domingo, 12 de outubro de 2025

ETERNO RETORNO

Criação: AI Gemini

 

ETERNO RETORNO


Elmar Carvalho

 

memória:

lâmina de desassossego

cornucópia insana insaciável

a jorrar o passado

que não morre nunca

sempre ressuscitado

no eterno regresso

a nós mesmos.

 

ó emoções redivivas

e ampliadas

das sensações

de nervos expostos

nas carnes pulsantes

de um passado

sempre lembrado.

 

recordações

que dão e são vida

de becos escuros, sem saída

de amores

            hoje boleros

                     bolores em flores

de ilusões perdidas

que se fazem dores

na florida ferida da saudade.

 

evocações

de dribles esquecidos

de gols frustrados e acontecidos

de um jogo que nunca termina

de uma malsinada sina sinuosa

de lágrimas caudalosas

incontidas, vertidas

das vertentes profundas

do peito – porto

sem tino e sem destino

feito somente de desatino.

 

as mulheres amadas

na juventude fugaz

            não envelhecem

            não se corrompem

            não morrem jamais

preservadas intactas e belas

na câmara ardente

incandescente da memória.

 

recordações de fantasmas

que já nos abandonaram

de amigos mortos

que nos acompanham

cada vez mais vivos

de sustos e gritos

de proscritos e malditos

de agouros e assombrações

de desdouros e sombras vãs, malsãs,

oriundos dos porões escavados

nos subterrâneos dos sobrados

       subterfúgios e refúgios

da memória.

 

O passado poderoso e renitente

retorna e continua vívido e presente

se contorcendo se retorcendo

       e se reacontecendo.

               Teresina, 23.12.94

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

TEMPOS REPUBLICANOS

Criação: IA ChatGPT

Criação: AI Gemini


TEMPOS REPUBLICANOS


Elmar Carvalho

 

Nesta temporada de final de ano, em Parnaíba, estive com os meus compadres Gelvan e Neide. Ela é filha do sr. Anísio, que foi comerciante e vereador. Ocupa chefia importante da Caixa Econômica Federal na Paraíba,  na qual ingressou através de concurso público. É minha conhecida desde os tempos em que residi em Parnaíba. Conheci o Gelvan em 1983, quando ele, na qualidade de administrador postal da ECT, recém-formado pela ESAP, foi lotado na diretoria regional da empresa no Piauí. Era natural de Paulo Afonso, Bahia. Moramos na mesma casa. Era uma república, mas república séria, de muito respeito, e não uma república de estudantes boêmios e gazeteiros, nem tampouco uma republiqueta de bananas da América Latina.

 

Quando assumi meu cargo de fiscal da SUNAB, em Teresina, no dia 10.08.1982, fui inicialmente morar no hotel da dona Maru, instalado num antigo palacete da avenida Frei Serafim, perto da igreja de São Benedito. No mesmo apartamento, morei com o conterrâneo e amigo Jaime Filho, rebento da professora Mariema e do tenente Jaime da Paz, probo e dinâmico ex-prefeito de Campo Maior. Em menos de dois meses fui convidado pelo Carlos Cardoso, velho amigo da adolescência e também conterrâneo, para morar na república da qual ele era membro proeminente.

 

Explicou-me as regras, os direitos e deveres da confraria. Disse-me que a casa ficava situada na avenida Jockey Club, onde hoje funciona um colégio. Imediatamente aceitei o convite e tratei de me mudar. Moravam na república dois administradores postais, o Umberto Nadal, paranaense, e o Robério Maia de Oliveira, cearense, o Antônio Maria, comerciante, e o Carlos, contador, um dos chefes da empresa SECREL, sediada em Fortaleza. Portanto, éramos cinco republicanos.

 

A casa dispunha de uma boa piscina. Em quase todos os domingos havia comilança e libações. Participei de poucas festas, uma vez que nessa época costumava, pelo menos duas vezes por mês, passar o final de semana em Parnaíba, porquanto meus pais e minha namorada, hoje minha mulher, ali residiam. Tomei conhecimento de que um frequentador desses churrascos se tornou demasiadamente assíduo, dando-se ao luxo de ainda trazer vários convidados, mas sem nada trazer em contrapartida, nem mesmo refrigerantes, quanto mais bebida e mantimentos de boca.

 

Diante dessa “esperteza” os colegas republicanos resolveram adotar uma estratégia contra esse abuso. Certo dia, quando o espertinho chegou com os seus convidados, encontrou o fogo apagado. Dois membros da república o convidaram a ir até um supermercado, onde compraram os suprimentos líquidos e comestíveis, e o “intimaram” a pagar a conta. Foi a última vez que esse mui amigo apareceu na república.

 

Nessa casa escrevi o meu poema Egocentrismo, que nasceu de um insight, já pronto e acabado. Eu acabara de acordar, quando, ao ficar sentado na rede, espirrei numa réstia que iluminava a escuridão do quarto. As gotículas do espirro, viróticas ou não, fizeram surgir um pequeno arco-íris. Instantaneamente o poeminha foi escrito em minha mente, com os seus versos que falam em arco-íris, em arco-do-triunfo, em velocino dourado e em coroas de louro e de ouro. Sou muito grato a esse espirro, que funcionou como uma musa ou como inspirado e inspirador lampejo.

 

Dessa residência, nos mudamos para uma outra, na rua Rui Barbosa, situada no início da ladeira, após a qual começa a avenida Barão de Gurgueia. Nesse período, já nos haviam deixado o Antônio Maria e o Carlos; este havia adquirido uma casa, e já se preparava para se casar. O Robério, hoje juiz do trabalho, casou-se e foi morar em casa própria. Em seu lugar entrou o Gelvan. Foi uma turma boa, composta por pessoas responsáveis e cumpridoras de suas obrigações. Como o dono dessa casa tenha precisado dela, para fazer um depósito de sua empresa, fomos morar em outra, localizada na rua Areolino de Abreu, perto da Caixa Econômica.

 

Era um casarão antigo, meio fantasmagórico, onde antigo morador, um engenheiro, havia suicidado. Numa das portas, fora escrito um belo, porém elegíaco, melancólico poema da autoria de meu amigo Hardi Filho, em que a tinta parecia escorrer, como gotas de sangue. Nesse vetusto solar, de história trágica, escrevi o meu poema A Casa no Tempo, infestada de esgarçantes rasga-mortalhas, de esvoaçantes e lúgubres morcegos, de almas penadas, de correntes arrastadas, de gemidos e ruídos misteriosos.

 

Nessa casa, hoje demolida, a república foi extinta, em virtude de casórios e do retorno do Nadal ao Paraná, sua terra natal. Mas, em minha saudade, a casa com a república, como digo no meu poema, “... sempre persistirá / nas músicas passionais de algum boteco / criando ressonâncias que repercutem / insistentemente como eco”. 

04/01/2011 

domingo, 5 de outubro de 2025

AUTOAPRESENTAÇÃO

 

Criação: IA Gemini

AUTOAPRESENTAÇÃO


Elmar Carvalho

 

eis como sou

            neste instante único

            (após o qual já

            serei um outro):

 

um homem que rema

            no seco contra

            a corrente das águas

 

um homem que usa

            a gravata como

            se fora um baraço

            nas horas de opressão

 

um homem que escreve

            torto por

            linhas certas

 

um homem que sobe

            e teima contra

            a lei da gravidade

 

            eu sou aquele

que aprendeu

a pecar para

ter a humildade

de não ter uma

virtude

 

            eu sou aquele

que jogou roleta

russa com o tambor

cheio de balas e

apostou contra a

sorte

           

           eu sou aquele

            que lutou para

            não ser

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

HISTÓRIA & ESTÓRIA



HISTÓRIA & ESTÓRIA


Elmar Carvalho

 

Estive conversando com o historiador e empresário Vicente Miranda. É quase um sósia de seu parente, o cantor e compositor Belchior, que andou sumido por um bom tempo, ao que parece embebido em meditações e reflexões místicas e artísticas nas altitudes dos Andes. Vicente empreendeu um rigoroso trabalho de pesquisa sobre a história de sua família, de que resultou um notável livro de várias dezenas de páginas.

 

Foi um empreendimento que lhe custou muito tempo, esforço, dedicação, despesas e uma disciplina verdadeiramente espartana. Isso porque as fontes estavam espalhadas em diferentes municípios do Piauí e do Ceará. Tendo o nosso estado sido vinculado, em diferentes épocas, administrativa, eclesiasticamente e/ou judicialmente ao Maranhão, Ceará, Pernambuco e Bahia, alguns documentos e outras fontes de pesquisas somente poderão ser encontrados nessas unidades federadas.

 

No seu entendimento, as fontes são muitas, o que falta é ânimo ou condições outras de o pesquisador realizar o seu trabalho. É sabido que historiadores da estirpe de Odilon Nunes e monsenhor Chaves gastaram muito de seu tempo em paciente trabalho de pesquisa em arquivo público, para que pudessem trazer novidades à História do Piauí, bem como para desfazer equívocos e dirimir dúvidas. Isso exige disciplina, dedicação, esforço, paciência e tempo.

 

Mesmo em casos polêmicos, como o da datação da igreja do povoado Frecheira da Lama, no município de Cocal, Vicente Miranda não faz a sua interpretação de forma apaixonada, baseada apenas no subjetivismo do desejo pessoal, mas analisa o contexto histórico da região e da época, além de fazer o cotejo com documentos correlatos ou afins, para elaborar a sua tese, com o uso da lógica e do bom-senso, e não no afã de descobrir supostos pioneirismos. Busca a verdade, e não o ufanismo “patriótico”, que chega ao ponto de distorcer a verdade ou de fabricar forçadas e esdrúxulas interpretações, sem respaldo em provas consistentes, irrefutáveis.

 

Para escapar ao cansativo, silencioso e solitário trabalho de pesquisa, muitos pretensos historiadores fazem apenas uma obra de divulgação; escrevem livros que apenas repetem o que os grandes pesquisadores e historiadores já escreveram. Ou seja, apenas chovem no molhado, apenas pisam no já repisado. Não lhes tiro o mérito da divulgação; apenas digo que nada estão criando, que não trazem novidades.

 

Portanto, não espancam dúvidas e nem extirpam os erros e equívocos, acasos existentes. Outros, querendo ser modernos e de ideias avançadas, apenas se comprazem em atacar figuras históricas, em cega iconoclastia, sem fazer a devida contextualização de época, levando na devida conta os costumes, a moral, as leis, a ética, as crenças e as crendices dos tempos idos.

 

Ainda outros, em suas monografias, ensaios e dissertações, reduzem a temática e usam um corte cronológico em que haja mais fontes e mais bibliografia, o que lhes facilita sobremaneira o trabalho de pesquisa, que quase fica restrita a simples leitura de obras já publicadas. Outros vão além, e adotando certas teorias atuais da historiografia, pretendem fazer obra historiográfica através de simples especulações, conjecturas e ilações baseadas em obras de arte, como pinturas, artesanatos e esculturas.

 

Creio que estes farão apenas ensaio especulativo, interpretativo e subjetivo. Acredito que o trabalho de um verdadeiro historiador há de ser objetivo, calcado na verdade trazida por provas, em que haja, pelo menos, um grau razoável de certeza, e não mera suposição interpretativa, fundamentada em frágeis indícios. Finalmente, alguns enveredam pela história imediata ou pela história do cotidiano, mas aí já é outra história.

 

Vicente Miranda para escrever a longa história de sua família esteve em diferentes paragens e estados; visitou cemitérios campestres, arquivos públicos, acervos documentais de cartórios, igrejas e delegacias de polícia. Em Piracuruca, para poder consultar antigos processos judiciais, teve que ficar entre o forro e o teto da serventia, pois era ali que dormiam os velhos autos.

 

Em Barras, os velhos feitos estavam quase se desmaterializando, o que requeria cuidado e atenção especiais; tanto que um soldado de polícia, que lhe presenciou o manuseio desses documentos, exclamou que os carcomidos papéis não aguentariam “outro reboliço” daqueles.

 

Por tal razão, esse historiador entende que esses processos deveriam ser transferidos para o arquivo público estadual, que poderia executar um melhor serviço de guarda e conservação, sobretudo agora em que o Poder Judiciário marcha de forma firme e irreversível para a virtualização do processo, em que haverá, certamente, economia de tempo, espaço e de meios físicos, como papéis, grampos, plásticos, depósitos e outros materiais; em que as petições e as comunicações poderão ser enviadas através da internet.

 

Além do mais, isso facilitaria a vida dos pesquisadores, historiadores e simples consulentes, pois os documentos ficariam concentrados na capital, sob a responsabilidade de um único órgão especializado no serviço. Disse-lhe que, quando tivesse oportunidade, abordaria esse assunto junto ao desembargador Edvaldo Moura, presidente do Tribunal de Justiça do Piauí, que é um intelectual e escritor, tendo presidido a Academia de Picos por vários anos, quando lá serviu como juiz de Direito. 

29 de dezembro de 2010 

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

VIAGEM DA APL A PARNAÍBA

Comitiva dos acadêmicos e acompanhantes no prédio da Federação do Comércio do Piauí, no Porto das Barcas. 

Da esq./dir.: Elmar Carvalho, Fonseca Neto, Reginaldo Miranda, Plínio Macedo e Felipe Mendes. Autora da foto: Adriana Motta



VIAGEM DA APL A PARNAÍBA

 

Elmar Carvalho

 

Seguindo o roteiro e o programa que elaborei para o Projeto APL Itinerante, referente a Parnaíba, por solicitação da presidente Fides Angélica de Castro Veloso Mendes Ommati, devidamente aprovados pela Diretoria, chegamos a essa cidade por volta de uma hora da tarde do dia 19/09/2025.

Ficamos hospedados no hotel Delta, do SESC, no centro histórico de Parnaíba, uma vez que tivemos o integral apoio do Sistema Fecomércio, através do advogado Valdeci Cavalcante, membro de nossa Academia.

Nas visitas que fizemos, contamos com explanações do acadêmico Valdeci Cavalcante, profundo conhecedor da história e da arquitetura da cidade, e do historiador Jedson Martins, que recentemente publicou o belo livro Postais da Parnahyba, do qual adquiri um exemplar. Por haver morado muitos anos na velha urbe, também pude contribuir, vez ou outra, com algumas informações históricas ou arquitetônicas.

Às 15 horas, fomos visitar o prédio do antigo Colégio União Caixeiral, adquirido pelo SESC, que lhe fez uma excelente obra de restauração e o adaptou para ser o Centro Cultural João Paulo dos Reis Velloso, dotado de um grande acervo. O espaço presta relevantes serviços culturais em várias manifestações artísticas — sobretudo música, teatro e literatura — e dispõe de diversos ambientes.

Sobre essa escola e a educação parnaibana na primeira metade do século passado, escrevi em meu trabalho Faculdade de Administração – um dos cinco pilares da UFPI:

“Essa situação auspiciosa [o extrativismo econômico] possibilitou que, numa época elitista e excludente no setor da Educação, a cidade pudesse ter bons colégios, entre os quais cito o Ginásio Parnaibano, que, no governo Chagas Rodrigues, foi estadualizado; o Ginásio São Luiz Gonzaga, criado pela Diocese de Parnaíba; a Escola Técnica de Comércio União Caixeiral, fundada em 28/04/1918, cujo grande e imponente prédio foi concluído em junho de 1937 (esse edifício, após ser restaurado pela Fecomércio/SESC, sob a presidência de Valdeci Cavalcante, foi transformado no Centro Cultural João Paulo dos Reis Velloso – SESC Caixeiral); e o educandário confessional Colégio Nossa Senhora de Fátima, inicialmente destinado apenas ao sexo feminino. Todos tinham um corpo docente de alto nível e atraíam alunos de várias cidades do Piauí e até de outros estados.”

Em seguida, visitamos a Academia Parnaibana de Letras, à qual pertencem três membros da APL: este escriba da expedição, Alcenor Candeira Filho e Valdeci Cavalcante. Fomos recebidos pelo secretário-geral, o escritor e jornalista Antônio Gallas Pimentel, visto que o presidente José Luiz de Carvalho se encontrava adoentado.

Gallas nos mostrou as dependências e o auditório Testa Branca, além de nos fazer um breve relato de sua história e de suas atividades. Mostrou-nos o memorial do escritor Humberto de Campos. Aliás, esse memorial e o prédio foram adquiridos na presidência do acadêmico Antônio de Pádua Santos, graças ao apoio do prefeito José Hamilton Furtado Castelo Branco.

Fomos, então, conhecer o centro histórico e o Porto das Barcas. Na visita, conhecemos internamente o famoso prédio da Fecomércio, que já foi a alfândega de Parnaíba. Essa entidade restaurou o edifício, que hoje é um dos mais emblemáticos cartões-postais da cidade. No Museu do Mar vimos várias embarcações de pesca, simulacros de peixes, esqueletos e aquários.

Foi-nos mostrado um grande mapa do Delta do Parnaíba, com suas bocas, ilhas e cidades. Não resisti à tentação de perguntar se o mapa indicava o Canal São José, tendo a guia me respondido que não. Esclareci-lhe que esse canal encurtara a distância para Tutóia, onde existia o porto mais importante, e tornara mais caudalosa a água do Igaraçu, permitindo que barcos e navios de maior calado o navegassem. Acrescentei que, sem a construção desse canal, o Igaraçu, hoje, praticamente não existiria.

Às 20 horas realizou-se a sessão solene da APL Itinerante, com a participação da Fecomércio e da APAL. Compuseram a mesa de honra a presidente da APL, Fides Angélica; Valdeci Cavalcante, presidente da Fecomércio; Antônio Gallas Pimentel, representante da APAL; Maria Dilma Ponte de Brito (membro da APAL e professora da UFDPar); Susana Silva, presidente da Fundação Alberto Silva; e este cronista. O deputado Wilson Nunes Brandão fez a entrega de um broche de opala com o mapa do Piauí a Susana Silva e Valdeci Cavalcante, por relevantes serviços prestados ao Estado.

Susana Silva falou sobre os objetivos e atividades desenvolvidas pela fundação que leva o nome de seu pai, o governador e senador Alberto Silva, que também foi prefeito de Parnaíba. Disse desejar estabelecer parcerias com a nossa APL.

Minha palestra O Centenário Almanaque da Parnaíba já se encontra publicada na internet. Abordei sua história e seu fundador; seus editores; seus principais colaboradores, em diferentes épocas; e sua linha editorial. Discorri sobre seus financiadores e patrocinadores. Deixei claro que, após a Academia Parnaibana de Letras assumir a sua publicação, a partir de 1994, ele passou a ser a revista dessa entidade literária, razão pela qual se mantém em atividade há mais de cem anos.

Valdeci Cavalcante falou sobre o fomento que o sistema Fecomércio (SESC/SENAC) tem dado à atividade comercial, bem como à cultura e às mais diversas manifestações artísticas. Através de imagens projetadas, mostrou as inúmeras obras que construiu e reformou em sua gestão, destinadas a diversas atividades, entre as quais lazer, educação formal, capacitação profissional, esporte, cultura e arte.


Após o término da solenidade, a convite de Valdeci Cavalcante, seu atual proprietário, fomos conhecer o chamado Castelo do Tó, também conhecido como Castelo do Maracujá. Sobre esse nome, um tanto bizarro para um castelo – Castelo do Maracujá –, em conversa com o historiador José Bruno de Araújo, soube que sua mãe possuía, em Oeiras, uma fazenda com essa denominação. Talvez por essa razão tenha ornado algum dos caramanchões com a trepadeira, motivo pelo qual, não sem certo senso de humor, atribuiu ao castelo esse nome.

Já o conhecia externamente, desde a segunda metade dos anos 1970, quando passava por suas imediações em minha motocicleta, a caminho da praia ou seguindo pela margem da estrada de ferro. Sua arquitetura fazia minha imaginação viajar, e eu sempre me lembrava da película O Conde Drácula, com Christopher Lee, que assistira no velho Cine-Teatro Éden.

Notava que, em certas épocas, o prédio apresentava certo ar de abandono, com a pintura desbotada e algumas manchas iniciais. Fora construído para ser residência do engenheiro Antônio Castello Branco Clark, filho de Anna Gonçalves Castello Branco e James Frederick Clark, que, após a morte de Paul Singlehurst, o Paulo Inglês, veio a tornar-se proprietário da opulenta e poderosa Casa Inglesa.

Antônio foi casado com Margarida Machado de Siqueira, com quem teve os filhos Tony e Dayse. O Castelo foi a primeira residência do Piauí a possuir piscina. Essas e outras informações encontram-se no livro Casa Inglesa: um inglês uma família uma história (1919), de José Bruno de Araújo. Creio tivesse o mesmo luxo e conforto da Casa Inglesa, em sua parte residencial.

Valdeci Cavalcante adquiriu o histórico e lendário Castelo do Tó em 16 de outubro de 2014. Promoveu-lhe uma restauração esmerada, de sorte que pudemos perceber a solidez de sua construção, marcada por cuidado e detalhismo, executada com todo requinte. Valdeci ornou o jardim e as áreas de lazer com belas estátuas, luminárias, caramanchões e bancos.

Dotou o interior de móveis elegantes, objetos e utensílios que podem ser considerados verdadeiras obras de arte. Ali podemos ver carrilhões, candelabros, jarros de porcelana e belas pinturas de Dora Parentes. Com seus diversos e requintados ambientes, o castelo pode, com justiça, ser considerado um legítimo museu.


(c) Felipe Mendes

No sábado cedo, fomos até a capela de N. S. de Monte Serrate, situada a cerca de dois quarteirões. Foi construída por Pedro Barbosa Leal, em 1711, segundo a historiadora Aldenora Mendes Moreira. No local, o professor, escritor e maçom Israel Correia proferiu uma breve palestra, na qual defendeu a possibilidade de que esse monumento religioso tivesse sido erguido por templários. Contudo, afirmou que deixaria aos historiadores a comprovação (ou não) de sua hipótese. Também vimos o sobrado Vista Alegre, onde residiu dona Auta Castelo Branco.

Seguimos para a Praça da Graça, onde visitamos as igrejas de N. S. da Graça e de N. S. do Rosário. Ali observamos as lápides dos túmulos de Simplício Dias da Silva e de sua filha, Carolina Tomásia Dias de Seixas e Miranda, que teria sido assassinada por um “monstro execrando”. Esse crime se reveste de um caráter lendário e misterioso, imerso em hipóteses algo fantasiosas. Para alguns, ela teria sido morta por Aleixo, um escravo de 17 anos, supostamente por haver sido maltratado por ela ou em razão de uma paixão não correspondida.

(c) Felipe Mendes

Outros historiadores, porém, levantam a hipótese de que o assassino poderia ter sido seu próprio marido, o capitão José Francisco de Miranda, “em quem pairava a suspeita de ser o mandante do assassinato ou o próprio assassino do seu irmão, o tenente-coronel Antônio Raimundo Dias de Seixas e Silva”, nas palavras do escritor Adrião José Neto. Entre as naves vetustas da velha matriz, ou catedral, ainda parece assomar o vulto do opulento fidalgo.

No logradouro encontram-se ainda o Monumento ao 19 de Outubro e a grande estátua de Simplício Dias da Silva, mandada erigir por Valdeci Cavalcante. Ali também está a Banca do Louro, que foi homenageado pela APL, por proposição de Zózimo Tavares, pelos relevantes serviços prestados à literatura piauiense. Nessa praça morei por vários anos, no apartamento dos Correios.

Em certa noite remota, quando presidente do Diretório Acadêmico 3 de Março, no apogeu de minha juventude e ilusão, proferi um discurso por ocasião do retorno de Chagas Rodrigues à política. Entre outras figuras ilustres do MDB nacional e piauiense, encontravam-se naquele coreto da Praça da Graça — que nos serviu de palanque — Ulisses Guimarães, Franco Montoro, Miguel Arraes, Almino Afonso, Celso Barros Coelho, João Mendes Nepomuceno e o próprio ex-governador Chagas Rodrigues. Várias dessas personalidades proeminentes referiram-se a trechos de minha fala. E eu, tomado por entusiasmo juvenil, me senti um verdadeiro Demóstenes ou Cícero.

A seguir, fomos visitar a Praça Santo Antônio. Chamei a atenção para as belas edificações em seu entorno, sobretudo os sobrados, palacetes e casarões solarengos. Entre eles, ainda podíamos ver o palacete em que morou o Dr. Cândido de Almeida Athayde, que foi escritor, médico e diretor da Santa Casa de Misericórdia, um dos fundadores e diretores da Faculdade de Administração, prefeito de Parnaíba e presidente da FIEPI. Fui seu aluno no curso de Administração de Empresas.

Ainda existem as casas dos proeminentes e saudosos advogados Assis Cajubá de Brito e Carlos Teixeira, dos quais também fui aluno no Campus Ministro Reis Velloso – UFPI, que foi o embrião, por desmembramento, da Universidade Federal Delta do Parnaíba.

Já não existem os casarões em que funcionaram a Rádio Educadora e a pensão de dona Judite. Nessa hospedaria, em 1975, meu pai me levou a conhecer o seu primo Joaquim Furtado de Carvalho, professor da Caixeiral, por intermédio de quem, em 1976, foi publicado o meu primeiro texto no Almanaque da Parnaíba, o soneto Pedra do Sal. Deslumbrei-me, na época, com a beleza da Praça Santo Antônio, com seus densos, copados e enormes oitizeiros, que lhe davam uma compacta sombra verdoenga. Era ali, nos anos 1970, que as moças em flor de Parnaíba ostentavam sua jovem e esplêndida beleza.

Estivemos no jardim do Cajueiro de Humberto de Campos. Umas lápides de mármore contam, de forma sucinta, a sua história, inclusive através de pequenos trechos de suas Memórias, que li e reli em minha juventude. Outrora, algumas pessoas levavam como lembrança — ou mesmo relíquia — uma folha desse cajueiro.

No final dos anos 1970, em visita à casa do Gallas, manifestei-lhe o desejo de adquirir o livro Memórias, que já lera por empréstimo feito pelo poeta Alcenor Candeira Filho, meu amigo há quase 50 anos. Num rasgo de generosidade, que julguei ter sido por impulso, Gallas me ofertou uma coleção quase completa das obras de Humberto de Campos. Disse que era uma coleção preciosa e que, por isso, não poderia aceitar. Ele, então, de maneira decidida, me compeliu a recebê-la, ao afirmar: “Se você não quiser, irei doá-la a outra pessoa”.

Seguimos, depois, para as imediações do Centro Cívico, do Colégio das Irmãs e da Igreja de Santo Antônio. O Centro Cívico foi idealizado e construído pelo Dr. Lauro Correia, quando era prefeito de Parnaíba, e projetado pelo arquiteto Régis Couto. Tive a honra de ser aluno de Lauro, quando ele era diretor do Campus Ministro Reis Velloso e presidente da FIEPI. Ingressei na APAL em 1994, quando ele era o seu presidente.

O Colégio N. S. das Graças está instalado em um lindo e imponente prédio, sendo considerado um dos melhores educandários de Parnaíba. A Igreja de Santo Antônio faz parte de seu patrimônio. É uma linda construção, verdadeira obra de arte da arquitetura parnaibana. Nela celebrava missa o monsenhor Antônio Sampaio, que morava perto, com suas irmãs. Poeta e compositor, foi meu professor no referido curso de Administração de Empresas, além de meu antecessor na APAL e na APL. Era considerado o maior orador sacro de Parnaíba.

Os expedicionários da APL deram por encerrado o périplo turístico e cultural. Porém, quatro acadêmicos me perguntaram se eu poderia guiá-los numa rápida visita ao túmulo da poetisa Luíza Amélia. Assenti, com prazer, a essa solicitação.

Túmulo da poetisa Luíza Amélia  (c) Felipe Mendes

Por uma questão de logística, o motorista resolveu parar na parte de trás do velho Cemitério da Igualdade. Ao adentrarmos, apontei para um determinado ponto e disse aos confrades que ali se encontrava o túmulo de minha irmã Josélia, falecida aos 15 anos, no apogeu de sua beleza, graça e simpatia contagiante. Nele, meu pai mandou afixar uma placa com sua fotografia de adolescente, sob a qual se liam estes imortais versos do poeta Da Costa e Silva: “Saudade! Asa de dor do pensamento!”

Ao recordar esses versos, que servem de epitáfio a minha irmã, não posso deixar de me lembrar do belo dístico que outrora existia na entrada do Cemitério da Igualdade, de nome tão bem-posto, da autoria do célebre escritor parnaibano Berilo Neves: “Dos mortais aos que morreram”, que deve servir-nos de advertência e convite à prática da humildade.

Quase no meio do cemitério, contíguo à alameda principal que percorríamos, mostrei o túmulo de um amigo meu, de nome Alcenor França. Fiz referência ao nosso colega Alcenor Candeira Filho e a seu pai, que ali repousava.

A cerca de setenta metros encontrava-se o túmulo de Verônica Mendes Mélo, prima legítima de minha mãe. Certa vez, em minha já distante juventude, pervagava solitário entre os jazigos desse campo-santo, quando o encontrei, como que por obra do acaso — acaso no qual já não acredito. Natural de Piripiri, falecera em Parnaíba, no fulgor de sua beleza e juventude, vítima de um acidente com um fogareiro a álcool.

Em seguida, avistei o túmulo da poetisa Luíza Amélia de Queiroz Brandão e para lá nos dirigimos. Conheci esse mausoléu no final da década de 1970, quando ouvi sua história quase lendária da boca do poeta Fonseca Mendes. Em tempos mais recentes, em companhia do poeta Claucio Ciarlini, vi-o em situação precária, quase a ruir ou desabar. Para resumir, direi que levei essa informação ao confrade Valdeci Cavalcante, que, sem delongas, mandou restaurá-lo.

(c) Felipe Mendes

A respeito desse túmulo, já tive ocasião de registrar:

“Na segunda metade da década de 70, talvez em 1977 ou 1978, fiz parte de uma agremiação literária fundada, nessa época, pelo poeta e jornalista Fonseca Mendes. Em nossas reuniões ele se referia a figuras proeminentes da literatura parnaibana. Numa dessas vezes, enfocou a vida e a obra da poetisa Luíza Amélia de Queiroz Brandão, dando destaque especial ao fato de que ela pedira, num de seus poemas, para ser sepultada à sombra de uma gameleira.

Enterrada no Cemitério da Igualdade, o seu pedido não pôde ser atendido. Contudo, tempos depois, de forma para mim misteriosa, uma gameleira rebentou de dentro de seu túmulo, em circunstâncias que desconheço. Tornou-se uma magnífica árvore, de verde vivo, reverberante e de copa exuberante. É uma encantadora gameleira, que dá sombra e beleza ao jazigo da poetisa.”

A poucos metros do túmulo da poetisa, encontra-se o do professor Amstein, um dos meus PoeMitos da Parnaíba, que, na verdade, é uma réplica do túmulo de Napoleão Bonaparte, nos Invalides, em Paris. Foi idealizado pelo professor Lima Couto, que nutria grande admiração por Amstein.

Sobre Amstein, já disse:

 “Através do Dr. Lauro Correia, diretor do Campus e meu professor no curso de Administração de Empresas, e que foi seu aluno na segunda metade da década de 1930, tomei conhecimento de outros fatos de sua vida, inclusive de que ele morou na Ilha Grande de Santa Isabel, na mesma casa, por sinal, em que nascera Evandro Lins e Silva, ministro do Supremo Tribunal Federal.

Portanto, eu sabia que Amstein, engenheiro suíço, de porte avantajado, de vastos e bastos bigode e barba ruivos, era um tipo bonachão, um grande contador de histórias e fatos anedóticos, em que a fantasia parecia se misturar com a verdade, em que a ficção se mesclava a fatos reais. Tive certeza disso quando li o capítulo O professor Amstein, do livro Tomei um ita no Norte, de Renato Castelo Branco, com quem, em minha juventude, cheguei a me corresponder por cartas. Dessa obra memorialística extraio os seguintes trechos:

‘... Mas ele era bom e todos gostávamos dele. Não como um professor, a quem se respeita, mas como um colega maior e mais velho, barulhento, inconsequente e brincalhão. // ... Suas histórias, geralmente episódios de sua vida, eram ricas, férteis, cheias de pitoresco e de surpresas. Sentia-se que refletiam a verdade. Mas não apenas a verdade. A parte verdadeira as tornava plausíveis. Mas sentíamos que estávamos sendo mistificados, que Amstein enriquecia suas aventuras, que inventava, que acrescentava fatos, acontecimentos, detalhes imaginários. // Onde terminava a verdade e começava a fantasia?’”

Fomos ao vetusto campo-santo eu, Plínio Macedo, Felipe Mendes, Reginaldo Miranda e Fonseca Neto. O confrade Felipe Mendes, com a maestria de sempre, fez belas e esmeradas fotografias desse périplo em homenagem à poetisa Luíza Amélia. Tentou fazer uma selfie, mas terminou optando por pedir à jovem senhora Adriana Motta que fotografasse o grupo. Ela fez um belo retrato, que, na verdade, é um verdadeiro documento.

Em seguida, retornamos ao hotel, para depois seguirmos viagem de volta a Teresina. Durante o percurso, entretive uma longa e interessante palestra com os historiadores Fonseca Neto e Reginaldo Miranda. Mas essas narrativas já seriam outra e longa história. Seriam, como se diz, “outros quinhentos”. 

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(*) Participantes da APL Itinerante – acadêmicos: Fonseca Neto, Carlos Evandro, Felipe Mendes, Fides Angélica, Valdeci Cavalcante, Elmar Carvalho, Socorro Magalhães, Plínio Macedo, Reginaldo Miranda, Wilson Brandão e Zózimo Tavares. Pessoal de apoio: Cremísia Sousa, Luciano Klaus, Vanize Lemos e Vera Lúcia. Foram, também, algumas esposas dos acadêmicos.

domingo, 28 de setembro de 2025

MÚSICA VIVA

Criação: IA Copilot

 

MÚSICA VIVA


Elmar Carvalho

 

Passarinhos cantando

saltitavam e dançavam

sobre os fios elétricos

– pássaros ou dedos sobre cordas

de violinos, violas ou violões –

eletrocutando corações.

Aladas notas vivas

fazendo acrobacias e coreografias

sobre as paralelas da pauta.

O vento que passava fazia

coro e uma música celeste

se evolava.

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Várzea do Simão e a Igreja de N. S. Aparecida

 

Comitiva da APL na solenidade de entrega da imagem de São José, na residência de dona Socorro Mendes
Bico de pena criado pela IA Gemini



Várzea do Simão e a Igreja de N. S. Aparecida

 

Elmar Carvalho

 

Há cerca de dois meses, recebi a missão de elaborar o roteiro da APL Itinerante referente à cidade de Parnaíba. Esse projeto foi aprovado pela diretoria da Academia. O acadêmico Valdeci Cavalcante se prontificou a dar todo o apoio necessário, por meio da Fecomércio, da qual é operoso presidente, e adianto que assim o fez, integralmente.

 

Na mencionada reunião, o confrade e historiador Fonseca Neto sugeriu que fosse feita uma rápida visita à comunidade Várzea do Simão, localizada à margem direita do Parnaíba, a aproximadamente seis quilômetros a jusante da ponte do Jandira.

 

Nesse povoado, está sendo erguida uma pequena igreja, sob a invocação de Nossa Senhora Aparecida. Nessa ocasião, ele faria a entrega de uma imagem de São José, que havia prometido a minha esposa, Fátima. A imagem seria uma doação dele e do padre Tony Batista, também membro da APL.

 

Abro aqui um parêntese para fazer um breve relato sobre essa localidade. Fica encravada na data Várzea. Em algum ponto dela, os Balaios atravessavam o Parnaíba e seguiam, creio eu, em direção à Barra do Longá, de onde prosseguiam rumo a Frecheiras da Lama, cujo proprietário, Domingos Ferreira de Veras, lhes dava apoio. Na localidade ainda vivem pessoas conhecidas como os “Balaios”, que o historiador Vicente de Araújo Silva, o Potência, acredita serem descendentes de participantes da Balaiada.  

 

Um dos antigos moradores da gleba Várzea do Simão foi o avô de Fátima, Simão Rodrigues de Souza, oriundo de Ubatuba, distrito de Granja (CE), que lá se fixou no final do século XIX. Casou-se com Firmina Carvalho das Neves, nascida em Cadoz, localidade próxima. Tiveram cinco filhos, entre os quais João Rodrigues e Severiano Neves.

 

João Rodrigues, além de seu quinhão, adquiriu vários lotes de outros herdeiros. Tocou a vida como agropecuarista respeitado por vizinhos e parentes, sobretudo na época do extrativismo econômico. É o pai de Fátima, que doou o terreno para a construção da igreja de N. S. Aparecida.

 

Severiano das Neves é considerado o fundador, ou um dos fundadores, de São Félix do Araguaia, município de que foi prefeito. Foi um dos primeiros povoadores da região, ao arregimentar e conduzir para lá vários irmãos, parentes, amigos e conhecidos. Fecho o parêntese.

 

Como uma das pontes não permitiria a passagem de um ônibus grande, pedi à presidente Fides Angelica de Castro Veloso Mendes Ommati que o programa da viagem fosse modificado, de modo que o historiador Fonseca Neto fizesse a entrega da imagem de São José na entrada do povoado Baixa da Carnaúba, na casa de dona Socorro Mendes, prima de Fátima, situada à beira da BR.

 

No dia 19/09/2025, conforme programado, por volta do meio-dia, a comitiva da APL adentrou a casa de nossa anfitriã, que nos recebeu com muitos tiros de foguete, água de coco e cajuína caseira, produzida na localidade.

 

Houve breve e singela solenidade, na qual usaram da palavra, de forma sucinta, eu, Fonseca Neto, em seu nome e em nome do padre Tony Batista, Socorro Mendes, Fides Angélica e Valdeci Cavalcante.

 

Fiz uma síntese da história do povoado Várzea do Simão e narrei a longa e difícil luta pela construção da igreja. Expliquei que a obra vinha sendo erguida com a ajuda dos moradores da localidade e de pessoas da vizinhança, por meio de doações, bingos, rifas e leilões. Enfatizei que, para sua conclusão, só faltava o piso.

 

Em rompante de fé e generosidade, o escritor e empresário Valdeci Cavalcante, dinâmico presidente do sistema Fecomércio no Piauí, declarou que doaria o piso.

 

Assim, se Deus quiser, até o final do ano, Fátima fará a doação da pequena e mimosa igreja de N. S. Aparecida à Diocese de Parnaíba. E a imagem de São José será levada à Várzea do Simão; em bonita procissão, adentrará o templo católico para sua sagração e entronização, quando será celebrada a Santa Missa.

terça-feira, 23 de setembro de 2025

O Centenário Almanaque da Parnaíba

 

Componentes da mesa, da esq. para a direita: Dilma Ponte de Brito, Valdeci Cavalcante, Fides Angélica, Antônio Gallas, Suzana Silva e Elmar Carvalho
Pequena solenidade no povoado Baixa da Carnaúba, para entrega da imagem de São José, doada pelos acadêmicos padre Tony Batista e Fonseca Neto à igreja de N. S. Aparecida, situada na localidade Várzea do Simão.
Comitiva dos acadêmicos e acompanhantes no prédio da Federação do Comércio do Piauí, no Porto das Barcas. 


O Centenário Almanaque da Parnaíba (*)

 

Elmar Carvalho

 

1

 

Pedi à inteligência artificial ChatGPT que me desse a definição ou conceituação de almanaque. Ela me respondeu o seguinte:

 

“Um almanaque é uma publicação periódica, geralmente anual, de caráter informativo e recreativo, que reúne uma grande diversidade de conteúdos, como calendários, efemérides (datas e acontecimentos importantes), previsões astrológicas e meteorológicas, curiosidades, estatísticas, provérbios, receitas, poesias, contos, piadas, anedotas, além de informações úteis para a vida cotidiana.

Tradicionalmente, os almanaques tinham como função informar, orientar e entreter, sendo muito populares em épocas em que o acesso a livros e jornais era restrito. Misturam o aspecto prático (indicações de plantio, fases da lua, mapas, tabelas) com o literário e cultural (textos curtos, histórias, ilustrações, conselhos).”

Não poderia ter sido mais didática, precisa e concisa a resposta. Durante a gestão de seu fundador, Benedicto dos Santos Lima, o Bembém, e de Ranulpho Torres Raposo, o Almanaque da Parnaíba se enquadrava perfeitamente nessa definição.

A etimologia da palavra almanaque vem do árabe al-manākh, que significava “clima” ou “calendário astronômico”.

Consta que os primeiros almanaques conhecidos surgiram na Idade Média, principalmente como tabelas astronômicas e astrológicas, com previsões do movimento dos astros, fases da lua e eclipses.

Segundo ainda o GPT, já no século XIII, na Europa, circulavam almanaques manuscritos usados por médicos, agricultores e navegadores, porquanto reuniam informações práticas de grande utilidade.

 

2

 

Ao falar no Almanaque da Parnaíba, termino viajando na memória, retornando ao tempo em que fixamos residência em Parnaíba, em 1975. Nessa época, o escritório de representação comercial de Ranulpho Torres Raposo se encontrava em pleno funcionamento. Tinha (ou tivera) filiais em Fortaleza, Teresina, São Luís e Belém.

Como que vejo ressurgir o velho mestre da Escola União Caixeiral, Joaquim Furtado de Carvalho, postado diante de uma escrivaninha a fazer os registros contábeis dessa firma, que funcionava na Avenida Presidente Vargas, Centro de Parnaíba. Era primo legítimo de meu pai. Falava com fluência o inglês. Tinha certa erudição, mas, sobretudo, era um atraente conversador, um verdadeiro causeur.

Embora celibatário, era um admirador da beleza feminina, como se pode depreender destes versos seus, publicados no Almanaque da Parnaíba, edição nº 50, ano 1973, no poema Banho de Mar:

 

“Quantas lembranças de momentos tais,

Veras saudades, as chamadas roxas,

Quisera que sonhos bons fossem reais,

No desfilar de tantas belas coxas.”

 

Foi através desse velho primo – professor, contador e poeta – que consegui ver, pela primeira vez, um poema de minha autoria estampado nas páginas do Almanaque da Parnaíba, ano 1976, edição nº 53. Tratava-se do soneto Pedra do Sal.

Nas gestões de Benedicto dos Santos Lima e Ranulpho Torres Raposo, o Almanaque da Parnaíba sobrevivia, sobretudo, de propagandas de grandes firmas comerciais e industriais do Piauí, sediadas ou com filiais em Parnaíba, Teresina, Campo Maior, Floriano, Piripiri e outras cidades.

 

Nessas urbes moravam os principais colaboradores do anuário. Apenas como exemplo, cito o seguinte trecho do artigo Percurso Literário entre Campo Maior e Parnaíba, do historiador Celson Chaves, em que ele lista os colaboradores oriundos da Terra dos Carnaubais:

1. Joel Oliveira – 21 textos;

2. Elmar Carvalho – 16 textos (até 2020) [após essa data, o anuário publicou mais 9 textos de minha autoria, perfazendo um total de 25];

3. Cláudio Pacheco – 11 textos;

4. Octacílio Eulálio – 10 textos;

5. Mário Araújo – 9 textos;

6. Briolanja Oliveira – 1 texto;

7. João Chrysostomo – 1 texto;

8. Bilé Carvalho – 3 textos;

9. José Miranda Filho – 4 textos.

No final de cada ano, o almanaque era esperado com ansiedade por seus inúmeros e fiéis leitores. Teve importantes ilustradores, entre os quais J. Adonias, Bibi Freire (Benedito de Morais Freire) e Nestablo Ramos.

Nesse longo período, foram seus colaboradores, entre mais de uma centena, figuras exponenciais da literatura piauiense, como Berilo Neves, Martins Napoleão, Félix Aires, Higino Cunha, Jonas Fontenele da Silva, Nogueira Tapety, Renato Castelo Branco, Possidônio Queiroz, A. Tito Filho, H. Dobal, Fontes Ibiapina e R. Petit (Raimundo de Araújo Chagas) – este, a partir de seu número inaugural, o poeta mais emblemático do anuário. Recentemente, o escritor e advogado Filadelfo Barreto, seu neto, lhe elaborou uma primorosa obra biográfica e crítica; de leitura agradável e atraente, é quase um romance.

Aconselhado pelo prefeito de então, que também era médico, o poeta R. Petit foi orientado a deixar Parnaíba, em virtude de haver contraído lepra — ou hanseníase, como se diz atualmente. Caso contrário, seria internado compulsoriamente, o que, na época, equivaleria a uma espécie de prisão perpétua. Acredita-se que o vate, esgueirando-se pelas sombras e frestas de certa madrugada melancólica e fria de 1944, deixou a sua mui amada Parnaíba para nunca mais retornar.

 

3

 

Segundo consta no colofão do Almanaque da Parnaíba, ano 2023, edição nº 75, seus editores foram: Benedicto dos Santos Lima (fundador), que editou 18 números (1924-1941); Ranulpho Torres Raposo, 40 edições (1942-1981); e Manuel Domingos Neto, 2 edições (1982-1985).

Através da Academia Parnaibana de Letras (APAL), o Almanaque da Parnaíba voltou a ser publicado a partir de 1994, como sua revista e, portanto, com algumas modificações em sua linha editorial. O presidente Lauro Andrade Correia publicou 6 números; Iweltman Mendes, 1; Pádua Santos, 3; e José Luiz de Carvalho, 6 edições. Em consequência, a APAL editou 16 números.

Como visto, a partir de 1994, edição nº 61, o Almanaque da Parnaíba, na qualidade de revista da APAL, passou a ser editado por essa entidade literária. O número anterior datava de 1985, quando o periódico completara 62 anos de existência.

Passou a ser financiado quase exclusivamente por entidades estatais e paraestatais. Teve a ajuda inicial da Universidade Federal do Piauí e da Prefeitura Municipal de Parnaíba. A partir do nº 70, ano 2017, vem sendo editado graças ao patrocínio do Sistema Fecomércio/Piauí, sob a presidência do empresário e escritor Valdeci Cavalcante, membro da Academia Piauiense de Letras e da APAL.

Com exceção das charadas, efemérides, calendários, quadros estatísticos e propagandas comerciais, a nova linha editorial manteve, em essência, o projeto anterior. Continuou a publicar textos literários, tais como poemas, contos, crônicas, ensaios e artigos, além de matérias de caráter historiográfico ou sobre cultura e arte, inclusive ensaios fotográficos sobre a cidade.

Muitos desses trabalhos são de alta qualidade e, diria, imprescindíveis para quem queira analisar a produção literária parnaibana de 1994 até hoje. Vários colaboradores dessa época já haviam escrito em números anteriores do Almanaque. Cabe ainda salientar que, nos primeiros números editados pela APAL, ainda foram publicados dados estatísticos.

Contudo, sendo essa publicação voltada preferencialmente para a produção dos membros da APAL, esse viés, por não ter interesse literário, não foi mantido por muito tempo. Quanto às charadas, nos dias apressados e cibernéticos de hoje, já praticamente não há quem as faça, tampouco quem as leia; não vai nisso nenhuma crítica, mas simples constatação.

Entre os colaboradores desse notável periódico piauiense, ao longo dessas três últimas décadas, além dos acadêmicos, podemos citar: Paulo Nunes, Renato Castelo Branco, Benjamim Santos, José Camilo da Silveira Filho, Orfila Lima dos Santos, Vítor Athayde Couto, João Evangelista Mendes da Rocha, João Maria Madeira Basto, Marc Jacob, Jorge Carvalho, Norma Couto, Sólima Genuína dos Santos, Flamarion Mesquita, Cláudio de Albuquerque Bastos, James Kelso Clark Nunes, Antero Cardoso Filho, Magalhães da Costa etc. Tive a honra e a satisfação de publicar textos em todos os 16 números editados pela APAL (1994-2024).

A edição nº 67, de 2004, comemorativa dos 80 anos do Almanaque, trazia em sua capa imagens de edições antigas e estampou propagandas históricas e curiosas de velhas publicações.

Durante várias edições, graças ao esforço de Alcenor Candeira Filho, a revista publicou as seções Parnárias, Poesia Parnaibana – Poetas Falecidos e Poesia Parnaibana – Poetas Vivos. Publicou ainda Memória Fotográfica, sobre o patrimônio arquitetônico da velha urbe.

Na gestão de José Luiz de Carvalho, fizeram parte da organização do Almanaque os acadêmicos Antonio Gallas Pimentel, Claucio Ciarlini, Diego Mendes Sousa, José Wilton de Magalhães Porto e Maria Dilma Ponte de Brito.

Em várias edições, o anuário homenageou importantes efemérides e ilustres personalidades parnaibanas, em diferentes ramos da atividade humana, sobretudo da literatura.

A capa da edição de 2023 (nº 75), por sinal muito esmerada, com efeitos visuais modernos, utiliza em sua montagem a capa da edição inaugural do Almanaque da Parnaíba. Esse número comemora o centenário do Almanaque, ainda em plena circulação, e os 40 anos da Academia Parnaibana de Letras, sua editora há três décadas.

Todavia, alguns puristas e críticos consideram que o Almanaque da Parnaíba, enquanto efetivamente almanaque, tal como definido pelo ChatGPT, teve seu último número em 1985. Nesse caso, teria circulado apenas durante 62 anos, e dele só teriam sido publicadas 60 edições. Por isso o escritor e poeta Claucio Ciarlini, em seu pronunciamento Em defesa do Almanaque da Parnaíba, lançou esta oportuna e instigante pergunta:

“Como alguém pode ignorar todo esse rico trabalho desenvolvido ao longo de três décadas?”

A referida inteligência artificial entende que “com a internet e o acesso instantâneo à informação, o almanaque impresso perdeu espaço”. É o que também acho. Essas informações não estão mais na ponta de nossa língua, mas nas pontas de nossos dedos, bastando que se tenha um computador ou celular à disposição. Aliás, muitas vezes sequer precisamos digitar: basta usar nossa voz para fazermos consultas que outrora se encontravam nos almanaques.

Em consequência, houve necessidade de que o velho Almanaque se reinventasse como revista da Academia Parnaibana de Letras.

De minha parte, prefiro entender que o Almanaque da Parnaíba continua circulando (há mais de 100 anos) e que dele já foram publicadas 76 edições. E sei que muitas outras ainda virão.

Prefiro crer que o Almanaque da Parnaíba, ainda vivo, ainda em plena atividade, continua a prestar relevantes serviços à cultura, às artes, à memória e à literatura parnaibana.

(*) Discurso pronunciado por José Elmar de Mélo Carvalho no dia 19/09/2025, no auditório do SESC/Avenida, em Parnaíba, durante a solenidade do Projeto APL Itinerante, com participação do Sistema Fecomércio e da Academia Parnaibana de Letras.