sexta-feira, 23 de agosto de 2024

ROLINHA FOGO-APAGOU

Fonte: Google

                 

ROLINHA FOGO-APAGOU


Elmar Carvalho

 

Nos últimos dias, aqui em Regeneração, ou lá em Teresina, ao amanhecer, ou ao crepúsculo, tenho ouvido o cantar dolente de uma rolinha fogo-apagou. Muitos poetas têm cantado os passarinhos. Muitos têm se comparado a uma ave canora. Manuel Bandeira, em mais de um poema, falou nas andorinhas. O nosso H. Dobal fez versos às golondrinas e também ao sabiá. Este último foi cantado por Gonçalves Dias, que o colocou no alto de uma palmeira.

 

Alguns fazem crítica, alegando que sabiá não pousa nessa árvore. Não sei se a crítica procede; o que sei é que daria uma bela imagem: a plasticidade do sabiá agregada a uma linda palma de coco da praia ou mesmo de coco babaçu, e melhor ainda se fosse um imponente buritizeiro, pejado de brônzeos frutos. O cronista Rubem Braga também teve por tema esse passarinho de tão belo e aflautado canto.

 

Voltemos à fogo-apagou. Seu nome é a onomatopeia de sua cantiga. Pode ser entendido positivamente, como regozijo por um incêndio que tenha terminado; ou negativamente, como o fogo vital que se tenha transformado em cinzas e tristeza, como o facho emborcado do simbolismo das catacumbas e cemitérios. Seu canto, quase cantochão monocórdio, de timbre grave, sonoro, severo, solene, mesmo ao amanhecer, que é sempre alegre, traz certa ponta de tristeza.

 

Quando ouço esse canto ao pôr-do-sol, a melancolia me tomba na alma, me impregnando de suave tristeza, que aceito sem nenhum problema, pois todos temos os nossos momentos sombrios. Manuel Bandeira já advertia para que procurássemos amar a nossa tristeza, que um dia aprenderíamos a amá-la.

 

O canto dessa rolinha me fez recordar minha infância. Acostumado com o movimento e o burburinho da cidade, nas poucas vezes em que fui passar uns poucos dias de férias em Ameixas, zona rural de Barras, ao ouvir esse cantar tão dolente, tão melancólico, ficava saudoso de minha casa, sobretudo do aconchego de meus pais. Ao entardecer campestre de então, quando tudo parecia que se ia finando, esse canto tão sentido, tão magoado, me caía na alma como punhais, que me feriam de uma tristeza acachapante e de uma saudade avassaladora.

 

Mas esse canto, para mim tão tristonho, tão desconsolado, tem uma beleza inefável, como a beleza que persiste nas ruínas dos monumentos, nos escombros do que já foi belo, nas rugas das deusas envelhecidas.

24 de agosto de 2024

6 comentários:

  1. Belo texto em prosa desse mestre das Letras Elmar...

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  2. Muito obrigado, mestre e amigo Walter Lima.

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  3. Caro Poeta Elmar. Eu costumo já ter essas rodinhas ou Fogo-apagou, no amanhecer, como uma bela sinfonia bethoviana, serenata que na natureza humana não se iguala. Este tom melancólico vem do instinto , que longe dos homens, não bem o entendermos. Os racionalidade menores sentem o baque da Natureza, gerado pelo homem.
    Wilton Porto

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  4. Lindo o canto da Fogo pagou também chamada galinha de N.Senhora

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  5. Não acho melancólico, principalmente quando o canto é para chamar parceiros que se voam para os fios elétricos, Maria Estela, linda bebê que à tardinha sentamos na calçada do conjunto com as vizinhas, o canto nos encanta juntamente com seus rápidos show.

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