? Sabe de onde veio essa ideia?
– Não.
– De um antigo soneto, pode
acreditar.
– Verdade? Você é poeta?
– Não. Não me chame de poeta. Tampouco
sou poste. Nem gato. Apenas faço minhas artes, nem sempre tão belas, haha.
– ?
– Explico. Eu visitava a
casa-museu de Petrarca, em Arquà, província de Padova. Se entendi bem o guia
eletrônico toscano, Petrarca inventou o soneto, há sete séculos. Soneto teria o
significado de “pequena canção”. Mas é melhor não confiar. Os guias de museus
foram substituídos por um gadget de áudio, com várias opções de línguas muito
estranhas.
– “Imprecionante”… turismo também
é cultura, haha.
– Lá pelo século XIX, por falta
de barbies, fofoletes, moranguinhos, chuquinhas, feijõezinhos e bate-palminhas
modernas e pós, a boneca de milho levou-me a escrever uma crônica com o mesmo
nome. Ela encantou Baptista Cepelos (1872-1915) pela graciosa pequena Lili,
brincando de ser mãe, na sua maternidade metafórica:
MATERNIDADE
Sob uma latada amena,
onde a folhagem se entrança,
a luz se infiltra, serena,
como um olhar de criança…
Lili, graciosa pequena,
numa rede se embalança,
mais ligeira que uma pena,
mais linda que uma esperança.
E, nesse grato abandono,
com voz monótona e incerta,
convida os olhos ao sono…
E, mãe que adora o seu filho,
entre os bracinhos aperta
uma boneca… de milho!
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