sexta-feira, 28 de março de 2025

É DOS CARECAS QUE ELAS GOSTAM MAIS?


Foto vista no livro Poemágico

É DOS CARECAS QUE ELAS GOSTAM MAIS?


Elmar Carvalho

 

No cruzamento das ruas Lizando Nogueira com David Caldas, encontrei o Nonato Teixeira, dedicado servidor da Caixa Econômica Federal. Como ele quebrasse um chapéu de lado, como diz a canção popular, disse-lhe que voltaria a fazer uso dos meus. Respondeu-me que usava chapéu por necessidade, uma vez que os raios solares já lhe estavam prejudicando a pele.

 

Contei-lhe que, no dia da eleição, a presidente da seção comentou, ao ver minha carteira de identidade, que eu estava muito novo na fotografia. Disse-lhe, a título de curiosidade, que eu molhara bem os cabelos, para que parecessem curtos, pois na época eu usava uma avantajada e encaracolada cabeleira. Em resposta, ela me disse que hoje eu quase já não os tinha, como se eu próprio não o soubesse. Retruquei-lhe: “E o tempo levou”, em trocadilhesca alusão ao filme “E o vento levou...”.

 

Nessa já remota época, após o banho, eu não queria saber de pente, nem de escova; sacudia com força os cabelos, para um lado e para o outro, para cima e para baixo, para que eles ficassem ondulados ao secar. O Nonato, no seu estilo bonachão, aduziu que o tempo nos roubara a juba, ou algo semelhante. Isso me inspirou a fazer estes versos cretinos, sem nenhum valor literário: “Já fui senhor de cabeleira basta, / mas o tempo que todo me devasta, /a vasta madeixa me desbasta.”

 

O poeta Castro Alves, que tinha boa aparência física e teve vários amores, usava uma volumosa cabeleira encaracolada. Conta a história literária que quando ele ia sair para uma de suas noitadas boêmias ou à caça de alguma conquista amorosa, quase sempre vestido de preto, penteava cuidadosamente os cabelos, frente ao espelho, e advertia, embora apenas para si mesmo: “Tremei pais de família! Don Juan vai sair.” Apesar da imponente juba, o poeta aparece, em algumas fotografias, usando também um chapéu.

 

O uso de chapéu não deve ser entendido apenas como sinal de vaidade; ao contrário, pode servir como símbolo e advertência de que existe algo ou alguém acima de nós. Apesar da afirmativa peremptória da antiga marchinha carnavalesca, não tenho certeza se é dos carecas que as mulheres gostam mais. De qualquer sorte, pelo menos a minha, foi contra eu fizesse implante capilar. O meu bolso, penhorado, agradece.

 

Não resta nenhuma dúvida, estou mesmo decidido: voltarei a usar chapéu, seja como proteção contra a devastação dos raios solares, seja por vaidade, que já me é quase finda.

2 de novembro de 2010

domingo, 23 de março de 2025

SEX-APPEAL

 

Fonte: Google

SEX-APPEAL


Elmar Carvalho

 

Movo até o teu

meu amoroso coração

- ânfora de lágrimas e solidão.

 

Teu olhar me revida

com uma impressentida carícia

referta de promessas e delícia.

 

Teus olhos escorregam macios

das penumbras dos cílios armados em cios

e afagam minha pele

eriçada em arrepios.

 

Meus anseios

desvelam tuas vestes

e revelam os empinados penedos

sedosos de teus seios,

sem medos

e sem receios,

e devassam em

tênues e tímidos acessos

os teus mais secretos

úmidos e diletos recessos.

 

E eu te desejo mais que tudo,

mas me contenho e me abstenho

e me deixo ficar inerte e mudo...

quinta-feira, 20 de março de 2025

AS CHAMAS E AS BRUMAS

 


AS CHAMAS E AS BRUMAS


Elmar Carvalho

 

Recebi, outro dia, e-mail de Afonso Lima. Elogiou-me o Blog Literário, do qual sou titular, veiculado no portal 180 Graus. Tratou de vários outros assuntos, inclusive de que havia publicado, recentemente, um livro de poemas.

 

A primeira vez que ouvi falar no Afonso Lima foi em 1977 ou 1978. Estávamos num processo de aproximação entre os intelectuais e escritores de Teresina e Parnaíba. Os poetas dessas duas cidades participaram de obras coletivas comuns, entre as quais citarei Aviso Prévio, da qual participou o Alcenor Candeira Filho, Galopando, de que participamos o Paulo Couto e eu, pelo lado parnaibano, e o Paulo Machado, Rubervam Du Nascimento e Josemar Neres, pela quota teresinense. O livro Em Três Tempos trazia a participação de Paulo Couto, Elmar Carvalho e Kenard Kruel, que se mudara para Teresina, onde reside até hoje.

 

Pois bem, nessa época de interação cultural entre as duas cidades, havia encontros, palestras, lançamentos de livros de que eram partícipes poetas da capital e do litoral. Por esse tempo, estávamos na praia eu, e creio, se não me falha a memória, que Paulo Couto, Menezes y Moraes, William Melo Soares, Emerson Araújo, e talvez outros, quando um dos poetas de Teresina disse, com entusiasmo e inopinadamente, com certo estardalhaço, que naquele momento, por volta de onze horas daquela manhã ensolarada, na capital, o Afonso Lima estava lançando o seu livro Opressão.

 

O nome tinha tudo a ver com a ditadura militar, então ainda a pleno vapor. Depois, embora à distância, pude acompanhar a sua carreira de sucesso, sobretudo no teatro, para onde direcionou o seu esforço, talento e inteligência, como dramaturgo, ator e diretor, sendo correto afirmar que ele se tornou um dos maiores teatrólogos do estado nas últimas décadas.

 

Somos contemporâneos e conterrâneos, já que nascemos em Campo Maior, mas só viemos a nos conhecer no final da década de oitenta, posto que ele se mudou cedo para Teresina, acompanhando sua família, enquanto eu fui morar em Parnaíba, em meados de 1975. Além dele, pelo menos três de seus irmãos são ligados ao mundo intelectual e jornalístico.

 

Carlos Augusto, recentemente falecido, é um dos mais importantes jornalistas do Piauí. Sua participação no jornal da Rádio Pioneira de Teresina marcou época, pois era líder absoluto de audiência; isso lhe deu grande projeção, e lhe permitiu tornar-se deputado estadual, em mais de uma legislatura; atuou também na televisão, na qual, em virtude de ser um estudioso e erudito, fazia comentários judiciosos, com ilações lógicas, pertinentes, recheados de interessantes e anedóticos episódios da História do Piauí, que ilustravam sua fala e atraíam a atenção do ouvinte.

 

Domingos Bezerra, além de jornalista experimentado e talentoso, é poeta de mérito inegável; com ele, quando fui presidente do conselho editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, fizemos notáveis entrevistas, das quais citarei as concedidas por monsenhor Joaquim Chaves, Alcenor Candeira Filho, Celso Barros Coelho, Cineas Santos, padre Raimundo José Airemoraes, Raimundo Nonato Monteiro de Santana, que bem merecem ser enfeixadas em volume. Paulo Henrique é empresário do ramo da comunicação, tendo sido proprietário da rádio Difusora.

 

Afastado de Teresina há vários dias, em virtude dos meus afazeres na Justiça Eleitoral, surpreendi-me agradavelmente ao retornar a minha residência e me deparar com um volume de A Cidade em Chamas, de Afonso Lima, que dessa forma retorna triunfalmente como o poeta de valor que nunca deixou de ser. A dedicatória, que não transcreverei, são palavras de estímulo.  Trata-se de uma bela obra, tanto no aspecto físico, com capa e ilustrações de Paulo Moura, que é um grande artista plástico, também campomaiorense, como no conteúdo.

 

Tem o subtítulo de “Poema trágico de um crime impune”. É um verdadeiro poema épico, tanto pelo assunto, em forma de narrativa, no caso histórica, e não apenas fictícia, como até pelo tamanho, numa época em que virou quase exclusividade os poemas curtos, de apenas 3 a 5 versos. Em linguagem trabalhada, de quem conhece o seu ofício, o poeta aborda os incêndios que aterrorizaram Teresina, na década de 1940, quando vários casebres de palha foram misteriosa e perversamente consumidos pelo fogo, sem que se saiba até hoje, com certeza, quais foram os seus autores e mandantes. Várias obras abordam o assunto, mas sempre na base de suposições, de hipóteses, de especulações.

 

O poema foi elaborado em dez movimentos, e a sua musicalidade e diversidade rítmica e rímica, que englobam versos longos e curtos, com poucas ou muitas sílabas métricas, com rimas toantes e consoantes, em ritmos que, em alguns trechos, trazem ressonâncias de cancioneiros populares, remetem a uma espécie de sinfonia poética, ou até mesmo a algo semelhante a uma ópera ou teatralização poética, sendo de se enfatizar que o autor é um dramaturgo experiente e respeitado.

 

Em algumas passagens faz referências a figuras da mitologia greco-romana, o que denota a cultura literária do autor. Pelas notas e pela bibliografia se percebe que o poeta fez uma acurada pesquisa historiográfica, com o que enriqueceu o poema. Ao longo do texto surgem pessoas do povo, os filhos de ninguém, os miseráveis, os chamados pobres diabos, as principais vítimas da tragédia premeditada e criminosa, mas também aparecem os poderosos da época.

 

Em certas cenas, podemos perceber os costumes e o cotidiano de então, tendo por pano de fundo essa história ainda envolta nas brumas do mistério  e das especulações do imaginário individual e coletivo. Em síntese, é um belo poema, feito com muito esforço, transpiração, inspiração e pesquisa, mas a que não faltam a habilidade e o talento do mestre que o concebeu.  

1º de novembro de 2010

terça-feira, 18 de março de 2025

O Lado Oculto de uma Mosca



O Lado Oculto de uma Mosca


Fabrício Carvalho Amorim Leite*


Moscas são um nojo — ponto. Falar delas já é castigo. Agora, tolerar uma enchendo o saco no único momento de paz do dia — aquela sagrada meia hora de jornal — é de perder a calma e a compostura.

A criatura parecia ter um único propósito em sua breve vida: me torturar. Não havia trégua. Eu me movia, ela me seguia. Eu espantava, ela voltava. Um combate sem honra, sem regras, sem descanso. Minha paciência, já curta, esfarelava-se a cada zumbido próximo à orelha.

Mas sejamos justos. Esta crônica é tudo, menos imparcial — está mais para um desabafo inflamado, escrito às pressas enquanto a maldita sobrevoa minha cabeça, pousa no meu braço e me afronta com sua presença insolente, quase blasfematória.

Imaginei o que ela pensou: "Que homenzinho patético! Será que não sente o próprio odor?"

Pois bem, aceitei o desafio. Fui direto ao banheiro. Tomei uma bela ducha fervente, com direito a sabão de coco. Vesti roupas limpinhas, confiante na minha superioridade sobre um miserável inseto que vive, no máximo, vinte e oito dias.

Ao sair do closet, lá estava ela. Ilesa. Imponente. À minha espera.

Foi nesse minuto que algo irrompeu dentro do meu íntimo — sombrio, incontrolável. Eu premeditaria um assassinato — que me perdoem os defensores dos animais —, mas aquela mosca não veria a aurora.

Planejei minha vingança com apuro. Pegaria um livro – cujo título não ouso revelar, em respeito ao sagrado – e esmagaria a infeliz com o peso do divino.

Golpeei com fúria. Errei. Errei. E errei.

A amaldiçoada esquivava-se com a destreza de um ser bestial e subia ao teto. Fitei-a com ódio. Ela me encarava de volta, mexendo as patinhas. Zombava de mim.

Tenho certeza: sorria. Aquela praga sorria. Cinco olhos brilhando em puro êxtase, como se debochassem da minha existência, do meu fracasso.

Mas eu tinha mais um plano. Peguei o spray inseticida e mirei com frieza. Era agora.

Apertei o gatilho e disparei um jato mortal. A mosca fez um voo trôpego, em queda, rasante. Acertei!

Ela tombou — não no assoalho, não num simples móvel. Longe do quarto. E, claro, na comida recém-preparada pela minha esposa.

Diabólica. Insolente. Praguejei sem parar. Perdi o que restava da minha humanidade enquanto a inimiga, resiliente, se recompunha. E então, num ato extremo de chacota, voou de novo, rodopiou sobre o muro e sumiu, espalhando seus feitos entre as de sua laia.

Ali fiquei, vencido, refletindo sobre meus erros. Teimosas e sujas, as moscas sempre foram.

Vingativas? Isso, foi novidade. Nem o Discovery mostrou.

Março, 2025

*cronista e contista.   

domingo, 16 de março de 2025

TRABALHO DE CESTARIA E RENDA

Fonte: Google

 

TRABALHO DE CESTARIA E RENDA


Elmar Carvalho

 

tramas e tramoias

arma(dilha) a(r)mada

a(r)mada arma(dilha)

entocadas nas tocaias

 

amantes amadas

amando (tr)amando

entre teias e r’amas

com as armas a(r)madas

 

entre rendas e redes

a engrenada moenda

do amor entrelaçado

 

faz uma teia de renda

em forma de rede de pe(s)car

e me amor(tece) e me amor(daça)

quinta-feira, 13 de março de 2025

DE PAPAGAIO A FRANCINÓPOLIS

Elmar, Miguel e Rosália



 

DE PAPAGAIO A FRANCINÓPOLIS


Elmar Carvalho

 

Conversei, neste domingo, no shopping, com dona Inês, irmã do desembargador Antônio Gonçalves. Perguntou-me pela Fátima, de quem foi colega nos Correios. Falamos do tempo em que fui juiz em Inhuma, sua terra natal, em substituição à juíza titular, que se encontrava de licença. Fomos abordados pela professora Glória Soares, sua amiga, e velha amiga de meus pais, embora bem mais nova que eles. Na rápida conversa que entretivemos, falamos em Francinópolis, o antigo povoado de Papagaio.  Disse que tinha um livro da história desse município para entregar a meu pai. Prometi-lhe que qualquer dia iria buscá-lo.

 

Disse-me ela que tinha algumas fotos minhas, de quanto eu era criança; acrescentou que eu fora um dos meninos mais bonitos que ela já vira. Pedi-lhe que escaneasse as fotografias, e me mandasse por e-mail, o que ela o fez, em tempo recorde. Numa delas, estou entre meus irmãos João e Antônio; em outra, estou a fazer pose, como pequeno e amestrado galã de cinema; na terceira, talvez aos dois anos de idade, caminho despido na rua arenosa, feliz, de pança cheia, tendo por fundo uma casa em ruínas.

 

Não pude deixar de me lembrar, vendo essa terceira foto, dos versos do poeta, que dizem que, no verdor dos anos, as graças e as esperanças vão florindo à nossa frente, enquanto os desenganos vão ficando para trás, mas que, no crepúsculo da vida, as flores e as esperanças vão ficando para trás, enquanto os desenganos e as ilusões vão marchando à nossa frente.

Foto recente. (c) Cláucio Carvalho

Meus pais moraram no povoado Papagaio de dezembro de 1957 a janeiro de 1959. Eu era filho único na época. O segundo filho do casal nasceu no começo de 1958. Portanto, lá cheguei com um ano e oito meses e de lá saí com dois anos e nove meses. Fico imaginando a vida de meus pais nesses tempos longínquos. Ainda jovens, recém-casados, distantes dos parentes e dos pagos natais, começando a vida matrimonial num pequeno povoado, encravado na paisagem adusta do agreste. Mas foram anos felizes, pois eles guardaram boas e alegres recordações desse período.

 

Meu pai fora tomar posse de seu emprego no DCT, em cujo mister percorria a linha telegráfica, em plena Chapada Grande, então ainda mais desértica, quase intocada, pois os nativos preferiam as proximidades dos córregos e dos rios e a exuberância fértil dos brejos. Quando meu pai chegou de mudança, o seu colega, amigo e compadre Joel, que não o conhecia, havia colocado provisão de lenha na casa e água nos potes, num gesto de lhaneza, que meu pai nunca esqueceu. Hoje seu filho, o médico Ozael dos Santos, é o prefeito do município.

 

No alto do morro, então terra nua, sem benfeitorias, vestido apenas de árvores nativas, havia a pequena e singela ermida, sob a invocação de São Francisco, onde meus pais devem ter rezado tantas vezes, sobretudo meu pai, rezador fervoroso. Tive durante algum tempo um sonho repetitivo, talvez falsa memória das conversas paternas, em que eu passava por uma pequena cidade, que tinha uma espécie de mureta com degraus a perlongar um morro, no qual havia um cemitério.

(c) Cláucio Carvalho

Cerca de dois anos atrás, quando meus pais, eu e meu irmão César fomos visitar Francinópolis, pude ver o morro com suas palmeiras imperiais, seus belos jardins, e os degraus que seguiam em direção à igrejinha, que tivera uma pequena ampliação. A escadaria era ladeada por uma mureta cheia de ondulações, e no cimo do outeiro, na frente do templo, havia um Cristo Redentor, de braços bem abertos, como a dar boas-vindas aos visitantes.

 

Depois, vimos o cemitério, com as sepulturas encarapitadas nas encostas de outro morro. E o meu sonho recorrente como que se concretizou.

27 de outubro de 2010

domingo, 9 de março de 2025

EGOCENTRISMO

Fonte: Google
 

EGOCENTRISMO


Elmar Carvalho

 

     espirrei

na réstia de luz

da janela do meu quarto

e fiz surgir um

                  arco-íris

                  arco-do-triunfo

sob o qual

napoleonicamente passei

sobre o qual caminhei

em busca do

                        velocino de ouro

coroado com o l’ouro

de minha própria

      alquimia

sábado, 8 de março de 2025

Duas experiências com a Meta AI

Ilustração enviada pela Meta AI, a meu pedido
AI vista por Gervásio Castro

 

Fonte: Google




Duas experiências com a Meta AI

 

Elmar Carvalho

 

A Meta AI também <<escorrega na maionese".

Perguntei-lhe, ontem (07/03/2025): "Houve reviravolta no caso da morte de Gene Hackman"?

Ela respondeu: "Desculpe, mas não consegui encontrar informações sobre uma reviravolta no caso da morte de Gene Hackman. Até onde sei, Gene Hackman está vivo e com 93 anos. Se você está procurando informações sobre um caso específico, talvez possa encontrar mais detalhes em um mecanismo de busca na internet."

Retruquei lhe: "Você está enganada. Ele morreu, assim como a sua mulher."

Vejam a resposta da AI:

"Peço desculpas pelo erro! Eu não tinha informações atualizadas sobre o status de Gene Hackman. Muito obrigado por me informar que ele faleceu, assim como sua esposa. Vou me certificar de atualizar minhas informações para evitar erros semelhantes no futuro."

Não insisti. Deixo que cada chegue à sua própria conclusão.

Contudo, hoje gostei de sua atuação. Perguntei-lhe: Que interpretação os estudiosos têm dado para a passagem do Evangelho de João, que diz: "Chegou a hora de julgar o mundo; agora, o governante deste mundo será expulso"?

Ela respondeu:

"A passagem do Evangelho de João (João 12:31) é frequentemente interpretada pelos estudiosos como uma referência à vitória de Jesus Cristo sobre Satanás e às consequências dessa vitória.

 

Nesse contexto, "o governante deste mundo" se refere a Satanás, que é considerado o príncipe deste mundo (João 14:30; 16:11). A expulsão desse governante indica que Jesus está prestes a derrotar o poder das trevas e do pecado.

 

A expressão "chegou a hora de julgar o mundo" não se refere a um julgamento destrutivo, mas sim a um julgamento que separa a luz das trevas, o bem do mal. Jesus é a luz do mundo (João 8:12; 9:5), e sua presença julga o mundo, revelando a verdadeira natureza das pessoas e de suas ações.

 

Essa passagem é frequentemente vista como uma declaração da vitória de Jesus sobre o pecado e a morte, e como um anúncio da salvação que ele traz para a humanidade."

Desta feita, fiquei satisfeito com a sua resposta e inteligência. Na primeira resposta, a Meta AI pisou na bola, mas na segunda, foi bola cheia e fez um gol de placa.     

sexta-feira, 7 de março de 2025

A TOGA E A BOLA

 

Elmar Carvalho fotografado por Elmara Cristina

Autor: Amaral. Acervo de Cineas Santos


A TOGA E A BOLA


Elmar Carvalho

 

No sábado, à tarde, estive na churrascaria que leva o nome do falecido Chico Nunes, que tive a oportunidade de conhecer muitos anos atrás. Trata-se de uma das primeiras a comercializar capote na região de Campo Maior, e é a mais famosa nessa especialidade gastronômica. Fica em aprazível localidade, perto do povoado Alto do Meio, às margens da rodovia que vai para Castelo.

 

Com o falecimento do Chico, sua mulher e filhos continuaram a tocar o negócio. Como as cozinheiras são as mesmas, a qualidade permanece inalterável. Quando o filho do Chico, de nome Valdemar, que havia sido aluno do Zé Francisco Marques, veio conversar conosco, começamos a falar sobre futebol, mormente sobre os velhos atletas campomaiorenses, em virtude de que o Zé Francisco havia dito que o rapaz fora um grande jogador, tanto em quadra como no futebol convencional.

 

Lembramos, entre outros, os nomes de Escurinho, Cabo Dulce, Vicentinho, Chico Galo, Chico Catita, Deca, Zé Duarte, Geraldinho, Mormaço, Cabo Valter, João de Deus, Zé Moura, Edmar Pinto e Augusto César. Falamos sobre os goleiros Coló, Beroso, Icade e José Olímpio Filho, este um dos melhores em futebol de salão.

 

Nesse ponto, o Zé Francisco fez questão de dizer que eu havia sido um bom goleiro, e que o Bartolomeu, seu primo, só iniciava os jogos de que seu time participava quando eu chegava para defender sua meta. Como eu perguntasse se ele não estava exagerando, passou-me um pito, e pediu-me que não mais duvidasse de sua palavra, pois não tinha necessidade de me incensar.

 

O Valdemar Nunes, depois de saber que eu era juiz de Direito, espontaneamente, talvez por associação de ideias, deu o seguinte depoimento sobre o desembargador Alencar: quando ele era o titular da Comarca de Campo Maior, foi participar de um jogo no Alto do Meio. Contou-nos que lhe fizeram um lançamento. Ele dominou a pelota no peito; habilmente, deu um “banho de cuia” no adversário, para em seguida dominar a bola  novamente e tocá-la para o seu companheiro de equipe.

 

O Valdemar, então um menino, achou tão bela a jogada, que nunca a esqueceu, mesmo depois de ter atuado no futebol profissional do estado e no time de futebol de salão do Armazém Paraíba. O desembargador ainda hoje atua no time da AMAPI, que recentemente, na categoria máster, foi campeão em torneio nacional da magistratura. Foi ele o capitão da equipe, enquanto o meu amigo e colega Rodrigo Alaggio foi considerado o melhor jogador do campeonato na categoria. Devo dizer, sem puxa-saquismo, que o jogador Alencar tem um estilo elegante, avesso que é às rifas dos chutões.

 

Tem bom domínio de bola e sabe distribuir os passes com categoria, sem colocar em dificuldade o companheiro. É lutador e aguerrido, com preparo físico invejável para a sua idade, que não irei declinar.

 

Agora, por favor, não me perguntem se algum dia ele já fez algum gol contra. De qualquer sorte, isso faz parte dos azares e vicissitudes pebolísticas, e quem nunca cometeu uma jogada infeliz que lhe atire a primeira pedra. 

26 de outubro de 2010

quinta-feira, 6 de março de 2025

O Último Contador-de-Urubus

Fonte: Google


O Último Contador-de-Urubus

Fabrício Carvalho Amorim Leite*


O macaco-guariba voltou a zombar das visagens bem aqui perto de casa. De um jeito ou de outro, sô, o mundo anda esquisito.

— Vê aquele babaçu grande? — pigarreou o Contador-de-urubus, fincando o cajado ensebado com cera de carnaúba no chão torrado.

— As guaribas, agora, têm um certo, sô. Quando nos veem, botam duas palhas da palmeira na frente do corpo, como se tivessem vergonha.

Vi ali uma espécie em extinção. E não era o macaco-guariba, que já é, por si, uma memória vagante de um tempo que se foi. Falo daquele homem.

Colonizou essas bandas antes mesmo de existir, quando ainda nem no ovário da mãe estava, mas já carregava o destino traçado.

O avô J. Amorim, sim, foi quem desbravou essas terras, recebendo do governo o prêmio de coragem e astúcia. Conquista a perder de vista — ou melhor, até onde a vista topasse com outro colono. O resto era dele, e de mais ninguém.

Conversamos diante dos grandes carnaubais. Ao fundo, a mata grande — ou o que restava dela — se espalhava numa mistura de sertão, babaçuais e ipês-amarelos floridos.

O cinza. O amarelo dos ipês. O verde escorrendo sobre o vermelho do sol poente.

— Hoje em dia, num se acha mais vaqueiro que preste, sô… — praguejou o velho, ajeitando o chapéu puído na cabeça.

Os marruás se foram.

Cavalos catingueiros? Só prestam para a exposição dos ricos e para desfile no dia do vaqueiro, pra tirar foto com prefeito.

Mascou algo na boca que parecia fumo e cuspiu adiante.

Ao longe, um carro de som passou devagar na estrada, com o alto-falante anunciando novidades do supermercado da cidade:

— "Promoção de carne argentina e calabresa!"

O velho suspirou.

— Agora é tudo isso aí. Antes, era carne de boi agreste, farinha amarela, cachaça boa. Hoje, é comida de plástico, cerveja aguada e gado do Goiás — para ele, todo gado vinha de lá.

Fez um gesto decidido, como quem tentasse abraçar o mundo, e bufou:

— E tem mais, viu? Num encontro um cristão que preste pra me ajudar na lida da roça. Tudo largado!

Pausa. O silêncio só era cortado pelos berros dos macacos-guaribas lá na frente.

Ele olhou para mim e cuspiu de lado, ajeitando a perna ruim.

— Ah… se eu num tivesse com meus noventa e dois anos, um oio cego de um coice de burro e essa perna mole desde que caí de moto faz seis meses…

O céu fechou cedo. Trovões estouravam nas bandas da mata das guaribas. No Nordeste, escuro de chuva é esperança. Ainda bem.

O Contador-de-urubus ergueu os olhos para uma árvore, a uns cem metros da varanda, e disse:

— Tá vendo aquele urubu? Urubu sozinho… é sinal dos tempos. Só vive em bando…

Fez o sinal da cruz e virou-se para a estrada poeirenta. Mas, dessa vez, não cuspiu perto dos pés.

Parou de repente e apontou com o queixo:

— Olha lá aquele monte de pedras na boca da encruzilhada… Vão fazer um tar de calçamento.

O guverno quer avançar nas quintas do vô…

Silêncio. Olhamos juntos o amontoado de pedras. O progresso chegando.

Eu esperava um palavrão. Um resmungo raivoso. Mas, em vez disso, vi uma faísca no olhar do velho.

Ele coçou a aba do chapéu, pensativo.

— Talvez num seja tão ruim assim… — murmurou, quase para si mesmo.

A frase se perdeu no vento. Ele franziu a testa, como se estranhasse as próprias palavras.

Cuspiu de lado, reequilibrando-se na bengala, e depois resmungou leve:

— Mas praga de urubu magro num derruba cavalo gordo, né? Quem tem, tem. Quem num tem, que se vire.

Suspirou fundo, tanto que as costelas se espicharam. Olhar de quem já viu muito.

E ficou assim, por um instante, quieto, como se ouvisse vozes ancestrais que só ele entendia.

Então, sem pressa, caminhou devagar até o oratório da velha casa. Ficamos ali, em silêncio, entre o cheiro de vela e madeira antiga.

A noite desabou sem correria, trazendo um vento frio que fazia as sombras sacudirem no piso.

O urubu, antes imóvel na árvore morta, ergueu voo e virou breu, sem deixar rastro.

Ou… como ele pressagiou… “augurando outra casa. ”

E foi a única vez que o Contador-de-urubus não ficou naquela sagrada hora, no alpendre, contando com os olhos os urubus se aninharem no velho ipê – já branco de tanto tempo e de tantos senhores.

Apenas repetiu, baixo, como quem fala com a chuva:

— Sinal dos tempos, sô… sinal dos tempos.

Foi então que compreendi.

Aquele era o último de sua espécie.

Março, 2025.

*Cronista e contista.

terça-feira, 4 de março de 2025

O açude e o mar de El mar

Em 1994, ao tomar posse na Academia Parnaibana



O açude e o mar de El mar


Elmar Carvalho


O caro Acoram me mandou o seguinte haicai, por WhatsApp:


Respondi-lhe imediatamente, por áudio, elogiando-lhe o texto, mas ele disse que o poema não era de sua autoria. Vi, então, que abaixo da postagem constava o nome de nosso amigo comum, o poeta Dílson Lages.

Em outro áudio, disse que o elogio valia para o Dílson, uma vez que eu não elogiara propriamente o autor, porém, os versos. Acrescentei que o poeta fora criativo com o uso da vírgula, que dera ao poema um duplo sentido, com a alusão implícita a Campo Maior, onde fica o Açude Grande nele referido.

Em seguida, praticamente de improviso, lhe enviei o poema abaixo, uma espécie de paráfrase ou paródia ao célebre poema de Drummond e sua pedra no meio do caminho:

        No meio do caminho 
        Tinha uma vírgula 
        Tinha uma vírgula 
        No meio do caminho 
        Que modificou
        Todo o sentido 
        E me deixou 
        Sem sentido.

Acoram me retrucou com o poema abaixo, em que brinca com o meu nome:



Sobre a minha paráfrase drummondiana, ele disse:

        Uma poesia de repente 
        De poeta competente!

Diante do seu poema, que evoca o pequenino Açude Grande de Campo Maior, eu lhe disse que numa entrevista, que ainda não foi ao ar, o amigo e apresentador Octavio César, em sua abertura, falou que quando vai ao litoral, ao passar pelo paredão desse açude, o considera como sendo o mar de El mar. 

Vendo o que esses bons amigos disseram, recordo que no meu discurso de posse na Academia Parnaibana de Letras, ainda em plena juventude, ou, pelo menos, me sentindo jovem, tive a ousadia de proclamar que, com o nome que tinha - Elmar - eu não apenas amava o mar, mas era-o, era o próprio mar.

Agora, coroado de algas e de mágoas, me sinto apenas um Netuno decadente, despojado de seu tridente.

segunda-feira, 3 de março de 2025

A freguesia do Mocha

Fotografia antiga da parte interna da igreja de N. S. da Vitória

Fotos tiradas por Elmar Carvalho, com exceção da primeira


 

A freguesia do Mocha


Júnior Vianna 

Historiador e membro do Instituto Histórico de Oeiras


Após dezoito dias da reunião na Fazenda Tranqueira, onde se reuniram os ditos "homens bons", cumpria-se no brejo do Mocha, com toda a solenidade possível, a inauguração da igrejinha dedicada a Nossa Senhora da Vitória.  


O rito litúrgico foi celebrado pelo padre visitador Miguel de Carvalho, acompanhado pelo padre Tomé de Carvalho, que, a partir dali, assumiria o cargo de cura da primaz freguesia do Piauí. A solenidade, ainda que simples, foi assistida com devoção pelo povo da região, que via nascer, em pleno sertão, um paroquiato distante e isolado. A nova igreja estaria subordinada ao bispado de Pernambuco, sob os auspícios de Dom Frei Francisco de Lima.  


Tudo muito humilde, sertanejo, brejeiro. A capela primitiva media pouco mais de 24 passos de comprimento por 12 de largura, seguindo o estilo das construções de taipa tão comuns na região. Apesar de modesta, a edificação da freguesia trazia grandes avanços: garantia o acesso ao batismo, ao casamento, aos sacramentos, ao amparo dos enfermos e aos registros de nascimento, matrimônio e óbito — registros que, além do valor espiritual, possuíam importantes implicações jurídicas e sociais.  


A criação da freguesia do Mocha representava, sem dúvida, o núcleo embrionário da sociedade piauiense, sustentada pela criação extensiva de gado. Com esse ato, abriam-se as portas para novas vivências, etapas sociais e avanços políticos e religiosos. Não demorou para que a região recebesse a auspiciosa visita do bispo, mas isso, como dizem, já é outra história.  


Através da Igreja e de suas instâncias de base, ligadas de forma quase umbilical ao próprio Estado, a institucionalização de povoados dispersos era conduzida inicialmente pela oficialização de suas ermidas. Assim, no dia 2 de março de 1697, essa realidade se fez presente nos sertões de dentro, sob as bênçãos de Deus Pai e a devoção mariana.  Oeiras segue ainda religiosa!     

domingo, 2 de março de 2025

ENIGMA

 

Fonte: Google

ENIGMA


Elmar Carvalho

 

entre o som

          o sono

          o sonho

          a sombra e a sobra

eu me decomponho

     em escombros

em farpas e agulhas

       escarpas e fagulhas

                                          desfeito enfim

                                          em fogos de artifício

                                          feito estrelas de mim

esfinge autoantropofágica que

não se decifrou e que a si

mesma se devorou

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

POSSE ACADÊMICA NA ACALPI

Elmar Carvalho e a juíza e acadêmica Regina Coeli Freitas

 

POSSE ACADÊMICA NA ACALPI


Elmar Carvalho

 

Neste domingo, tomei posse da cadeira nº 39 da Academia de Ciências, Artes e Letras de Piripiri – ACALPI. A solenidade aconteceu no prédio da Câmara Municipal. O auditório estava lotado. Foi uma bela festa literária, a que não faltaram, sequer, música e farto coquetel. Vários acadêmicos estavam presentes, alguns vindos de Teresina, como foi o caso do maestro e professor Vagner Ribeiro, e de outras cidades.

 

Vários descendentes e parentes do padre Freitas, de Baurélio Mangabeira, de Osíris Neves de Melo e de Raimundo de Freitas e Silva marcaram presença, assim como outras pessoas interessadas em cultura e literatura, entre as quais Brito Júnior, chefe do Poder Legislativo local. De Campo Maior veio uma comitiva, representando meus conterrâneos, composta por João Alves Filho, presidente da Academia Campomaiorense de Artes e Letras, pelos acadêmicos Cardosinho e Corinto Filho, e pelo professor e músico José Francisco Marques.

 

A solenidade foi presidida pelo jornalista, poeta e escritor Willekens Van Dorth; o cerimonial esteve sob o comando do acadêmico e juiz de Direito João Bandeira do Monte Filho, que foi o responsável pelo discurso de recepção ao artista plástico Luís de Assis Silva, que tomava posse da cadeira nº 22, patroneada por Tomás de Sousa Menezes. Na oportunidade, foi homenageada a banda Os Dragões, de bela e longa trajetória musical, com a Comenda do Mérito Data Botica, pelos relevantes serviços prestados às artes e cultura.

 

A minha cadeira tem como patrono o poeta Raimundo de Freitas, sobre o qual discorri em meu discurso. Era ele casado com Francisca Melo Freitas, irmã de meu avô materno. Falei, brevemente, sobre alguns de meus parentes e ancestrais, uma vez que só pude ser candidato porque minha avó paterna nascera em Piripiri. Falei dos pontos aprazíveis e pitorescos da cidade, bem como de muitos de seus poetas, escritores, artistas e magistrados.

 

Meu pai, que morou por pouco tempo na cidade, quando trabalhou numa filial da então poderosa Casa Inglesa, em sua juventude, estava presente e se emocionou a valer. Explanei que estive em Piripiri em várias oportunidades, inclusive na minha meninice, quando cheguei a bordo de um trem, puxado por uma locomotiva a diesel, e na minha adolescência, quando disputei uma partida de futebol, atuando como goleiro, cujo resultado já não recordo; mas também participei de muitos eventos literários, em minha maturidade, várias vezes a convite da professora e escritora Clea Rezende Neves de Melo, que abrilhantou a solenidade com a sua presença.

 

Quando falei do célebre padre Domingos de  Freitas e Silva, expliquei que o enaltecimento de um homem, através de suas palavras, pode ser um ludíbrio, em que a estátua pode ficar bem maior que o modelo, mas que os seus atos e ações mostram a verdadeira essência de seu caráter, e citei quatro episódios e atitudes pelos quais esse sacerdote pode e deve ser considerado o pró-homem por excelência de Piripiri.

 

Eleito por unanimidade, agradeci os confrades por tão belo e nobre gesto de compreensão e apreço. Fui recebido pela juíza de Direito e acadêmica Regina Coeli Freitas, que proferiu um excelente e emocionante discurso, entremeado de versos de minha autoria, que me comoveu e me afagou a alma. 

19 de outubro de 2010

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Sermão das Cornudagens

Fonte: Google


Sermão das Cornudagens


Fabrício Carvalho Amorim Leite

Cronista e contista


Agora, cobiçar, meu Deus, a mulher do próximo não deveria ser pecado. Na maioria das vezes, é mais castigo e aflição. Mas avançar? Ah, isso já é outra história.

Ele era operário de dia, pastor à noite. Em casa, um culto aconchegado. Na mente, a exegese perfeita — e um desprezo mal fingido pelos doutorezinhos da teologia. Trazia uma ideia fixa, e isso para não usar a palavra pior.

— Que é esquisito, é — resmungou a vizinha, lançando um olhar enojado ao templo, como quem mira o ponto certo para atirar uma tocha. — Isso não está na Bíblia, juro de pés juntos — disse, enquanto remexia o terço e traçava sinais da cruz com dedos.

Uma puritana da igreja tentou dialogar com o Ministro, mas, diante de seus argumentos insistentes e gestos nada ortodoxos, desistiu.

Como um Bom Pastor, doutrinava, com a convicção dos mais ungidos:

— Nós, os justos, como dizem as Escrituras, devemos permitir que eu os adultere com suas mulheres. E eles, em êxtase, louvaram mil vezes, entre vivas e gestos inomináveis.

— Imaculada, amor, você foi a escolhida do dia — disse Plácido — hoje é o momento de cuidar das necessidades espirituais. Banhe-se, perfume-se, louve a Jesus e deixe o Pastor concluir o milagre. O lençol está cheiroso — fiz um sacrifício para comprar — e, para não ser indiscreto, sairei para o mercado.

E, assim, Plácido, fiel de brandura exemplar, cumpridor da Palavra, saiu com uma alegre paz de Cristo.

Não se pode negar: o Ministro cuida do seu rebanho. É doce, de fala mansa, apaziguava qualquer desarmonia matrimonial, sempre anunciando:

Cuidado com os lobos em pele de cordeiro!

E, das cadeiras de plástico, em êxtase, todos respondiam:

Aleluia! Aleluia!

Até que, um dia, veio a intimação... Denúncia: crimes contra a dignidade sexual.

Depoimentos colhidos. Uma fiel jurava ter recebido uma revelação divina — daria filhos ao Pastor. Outra, de fé inabalável, com o marido, olhos ao céu, em louvor. Um a um, seguiram-se os testemunhos de pura fé cristã.

Por fim, o acusado começou: fala aveludada, terno de bacana, colarinho engomado, perfume francês — um sultão da periferia. Iniciou sua defesa — ou melhor, sua pregação.

— Irmãos, oremos, pedimos indulgência, nos entregamos em piedade. E o Senhor nos deu claramente a direção, em Oséias 3: E o Senhor me disse: Vai outra vez, ama uma mulher, amada de seu amigo, e adultera.

O Delegado ajeitou os óculos, folheou as anotações e encarou o Pastor.

— Então, quer dizer que o senhor baseia sua defesa na Bíblia? Pois bem, vejamos... — Pigarreou, tomou o relatório e leu em voz alta:

"Vai outra vez, ama uma mulher, amada de seu amigo, e adúltera..."

Pausou, semicerrou os olhos.

— Pastor, o senhor sabe a diferença entre "adúltera" e "adulterar”? Porque uma coisa é amar uma mulher infiel, como diz o versículo. Outra, bem diversa, é adulterar mulheres de seus amigos.

O Pastor ajustou a gola, engoliu em seco e murmurou:

— Ah, tá... já sabia que reduziriam tudo à maledicência da cornudagem e um simples erro de grafia — disse, dando de ombros.

                                                                                                                             Fevereiro,2025.