quarta-feira, 17 de agosto de 2022

De Jerumenha a Pastos Bons

Reginaldo Miranda


De Jerumenha a Pastos Bons[1]


(Antonio Fonseca dos Santos Neto, da Cadeira 11 da Academia de Pastos Bons, da Cadeira 1 da Academia Piauiense de Letras, da Cadeira 27 da Academia Passagense de Letras e Artes – e membro honorário da Academia Caxiense de Letras).

 

A Academia de Letras, História e Ecologia de Pastos Bons, ao completar os 15 anos de sua instalação, associa a esse ato celebrativo, a posse de um novo membro, com ânimo de significar a construção de sua perenidade. O sentido de imortalidade acadêmica de que tanto se fala é constituído dessa maneira: as cadeiras têm pessoas que se sucedem para cultivar e manter viva a obra de quem o silêncio calou a voz sonora.

Estamos aqui para apresentar ao corpo acadêmico e a seus convidados, o cidadão Reginaldo Miranda da Silva, novo e segundo ocupante da cadeira 9, antes ocupada pelo escritor e jornalista Herculano Moraes, e que tem como patrono Félix de Valois de Araújo.

Reginaldo nasceu na cidade piauiense de Bertolínia, no vale do Gurgueia, parte do território histórico de Jerumenha, no dia 17 de agosto de 1964. Seus pais são Dona Eunice de Miranda e Silva, também natural de Bertolínia, funcionária pública da prefeitura de Bertolínia, e Abdon Rodrigues da Silva, natural de Canto do Buriti, também cidade e município no dito vale, fazendeiro e também serventuário da Justiça em Bertolínia. Distingo mais o avô paterno de nosso recipiendário, que tinha o nome sugestivo de Joaquim José Mariano da Silva Brasil, um professor de primeiras letras e poeta.

Ainda sobre a ambiência em que existiram os avoengos das gerações mais distantes na história familiar do novo acadêmico Reginaldo, lembro que a grande região sul do atual Piauí, o extremo oeste de Pernambuco, a faixa baiana do lado esquerdo do rio São Francisco, e o grande sul do Maranhão, têm, a unir todos esses rincões, alguns troncos familiares entre os mais grossos do tempo colonial, com uma parentela estendida por essas antigas capitanias, hoje estados. O que tem muito pouco – ou praticamente inexistente, são maranhenses vindos do litoral e das Baixadas do Maranhão das origens.

Vamos tomar o exemplo do mais adensado desse tronco familiar existente na referida geografia dos quatro estados: os Coelho, que todos sabemos chegaram como donatários de Pernambuco, ainda no primeiro século da colonização – liderados pelo famoso Duarte Coelho. Foi aqui no norte da América portuguesa o único capitão donatário que não absentiu, Várias gerações dos Coelho herdando o território capitanial que incluía o que hoje são a metade sul do Piauí e a metade sul do Maranhão e até o norte do atual Tocantins. Uma das provas dessa relação “genética” territorial de Pastos Bons com Pernambuco, atravessando o Piauí, é que sua velha paróquia de São Bento é uma fração do bispado de Olinda-Recife – aliás, uma fração gigantesca – e não, do também antigo bispado de São Luís do Maranhão, aquele e este criados em 1676 e 1677. Pernambuco já uma prelazia desde o início do Seiscentos. 

No terceiro século do logro colonial, chegou a essa região, para viver e criar gado, um homem que muito nome deixou por aqui, e também muitos filhos: Valério Coelho Rodrigues, consorciado a uma “paulista”, Domiciana Vieira de Carvalho – casal fundador da cidade de Paulistana, num Piauí que é quase Pernambuco. Não se encontra estabelecido que Valério era parente próximo de Duarte, contudo, seu protagonismo, e prole, estão significados no tecido familiar-parental da grande região sertaneja, de agricultura, criatório e extrativismo, configurada na espacialidade geográfica que acima se aponta e que o autor do Roteiro do Maranhão ao Goiás pelo Piauí, pretendeu fazer capitania real não-marítima, para ordenar e florescer culturalmente a vida nos Sertões de Dentro.

Pois, do vale do Gurgueia desse Sertão de Dentro, e das ramas desse coelhado carvalhano, da Paulistana, pelos domínios gurgueanos, vem o nosso novo irmão acadêmico, para assentar nesta valorosa Academia de Pastos Bons. Academia idealizada pelo jurista Celso Barros Coelho, implantada sob sua forte liderança e concurso de conterrâneos e afins que atenderam – e atendem – a esse verdadeiro chamado aos cultivos da boa cultura. Instituição que é, já, uma Casa cujas atividades impactam, por década e meia, a vida da mais longeva municipalidade da metade sul do Estado do Maranhão.

Por que a Reginaldo Miranda, um piauiense, foi colocada a sugestão de fazer Cadeira, aqui, e os pares o elegeram, com entusiasmo?

Diga-se mais: Reginaldo tem um generoso tributo em pesquisas e livros, de sentido historiográfico, que desvelam a formação social-histórica do sertão do Piauí, da qual o antigo Pastos Bons é parte indissociável, na dinâmica da implantação colonizadora desde a era seiscentista. Jerumenha histórica, que vinca o berço do novo acadêmico, repita-se, é, por exemplo, irmã gêmea de Pastos Bons, em tudo vizinhas e intercambiantes por quase um século, entre o Seiscentos e Setecentos, época em que o rio não marcava uma divisa geopolítica entre Piauí e Maranhão, contudo marcava – e marca – uma via fluvial a fecundar as ribeiras e unir as gentes de um lado e do outro. Seria somente mera coincidência, ser uma gente, sobrenominada Ribeiro, uma das mais expandidas do imenso vale médio do rio Punaré, depois chamado de Parnaíba?

Contemplemos as cartas geográficas e veremos que Bertolínia é uma freguesia, hoje município distinto de Jerumenha e defronte a Nova Iorque, nova, filha das injunções do alagamento da Boa Esperança. Nova Iorque? Um notável quase bairro de Pastos Bons – com todo respeito!

O recipiendário desta noite vem para muito contribuir com estudos relevantes tão ainda faltos nos municípios da mesorregião médio parnaibana, a zona leste-sul do Maranhão e  também o valongo gurgueiano. Será um grande acadêmico, sucedendo a outro dedicado filho do sul piauiense, Herculano Morais, filho, cujo nome está entre os fundadores desta casa, em 2005.

Reginaldo Miranda da Silva é bertolinense, já se disse. Feitos os estudos primários no ardor do berço nativo, ainda adolescente, foi estudar em Teresina, a bela cidade verde, como lhe chamou o escritor Coelho Neto.     

Este não é o primeiro sodalício acadêmico que o confrade Reginaldo integra. Ele é o quarto e atual ocupante da Cadeira 27 da Academia Piauiense de Letras, entidade que presidiu com destacado êxito. Historiador, contista e cronista. Antes graduara-se em Direito, pela Universidade Federal do Piauí (1988), logo a seguir estabelecendo-se com escritório de advocacia. Na vida pública, foi vice-prefeito em sua terra natal. As obras que escreveu e publicou são muitas, entre as quais, Bertolínia: história, meio e homens (1983); Cronologia histórica do município de Regeneração (2002); São Gonçalo da Regeneração, Aldeamento dos Acoroás (2003). Recentemente, pela APL, publicou, Piauienses Notáveis, robusto livro que perfila figuras que marcam a história brasileira em chão do Piauí e arredores.

A Academia de Pastos Bons se alegra grandemente ao receber o novo ocupante da Cadeira 9.

Integre-se, caro recipiendário, no berço afável dos Pastos Bons, que você já conhece, de ver in loco, e sobretudo de nele imergir pelos vários relatos e outras memórias que sobre essa projeção histórica do Piauí foram assentados.

Em sua homenagem e vincando este rito de chegada, inscrevo aqui uma passagem de Dom Frei Manuel da Cruz, que foi o instituidor da freguesia de São Bento em Paróquia, no distante ano de 1741, e que também é autor da primeira notícia dada sobre o lugar “capital” das imensidões, então, ainda incertas, do sertão dos “pastos bons”. Disse ele, o primeiro bispo que pisou os pés no sul do Maranhão, em longa Visita Pastoral feita entre agosto de 1742 e janeiro de 1744 :

     

“[saindo de Parnaguá, que é a estrada real dos sertões deste bispado...]. Desta paragem em que se ajuntam estes dois rios [Parnaíba e Balsas] quatro dias de jornada pela [ribeira da] Parnaíba abaixo, tornei eu a passar a dita Parnaíba para a nova freguesia de São Bento dos Pastos Bons, que já situada na Capitania do Maranhão na mesma chapada adiante nasce o rio Itapecuru; e muito mais adiante em uma serra mui alta o Mearim [...]. Mas deixados estes futuros, visitada a freguesia de São Bento que está situada entre a Parnaíba e Itapicuru, distrito o mais delicioso, e fértil que achei em todo o sertão...”. O bispo está escrevendo “para o Reverendíssimo padre-mestre doutor frei Manuel da Rocha” que está em Portugal (Copiador das Cartas de Dom Manuel da Cruz, p. 120-121). 

 

Dom Manuel escreveu essa carta em 1744, quando de volta a São Luís e dando conta de sua longa viagem de “visita geral ao sertão do bispado”, capitania do Piauí, todas as freguesias, e partes da capitania do Maranhão.

Feita essa menção de documento que é matéria que acalanta o labor de nosso recipiendário, agora se faz necessário parar este discurso, para se tenha outras audições nesta sessão tão significativa.

Senhor Reginaldo Miranda da Silva: aqui estais por diletante vaidade pessoal? Claro que não. Aqui viestes para ombrear esforços da grandeza cultural que a mística do academismo suscita e dos combates justos que a agremiação ouse enfrentar? Claro que sim. Pois aproxima-se, dizei mais sobre os nativos Amanajó, os Timbira todos; dizei muito dessa terra e gente sopradas pelos “ventos gerais” tão poeticamente cantados por nosso confrade comum Pedro da Silva Ribeiro, filho da histórica Tróia, da ribeira esquerda, e nascido no vale do Engano, do lado direito do Parnaíba. 

Esta Casa te convoca à confradagem, mais uma: esta que solenizamos nesta sala virtual, e nos arquivos das nuvens. Logo mais, mirarás o Pinga – em nossos recônditos de sertão as serras pingam e criam vales verdejantes plenos de vida; verás a fonte do Senhor São Bento – águas “bentas”, águas mornas que saem de uma loca do chão e erguem a própria localidade, no concerto das cidadelas do mundo; visitarás os Fortes – e até e quem sabe – verás o Jacarandá das meninices inebriantes do nosso mestre necessário, Celso Barros Coelho, um ícone dos dois lados do Punaré, dos vários lados e instâncias do Brasil. Ah! Ouvirás das serranias em dobras, os brados de uma República antecipada, a República de Pastos Bons! Que o Brasil sitiou.

Em nome da Casa, bem-vindo sejais! Jerumenhas, minhas também; Bertolínia, avoenga de tantos Rocha; “Oh! Pastos Bons” – parafraseio o versejar do teu Hino... “Tu és cidade, a mais linda de todo / o Sertão. // Seus filhos trabalhadores / lutando pela verdade, / na luta do dia a dia / conquistaram a liberdade”.

Assenta-te na Cadeira. E espera, de pé, o banho das doces brisas dos pastos culturais desse lugar de gente bendita.

Dito. 

[1] Discurso proferido pelo acadêmico Antônio Fonseca dos Santos Neto, em sessão acadêmica, sala virtual, em 12 de maio de 2021, em recepção ao acadêmico Reginaldo Miranda.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário