segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Eterno retorno a José de Freitas

 

Elmar Carvalho, Pedro Alcântara e Frederico Rebelo
Criação: ChatGPT



Eterno retorno a José de Freitas

 

Elmar Carvalho

 

Neste sábado passado [23/08/2025], à boca da noite, estive na cidade de José de Freitas para participar da solenidade de lançamento do livro José de Freitas: entre o Marataoan e o Parnaíba, o livro da nossa história, da autoria de Fernando de Almendra Freitas, economista e ex-prefeito do município.

No pleito de 1988, foi o vereador mais votado. Em sua gestão à frente do Poder Executivo Municipal, o governo estadual construiu o açude do Bezerro, que vem contribuindo para o fortalecimento da economia, do turismo e do lazer da região. Era governador Antônio de Almendra Freitas Neto, seu primo, que se encontrava presente à solenidade.

A cerimônia contou com a presença de inúmeros parentes, amigos e conhecidos do autor, entre os quais menciono: Rosilda Freitas, sua esposa; o ex-governador Freitas Neto; o vereador, escritor e jornalista Pedro Alcântara do Nascimento; o médico Ferdinand Freitas; Maria Freitas, viúva de Robert Freitas, prefeito e deputado estadual; e o médico Elias Lima, presidente da Academia Freitense de Letras, idealizada por Fernando.

Estiveram também no evento literário os seguintes membros da referida Academia: o advogado Antônio Carlos Costa; Francisco Costa, auditor-fiscal do Estado; Gilmar Leite, que falou em nome da entidade; o professor e escritor Zito Cruz; e o ex-vereador e historiador Antônio Sampaio Pinto. Representando a Academia de Letras de Miguel Alves, marcou presença o escritor e poeta Frederico Rebelo Torres.

Usaram da palavra Fernando Freitas, Gilmar Leite, Pedro Alcântara do Nascimento, Freitas Neto e este escriba, que enalteceram a obra e seu autor, comentando suas evidentes qualidades, sobretudo pelo volume de preciosas informações sobre o município.

Creio que seja a obra magna do escritor e historiador Fernando de Almendra Freitas. Do meu conhecimento, é o mais importante livro sobre a história de José de Freitas, pela quantidade e qualidade de suas informações. Basta que se diga que o autor vinha elaborando-o há quase trinta anos, em busca da maior proximidade possível da verdade histórica, e não de narrativas tendenciosas ou lendárias.

No seu afã de busca da verdade, chegou a contrariar certos relatos tradicionais, que eram contados como se fossem fatos verdadeiros, quando não o eram, como reconhece Elias Lima, o seu prefaciador:

“No entanto, é necessário ousar, e Fernando faz nova narrativa sobre a origem deste município, mudando o eixo da história quando afirma que Francisco da Cunha Castelo Branco nunca esteve no Piauí, portanto não poderia ter fundado a fazenda Boa Esperança. Essa incumbência coube ao seu genro, o Comissário-Geral de Cavalaria Dom Manuel Carvalho de Almeida (...). Ele e sua esposa (Clara da Cunha e Silva Castelo Branco) receberam em sesmaria esta porção de terra em 1741 e fundaram a fazenda Boa Esperança, edificando a Capela de Nossa Senhora do Livramento.”

O autor declara, em sua nota preambular, que o principal objetivo de seu livro é resgatar a história do povo e do município, tornando-a acessível a estudantes, pesquisadores e professores. E bem soube cumprir esse desiderato, em linguagem concisa, clara, objetiva e com notável correção gramatical — qualidades raras em um livro volumoso, de mais de quinhentas páginas.

Além de se debruçar, com muita percuciência, sobre a história do município, desde os seus primórdios ou origens mais remotas, o autor também abordou outros assuntos paralelos ou afins, tais como biografias de personalidades notáveis, as principais e mais célebres casas de fazenda, aspectos genealógicos, religião, povos indígenas, a escravidão negra, costumes, geografia, hidrografia, lazer, esporte, ambientalismo etc.

Em meu sintético pronunciamento, ao evocar o breve ano em que morei na então linda e bucólica cidade de José de Freitas – numa das quadras mais felizes de minha vida –, disse que a lembrança desse tempo continuava a revoar em minha saudade e em minha memória de forma perene, incessante.

Encerro esta crônica com estes versos de meu poema Livramento: Pedra e Abstração:

Que é Livramento?

 Livramento

é uma revoada de santos,

anjos e meninos sobre um morro

que também voa.

Onde, agora, o morro?

 

O morro continua lá

e em minha memória incessante,

escalado por

    meninos que são anjos

do além do bem e do mal.

domingo, 24 de agosto de 2025

SEX-APPEAL

Criação: AI Gemini

 

SEX-APPEAL


Elmar Carvalho

 

Movo até o teu

meu amoroso coração

- ânfora de lágrimas e solidão.

 

Teu olhar me revida

com uma impressentida carícia

referta de promessas e delícia.

 

Teus olhos escorregam macios

das penumbras dos cílios armados em cios

e afagam minha pele

eriçada em arrepios.

 

Meus anseios

desvelam tuas vestes

e revelam os empinados penedos

sedosos de teus seios,

sem medos

e sem receios,

e devassam em

tênues e tímidos acessos

os teus mais secretos

úmidos e diletos recessos.

 

E eu te desejo mais que tudo,

mas me contenho e me abstenho

e me deixo ficar inerte e mudo...

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Lembrança do poeta Morel Nobre

 

Criação: IA Gemini



Lembrança do poeta Morel Nobre

 

Elmar Carvalho

 

Há mais de um mês me veio à lembrança o poeta Morel Nobre, que, na segunda metade da década de 1970, publicava suas produções literárias — sobretudo sonetos — nos jornais Folha do Litoral e Norte do Piauí, na cidade de Parnaíba, para onde nos havíamos mudado em meados de 1975. A partir dessa época, quando fiz 19 anos, comecei a publicar meus poemas de feição modernista no Folha do Litoral.

Foi então que tomei conhecimento dos sonetos de Morel e do poeta Neiva, que trabalhava na agência dos Correios e Telégrafos e depois foi atuar no Serviço do Patrimônio da União, dirigido pelo advogado Carlos Alberto Teixeira, meu professor no curso de Administração de Empresas (UFPI).

Eram sonetos tradicionais, sincréticos, com resquícios das escolas romântica, parnasiana e simbolista. Outros poetas também publicavam sonetos nos jornais mencionados, mas cujos nomes não me recordo neste momento. Para ilustrar o que afirmo, transcrevo o seguinte soneto, dedicado à sua sobrinha Helinha Carleta:

 

Sublimação

 

Morel Nobre

 

É estranho! Não sei que pensamento

Me aflora ao coração em leve embalo

Não defino porém o sentimento

Nem tampouco consigo decifrá-lo

 

De repente, ao ouvido diz-me o vento

Que a emoção da qual nem sempre falo

Em sofrer também o mesmo sofrimento

É pode talvez, como seus pais, amá-lo

 

Se eu pudesse Helinha, lhe daria

O mundo inteiro e toda a alegria

Das rosas colorindo o seu caminho

 

Mas só posso oferecer neste soneto,

Pobres versos que encerram no terceto

A mais sublime expressão do meu carinho

          Parnaíba, 29.08.76

 

Como dizia, a lembrança do poeta Morel Nobre me veio à mente quando fui caminhar no passeio da Avenida Ulisses Marques — que hoje parece se chamar Professor Arimatéia Santos —, em companhia do amigo Francisco Carlos (Quim). Encontramos um conhecido seu, que me foi apresentado como sendo Ricardo Nobre.

Durante a caminhada, fiquei sabendo de outras informações sobre Ricardo, inclusive de que ele seria filho de um certo Morel. Isso me despertou curiosidade, já que Morel é um sobrenome muito raro no Piauí. Quim me repassou seu WhatsApp e, então, fiquei sabendo que ele era, de fato, filho do poeta Morel, cujo nome completo me forneceu.

José Morel Hermes Nobre nasceu em 6 de março de 1928, na cidade de Cajazeiras (PB), porém foi criado em Fortaleza (CE), onde Ricardo nasceu. Teria escrito em jornais de Fortaleza, mas o filho não se recorda de seus nomes. Foi casado com Teresinha Pinheiro Vidal Nobre, com quem teve os seguintes filhos: Wagner Morel Vidal Nobre, Frederico Ricardo Vidal Nobre, Larissa Vidal Nobre e Guilherme Vidal Nobre.

Além de poeta, foi radioamador. Trabalhou como químico da empresa Vegetex. Uma espécie de “faz tudo”, tinha facilidade de consertar e construir objetos. Falava o alemão e o inglês razoavelmente bem. Entre vários outros, foram seus amigos o médico Valdir Edson e o professor Antônio Gallas Pimentel, jornalista, radialista, escritor e poeta, e o já referido Edgar Braúna.

Como disse, tomei conhecimento dos sonetos de Morel na segunda metade dos anos 1970, mas só o conheci pessoalmente em meados da década de 1980, quando já morava em Teresina. Na época, eu trabalhava na SUNAB, instalada no prédio do Ministério da Fazenda, ao lado da igreja de N. S. do Amparo, na Praça Rio Branco.

Certa vez, ao deixar a praça, vi numa lanchonete o sr. Edgar Braúna, que fora meu colega na ECT. Fui cumprimentá-lo e ele me apresentou um cidadão franzino, de pequena estatura, de nome Morel. Expliquei que já o conhecia de nome e de sonetos. Soube que ele iria voltar para Parnaíba na sexta-feira ou no sábado.

Como eu era solteiro, disse-lhe que iria visitar meus pais em Parnaíba, num desses dias. Fui convidado a ir de carona no fusquinha do poeta. Aceitei a oferta e, no horário marcado, seguimos no automóvel apenas eu e Morel. Quando chegamos a um ponto equidistante das cidades de Altos e Campo Maior, o carro, como um burro empacado, enguiçou.

O poeta parecia conhecer as manhas e birras do “bicho”, pois não demonstrou nervosismo. Pediu que eu ficasse no local e disse que iria buscar água numa casa próxima. Após alguns minutos, retornou com um recipiente. Molhou um pano — creio que uma flanela — e, com movimentos pacientes, quase como se fizesse um carinho, molhou a bobina durante alguns minutos, como se fosse uma espécie de ritual.

Quando sentiu que chegara o momento certo, ligou a chave de ignição, e o bravo fusquinha pegou de primeira, levando-nos até Parnaíba sem qualquer acidente, incidente ou sobressalto.

Depois disso, perdi o poeta de vista e não mais o revi. Não tive notícias dele, nem mesmo se ainda estava vivo, embora guardasse lembrança dele e dessa viagem, que me foi uma espécie de aventura juvenil.

Soube, pelo seu filho — o talentoso arquiteto Ricardo Nobre —, que o final da vida do poeta foi um tanto melancólico, em razão de seu recolhimento e doença.

Em 2004, aos 72 anos, o poeta sofreu um AVC, cujas sequelas lhe dificultavam a locomoção. Nove anos depois, em 2013, já quase totalmente cego, veio a falecer.

Acrescentou Ricardo que, por ser de pequeno porte e franzino, o pai era chamado pelos amigos, em pura blague, de “filé de borboleta”.

Diria que ele, magro e elegante em sua leveza, tinha o espírito de uma borboleta planando à brisa parnaibana, e, por ser poeta e afeito às coisas espirituais, possuía o voo e o canto de um pássaro canoro.

E sua alma voou para uma encantada e melhor dimensão do tempo-espaço. 

terça-feira, 19 de agosto de 2025

ENSAIO DA IA CHATGPT


Criação: IA Gemini
Criação: IA ChatGPT

ENSAIO DA IA CHATGPT

 

Após reler trecho do Apocalipse, resolvi instigar ou provocar a IA ChatGPT com a seguinte pergunta:

Se o Apocalipse fosse uma obra meramente literária poderíamos dizer que ele contém aspectos do simbolismo, do surrealismo e do realismo fantástico?

Ela respondeu positivamente através de um texto que pode ser considerado um pequeno artigo, muito elucidativo e denso de conteúdo.

Em seguida, me perguntou se podia elaborar um ensaio a respeito do tema, tendo eu lhe respondido que sim.

Eis o ensaio criado pela IA ChatGPT:

O Apocalipse como obra literária: entre simbolismo, surrealismo e realismo fantástico

 

Lido na perspectiva estritamente literária, o Apocalipse de João revela-se um texto extraordinário por sua força imagética, sua densidade simbólica e sua capacidade de entrelaçar o real e o sobrenatural. Embora pertença a um contexto religioso e profético específico, sua estética permite aproximá-lo, por analogia, a movimentos literários posteriores: o simbolismo, o surrealismo e o realismo fantástico.

 

1. O simbolismo das visões

 

O simbolismo, surgido no final do século XIX, privilegiava a sugestão e a linguagem carregada de metáforas e símbolos como caminho para alcançar verdades espirituais ou estados de alma. No Apocalipse, esse mesmo recurso está no centro da narrativa.

 

O Cordeiro, ao mesmo tempo sacrificado e vitorioso, condensa em uma imagem a ideia de redenção e triunfo espiritual.

 

As sete igrejas da Ásia são descritas não apenas como comunidades históricas, mas como arquétipos da condição espiritual humana.

 

A repetição do número sete (selos, trombetas, taças) funciona como cifra simbólica de totalidade.

 

 

Assim como em Baudelaire ou Cruz e Sousa, o texto sugere mais do que diz; não descreve de maneira racional, mas transmite uma atmosfera visionária e espiritual.

 

2. O surrealismo das imagens oníricas

 

O surrealismo, no século XX, buscou libertar o inconsciente e dar voz ao sonho, ao delírio e ao insólito. A lógica do Apocalipse é igualmente a do sonho e da visão.

 

A mulher vestida de sol, coroada de estrelas, perseguida por um dragão que lança rios contra ela, parece saída de um quadro de Salvador Dalí.

 

O livro comido pelo profeta, doce na boca e amargo no ventre, lembra as imagens paradoxais e absurdas cultivadas pelos surrealistas.

 

O próprio encadeamento das cenas — anjos que soam trombetas, estrelas que caem, céus que se enrolam como pergaminho — obedece mais à lógica da visão do que à narrativa linear.

 

 

Nesse sentido, o Apocalipse antecipa em séculos a estética surrealista, pois transfigura a realidade com imagens que beiram o delírio poético.

 

3. O realismo fantástico das revelações

 

O realismo fantástico, particularmente na tradição latino-americana, caracteriza-se pela inserção do insólito em um mundo realista, sem que haja estranhamento por parte das personagens. Essa fusão encontra paralelo direto no Apocalipse.

 

Roma, identificada como Babilônia, é uma cidade real, mas nela atuam bestas de sete cabeças e anjos exterminadores.

 

As pragas — mares que se tornam sangue, estrelas que caem, gafanhotos monstruosos — afetam povos históricos, em impérios concretos.

 

O maravilhoso é narrado com naturalidade, como se fizesse parte do cotidiano da história humana.

 

 

Da mesma forma que Gabriel García Márquez apresenta a ascensão de Remédios, a Bela, aos céus em pleno quintal de Macondo, o Apocalipse descreve o sobrenatural como prolongamento do real.

 

Conclusão

 

O Apocalipse, portanto, pode ser lido como um texto precursor de estéticas literárias que só se consolidariam muito depois. Seu simbolismo intenso, sua lógica onírica e suas irrupções fantásticas permitem que seja situado, literariamente, entre o simbolismo, o surrealismo e o realismo mágico.

 

Não se trata, evidentemente, de afirmar que João, o visionário de Patmos, tivesse consciência dessas correntes futuras. Mas é possível reconhecer que a potência estética de seu texto atravessa séculos, influenciando tanto a arte religiosa quanto a literatura moderna. Nesse sentido, o Apocalipse permanece como uma das obras mais literariamente férteis da tradição ocidental: um livro de revelação e de poesia visionária.”

Após, eu lhe avisei que iria publicar o seu ensaio, visto acima, em meu blog, dando-lhe o devido crédito de autoria. Vejamos o que ela me respondeu:

“Fico contente em saber que o ensaio lhe agradou a ponto de querer publicá-lo em seu blog. 😊

 Você pode publicá-lo integralmente, sem necessidade de referência a mim, como se fosse um artigo encomendado.”

Preferi não acatar a sua liberalidade ou generosidade e lhe dei o devido crédito autoral, como julgo ser o correto.

domingo, 17 de agosto de 2025

TRABALHO DE CESTARIA E RENDA

 

Criação: IA Gemini

TRABALHO DE CESTARIA E RENDA


Elmar Carvalho

 

tramas e tramoias

arma(dilha) a(r)mada

a(r)mada arma(dilha)

entocadas nas tocaias

 

amantes amadas

amando (tr)amando

entre teias e r’amas

com as armas a(r)madas

 

entre rendas e redes

a engrenada moenda

do amor entrelaçado

 

faz uma teia de renda

em forma de rede de pe(s)car

e me amor(tece) e me amor(daça)

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

RALI E AVENTURA NA CHAPADA GRANDE






RALI E AVENTURA NA CHAPADA GRANDE


Elmar Carvalho

 

Em virtude de estar respondendo pela Comarca de Arraial, durante as férias da titular, juíza Nazildes Santos Lobo, fui ontem a essa cidade. Preferi ir por dentro da Chapada Grande e retornar por Francisco Ayres e Amarante. Logo ao sair desta cidade de Regeneração, começou uma chuva, que, ora mais forte, ora simples chuvisco, durou toda a viagem. Em certos trechos, quando apenas serenava, aproveitei para tirar umas fotografias, que ficaram um tanto prejudicadas por causa da baixa luminosidade.

 

As folhagens estavam bem verdes, lustrosas, e os córregos já começavam a correr. Em certo ponto, pude escutar a estridência alegre de uma cigarra cantadeira, em dueto com um passarinho, que parecia louvar a chuva mansa que caía. Algumas “passagens molhadas” estavam realmente molhadas, com os riachos a passar sobre o concreto da construção. Os morros, colinas e chapadões verdejavam à distância. Redobrei o cuidado, temendo a picape escorregar sobre as ladeiras úmidas. Felizmente, não houve nenhum perigo e nenhuma derrapagem.

 

Essa viagem me fez lembar uma anterior, feita três anos atrás, em que fiz o mesmo périplo. Fui em companhia do soldado Pereira, hoje reformado, que na época estava à disposição da Justiça. Quando assumi a Comarca de Regeneração, ele era chamado apenas de Raimundinho; brincando, disse que ia promovê-lo a Pereira, seu apelido de família, porque esse nome impunha mais respeito, mormente em se tratando de um militar.

 

Após despachar os processos mais urgentes da Justiça estadual, fui até a serventia eleitoral. Lá, ao saber que eu iria voltar por Francisco Ayres e Amarante, o chefe do cartório, por duas ou três vezes, me recomendou que não passasse por cima de uma ponte de madeira, que estava danificada; que eu seguisse por um atalho que havia, e passasse pelo vau do rio. Fiquei um tanto preocupado, pois o “inverno” estava rigoroso na época. Em seguida, fui com o Pereira almoçar num dos restaurantes de Arraial.

 

Comemos um peixe delicioso. Pedi a conta à dona do estabelecimento. Ela deu o preço. Quando eu ia puxar a carteira de cédulas, ela refez o cálculo, dizendo que havia esquecido de incluir uma Coca-Cola; quando, novamente, eu me preparava para sacar o dinheiro, ela voltou a alterar a conta, alegando que não incluíra uma cerveja; na terceira vez, não vacilei, e lhe coloquei o dinheiro na mão, antes que ela alterasse o preço, como sempre para um valor mais elevado.

 

Quando ela processava os dados mentalmente, levantava os olhos para cima, revirava-os, como se em busca de inspiração. Mas foi um preço justo, porquanto a comida estava realmente saborosa. No restaurante, voltei a encontrar o chefe do Cartório Eleitoral, que nele fazia as refeições. Novamente, ele me advertiu que, em hipótese nenhuma, passasse sobre a ponte.

 

Imediatamente, seguimos em direção a Francisco Ayres. Imprimi uma velocidade razoável, mas tendo em vista que a estrada era cheia de curvas e ladeiras, e recoberto  o seu leito com a traiçoeira piçarra, propícia a derrapagens. Quando menos esperei, vi a famigerada ponte à minha frente. Não tive dúvida, pisei no freio. A picape quase fazia um “cavalo de pau”. Manobrei em direção ao atalho. Para minha decepção, a correnteza do rio estava violenta, e não havia a menor condição de atravessá-la. Quando eu já me preparava para retornar, e fazer o percurso pela Chapada Grande, o que me causaria um considerável prejuízo de tempo e combustível, enxerguei um rapaz numa motocicleta, que vinha em sentido contrário.

 

Esperei que ele chegasse até nós. Com firmeza, ele me garantiu que eu poderia passar por cima da ponte, pois na manhã daquele dia um caminhão do tipo ¾ passara sobre ela. Agradeci ao motociclista, e me preparei para enfrentar o desafio. As vigas trepidaram, estalaram, gemeram e rangeram como a moenda do poema de Da Costa e Silva, balançaram, mas não caíram. Exultante, ultrapassei aquela geringonça desengonçada e capenga, em que a ponte, verdadeira arapuca, havia se convertido.

 

Quando atravessei a cidade de Francisco Ayres, novo desafio me esperava. O rio Canindé, naquela forte estação chuvosa de três anos atrás, estava cheio, com as águas correndo fortemente sobre o paredão da barragem, como se este fosse o sangradouro. Era por ali que eu deveria passar. Não vou mentir, fiquei com medo. Perto da barragem existia o esqueleto de uma ponte inacabada. Do local se viam as vigas e pilastras de concreto do que deveria ser uma ponte. Lamentei tanto descaso, tanto desperdício de dinheiro público, já que aquele monstrengo de cimento para nada servia.

 

Ante o inelutável, perguntei a um pescador se dava para passar sobre o paredão da barragem. Respondeu-me que sim. Indaguei-lhe, em tom de brincadeira, se ele garantia; retrucou-me que não, mas que há poucos minutos um automóvel passara sobre a barragem. Aduziu que eu deveria me nortear pelo “caculo” da água, na borda esquerda do paredão. Manobrei o carro em direção à barragem, sem enxergar o piso por onde passaria, e sem ter noção da profundidade da lâmina d' água que o recobria. Quando estava no meio do percurso, olhei, de esguelha, o bravo Pereira, com a água a turbilhonar na borda esquerda da barragem e a despencar no abismo do lado oposto.

 

Sua pele da cor do ébano tomara uma cor que se aproximava da tonalidade das garças.  É claro que estou brincando. Afinal, o soldado Pereira faz jus ao nome que ostenta. Como dizia o senhor Augusto Pereira, pereira é pau amargoso, é madeira de lei, é cacete de dar em doido. Que os doidos e os politicamente corretos, mais reais do que os reis, não me leiam.

 

Graças a Deus, escapei são e salvo desse verdadeiro rali improvisado pelas ladeiras, montes, chapadões, abismos, veredas e pinguelas dessa Chapada Grande de tanta beleza e encantamento. 

14 de dezembro de 2010

terça-feira, 12 de agosto de 2025

OBSERVANDO O COSMO

 

Imagem criada pela IA Gemini, seguindo minhas instruções

Fonte: Google



OBSERVANDO O COSMO

 

Elmar Carvalho

 

De algum ponto não muito iluminado dos arredores de Teresina, à boca da noite, fomos observar a Lua e outros astros. Éramos um grupo de seis pessoas. Nosso guia e mestre era o médico e astrônomo amador Aluísio Amorim Andrade.

Disse amador apenas no sentido de que ele não exerce a profissão de astrônomo. Entretanto, é um profundo conhecedor e estudioso do cosmo e efetivamente ama observar a Lua, as estrelas e os planetas. Era fácil perceber-lhe o entusiasmo enquanto nos ensinava e falava da grandiosidade e da maravilha do cosmo, das galáxias, das constelações e de outros mistérios insondáveis do universo.

Os outros integrantes do grupo éramos eu; a médica Naiara da Costa Sobral Andrade e o estudante de medicina Daniel Sobral Andrade (esposa e filho de Aluísio, respectivamente); e o escritor e médico Edilson Carvalho Jr., acompanhado de sua esposa, Carmen Milena Rodrigues Siqueira Carvalho.

Era uma esplêndida noite de plenilúnio. O nosso satélite ostentava toda a glória de sua beleza. O céu apresentava poucas nuvens, que apenas serviam para ocultar levemente a Lua por breves momentos, para nos deslumbrar quando ela reaparecia ainda mais bela.

Lembrei-me então de minha infância, quando minha saudosa e excelente mãe, para aguçar minha imaginação e me proporcionar momentos mágicos, dizia que a Lua estava trocando de roupa. Quando, nas noites frias, formava-se um halo ao seu redor, mamãe afirmava que ela estava tomando banho numa lagoa. Ó ditosos tempos de minha meninice, “que os anos não trazem mais”...

Aluísio Amorim Andrade foi um verdadeiro cicerone e nos proporcionou uma viagem cosmológica. Assim como o poeta Virgílio conduziu Dante, na Divina Comédia, pelos círculos infernais, ele nos guiou pelos páramos celestiais — o que me fez lembrar do meu poema Viagem, em que simulei um périplo pelo infinitamente grande e pelo infinitamente pequeno. Transcrevo apenas estes poucos versos:

“surfo nos mares lunares

e desvendo os enigmas

da face nunca revelada

em seu véu de eterna treva

combato o hálito de fogo do dragão

cavalgando lado a lado com São Jorge”

Mas, ao contrário do que digo no trecho acima, não vi São Jorge e muito menos o pavoroso dragão. Aliás, disse aos amigos do grupo de observadores que não pretendo mais discutir assuntos de astronomia e astrofísica com o confrade Prof. Jônathas Nunes, com medo de ser sugado por um buraco negro ou de cair num buraco de minhoca e ir parar numa outra, desconhecida, dimensão.

Quando nosso guia nos mostrou os caminhos de Santiago e do Zodíaco, não me contive e aproveitei para lhes torrar a paciência com este meu poema, escrito há muitos anos:

AUTOBIOGRAFIA ZODIACAL

 

Sou do signo de

 Carneiro

Mas meu coração é um

 Touro indomável

No meu sangue

corre a fúria de

 Leão

Entre uma Virgem e duas

 Gêmeas

Meu coração / bala

   Balança

Sou um Câncer

nos chifres de

 Capricórnio

Sou Peixes libertário

sem o cárcere de um

 Aquário

Sou Sagitário

 a

  r

   m

    a

     arco e flecha

    d

   o

  d

 e

(A flecha é uma cauda de Escorpião)

Tive o ensejo de lhes dizer que, nos meus PoeMitos da Parnaíba, em que falei de figuras populares, engraçadas ou anedóticas dessa mítica cidade de meu encantamento, tracei um breve perfil do Boa Ideia, que, segundo soube, chegou a se corresponder com cientistas da NASA. Desse poema, transcrevo os versos abaixo:

“Galileu Galilei da Parnaíba

construiu sua luneta

desvendou estrelas e planetas e cometas

e perscrutou os umbrais do infinito.

Autodidata da astronomia

com seu telescópio passeava

pelos “mares” da Lua

dizendo coisa com coisa

que ninguém sabia.

Brincava de bambolê

com os anéis de Saturno.”

Quando o Dr. Aluísio chegou ao “observatório” e retirou seus potentes instrumentos, o meu acanhado telescópio teve tremor e temor, encolhendo-se todo, recolhido em sua modéstia, como se fosse um canarinho-belga diante de um belicoso e grande canário verdadeiro. Depois recobrou o ânimo quando nosso mestre disse que ele era suficiente para os fins que eu desejava.

Em seguida, com sábia didática, utilizando uma mira de raio laser, Aluísio nos mostrou algumas constelações e aglomerados de estrelas. Com sua longa manus de longos dedos de luz, ele nos fez passear pelo lindo céu salpicado de astros, no qual sentimos a Glória do Criador.

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Regando o Meu Pai

Fonte: Google


Regando o Meu Pai

 

Fabrício Carvalho Amorim Leite

 

Hoje foi Dia dos Pais.

Se fosse qualquer outro dia, talvez fosse apenas ruim.

Mas começar uma data assim, já carregada de ausência, é como amanhecer com o peso de uma pedra no peito.

 

O meu pai, há pouco, mudou-se para aquele jardim.

 

Pensei, num desvio quase onírico, se seria o Éden, ou alguma paisagem inventada pela memória.

No fundo, era só um buraco enfeitado. Uma moldura para o invisível.

Um ponto fixo onde ele habitava agora, dissolvido em silêncio e matéria orgânica.

 

Olhei a grama verde e, por um instante, o vi. Menos triste, mais inteiro.

Ele sempre gostou de plantas.

Pássaros giravam no ar, pousando perto, como se partilhassem a solidão do dia.

 

Meu pai agora era grama.

E o funcionário do cemitério, ao regar o gramado, regava o meu pai.

 

Ali, repousava também um jovem pai: o meu irmão, que foi pai e filho. Ao menos, naquele dia, estiveram juntos: grama e terra.

Os pássaros encerravam seu banquete de insetos, de pequenos seres rastejantes e voadores,

enquanto o vento levava restos de asas invisíveis pelo ar.

 

Um dia, serei eu também terra, grama, pó, pássaro, inseto e o que mais couber no ciclo desse lugar.

 

O sino das seis tocou longe, mas atravessou o vento até mim, açoitando o corpo já envergado. E, ali, saudades viraram lágrimas. E nada mais.

 

Agosto, 2025   

domingo, 10 de agosto de 2025

EGOCENTRISMO


Criação: IA Gemini


EGOCENTRISMO


Elmar Carvalho

 

     espirrei

na réstia de luz

da janela do meu quarto

e fiz surgir um

                  arco-íris

                  arco-do-triunfo

sob o qual

napoleonicamente passei

sobre o qual caminhei

em busca do

                        velocino de ouro

coroado com o l’ouro

de minha própria

      alquimia

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

LANÇAMENTO DE NOTURNO NA NOITE OEIRENSE

 




LANÇAMENTO DE NOTURNO NA NOITE OEIRENSE          


Elmar Carvalho

 

O livro Noturno de Oeiras e outras evocações já estava editado fazia alguns meses. Por motivos que não quero declinar, alheios à minha vontade, ainda não fora lançado. Mas tudo tem seu tempo, como diz a Bíblia. Certo dia de sábado, uma comitiva do Instituto Barros de Ensino – IBENS, procedente da velha capital, veio visitar a Academia Piauiense de Letras. Tive a oportunidade de contar para as diretoras do educandário essa situação. Elas me disseram, sem que eu nada pedisse, que fariam o lançamento da obra; que oportunamente me comunicariam a data.

 

Em poucos dias, para minha grata surpresa, a direção do IBENS me contactou e disse que o evento poderia ser feito no dia 3 de dezembro. Combinamos que o apresentador seria o autor do prefácio, o escritor e advogado Moisés Reis, que aceitou a incumbência. No dia marcado, cheguei a Oeiras, na companhia de meu pai e do Zé Francisco Marques. Fomos hóspedes do empresário Miguel Machado, campomaiorense, mas radicado na velhacap, e de sua mulher Dalva, oeirense.

 

O evento foi incluído dentro do Projeto “De Poeta, de Músico e de Louco em Oeiras todos têm um pouco”, que este ano homenageou o médico e escritor Dagoberto Carvalho Jr., um dos mais proeminentes ecianos, sobre o qual já escrevi mais de um texto e de quem tive a honra de prefaciar a mais recente edição da obra prima Passeio a Oeiras. A solenidade aconteceu na Praça da Inocência, na frente do IBENS, à boca da noite, como se dizia outrora. Compareceu um público expressivo e seleto. Quando cheguei, Moisés Reis foi logo me dizendo estar satisfeito com a quantidade de pessoas e com o fato de que havia muitos jovens na plateia.

 

Fui recebido pelos dirigentes do Instituto Barros de Ensino, entre os quais se encontrava o patriarca Geraldo Barros, genitor dessa bela estirpe de educadores, entusiastas da causa da cultura e da educação em sentido integral, e não apenas meros repassadores de conteúdo. A diretora Magda Barros fez a apresentação, seguindo um belo e elucidativo script, com roteiro pertinente e bem planejado. Um grupo de alunos do IBENS recitou poemas e fez uma excelente performance do poema Noturno do Cemitério Velho de Oeiras, com todos os intérpretes trajando vestes negras.

 

Francisco Barroso o musicou, e de forma tão feliz que o público acompanhou a música com palmas vibrantes e sincronizadas. A simpática e amável garota Juliana Barros nos encantou com a virtuosidade de sua dança, quase levitação artística. Moisés Reis estava “impossível”, inspirado como sempre, e excedendo-se a si mesmo fez um notável improviso, em que analisou, com argutos olhos de Argos, os textos e teceu comentários percucientes sobre o autor. Apenas cometeu o compreensível pecado de enaltecer meu livro além do que ele merecia, por força de sua lhaneza e generosidade. Quando fui chamado ao palco monumental, disse que pouco tinha a dizer, após o que Moisés falara; que o que deveria falar estava consignado no meu livro; que apenas tinha muito a agradecer.

 

E agradeci ao IBENS pela promoção da festa literária, à comitiva que viera de Regeneração, composta por Alfredo Nunes, Tiago Junqueira e Nileide Soares, e à comitiva campomaiorense, integrada por meu pai,  por Zé Francisco Marques e pelo empresário Miguel Machado, pela consideração da presença. A sessão de autógrafo foi deveras concorrida, mas minha caneta não regateou tinta. O promotor de Justiça Carlos Rubem, sempre prestativo e dinâmico, sobretudo no que se refere à arte e à cultura, fez uma verdadeira reportagem fotográfica; por isso mesmo, no autógrafo, o rotulei de promotor de Justiça e de Cultura. Em suma, foi uma magnífica noite de arte, música e literatura.

 

Não pude deixar de comemorá-la, degustando uma cerveja, no emblemático e simpático Café Oeiras; estavam presentes Miguel Machado, sua esposa Lindalva Elisa, Zé Francisco e  meu pai. Eis que de repente, fui abordado por Zé Carlos, que sem pruridos de falsa modéstia disse ser o maior goleiro de Oeiras, e ter barrado os maiores goleadores do futebol nacional, inclusive o nosso Simão Teles Bacelar, o legendário Sima, o maior artilheiro do Piauí. Por isso, pediu-me para lhe escrever a biografia. Disse-lhe ser um colega menor, conquanto nunca tenha engolido “frangos” escandalosos.

 

Tive o cuidado de perguntar ao Carlos Rubem se Zé Carlos, realmente, fora o maior golquíper da velhacap. Reservo-me, todavia, o direito de não revelar o teor da resposta. Autografei-lhe um exemplar. E dei por encerrada na madrugada oeirense – em que a brisa me afagava a pele, muito macia e muito levemente, como carícia de pávido fantasma de mulher – o meu périplo e peripécia cultural no encantado sertão dos confins do Mocha.     

8 de dezembro de 2010

terça-feira, 5 de agosto de 2025

O ENIGMA DESVENDADO

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Criação: IA Gemini



 

O ENIGMA DESVENDADO

 

Elmar Carvalho


Para minha grande satisfação, recebi hoje a seguinte mensagem do escritor e poeta Marcondes Araújo, que sabe aplaudir com entusiasmo os eventuais méritos alheios:

“Amigo, hoje reli seu poema "Enigma" e não resisti em comentá-lo em versos. Peço licença pra te apresentar, minha sutil leitura do seu pulsante poema.”  

Segue abaixo o poema que ele me encaminhou:

“Enigma do Elmar

Como desvendar sumo sentimento

Que guardas consigo em mistério

Se o que sugeres tão etéreo

Vai além do meu vão discernimento?

  

Navegando entre sono e sonho

Fragmentado em matéria versátil

Ora triste, ora risonho

Perco-me em teu enigma volátil.

 

 Então, quedo-me atônito e silente

Encantado e com vultoso fascínio

Da esfinge onde impera o domínio

De um coração que pulsa efervescente.”

 

Disse-lhe, por áudio, que o seu texto não era uma paródia, pelas razões que lhe expliquei, mas uma paráfrase, e que o considerava como uma grande homenagem ao meu poema, tendo Marcondes Araújo me respondido desta forma:

“Sim, minha intenção foi parafrasear. Na verdade, ousei parafrasear. Naturalmente não sei se consegui ter sua aprovação. Foi singelamente pra você e em sua homenagem. É seu e esteja à vontade para apagar ou publicar.”

Caro amigo, você conseguiu fazer até mais do que uma bela paráfrase. Conseguiu extrair um novo e excelente poema. Como você disse tê-lo feito em homenagem a este velho bardo, devo lhe dizer que lhe fico muito agradecido.

O Enigma foi desvendado, mas a Esfinge não enlouqueceu e nem se devorou a si mesma.

Muito obrigado, caro Marcondes. Deus lhe pague!  

P. s.: para completar o meu contentamento acabo de receber [08/08/2025] uma mensagem zapiana do amigo Joames, um dos maiores cordelistas piauienses, que reproduzo abaixo:

            Os seus poemas Elmar,

            Causam-me tanto suspence, 

            Enigma vai muito além 

            Do saber que me pertence,

            Mas leio tudo absorto,

            Sentindo maior conforto 

            Em "Noturno Oeirense".

                    (Joames).

UM CERTO CAPITÃO RODRIGO

Fonte: Google


UM CERTO CAPITÃO RODRIGO

 

Carlos Evandro M. Eulálio*

 

O capitão Rodrigo é a principal personagem que surge em um dos capítulos do primeiro romance, O Continente, da trilogia de Érico Veríssimo O TEMPO E O VENTO. Dessa trilogia fazem parte ainda os romances O Retrato e O Arquipélago. 

Saga de personagens gaúchos, cuja trama se desenrola em torno do povoado Santa Fé e de uma família (os Terra-Cambará), no período que vai de 1745 a 1945. Na obra O Continente, aparecem as gerações Terra-Cambará, famílias da oligarquia local que participam da fundação e desenvolvimento histórico do povoado Santa Fé. 

A trilogia apresenta o conflito das gerações: portugueses e castelhanos nos tempos coloniais; farrapos e imperiais durante as lutas separatistas; maragatos e florianistas sob a Revolta da Armada, em 1893. Nessa trilogia, vemos a história de duas famílias, os Terra-Cambará e os Amaral, atravessando dois séculos de vida.

 

ESTRUTURA DA OBRA

 

Com narrador onisciente, a obra constitui-se de 28 capítulos narrados linearmente, sem digressões. O cenário é a cidade fictícia de Santa Fé, no Rio Grande do Sul. Santa Fé é uma construção literária, um espaço criado pelo autor para dar vida à sua narrativa, e não uma localidade real do Estado do Rio Grande do Sul.  O tempo é rigorosamente cronológico, marcado por datas e acontecimentos históricos.

Tem como personagens o Capitão Rodrigo Cambará, gaúcho exaltado, pândego, bravo, alegre e decidido; Bibiana, filha de Pedro Terra. Criada para o casamento. Obediente ao pai, mas o contraria quando se decide casar com Rodrigo Cambará. Aprendera com a avó Ana Terra a avaliar as pessoas. Com ela também aprendeu a fiar, bordar e a fazer doces; Pedro Terra, filho de colonos. Autoritário, íntegro. Muito parecido com a mãe, Ana Terra, quanto ao modo de agir; Padre Lara, personagem que acompanha de perto o conflito das famílias Amaral e Terra-Cambará, é apaziguador, amigo de Rodrigo Cambará. Sente-se responsável pelo casamento de Bibiana; Juvenal Terra, filho de Pedro Terra é sócio e amigo de Rodrigo que por sua vez é desafeto de Bento Amaral; Coronel Ricardo Amaral Neto, autoridade do lugar, é acusado de crimes de emboscadas e apropriação de terras alheias. Adversário político de Pedro Terra.

 

UM CERTO CAPITÃO RODRIGO: Sequências Narrativas

 

Em 1828, chega a Santa Fé o Capitão Rodrigo Cambará, aos 30 anos de idade, causando apreensão ao povo do lugar, por suas maneiras exóticas e arruaceiras. Da venda do Nicolau chama a atenção dos detentores do poder da cidade:  Cel. Ricardo Amaral Neto, e do filho deste, Bento Amaral. Rodrigo é aconselhado por Juvenal Terra e pelo padre Lara a deixar a cidade. O capitão decide ficar por conta própria, principalmente porque se interessa por Bibiana, filha de Pedro Terra e irmã de Juvenal, embora soubesse que Bento Amaral tinha pretensão de casar-se com ela.

Na festa de casamento da filha de Rosa, prima de Pedro Terra, Rodrigo convida Bibiana para dançar com ele. É preterido por Bento Amaral com ameaças. Os dois se desentendem e partem para um duelo com adaga. Na luta, num gesto de traição, Bento Amaral usa arma de fogo e atinge o adversário. Gravemente ferido, Rodrigo é levado para a casa de Juvenal, onde se recupera.

 

Rodrigo pede Bibiana em casamento. Pedro Terra opõe-se, no que é persuadido a consentir, por insistência do Padre Lara e Juvenal, que lhe garantem ser Rodrigo bem-intencionado, disposto inclusive a pôr comércio em sociedade com o futuro cunhado. Assim, Rodrigo Cambará casou-se pelo Natal de 1829 com Bibiana Terra. 

Os modos de Rodrigo fazem com que Pedro Terra fique cada vez mais distante dele. No ano de 1830, nasce Bolívar, primeiro filho do casal. A rotina do casamento e a atividade comercial começam a entediar Rodrigo que propõe a Juvenal ir ao Rio Pardo, a fim de comprar o próximo sortimento da loja. Juvenal acha que Rodrigo tem a intenção de correr mundo e que provavelmente não retornaria. 

No ano seguinte, Pe. Lara escreveu no seu registro: “Aos vinte e oito de dezembro de mil oitocentos e trinta e um nesta capela de nossa senhora da Conceição batizei e dei os Santos Óleos a Anita, filha legítima do Cap. Rodrigo Severo Cambará, natural da freguesia do Rio Grande, e de sua mulher Bibiana, natural desta freguesia”. Pedro Terra não compareceu ao batizado.

Pedro Terra se afasta cada vez mais do genro, cujo comportamento ultimamente se havia deteriorado de tal maneira que era, por assim dizer, o assunto predileto de Santa Fé. Gastava o que não possuía com jogo, bebida e mulheres. Morre Anita. No ano seguinte, nasce o Leonor, a filha caçula do casal.

Em 1833 corre a notícia de que no ano seguinte o povoado de Santa Fé seria elevado à vila. Politicamente o país vive o período da Regência (1831 a 1840), durante o qual, sendo Pedro II menor de idade, deveria ser governado por um Conselho de três regentes. Na falta da figura centralizadora do Imperador, o Brasil passa por uma experiência que se poderia chamar de republicana, com as províncias reivindicando autonomia de governo, com rebeliões e revoltas eclodindo de norte a sul do País. Vários desses movimentos lutavam pela adoção do regime republicano, como foi o caso da Revolução Farroupilha que se instalou no Rio Grande do Sul em 1835 e que só foi sufocada em 1845, já no II Reinado. Por esse tempo, Liberais (farroupilhas) e restauradores (galegos, caramurus) confrontam-se nas ruas de Santa Fé. 

Em 1835 começam os rumores da guerra. O cel. Ricardo Amaral propõe na Câmara de Santa Fé que esta faça uma proclamação jurando fidelidade ao governo. Pedro Terra é contra, sendo, por essa razão, preso e libertado em seguida, na condição de não se afastar de Santa Fé. Também é decretada a prisão do Cap. Rodrigo Cambará que se encontra foragido, já como um dos líderes dos farrapos. 

Em 1836 a revolução chega a Santa Fé. Rodrigo Cambará lidera um contingente de revoltosos que toma de assalto o casarão do Cel. Ricardo. Rodrigo é morto com uma bala no peito. O cel. Ricardo também morre.  Bento Amaral consegue escapar e foge de Santa Fé.

 

* Carlos Evandro Martins Eulálio é formado em Letras (Português-Literatura), com mestrado em Educação (UFPI). Ocupa a cadeira 38 da Academia Piauiense de Letras.

 

Referência

VERÍSSIMO, Érico. Um certo capitão Rodrigo. 39ª ed. São Paulo: Globo 2000.