quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Stephen Hawking – uma tentativa (nada científica) de refutação

Fonte: Google
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Stephen Hawking – uma tentativa (nada científica) de refutação

Elmar Carvalho

Inicialmente, devo dizer que reconheço a imensa inteligência de Stephen Hawking e o seu extraordinário preparo científico e intelectual, assim como a sua notável capacidade de superação diante de sua doença atroz (ELA - Esclerose Lateral Amiotrófica), que lhe limitou a capacidade de locomoção e lhe criou tremenda dificuldade para se comunicar, vindo a precisar dos equipamentos que utilizava para o exercício do magistério e elaboração de seus livros, todos ou quase todos best sellers mundiais.

E mais do que tudo isso, reconheço a minha incipiência (ou mesmo insipiência) científica, razão pela qual disse que isto é apenas uma tentativa nada científica de refutação, no caso a algumas de suas frases ou hipóteses expostas no capítulo 1 – Deus Existe?, integrante de seu livro “Breves respostas para grandes questões”.

Ele mesmo revela a sua perplexidade, quando exclama: "Como pode um universo inteiro repleto de energia, da espantosa vastidão do espaço e de tudo que há nele simplesmente surgir do nada?" Contudo, em outro ponto desse capítulo ele afirma: "Na minha opinião, a explicação mais simples é que deus não existe." É de se observar que ele foi humildade ao consignar que a afirmativa é na sua opinião, pelo que não foi peremptório. Todavia, como a corroborar sua hipótese, em outro trecho ele diz: “Sou da opinião de que o universo foi criado espontaneamente, do nada, segundo as leis da física”.

Contrariamente ao que ele diz, não acho que a inexistência de Deus seja a explicação mais simples. Muito pelo contrário, afirmo que a explicação mais simples é exatamente a existência de Deus. Como o nada poderia criar o tudo que existe, tão complexo quanto tão bem ordenado? Como disse alguém cujo nome não recordo, a possibilidade de o tudo que existe surgir do nada é a mesma de uma enciclopédia (ou dicionário que seja) ser criada por uma explosão tipográfica, principalmente quando os livros eram impressos através de uma composição tipo por tipo, letra por letra.

Como disse em velho poema de minha autoria, cujo título é “Deus, Deuses e o Nada”, o nada não cria nada, porque o nada é nada, e somada com nada é nada, e multiplicado por nada é nada. E se o nada criasse alguma coisa esse nada não seria nada: seria alguma coisa, seria mesmo um deus criador. E a esse deus-nada eu tiraria o meu chapéu, que sequer tenho, mas tiraria.

Portanto, em hipótese nenhuma, posso crer que o nada pudesse criar algo, ainda muito menos a vida, a vida que eu considero o maior de todos os milagres. O excelso bardo Manuel Bandeira, em notável poema elegíaco, disse também que “A vida é um milagre”, conquanto tenha afirmado melancolicamente no seu final: “– Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres”. Contudo, para mim e para milhões de outras pessoas a morte é apenas o portal para uma outra vida.

O grande cientista reconhece que “O grande mistério no coração do Big Bang é explicar como um universo inteiro e fantasticamente imenso de espaço e energia pode se materializar do nada.” Para mim isso também é um grande mistério, e mais do que isso, uma impossibilidade; bem por isso, acho mais razoável acreditar no divino Criador, como disse no meu poema Mística I: “E Deus estava lá / por trás de tudo: / logo após em regressão / a explosão do átomo primordial.”

Em outro local do capítulo em debate, o ilustre sábio parece se contradizer, ou pelo menos ter dado um breve cochilo (ou o erro teria sido do editor ou do organizador do livro?): "O que pode ter causado o surgimento espontâneo de um universo? Inicialmente, parece um problema desconcertante — afinal, as coisas não se materializam do nada." Nesta parte final de sua frase, concordo na íntegra com ele: de fato, as coisas não se materializam do nada.

Para a contradição apontada acima se tornar mais clamorosa, veja-se este outro trecho: "descendo ainda mais até o nível subatômico — e adentramos um mundo onde criar algo a partir do nada é possível." Sim, no “nível subatômico” talvez seja mesmo possível “criar algo a partir do nada”, mas, então, pergunto: E quem teria criado o tal “nível subatômico”? Acaso, não teria sido Deus? Ou teria sido um outro “nível subatômico”, e assim por diante até o infinito?

No capítulo seguinte (2 – Como tudo começou?), ele parece reconhecer que a ciência ainda tateia no meio das trevas das dúvidas e incertezas, quando se reporta ao chamado princípio da incerteza: "Parece haver um certo nível de aleatoriedade ou incerteza na natureza que não é passível de eliminação, mesmo com as melhores de nossas teorias. Isso pode ser resumido no princípio da incerteza, proposto em 1927 pelo cientista alemão Werner Heisenberg." (...) "Quanto mais precisa for a previsão da posição, menos precisa será a previsão da velocidade, e vice-versa." Sobre esse princípio, tive a oportunidade de dizer, em entrevista concedida à professora e escritora Teresinha Queiroz, contida no meu livro Lira dos Cinquentanos (2006): “Parece-me que o princípio da incerteza termina sendo o princípio da certeza da existência de Deus. Embora correndo o risco de estar dizendo uma aberração, de estar cometendo uma heresia científica, creio que esse princípio é a maneira como Deus interage com a sua criação, é a parte destinada às leis espirituais e às orações. Caso contrário, Deus seria apenas, hoje, um mero observador passivo de sua própria criação, sem o poder de interferência, proibido por si mesmo de interferir.”

Apesar de todos os percalços que a vida nos causa a nós todos, de todas as suas limitações físicas, de locomoção, de comunicabilidade, de todos os seus sofrimentos por causa de sua doença, Stephen Hawking asseverou: "Temos apenas esta vida para apreciar o grande plano do universo, e sou extremamente grato por isso." Com relação à primeira afirmativa, devo dizer que creio na continuação da vida, e no referente à segunda, não sei a que ou a quem ele seria grato. De qualquer sorte, foi um ser humano luminoso, bem-humorado e generoso, e teve notáveis insights, que lhe fizeram merecedor dos inúmeros títulos e honrarias que recebeu.

Para finalizar esta pretensa e despretensiosa refutação, catei mais esta asserção de sua lavra: "Não podemos voltar a um tempo anterior ao Big Bang porque não havia tempo antes do Big Bang." Como Hawking não ousa afirmar de onde teria surgido o Big Bang, ouso eu: a grande explosão e tudo o mais que existe foram criados por Deus, assim como o tempo, anterior ou não ao Big Bang.

E se me perguntarem quem criou Deus, simplesmente direi: nada e nem ninguém. Deus é o eterno e incriado Criador. E é por isso que o chamamos Deus. É o que é, é em essência, é a pura existência. EU SOU O QUE SOU (Êxodo 3:14).    

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Parnaíba vai ser irmã de Dubai. Inshala



Parnaíba vai ser irmã de Dubai. Inshala

Pádua Marques
Jornalista e escritor

Dias desses, faz menos de quinze dias, fiquei sabendo que o governador do Piauí, Wellington Dias, andou se encontrando em Brasília com uma representação comercial dos árabes. E desse encontro, que os blogs e portais chapa branca deram alarme maior do que os gansos da praça da Graça, ficamos sabendo que há interesse dos conterrâneos de Maomé em investirem suas guardadas e bem guardadas moedas em Parnaíba.

E de gauchada, assim logo de cara, no modorrento aeroporto de final de semana, ali pras bandas do Floriópolis. No centro financeiro e político da Parnaíba esta notícia, essa lorota, deixou muita, mas muita gente com o dente na fresca. Foi motivo de muita conversa e discussão, dedo na cara na praça da Graça. Teve gente divagando e vendo as caravanas desembarcando e percorrendo a cidade e de olho grelado pelo tamanho da Ilha de Santa Isabel, nas lagoas do Portinho e do Bebedouro.

Porque os descendentes de Maomé nunca haveriam de ver tanta terra e tanta água se istruindo, sem utilidade. E os economistas e sonhadores se danaram a falar sobre a abertura de restaurantes e lanchonetes vendendo esfias, quibes e guisado de carneiro. E chegando ao Portinho estariam em casa. Todas aquelas dunas branquinhas que nem talco Johnson’s se perdendo sem que ninguém até agora tenha feito nada pra puxar o turismo.

Estou aqui é agoniado pra ver os árabes na Banca do Louro comprando revistas de mulher nua, tomando água de coco na praça da Graça, tirando foto com o Mário Boi, se admirando com a imponente e operante Câmara Municipal. Depois viriam as compras no calçadão da Marechal Deodoro, pechinchando no preço das calcinhas. Eu não duvido nada se eles não se engraçarem da ponte Simplício Dias, querendo saber a engenharia de ponta com que foi feita a reforma.

Os árabes iriam ficar de barba branca querendo saber o tempo que levou e comparando com o canal de Suez no Egito e Dubai, aquele shopping center a céu aberto nos Emirados. À noite iriam pra bem iluminada São Sebastião, na altura do Mirante. Coisa de botar inveja em Paris. Eles, com aquelas caras de fenemê, no outro dia iriam pra Pedra do Sal, caturando uma barraca pra se proteger do sol e iriam encontrar umas palhoças improvisadas, atendimento e  limpeza de primeiro mundo.

Dou pra ver bicho mais desconfiado do que árabe, principalmente quando se toca em assunto de dinheiro. Mas sempre vai ter um jeito de fazer eles caírem das carnes e abrirem a burra. E é aí que entram os intermináveis Tabuleiros Litorâneos. Lá eles vão com o prefeito, secretários, representantes de tudo que é repartição de governo. Até a banda de música, a furiosa Banda Municipal Simplício Dias. Mas é sempre bom recomendar ao cerimonial, nada de soltar foguetes. Árabe se assusta com qualquer papouco. Até um riscar de palito de fósforo é motivo pra eles se jogarem no chão e puxarem as armas.

Eu depois dessa rezo daqui de casa. Cinco vezes por dia e virado pra Meca. Já comprei até aquele tapete pra rezar no quarto.  Peço que Alá ilumine seus xeiques, beis e emires e que tudo que esse pessoal da Parnaíba anda sonhando se torne realidade. Inshala, inshala, inshala três vezes!   

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Seleta Piauiense - Nathan Sousa

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A OBRA SEM FIM

Nathan Sousa (1973)

Não falarei do avesso que da arte
se desprende como quem se livra
da arquitetura das igrejas e templos.
Falarei da arte que ali habita. Da
nítida face enrubescida no espanto
de Gaudí. Da febre que devora
os olhos de quem passa sob o
juízo em músculos de Miguel.

É desta arte que eu falo. Da
argamassa, do pó, da forma,
da textura. Do traço delineado
sobre a audácia. Do fino balé
das espátulas na cara dos
fantasmas.
Falo da pele tatuada das paredes,
dos tetos; do piso voraz que ao
chão dá brilho e raridade.
Em tudo há expediente e agravo.
Mas ainda assim eu não falarei
de mãos e bocas; de gritos inauditos
devorando os ares.
Falo do insuspeito que
no concreto cala.
Sem presságio
ou sonho que se instala.     

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Amar Amarante na loja virtual Amazon




Encontra-se publicado na loja Amazon o meu livro Amar Amarante, no formato e-book, pelo preço simbólico de apenas R$ 3,71. O livro virtual contém meu poema Amarante e várias crônicas referentes a essa aprazível e bucólica Terra Azul do poeta Da Costa e Silva, inclusive a mais recente – Expedição ao Sertão Colonial.

Em seu formato impresso a obra foi lançada no dia 6 de dezembro de 2013, na solenidade em que recebi o Título de Cidadão Amarantino. Na ocasião usaram da palavra Homero Castelo Branco, Marcelino Barroso Leal de Carvalho e o poeta Virgílio Queiroz. O título foi concedido por iniciativa do vereador Inácio Pinto de Moura. Várias autoridades estavam presentes, entre as quais os então prefeito Luís Neto e o presidente da Câmara Diego Lamartine Soares Teixeira.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Crônica, a forma literária do tempo presente

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Crônica, a forma literária do tempo presente

Dílson Lages Monteiro – da Academia Piauiense de Letras

A pressa do dia a dia e a automação do cotidiano, intermediadas pela intensa presença de tecnologias, criaram um vácuo para novas necessidades. Uma delas, para surpresa de muitos, é a de comunicar-se de verdade; de encontrar uma voz que se ligue à sua, para suprimir a impressão de que, na multidão do anonimato, não se é um número ou não se está sozinho. O desejo de pertencer a uma comunidade, de ter uma identidade ou de aperfeiçoá-la, faz com que a crônica encontre um espaço natural em meio ao burburinho de imagens ofuscantes e do imediatismo de um mundo de “clicks”, feito para durar o instante de sua materialidade. A crônica impõe-se como resistência e caminho de iniciação à descoberta da literatura.

Joaquim Ferreira dos Santos, na antologia “As cem melhores crônicas brasileiras”, lembra que a crônica, com o propósito concedido a ela hoje, começou, guardadas as especificidades do tempo, da relação com a imprensa, com o fito de registrar relatos da semana e, na virada do século XX, ganhou fisionomia própria com Machado de Assis: “Passou a refletir com estilo, refinamento literário aparentemente despretensioso, o que ia nos costumes sociais. Narrava o comportamento das tribos urbanas, o crescimento das cidades, o duelo dos amantes e tudo mais que quer mexesse no caminhar da espécie.”Acrescenta ele que, em Machado, “a crônica está  no detalhe, no mínimo, no escondido, naquilo que aos olhos comuns pode não significar nada, mas, puxa uma palavra daqui, ‘uma reminiscência dali’, e coloca-se de pé uma obra delicada de observação absolutamente pessoal”.

Hoje, o contato diário do brasileiro com os maiores nomes da literatura ocorre, principalmente, por esse gênero. A crônica se ressignificou, sem abandonar a função mais básica: forma de interação, entretenimento e participação social, capaz de inserir o leitor no espaço concreto dos grandes acontecimentos e, ao mesmo tempo, recuperar os aspectos mais banais da vida, aparentemente sem grande relevância. Independente de como se configure (seja pela sua dimensão lírica, seja pela humorística, seja pela política), no fundo, essa manifestação tornou-se hoje – mais do que em qualquer tempo –- um significativo meio de desenvolver a noção de pertencimento a uma comunidade, o que reforça a evidência de que “a crônica brasileira tem uma cara própria, leve, bem-humorada, com o pé na rua”, como bem disse Antônio Cândido.

Conforme ainda Joaquim Ferreira dos Santos, as crônicas hoje se apresentam com “o abuso da primeira pessoa, do comentário e da liberdade de adotarem um idioma ora poético, ora jornalístico,  ora irônico, ora perplexo”, quase sempre bem-humorado. Parecem textos ligeiros, simples e superficiais, tamanha a facilidade de leitura. São pequenas obras-primas de emoção, baseadas nos espantos e alegrias, decepções e surpresas do cotidiano”. Por isso, marcam-se pela amenidade, como diria Leandro Konder, ao escrever “Artes da palavra – elementos para uma poética Marxista”: “Ao contrário da reportagem, a crônica não tem maiores compromissos com a objetividade. Sua força não está na informação, mas na capacidade de interessar os leitores, em geral. Sua força não está na profundidade do pensamento, mas na amenidade com que o expõe”.

A natureza amena da crônica leva Leandro Konder a afirmar que tal forma literária “abre espaço para o comentário pessoal, o olhar subjetivo, a busca de singularidade do efêmero e do fragmentário. Embora não ignore os problemas da esfera pública, a crônica parece preferir lidar com vicissitudes mais pessoais, com sentimentos que se formam na vida privada, ou se voltam para ela”. Esses traços reafirmam uma de suas principais funções: “ A crônica faz apreciação pessoal dos fatos do cotidiano”.

Essa apreciação do dia a dia tanto comporta a revisão da história, não raro, quanto abre espaço para a liberdade própria do gênero “em que tudo é possível”, inclusive o intercruzamento de gêneros textuais. A esse respeito, José Castello, citando  os relatos de oficinas de escrita criativa de Walter Galvani, publicados em “Crônica: o voo da palavra”, registra:

“Entre nós, hoje, o fracasso dos gêneros se expressa, de maneira muito particular na proliferação da crônica – o lugar, por excelência, da ausência de gênero. Na crônica, tudo é possível, da ficção clássica à moda de Clarice Lispector às interrogações existenciais de um Carlinhos de Oliveira, do lirismo despudorado de Rubem Braga à filosofia disfarçada em desafogo de Paulo Mendes Campos. Depois deles, a crônica brasileira tornou-se o lugar da experimentação (...). Às vezes, abriga apenas o texto jornalístico; outras vezes, a confissão mais sincera, ou a simples memória que, na verdade, não é tão simples assim. (...) A crônica se tornou o lugar da experiência, um laboratório; o espaço sem forma, para o qual os velhos gêneros confluem, já sôfregos, já deformados por um século inteiro de agonia e suspeitas. (...)”.

A atualidade permanente da crônica hoje também se configura em duas de suas características: a leveza e o descompromisso. Esses elementos a aproximam da oralidade, fazendo com que seja gênero facilmente praticável e de rápido encantamento, principalmente em tempos de pressa e imediatismo. Como ensinou Antônio Cândido em seu clássico ensaio "A vida ao rés-do-chão", sempre atual, “na linguagem, a crônica é descompromissada, leve, longe da lógica argumentativa ou da crítica política e se deixa penetrar pela poesia. No seu desenvolvimento, a crônica foi largando a intenção de informar e comentar e passou a ficar com a função de divertir, todavia, divertindo, ela também faz refletir. O grande prestígio da crônica hoje seria um sintoma do processo de busca da oralidade na escrita, isto é, de quebra do artifício e aproximação com o que há de mais natural no modo de ser do nosso tempo”.

Todas essas razões se mostram suficientes para se afirmar categoricamente: “A crônica é, por excelência, a forma literária de primazia na atualidade”. A porta aberta para as descobertas que somente a literatura consegue gerar em suas travessias de sonhos, asas, perguntas e inquietações.   

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Furna da Onça

Augusto e o boêmio Dourado
Os saudosos Dourado e Dom Augusto da Munguba, vistos pelo talento de Gervásio Castro


Furna da Onça 

Elmar Carvalho

Por ocasião da Expedição ao Sertão Colonial, na velha Oeiras, disse ao amigo José Augusto Nunes, ex-presidente da Agespisa, que, muitos anos atrás, quando passava por Oeiras, em viagem de fiscalização da SUNAB, a caminho de São João do Piauí ou São Raimundo Nonato, ao ver o bar Furna da Onça, me dava uma vontade de tomar uma dose da “branquinha”, mas nunca o fiz. De sorte que esse meu pequeno sonho de consumo ficou mesmo como apenas um sonho frustrado e nada mais. Me respondeu ele que eu ainda iria realizar esse desejo, embora hoje a Furna tivesse cerrado suas portas. Agora, recebo dele o seguinte e-mail, pelo qual constato que jamais matarei essa minha vontade:

“Conheci Martinho muito cedo. Desde a época da sua labuta no campo, no bar que montou e fechou, por não suportar ébrios cuspindo no seu ambiente. Na eleição que tio João Nunes perdeu para Valdemar Freitas, elegeu-se vereador do município de Oeiras. Presenciei acalorados debates, no espaço reservado à Câmara, na antiga prefeitura situada na praça Costa Alvarenga. Martinho era sempre muito sereno, lúcido e seguro em suas afirmações. Em 1993, quando também me elegi vereador, pude conviver mais de perto com ele por intensos 04 anos. Foi um tempo de muito aprendizado.  Certa vez, ao encontrá-lo no gabinete da presidência da Câmara, disse-me que os maiores problemas que enfrentamos na vida são sempre os caseiros.  Isso é verdade, ele tinha razão! Desde quando iniciei o meu mandato de vereador, nunca mais me distanciei de Martinho.  Sempre que ia a Oeiras, era certo encontra-lo na calçada de sua casa para uma prosa agradável, mesmo se tratando de um homem de poucas palavras. Educou, formou filhos e também sofreu a dor maior de um pai ao perder dois deles precocemente. A partida do Martinho, para o encontro com o pai celestial, deixa um vazio para toda cidade, especialmente para a família e amigos. Amigo como eu, que não o encontrará mais na sua calçada, olhando para a bela paisagem do café Oeiras, coreto e cine teatro.   Doravante terei de me acostumar sem as suas lições. Saudades, Martinho.”

Respondi ao prezado fidalgo José Augusto Nunes da seguinte maneira:

“Caro amigo José Augusto (e aqui me lembro dos dois José Augusto, o velho e o novo, cantores de minha admiração, tanto pelo repertório, quanto pela voz, que ouvi tantas vezes em disco de vinil, nas velhas "radiolas" de outrora.

O novo já ficou velho, assim como eu estou ficando ou já fiquei, e o outro partiu para o infinito e para a eternidade, há muitos anos, precocemente.

Ainda haveremos de desbravar a Furna da Onça, para tomarmos uma boa talagada de uma excelente calibrina, oportunidade em que daremos uma discreta (ou não tanto) cusparada no pé do balcão.

Eu já tive a minha "furna da onça", em Parnaíba. Era o bar do comandante Augusto, que ficava no bairro Munguba, perto de onde "as águas podres da vala da Quarenta tomam banho nas águas puras do Igaraçu", como disse num de meus poemas. 

Nesse boteco apenas eram tocados os velhos bolachas de borracha, mas exclusivamente pelas mãos do Augusto, que tinha ciúme de sua vitrola, e principalmente de seus discos. Escrevi um poema sobre esse saudoso bar, que segue abaixo.”

Eis o soneto a que me referi:


BAR DO AUGUSTO

Elmar Carvalho

No bar do Augusto
o passado era sempre presente,
e o futuro a Deus pertence.
No Recanto da Saudade

de outra dimensão do espaço-tempo
o Dourado continua a vestir a fantasia
de a sua própria pessoa ser ou não ser
heterodoxos heterônimos pessoanos.

Onde, agora, o Augusto?
Onde, agora, a vitrola, a música e o bar?
Como nos versos sublimes de Bandeira,

ficaram de pé, suspensos no ar. . .
Encantados no destempo de um tempo
sem passado, sem futuro, sem presente.   

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Seleta Piauiense - Dílson Lages Monteiro

Fonte: Google


Terapia

Dílson Lages Monteiro (1973)

Consigo me ver nos seus olhos
neles me vejo
como quem vê a si no silêncio.

Consigo ser o sal de seus sentidos
e o sol das emoções
vestidas pelo suor suave
que me confunde os verbos.

Consigo tocar a lucidez da sua face
e a loucura dos pensamentos
mergulhados no mar
que nos atira à areia.

Consigo o céu pousa
na palma de minha mão.
Eu astro e rei
brinco de tiro ao alvo.  

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Sobre sogras e madrastas



Sobre sogras e madrastas

Elmar Carvalho

O grande Machado de Assis disse que teria meia dúzia de leitores. Ora, se Machado que era o Machado dizia isso, que direi eu? Bem, o fato é que um de meus poucos leitores, no caso o professor Nelson Rios, de Regeneração, dizendo que amanhã será o dia do sogro, e que ele gosta muito do seu, o senhor Raimundo Rodrigues Coimbra, pediu-me escrevesse alguma coisa sobre esse nosso parente por afinidade.

Inicialmente, devo dizer que nunca fui dado a escrever poemas de circunstância ou a pedido. Nunca tive habilidade para isso, mas desta feita abrirei uma exceção, mesmo porque o texto será em prosa. Por falar em parente por afinidade, se realmente houvesse afinidade, entre genro e sogro, sem dúvida seria uma grande dádiva e bênção. E se houvesse amizade, melhor ainda.

O fato é que não escolhemos nossos parentes, simplesmente nascemos em determinada família. Já os amigos, não; nós os escolhemos, pelas afinidades, pelas identidades, simpatia e admiração. Diz-se que os opostos se atraem. Isso pode ser verdade na física, no eletromagnetismo, mas não creio ser na amizade e nem no amor. Por que um homem bom e de bem seria amigo de um bandido, sobretudo perverso? Não creio haver motivo para isso, mesmo porque um homem mau e do mal não é amigo de ninguém, mas apenas cultiva os seus interesses e finge amizade, na defesa de suas conveniências momentâneas.

Agora, a mulher ou o marido são escolhidos por nós. Consequentemente, vamos ser genro ou nora de um parente de nosso cônjuge, que ele não escolheu, e que veio de contrapeso com o casamento. A Bíblia diz que, quando uma pessoa casa, deixa o pai e a mãe, para ir ser carne da mesma carne de outra pessoa. Claro, o texto sagrado não está recomendando a ninguém o abandono de seus pais, mas advertindo-o de que a sua preocupação, em primeiro lugar, deve ser com a família que irá constituir, principalmente com a vinda dos filhos.

No Brasil, seja por brincadeira ou por preconceito, as sogras são estigmatizadas, e consideradas verdadeiras megeras, vítimas das mais sarcásticas piadas. Em outros países, essas parentas afins são consideradas uma espécie de segunda mãe, e até são chamadas e tratadas como tal. No Brasil, talvez a sogra seja considerada uma espécie de mãe postiça, e muito desse preconceito venha de velhas estórias infantis, em que as madrastas maltratavam os enteados, sendo que uma delas enterrou uma orfãzinha, que, com um fio de voz, sumida e chorosa, vinda das entranhas da terra, pedia ao capineiro de seu pai para não lhe cortar os cabelos, que haviam nascido e crescido do ventre da terra.

Esse conto cortava o coração dos lacrimejantes pequenos que o ouviam. Há o ditado popular que diz: “Mateus, primeiro os meus”. Quiçá, em muitas mulheres, haja mesmo uma nítida preferência pelos seus filhos do que pelos enteados, mas isso não pode ser generalizado. Muitas madrastas foram mães extremosas para os enteados, e cuidaram deles com todo o desvelo de uma mãe de verdade.

A mesma coisa sucede em relação a sogros e sogras: muitos são verdadeiros pais para seus genros e noras, e lhes dedicam um verdadeiro amor familiar. Estimo que o meu leitor Nelson Rios, professor de matemática, mas versado em Humanidades, nesse aspecto seja um privilegiado, por ter um sogro de sua máxima estima e benquerer.    

9 de março de 2010              

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

EDUCAÇÃO E LÍNGUA ESCRITA

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EDUCAÇÃO E LÍNGUA ESCRITA
  
Cunha e Silva Filho
  
     Dois problemas momentosos almejo discutir sumariamente aqui nesta página: a) o uso da língua portuguesa dito culto; b) a educação do usuário da língua escrita. É apenas uma artigo, um repto, um desagravo a uma pessoa querida, sem pretensão alguma de escrever um ensaio linguístico, gramatical ou filológico.

    Porém, pretendo tecer algumas considerações de natureza ética e linguística quanto a práticas imoderadas e deselegantes de usuários do Facebook ou de outras mídias de, vez por outra, particularizando uma pessoa de méritos incontestes e de abalizado conhecimento de uso do vernáculo comprovado em esmerada argumentação do seu discurso técnico-jurídico e até literário e devidamente comprovado com a sua sólida formação acadêmica em instituições de ponta no país.

Desnecessário nomear aqui o elevado nível de competência entre os seus pares na área de atuação intelectual e profissional. Não vou exibir tampouco os títulos e o rico curriculum da pessoa atingida por ser desnecessário e por ser o autor um estudioso de primeira linha.

      A qualquer usuário do Facebook e quejandos não cabe a leviana pretensão de arvorar-se em sair por aí “corrigindo” a esmo textos alheios visto que, se assim proceder, dará um exemplo de absoluta falta de educação e de desrespeito com o autor do texto, principalmente sem ter a mínima intimidade ou privacidade com o autor do texto criticado quanto a usos da língua escrita ou mesmo oral.

     Palpitando às cegas sem ser autorizado e sem a vênia do autor, em questões gramaticais envolvendo mais do que um mero uso normativo ou culto do vernáculo é se expor ao ridículo e dar atestado de ignorância extrema de uma boa educação exigida no relacionamento social. Melhor seria afirmar mais categoricamente como um péssimo exemplo de grosseria com alguém que não conhece. A querela do certo ou errado foi praticamente alijada da visão avançada dos linguistas mais atualizados em nosso país. Já se foi o tempo do certo do errado em assuntos de linguagem nos moldes do velhusco gramático e filólogo luso Cândido de Figueiredo, entre outros, inclusive brasileiros.

   Tenho observado, no espaço do Facebook, que muita gente anda se comportando com se fosse detentora do conhecimento da língua portuguesa e é, nesse sentido, que o presente artigo tem a sua razão de ser e se torna oportuno. Procurar catar solecismos e outros vícios de linguagem em usuários virtuais não é o procedimento correto. Há outros modos de se corrigir alguém sem constrangimento que cometa um deslize gramatical, uma erro de concordância ou um uso controvertido do infinitivo flexionado ou inflexionado. – questão, de resto, controvertida em muitos ângulos, porquanto não só está atrelada ao fato meramente gramatical, mas à estilística fônica, por exemplo.

     O conceito de erro gramatical, de certo ou errado, mudou drasticamente após os desenvolvimentos da linguística no mundo e no país. Após estudos apurados no campo da sociolinguística, nos conceitos de níveis da fala, de registros linguísticos. Tudo passa a ter um novo enfoque a me lembrar aquela observação do gramático Brian Kelly ainda pertinente aos nossos tempos:[...] “Se as regras de gramática diferem do uso culto, então a gramática tem que mudar, pois a gramática foi construída para a língua, e não a língua para a gramática.(An advanced English course for foreign student. London: Longmans, Green and C., 1940, p. 352.).[Tradução minha]

    Por conseguinte, o vício errôneo de enxergar erros gramaticais nos outros não é recomendável a uma pessoa instruída e polida. Uma derradeira observação, não precisamos arrolar tantos autores mais avançados na questões de correção gramatical e uso do português.

Recomendo um pelo menos, que aborda tais questões com alta competência e atualidade: Marcos Bagno, Veja dele o opúsculo Preconceitos linguísticos - o que é, como se faz. 52ª edição. São Paulo: Edições Loyola, 1999.   

domingo, 10 de fevereiro de 2019

NOTURNO DO CEMITÉRIO VELHO DE OEIRAS

Fonte: Google


NOTURNO DO CEMITÉRIO VELHO DE OEIRAS

Elmar Carvalho

Cemitério
misteriosamente sem mistério
                                          etéreo
em sua clareza
– mais que clareza, certeza –
de cemitério.

Campo Santo
onde o fogo-fátuo
e o pirilampo
cintilam – destilam suas luzes mortas
nas alamedas sem (en)canto
nas veredas do que é somente
pranto
onde poetas
egressos de outra vida
recitam versos enternecidos
para a imortal amada
inesquecida
onde músicos falecidos
acordam sons delicados
doces como alfenim
das cordas sensíveis
e pulsantes do bandolim.

Ó som de lamentações e de ais,
de lamúrias passionais,
de réquiem e miserere
que dilacera e fere
como não se ouvirá
nunca mais!

Horto sagrado
do que é morto
e é lembrado;
do que é apenas esquecimento
(do que não é nem será
sequer pensamento).
Cemitério
de lápides indecifradas
pelas dentadas do tempo.
De cruzes mutiladas
e braços pensos.
De chumbados anjos sem vôo
e de asas decepadas.
De correntes arrastadas
na via crúcis das
almas penadas.
De vultos
queridos da História.
De vultos
diluídos, sem memória ...
De túmulos caiados, caídos,
encardidos pelo tempo.

Cemitério de abandono:
fantasmas sem sono
 abrem os portões
de gonzos gementes, enferrujados,
e vagam pelas
ruas adormecidas
– sombras tênues, diáfanas,
esquecidas.
Cemitério
de uma morte
absoluta e sem fim
como uma música
sublime de bandolim
tangido por dedos mágicos
de Arcanjo ou Serafim ...

           Te. 13/14.10.94   

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

A DERROCADA DO FUTEBOL PROFISSIONAL PIAUIENSE


Fonte: Google

A DERROCADA DO FUTEBOL PROFISSIONAL PIAUIENSE

Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

                Faz tempo que nos metemos a escrever crônicas de pé quebrado e outros escritos, porém, não mais do que temos de boleiro, peladeiro contumaz, daqueles que, chova ou faça sol, correm e suam em bicas atrás de uma bola, repetidas vezes na semana, juntamente, com outros corajosos ou teimosos companheiros.

                Em todo esse tempo, o que não conseguimos aprender na arte de escrever, apreendemos em entendimento do que seria um jogo de futebol, com tática bem aplicada; quem seria craque ou perna de pau; o que se poderia considerar uma boa equipe, um treinador capaz de mudar o resultado de uma partida de futebol; portanto, cremos que, dado esse know-how, temos condição de dizer que o futebol profissional no estado do Piauí, de uns anos para cá, passa por seus piores momentos; nem de longe nos faz relembrar épocas de Sima, Décio Costa, Nonato Leite, Pila, Gringo, Augusto, Derivaldo e tantos outros, que acompanhamos, já em final de carreira, mas que, ainda assim, causaram-nos boa impressão suas atuações e a certeza de que, no auge do seu apogeu técnico, quem os viu em ação, pôde constatar que o futebol piauiense viveu bons momentos, foi competitivo, não muito fácil de ser batido, vilipendiado, esbulhado e humilhado, nos próprios domínios, como agora.

                Não nos constrange nem um pouco afirmar que, fraco como se encontra, melhor nem tentar disputar torneios, copas ou campeonatos nos quais tenhamos que digladiar com adversários extramuros: não vencemos ninguém. Servimos de deboche, chacota. E não nos venham dizer que tudo decorre da falta de dinheiro, pois se for esse o principal motivo para nossa derrocada qualitativa e técnica, mais ainda ficaria patente que, para que nenhum atleta profissional, dos que por aqui atuam, perca, definitivamente, seu emprego, melhor disputar vários curtos torneios internos, intermunicipais; quando muito, participar de copas e/ou taças com times maranhenses, preferencialmente, com os de mesma capacidade técnica. A propósito de grana: só para não deixar em branco, em dois mil e quinze, o Piauí recebeu da confederação brasileira de futebol um milhão e setenta e seis mil reais – montante, claro, que deve ter sido atualizado de lá para cá.

                Como vimos jogar, ou melhor, não jogar, primeiramente, o tradicional River Atlético Clube, derrotado, facilmente, por cinco gols a zero - não fosse o árbitro haver terminado a partida em cima dos noventa minutos e o “galo carijó”, possivelmente, teria levado mais gols – pelo tricolor carioca, uma equipe de jovens atletas, ainda em formação, que apenas tem vencido jogos diante de adversários mequetrefes; e, dia seguinte, aí, sim,  foi que não vimos, sequer, entrar em campo, o que se poderia chamar de time, equipe, muito menos arremedar o que seria uma partida de futebol, a Associação Atlética de Altos que, já ao final do primeiro tempo, perdia de quatro gols a um, e que, finda  a peleja, havia levado uma lavagem de sete a um do Santos, relembrando a nefasta goleada que nos aplicou a seleção germânica, dia desses; pois bem, pelo que não jogaram nossas principais agremiações futebolistas contra frágeis equipes do sudeste, temos quase certeza de que, fazendo uma boa peneira entre os “atletas” das peladas das quais participamos, semanalmente, armaríamos um time que, certamente, levaria menos gols de Fluminense ou Santos, do que tomaram River e Altos.

                No encerramento de este arrazoado, talvez devêssemos pedir desculpas aos atletas profissionais de futebol que possam ter ficado ofendidos com nosso desabafo, como  não foi nossa intenção, não o faremos; todavia, esperamos que lutem, mais fora do campo de jogo do que dentro dele – já que, aqui, fazem o que podem -, cobrando da federação local de futebol e dos dirigentes, mais incentivo, respeito e profissionalismo; o futebol piauiense precisa deixar de ser considerado um coitadinho, um repositório de homens nômades e de subempregados. Com planteis razoáveis, equipes bem treinadas e competitivas, não há dúvida de que voltaríamos a amedrontar, desportivamente, qualquer força que viesse nos desafiar, pelo menos, aqui dentro. Escusas, quem sabe ao corpo de bombeiros e demais autoridades de segurança, por, tantas vezes, acharmos que estavam sendo deveras burocráticos nas vistorias para liberação dos nossos estádios de futebol; ainda bem, assim vocês evitaram que durante algum tempo, mais gente pudesse ver tão pífios espetáculos naqueles recintos.

Isso mesmo, não vamos retificar o que dissemos em relação ao que nos têm fornecido em entretenimento as principais equipes de futebol piauiense, atualmente: como estão jogando, senão melhor, mais interessante seria, aos finais de semana, os que podem, correrem eles próprios atrás de uma pelota; os que não batem mais uma bolinha, talvez assistirem, em qualquer bairro teresinense, belos jogos disputados por peladeiros “profissionais”. Palavra de um desses, acaso cronista.   

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

EU QUERO UMA CASA NO CAMPO



EU QUERO UMA CASA NO CAMPO

José Pedro Araújo
Romancista, contista, cronista e historiador

Tempos atrás fizeram uma enquete entre os paulistanos para saber qual o sonho de consumo de cada um deles. Os pesquisadores se surpreenderam com as respostas recebidas. Percentual elevado dos pesquisados respondeu que gostaria muito de possuir uma casinha no campo para descansar das correrias do dia-a-dia na Paulicéia desvairada, onde pudessem criar galinhas e ouvir os pássaros cantar.  O mais surpreendente é que boa parte dos que responderam isso, nunca havia morado no campo. Alguns, sequer descendiam diretamente de família interiorana. Esse atavismo era proveniente de antepassados que se perderam nas brumas do tempo, logo apareceram os especialistas com uma justificativa.

Quando a revista Globo Rural foi lançada, escolheram o poeta Carlos Drummond de Andrade como padrinho da publicação. Nesse período, grande nomes da literatura brasileira foram convidados a contribuir com um texto sobre o que mais lembravam do campo. E eles escreveram sobre pessoas, animais, paisagens, acontecimentos ou, simplesmente, deixaram que a mente navegasse pelo espaço criativo. Literatos como Raquel de Queiroz, Milton Hatoum, Marcos Reis, Dias Gomes, e o próprio Drummond, encheram as páginas da revista com textos repletos de saudosismo. Drummond, por exemplo, logo no exemplar de lançamento da revista, esgotou-se em saudades da fazenda da família em Minas. Sob o título “A Fazenda que Desapareceu do Mapa”, ele relembrou com tristeza “Às vezes me assalta o remorso de, sendo filho, neto e bisneto de fazendeiros, ter contribuído para que morresse a nossa fazenda. No momento em que chegou a minha vez de trabalho no campo, fugi da responsabilidade, alegando falta de jeito para lidar com a terra e com os animais. Cedi a minha parte e fui cuidar de nuvens, no exercício da literatura. Passaram-se os tempos, e a fazenda acabou vendida a uma empresa estatal, que ali instalou uma represa para depósito de rejeito do minério de ferro por ela explorado. Assim terminou, submersa, a Fazenda do Pontal, antiga dos Doze Vinténs, ou Fazenda dos Doze”.

Naquele momento o poeta devia está saturado de tudo o diz respeito à cidade grande. Cansado da violência urbana, do barulho e da fumaça dos veículos; do trânsito retido e das filas intermináveis nos bancos e nas repartições públicas. Assim como ele, quando estou perdido no meio do trânsito ou retido por longos e longos minutos na fila do açougue, como aconteceu hoje, por exemplo, bate-me uma vontade de estar naquele momento sob a proteção de uma árvore no campo ou mesmo à sombra de um alpendre refestelado em uma cadeira espreguiçadeira só acompanhando a passagem do tempo sem pressa.  Já houve um tempo em que pensei diferente, quando ainda morava no meu velho Curador. Encapsulado na juventude dos meus treze, quatorze anos, entediava-me com a calma da cidade pequena e quase sem movimentação. E nesses instantes, imaginava-me fugindo da calmaria e indo residir em uma cidade maior e mais movimentada. Um lugar vibrante, onde houvesse cinemas, estádios de futebol, televisão, bancas de jornal, e meios de transporte que me levasse para onde eu quisesse ir. Cheguei a ficar empolgado quando soube, ao término do ginásio, que esse tempo havia chegado para mim.

Como estava enganado! Hoje, quase não vou ao cinema ou aos campos de futebol. Por sua vez, nas cidades pequenas, o futuro chegou trazendo a televisão digital para mostrar os grandes jogos de futebol, a internet por lá também aportou e disponibilizou aos “matutos”, notícias do que acontece no mundo no instante em que o fato acontece. Até mesmo as TV’s por assinatura e os “streams” com filmes e shows musicais em quantidades mais do que suficiente para suplantar a vontade de qualquer cinéfilo, fez-se presente nos lugares mais remotos. E mesmo que você resida no mais profundo de uma floresta, os sinais de tevê ou a internet chegam até você, pois a energia elétrica pode ser gerada em placas fotovoltaicas instaladas no seu próprio teto.

Muitos citadinos ainda acham que o campo é lugar para bicho-grilo. Meu filho Bruno, por exemplo, afirmou-me diversas vezes não gostar do campo. E arrematava a frase com uma série de argumentos. Senhor da sua verdade, e para encerrar o assunto, dizia-me peremptório até sentir falta da fumaça dos escapamentos dos automóveis. Talvez, algum dia, ele ainda venha a mudar de ideia. Pois em épocas não tão remotas assim, vivia a me atormentar durante as viagens quando colocava no toca-fitas do carro um cassete dos Beatles ou do Creedence. Anos depois, surrupiou-me quase toda a minha coleção de CD de rock dos velhos tempos. Mas sei que não é fácil mudar o pensamento da geração do vídeo game e do RPG.

De minha parte, ando com uma vontade imensa de criar umas galinhas, ordenhar umas vaquinhas e saturar-me de música ouvindo o canto estriduloso da cigarra. Dormir, enfim, ouvindo o coaxar dos sapos e não o som estrondoso dos motores a combustão. E se na casa com alpendre largo e entre árvores sombrosas, puder ligar o meu notebook na internet ou a tevê a cabo para assistir aos jogos do meu time favorito, melhor ainda. Tudo isso enquanto na cozinha, no fogão à lenha, está sendo preparado um belo tira-gosto para acompanhar uma gelada “empoada” extraída do congelador que mais parece uma calota polar.

Então ficamos assim. Quero voltar para o campo, mas na companhia de algumas modernidades das quais não posso mais me separar. E então cantar como o Zé Rodrix:

“Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar do tamanho da paz...
Eu quero carneiros e cabras pastando
Solenes no meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas”.