quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Associação divulga a programação da 55ª Semana da Imprensa

Antônio Gallas, Renato Bacellar e José Luiz de Carvalho

Associação divulga a programação da 55ª Semana da Imprensa

Pádua Marques

A Associação dos Comunicadores Sociais de Parnaíba, ASCOMPAR, anunciou nesta sexta-feira, dia 18, a programação oficial da 55ª Semana da Imprensa, que será realizada de 04 a 16 de setembro com várias atividades. Segundo o presidente José Luiz de Carvalho, a abertura será com um café da manhã na TV Delta, afiliada da TV Antares, seguido de palestra do presidente Humberto Coelho. Na ocasião será anunciada e apresentada a Rainha da Imprensa de 2017.

No segundo dia, 05 de setembro, terça-feira, a programação consta de uma missa na igreja de São Sebastião às 17h quando serão lembrados os nomes de profissionais de imprensa falecidos, como Rubem Freitas, o idealizador da Semana da Imprensa, do radialista Paixão Almeida Filho e do fotógrafo Zequinha, proprietário da empresa Zequinha Cine Foto. A homenagem será feita pelo radialista e jornalista Antonio Gallas Pimentel.

A programação prossegue no dia 06, quarta-feira, com visitas e entrevistas nas emissoras, Rádio Liderança, Rádio Igaraçu, Rádio Cidade e TV Costa Norte e à noite a Associação dos Comunicadores Sociais de Parnaíba será homenageada dentro da novena de Nossa Senhora das Graças, padroeira de Parnaíba.

A programação prossegue no sábado dia 09 com um coquetel oferecido pela Federação das Indústrias do Estado do Piauí, FIEPI, situada à rua Riachuelo, centro de Parnaíba. No domingo dia 10 os comunicadores participam de um passeio de lancha à foz do rio Igaraçu com saída em frente a Capitania dos Portos do Estado do Piauí, no bairro Cantagalo.

No dia 13, quarta-feira às 19h, será realizada a exibição no Centro Cultural João Paulo dos Reis Velloso da Caixeiral, de um filme produzido em Parnaíba pelo diretor Francisco Thieres. No dia 15, sexta-feira, a diretoria da TV Costa Norte oferece um café da manhã para a imprensa de Parnaíba em local ainda a ser divulgado. À noite a Câmara Municipal homenageia o jornal Norte do Piauí nos seus cinquenta anos de fundação pelo jornalista Mário Meirelles.


A programação será encerrada no sábado dia 16 a partir das 19h nos jardins da Fundação Raul Bacellar, no bairro São José com um coquetel oferecido pela Secretaria Municipal de Comunicação da Prefeitura de Parnaíba. Na ocasião serão anunciadas e premiadas as melhores reportagens em jornais, televisão, portais e blogs em 2017, coroação da Rainha da Imprensa, entrega de Diploma do Mérito Cultural Rubem Freitas e de certificados aos participantes. Serão homenageados, o fotógrafo Helder Fontenelle, o documentarista Alexandre César Mendes e o radialista Bira Rocha, da Rádio Liderança.

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Nestor Rios e as madeixas de Getúlio

Ivanildo de Deus, Batista Rios e Elmar Carvalho

João Batista Rios
Na cadeira, o saudoso  patriarca Nestor Rios, em seu centenário. Em pé: Batista Rios, ladeado por Eduarda (filha), Vera Lúcia (esposa), e os seus filhos Batista Filho e Saulus

Nestor Rios e as madeixas de Getúlio

Elmar Carvalho

Dois ou três domingos atrás, fui à casa de meu colega e amigo João Batista Rios, juiz aposentado, teólogo e agora diácono, além de membro do Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de Teresina. Estava acompanhado do historiador e poeta Ivanildo de Deus, que o conhecia de Luzilândia, quando nessa cidade Batista Rios exerceu a judicatura por um breve período, na qualidade de juiz substituto, no início de sua carreira.

Tive a oportunidade de recordar a minha amizade e admiração pelo seu saudoso e venerável pai, Nestor Rios. Vale a pena repetir o que já contei alhures: Nestor passava mensalmente na agência da ECT, onde eu trabalhava, a exemplo do que fazia em outras repartições e empresas, para recolher irrisórios óbolos, entre os quais os meus, para alimentar e vestir os seus velhinhos, na qualidade de homem de boa-vontade e vicentino convicto. Como se fora uma nova multiplicação de peixes e pães, Nestor, com esses parcos recursos, construiu uma pequena vila de casas para abrigar os seus pobrezinhos.

Em meio a essa conversa, Batista Rios nos contou que elaborava um aluá, em receita própria que ele, por não ser egoísta, não esconde de ninguém. Enche várias garrafas ou botelhas, para presentear algumas pessoas, que lhe admiram e louvam o sabor. Para comprovar o que dizia, encheu três cálices com esse exótico néctar. Dou aqui o meu testemunho: foi o melhor e mais requintado aluá que já sorvi, ou melhor, degustei em toda a minha vida. Portanto, não era fanfarronice e muito menos propaganda enganosa o que ele nos afiançara. Assim, Batista Rios, além de notável anfitrião e causeur, é também um extraordinário alquimista, e seu aluá jamais será assaz louvado.

Dando sequência à conversa, o nosso anfitrião nos contou um caso interessante sobre seu pai, e que tem uma pitada histórica, anedótica e jocosa, de que farei abaixo um apertado resumo.

Quando Getúlio Vargas esteve em Parnaíba, em sua campanha eleitoral para presidente da República, hospedou-se na casa do médico João Orlando de Moraes Correia, ex-prefeito do município. Por causa das demoradas e por vezes penosas viagens da campanha, notou-se que ele estava com o cabelo um tanto comprido, razão pela qual os anfitriões resolveram mandar um positivo à melhor barbearia da cidade, para que viesse um barbeiro com a finalidade de aparar as madeixas getulinas ou varguenses. Contudo, nenhum dos barbeiros se achou com coragem suficiente para cumprir a missão.

Esse receio dos mestres parnaibanos da tesoura e do pente até me fez recordar – e por isso abro aqui este pequeno parêntese – um episódio anedótico, em que um barbeiro da Marinha Brasileira anunciara desejava matar o almirante e comandante da armada. Este, ao saber da ameaça, de forma ousada e corajosa, se apresentou ao barbeiro, para que lhe fizesse a barba. O barbeiro, ao empunhar a navalha, tremia tanto, que admitiu não ter condições de executar o serviço. Desse modo a ameaça tornou-se apenas uma vexatória bravata e nada mais.  

Os fígaros de Parnaíba, ante o impasse criado pelo medo, informaram que apenas Nestorzinho, o nosso pequeno e bravo Nestor, teria perícia suficiente para cortar os fios capilares do pequenino grande homem. O mensageiro foi à sua cata, que na época trabalhava na EFCP – Estrada de Ferro Central do Piauí. Nestor não se fez de rogado, e muito menos temeu, e menos ainda tremeu ao cumprir a missão. Manipulou a tesoura e a navalha com a perícia de sempre. Cabe-me esclarecer que ele não era um profissional, mas aprendera o ofício, do qual se tornara virtuose, apenas para servir ao próximo, sobretudo amigos, colegas e vizinhos.

Ao terminar o serviço, foi indagado por Gegê (também conhecido por “pai dos pobres” ou “pequeno ditador”, conforme a simpatia ou ideologia de quem assim o chamava), sobre quanto lhe devia. Nestor lhe respondeu que nada. Getúlio insistiu, e lhe perguntou se ele não desejava algum favor ou se não tinha alguma pendência para com o governo federal. O nosso fígaro lhe respondeu, então, que a União devia uma verba trabalhista aos servidores da Estrada de Ferro em que trabalhava.

Vargas lhe disse que, se fosse eleito, um de seus primeiros atos seria pagar esse débito. Recomendou que um assessor anotasse a reivindicação. Com efeito, no primeiro ou num dos primeiros números do Diário Oficial da União, ele determinava o pagamento dessa verba laboral. Isso até nos causa admiração e mesmo perplexidade, numa época em que os políticos, em sua quase totalidade, se excedem em não cumprir o que prometem; em que prometem já com a intenção de não cumprir as suas falaciosas promessas eleitoreiras.


Nestor Rios, em sua humildade de homem bom, de homem do bem, pai de meu amigo e colega Batista Rios, foi ovacionado por seus colegas, e carregado nos ombros, em verdadeira apoteose, em legítima procissão gloriosa, como se fora um dos césares romanos em seus dias de triunfo imperial.

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Discurso de posse no IHGP


Discurso de posse no IHGP

Reginaldo Miranda

Senhoras e Senhores!

 “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu” (Eclesiastes, 3).

Eu sempre nutri o desejo de ingressar e fazer parte do Instituto Histórico e Geográfico da minha terra. Mas soube esperar o tempo certo.

Agora é tempo de ingressar e de ajudar a reedificar essa instituição cultural.

Houve o tempo de fundar, o tempo de realizar e até o tempo de hibernar. Houve o tempo de reconstruir e agora é tempo de festa! É o nonagésimo nono aniversário de sua fundação. É tempo de preparar a comemoração do centenário, cuja contagem cronológica começou há 99 anos, num dia como hoje. Feliz o Estado do Piauí, porque tem a oportunidade e está no tempo de comemorar o centenário de fundação de suas mais importantes instituições culturais: A Academia Piauiense de Letras e o Instituto Histórico e Geográfico Piauiense, fundados, respectivamente, em 1917 e 1918.

Eleito pela unanimidade de seus membros, estou aqui para somar, como já o fiz e estou a fazer na Academia Piauiense de Letras.

O tema de nossa fala, nesta solenidade, por sugestão do presidente Fonseca Neto, é a apresentação de um Censo Descritivo da zona rural do antigo Município de Oeiras, finalizado em 1763. Mas, antes de apresenta-lo é preciso dizer algo para contextualizá-lo.

Embora o primeiro Censo Demográfico Brasileiro date de 1870, sempre foi interesse de Portugal, desde o início da colonização, conhecer os seus domínios, sobretudo as possibilidades econômicas, as fazendas e a população que o povoava.

Nesse contexto, não podemos esquecer que a Igreja era um braço do Estado, razão pela qual, de tempos em tempos, era recomendado às autoridades eclesiásticas que procedessem ao arrolamento das populações em suas jurisdições. Então, esse levantamento populacional era feito durante as desobrigas, quando o vigário tinha a oportunidade de viajar pelos sertões longínquos para confessar, batizar e casar, tempo em que, conforme as circunstâncias e as ordens recebidas, anotava os fogos e relação de seus moradores.

Nessa altura, tal qual um romancista, é bom relembrar das dificuldades enfrentadas por esses apóstolos da boa-nova, esses pregadores do Evangelho, vencendo toda sorte de adversidade ao lançarem-se em suas desobrigas, pelas estradas íngremes do sertão inóspito. Nós pegamos um documento desse hoje e, às vezes, nem pensamos nas circunstâncias em que foi produzido. O acordar cedo, ao romper do dia, com o canto dos primeiros galos varando o silêncio da madrugada; o gole de água fria, de cacimba, apanhado com o caneco no pote de barro; o café quente, o leite fresco colhido há pouco, na vaca que ainda remoe o alimento no curral vizinho; o beiju de massa com carne assada de boi ou torresmo de porco do Piauí Colonial; em seguida, a cela posta sobre o cavalo esquipador ou o burro de marcha, as cilhas arrojadas e as esporas nos pés; a montaria e trotar pelas veredas tortuosas das caatingas e chapadões do Brasil Central, entre o capim agreste, o campo mimoso e a mata raleada, entre um pequizeiro e outro, uma faveira tortuosa, o puçá,  o ananás, o buriti no terreno embrejado, assim como o mel de abelha vão saciando a fome advinda do percurso mais enfadonho; e o animal de montaria ganhando a estrada, controlado entre as bridas do cabeção e  o supapo das esporas, ouvindo-se ora o toc-toc na pedra seca dos escalvados e escarpas serranas, ora a pisada macia no terreno arenoso; nesse caso buscavam os nossos pioneiros o destino almejado, onde desde muito já havia passado um positivo ou a embaixada, para avisar aos fazendeiros da desobriga do vigário; para o almoço, parece até que estou lá, viajando no tempo e no espaço, tal qual num filme hollywoodiano, vendo aquelas senhoras interioranas, velhas matriarcas de outrora, abatendo os capões gordos desde há muito empapados com alimento cozido e para a ocasião, as panelas cheias, capões, galinhas, carne de boi, bode, carneiro e porco, assada e cozida, com maria-isabel e baião-de-dois; a extensa mesa de madeira da fazenda posta, as travessas cheias e o almoço animado; à noite, o pouso em outro ponto da jornada, tudo adredemente preparado; nas fazendas e povoações geograficamente mais bem localizadas, os fiéis vinham ao encontro da comitiva do vigário; eram outros tempos e outros costumes, maiores as dificuldades mas o nosso sertanejo as vencia com bonomia; todo mundo feliz, pecados confessados, crianças batizadas, algumas já taludas, jovens mancebos casados e o padre com a barriga farta e a algibeira cheia!

Nessa conjuntura, podemos dizer sem medo de errar, que o primeiro recenseamento populacional feito em território piauiense foi realizado em duas desobrigas pelo vigário da freguesia do Rodelas, à qual éramos parte, padre Miguel de Carvalho e Almeida, respectivamente, em 1694 e 1697, concluindo-o nesse ano e encaminhando ao Bispo de Pernambuco, D. Francisco de Lima, a que denominouDescrição do sertão do Piauí. Nesse primeiro recenseamento descritivo, encontrou aquele vigário uma população de 605 cristãos batizados, sendo 441 moradores em 129 fazendas e 164 morando entre uns olhos d’água e um arraial de paulistas, que deu origem à cidade de Valença. Era o contexto da fundação da freguesia, freguesia de Nossa Senhora da Vitória, em 3 de março de 1697.

Vale aqui ressaltar para em seguida comparar, a população residente nos principais vales que iriam compor o Município de Oeiras depois do desmembramento das seis vilas iniciais: vales do Canindé, Piauí e Itaim, embora esses dois últimos integrem a bacia do primeiro; no Médio-Parnaíba, que ele diz Canindé abaixo, até as imediações do atual termo de Curralinho e Palmeirais, ainda não havia fazendas. Naquela época esse território oeirense possuía uma população cristã católica de 227 moradores, entre livres e escravos, fruto de mais de trinta anos de colonização, desde as primeiras entradas de Jorge Velho e Mafrense, assim distribuída:

Vale do Canindé: 30 fazendas, sendo 20 no curso do próprio rio, 5 no afluente Tranqueira e os demais, Serra Talhada, Corrente, Mocambo, Buriti e Tranqueira, cada qual com uma fazenda, ao todo com 94 moradores.

Vale do Piauí com o afluente Mocaitá: 24 fazendas onde moravam 97 pessoas.

Vale do Itaim com seus afluentes Guaribas e Frade: 14 fazendas com 36 moradores.

Médio Parnaíba: ele diz, para baixo da barra do Canindé não há fazendas.

Vamos guardar essas informações porque à frente pode-se fazer comparações.

É importante ressaltar, que a população moradora nas cabeceiras do rio Gurgueia, então chamadas de rio Gilbués, no dizer do Ouvidor Morais Durão, já bem povoadas, não integram a Descrição do Padre Miguel de Carvalho e Almeida, porque ficaram pertencendo à freguesia de São Francisco da Barra do Rio Grande. Essa região somente passou ao termo da freguesia da Vitoria em 1702, em troca do território da Vitória, que encostava no rio São Francisco, altura hoje dos municípios de Juazeiro e Casa Nova. Foi a solução encontrada para manter a integridade territorial de Pernambuco, depois que os dízimos piauienses passaram a ser cobrados no Maranhão. É que a freguesia da Vitória encostava no Rio São Francisco, separando as freguesias de Nossa Senhora da Conceição de Cabrobó, ou Quebrobó, como primitivamente se chamava a paróquia do Rodelas de Cabrobó ou de Cabrobó e Rodelas, da de São Francisco da Barra do Rio Grande, hoje cidade da Barra, na Bahia. Foi essa a primeira permuta territorial que fez o Piauí.

Sobre a data da anexação desse território ao Piauí, esclareceu o Ouvidor-geral Antônio Marques Cardoso, em correspondência a El Rei datada de 29.6.1727. Segundo ele, naquele ano “pelos oficiais da Câmara da vila da Mocha se elegeram dois juízes, (sendo) um para o Riacho do Parnaguá, vindo à freguesia de Nossa Senhora da Vitória, da mesma vila, em o ano de um mil setecentos e dois” (AHU 016, Cx 1, Doc. 59).

Complementando essas informações, no ano de 1725 Manoel do Rego Monteiro e Feliciano Pereira Bacelar, contratantes dos dízimos do Piauí e Riacho de Parnaguá, enfrentaram forte oposição dos pernambucanos para executarem o contrato. Então, esclarecem em petição que a anexação dos sertões de Parnaguá à freguesia da Mocha e consequente a cobrança dos dízimos no Maranhão, deu-se porque correm as vertentes dos rios daquelas paragens para a Capitania do Maranhão, sendo “o Parnaíba rio caudaloso, donde em embarcações se atravessa para o Maranhão, cujas razões foram causa de se ordenarem os seus dízimos para o Maranhão, e não para Pernambuco que fica em distância de mais de duzentas léguas”(AHU – Maranhão – Doc. 1455).

Assim, fica esclarecido que o território de Parnaguá foi anexado ao Piauí em 1702, atendendo ao curso das águas e às facilidades de comunicação, assim como, é óbvio, cedeu em troca as terras que margeavam o rio São Francisco, para não sofrer descontinuidade territorial a Capitania de Pernambuco.

Por fim, sobre aquela região ser conquistada e povoada ao tempo do Padre Miguel de Carvalho, sabemos das entradas de Francisco Dias d’Ávila e seus aliados da Casa da Torre, desde 1674; e das concessões de sesmarias a partir de 1676, fato que é público e notório.

Interessante que, ao pedir confirmação de sesmaria por volta de 1730, justifica o fazendeiro Paulo Carvalho da Cunha, morador em Parnaguá:

“que o Capitão mor dela Manoel Álvares de Souza, descobriu e desinfestou do gentio em o ano de seiscentos e oitenta e oito, o sertão do rio chamado Paraim, naquela dita capitania, em a qual paragem povoou e situou várias fazendas de gados para o seu parente e sócio Capitão mor Balthazar Carvalho da Cunha, já defunto” (AHU, Cx. 18. Doc. 1868).

Do mesmo período, há um pedido de confirmação de sesmaria formulado por “Maria Álvares de Sousa, solteira, filha do Capitão mor Manoel Álvares de Sousa, moradora na Capitania de Parnaguá, que o dito seu pai, entre o mais sertão que descobriu à sua custa e desinfestou do gentio bravo, como tem sido notório, é o sertão e Rio do Gurgueia, donde tem sua origem o dito rio, correndo do poente para o nascente, e donde faz barra o rio Paraim” (AHU. Cx 18. Doc. 1870).

Por fim, sobre a existência dessa povoação, àquela época, basta citar o testemunho do padre Miguel de Carvalho em seu relatório, a saber: “em o ano de 1694, quando desta povoação [da Mocha] atravessei para o Parnaguá”; e em outro trecho, ainda referindo-se ao mesmo destino: “Até chegarmos à povoada”.

Ainda no recuado ano de 1697, foi designado o padre Inocêncio de Carvalho e Almeida para “desobrigar os moradores dos confins do rio S. Francisco e os da Lagoa de Parnaguá e Rio Preto”.

Por fim, em 1698 o rei D. Pedro II, de Portugal, escreve ao governador geral D. João de Lencastre, que recebeu representação por parte, entre outros, dos moradores do povoado da Lagoa de Parnaguá.

Certamente, existe outra descrição dessa freguesia de São Francisco da Barra do Rio Grande, instalada no mesmo período e pelo padre Miguel, onde deve encontrar-se relacionada a população do Alto Gurgueia, Gilbués, Curimatá, Paraim e Parnaguá. Esse documento está à espera de quem o encontre e o interprete, ajudando a compreender o povoamento daquela região do extremo sul piauiense. Há de ser encontrado!

Mas deixemos o padre Miguel de Carvalho e Almeida, natural de Bragadas, em Ribeira de Pena, vigário do Cabrobó, sobre quem há pouco escrevemos ensaio biográfico; deixemos sim, mas fazendo-lhe as devidas reverências e vamos ao encontro de outro pároco, o vigário de Oeiras na segunda metade do século XVIII, padre Dionísio José de Aguiar, polêmico vigário da era pós-jesuíta. Foi ele o responsável pelo segundo recenseamento de que estamos a analisar, concluído em 1763.

Esse novo recenseamento, o Censo Descritivo de Oeiras é realizado em outro contexto, o de instalação da Capitania, em 20 de setembro de 1759. Porém, dada às dificuldades de coleta dos dados na extensa faixa territorial, somente foi concluído quatro anos depois da referida instalação.

É importante ressaltar que trata-se da zona rural daquele antigo município, porque o da zona urbana e suburbana, até distância de uma légua, já havia sido publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Oeiras. Este não, é inédito e o localizei na documentação digitalizada do Arquivo Histórico Ultramarino, de Lisboa. Estava ali repousando à espera de quem o amanhasse e interpretasse as suas entranhas. Datado de 29 de maio de 1763, foi, porém, realizada a pesquisa no ano anterior, sendo um conjunto de róis de desobrigas feitas pelo vigário Dionísio José de Aguiar, presbítero do hábito de São Pedro e vigário colado da freguesia de Nossa Senhora da Vitória. Explica ele assim o seu recenseamento:

“Certifico que nesta Relação mandei fielmente traslados pelos róis das desobrigas do ano próximo passado todos os nomes das fazendas e roças, que se compreendem do Distrito desta Freguesia, fora da distância de uma légua, ao redor desta cidade, e debaixo do título de cada uma fazenda ou roça, os nomes das pessoas, e número dos escravos e escravas que nelas se achavam, não se compreendendo destas, aquelas que ainda, que ficam fora da distância de uma légua, se acham situadas pela margem dalém Canindé, por me dizerem, serem desnecessárias, por se acharem já compreendidas em outra Relação; vão os fogos divididos com uma risca, tudo na forma, que se achava nos ditos róis. Ita in fide Parochi (Assim na fé do pastor). Oeiras, 29 de maio de 1763. O vigário Dionísio José de Aguiar”

É este um documento importantíssimo para se interpretar em conjunto com outros e se conhecer sobre o povoamento de extensa área do Médio-Parnaíba, centro sul e sudeste do Piauí. Isto porque o antigo Município de Oeiras era formado por toda a bacia dos rios Canindé e Piauí, daí o equívoco daqueles que colocam o Município de São Raimundo Nonato, como desmembrado do território de Jerumenha. Não, as cabeceiras do rio Piauí, e todo o seu curso sempre pertenceram ao termo de Oeiras. Existe farta prova a respeito. E caso não fosse, a simples existência desse Censo Descritivo seria suficiente para comprovar o que venho afirmando. O rio Itaueira, sim, é que pertencia a Jerumenha. Então o limite entre esses dois municípios era a cumeada serrana que separa as nascentes e águas das duas bacias.

Para cima, as águas que correm para o Gurgueia formavam o termo de Parnaguá e as que correm para o rio Piauí, formavam o termo de Oeiras, sendo fácil de constatar que o atual território de Caracol pertencia a Oeiras e o de Avelino Lopes a Parnaguá. Portanto, é preciso revisar esses mapas geohistóricos e o documento que ora divulgamos é importante subsídio para essa revisão.

A Nordeste, pertencia ao velho termo de Oeiras, todas as nascentes, terras e fazendas da bacia do Itaim e ao de Valença as da bacia do Berlengas, sendo o dorso das chapadas intermediárias o divisor dos dois termos. É uma linha natural fácil de ser traçada.

Por fim, no Médio Parnaíba o termo de Oeiras acompanhava o curso do rio Parnaíba, Canindé abaixo sempre pelo divisor de águas das bacias do Berlengas e, depois, das do Poti, pertencendo ao de Oeiras o território dos atuais municípios de São Gonçalo do Piauí, Água Branca, São Pedro, Agricolândia, Miguel Leão, Curralinho e Palmeirais.

Portanto, percebe-se que esse documento é fonte essencial para o traçado dos limites do antigo termo de Oeiras e, por via de consequência, daqueles outros termos que lhe são vizinhos. Essa é a primeira leitura que se lhe pode fazer.

No entanto, outra leitura importante que sugere esse documento é a da formação das fazendas e ocupação do território piauiense, a partir dessa extensa área, porque ele vai nominando cada sítio ou fazenda e indicando as famílias que ali residem. Veja a riqueza que traz, isto em 1763, podendo ser comparado com aDescrição do Padre Miguel de Carvalho, de 1697, e, assim, estudada com dados técnicos a evolução do povoamento nessas bacias hidrográficas no espaço de 66 (sessenta e seis) anos que separam os dois recenseamentos descritivos. Que coisa bacana!

Por outro lado, a análise desse documento e de seus núcleos populacionais em meados dos mil e setecentos, contexto da implantação da Capitania, permite-nos identificar a origem de diversas comunidades do Piauí atual, muitas delas com história escrita como se tivessem nascido ontem. Portanto, é outra interessante leitura que se pode fazer. Eu mesmo já divulguei artigos, com supedâneo nesse documento, identificando as origens de São Gonçalo do Piauí, Arraial e Bocaina; mas lá estão também as origens de Picos, Sussuapara, São Pedro, entre outras.

Por fim, gostaria de chamar a atenção dos estudiosos da genealogia piauiense para a riqueza que traz o Censo Descritivo sobre a origem e formação de nossas famílias colonizadoras. Em cada fazenda são nominados todos os moradores, pais, mães, filhos, irmãos, etc., de forma que vai esclarecer dúvidas, preencher lacunas e ajudar a reconstituir a origem das primeiras famílias piauienses, aquelas que estavam nesse extenso território, no tempo de fundação da Capitania. Pena é que ainda não temos semelhante estudo referente aos outros termos. Para exemplificar, nas imediações da atual cidade de Amarante, Canindé acima, estava a fazenda Lagoa do Meio, onde moravam, entre outros, Manoel da Costa Muniz e sua mulher Maria da Silva Reimoa; Matias Correia da Silva e sua mulher Marta da Costa; Hilário Rodrigues Nunes e sua mulher Páscoa de Magalhães; nas mesmas imediações, na fazenda Graciosa, morava Ascenso da Costa Veloso e sua mulher Floriana Maria de Jesus, com três escravos.

Na fazenda  A Volta, Poções e Ferramenta, morava Maria do Rego Monteiro, filha do capitão-mor Manoel do Rego Monteiro e viúva de Hilário Vieira de Carvalho, em companhia de diversos filhos, entre esses o reverendo vigário Custódio Vieira de Carvalho; na vizinha fazenda Juazeiro, moravam ainda dois filhos desse distinto casal, em fogos diferentes: Manoel do Rego Monteiro(2º), com a esposa Maria Teixeira; e Florência do Rego Monteiro com o esposo Manoel José dos Santos, este último casal, pai de Tomé do Rego Monteiro, que mudou-se para o Estanhado, onde deixou importância descendência, entre esses o Barão de Gurgueia.

E por aí segue o documento, indicando as fazendas, muitas delas hoje sede de povoados e cidades, bem como os seus moradores, quase todos portugueses, fundadores de numerosas e distintas famílias piauienses, entre essas: Miranda(fazenda Buriti), Ribeiro Soares (fazenda da Onça), Pereira da Silva (fazenda das Mutucas), Vieira de Carvalho/Rego Monteiro (fazenda A Volta), Moura Fé (fazenda Buraco), Mendes Vieira (fazenda Talhada), Barbosa de Carvalho (Fazenda do Frade), Borges Marim e Borges Leal (fazenda Bocaina), Abreu Valadares (fazenda Palmeira de São Tiago), Macedo (fazenda das Almas), Dias (fazenda São Lourenço), Paes Landim (fazenda Santo Antônio), Afonso Sertão (fazendas Conceição e Santa Maria), Gameiro da Cruz (fazenda Porto Alegre), etc.

Por fim, a cidade de Oeiras e seus subúrbios, tinha 270 fogos, onde moravam 655 pessoas livres e 465 escravos; mais 60 militares da Companhia de Dragões, que a guarnecia; e a zona rural, com 324 fogos em 69 fazendas, onde moravam 1411 pessoas livres e 1084 escravos; também, dois aldeamentos indígenas, sendo o denominado Cajueiro, dos índios Jaicós, com 28 fogos e 354 habitantes; São João de Sende, com 30 fogos e 337 habitantes. Existe resumo populacional das demais vilas, assunto já divulgado em outras publicações, sendo esse o que nos interessa para o presente momento.


É este o documento que lhes apresento nesta manhã, manhã de alegria em que os presenteio por ocasião de meu ingresso no Instituto Histórico e Geográfico Piauiense. Certamente, muitas outras leituras se lhe poderão fazer e, acredito, serão feitas! Obrigado pela atenção! Abraço!

domingo, 27 de agosto de 2017

AUTOBIOGRAFIA ZODIACAL

Fonte: Google

AUTOBIOGRAFIA ZODIACAL

Elmar Carvalho

Sou do signo de
            Carneiro
Mas meu coração é um
            Touro indomável
No meu sangue
corre a fúria de
            Leão
Entre uma Virgem e duas
            Gêmeas
Meu coração / bala
           Balança
Sou um Câncer
nos chifres de
            Capricórnio
Sou Peixes libertário
sem o cárcere de um
            Aquário
Sou Sagitário
            a
                        r
                                    m
                                               a
                                                           arco e flecha
                                               d
                                    o
                        d
            e
(A flecha é uma cauda de Escorpião)   

sábado, 26 de agosto de 2017

Saraiva e Alberto Silva, semelhanças empreendedoras


Saraiva e Alberto Silva, semelhanças empreendedoras

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com
  
         Cid Castro Dias, engenheiro, escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, pesquisador, projetista de barragens, irrigação e construções. Assessorou o governador Alberto Silva nas inumeráveis obras públicas. Cid, habitualmente, senta-se à minha mesa, noTeresina Shopping, às sextas. Adora plantar. Ensinou-me a cultivar Camu-Camu, frutinha amazônica, semelhante a guabirabas, teor altíssimo de vitamina C, mais que acerolas. Cid me fala da próxima edição do livro, ENGENHARIA PIAUIENSE, em que aborda as obras mais importantes da engenharia de todos os governadores do Piauí e e dos prefeitos de Teresina. Centenas de fotos históricas, einformações, dignas de estudos escolares. Dois governadores despertram-me atenção, pela semelhança de espírito empreendedorista, raça e desafios em prol do Piauí.

José Antônio Saraiva, baiano, advogado, 27 anos, presidente da Província do Piauí, por escolha e amizada de D.Pedro II, em 1850. Logo descobriu que a capital, Oeiras, instalada em pleno sertão, sem rios navegáveis nem fontes produtivas para alimentar e abastecê-la, no futuro, uma metrópole. Desde o século VIII, antecessores de Saraiva discutiam e aprovavam planos de transferência da antiga capital para a Vila do Poti, futura Teresina. Interesses políticos, porém, esbarravam em obstáculos. Ademais, Parnaíba, Piracuruca e Amarante disputavam a sede da capital. Saraiva e e antecessores conheciam a imensa flora e fauna entre os rios Parnaíba e Poti, ricas em madeira peixes e mananciais, solo agrículturável, além da navegação fluvial. Somente Saraiva convenceu adversários na instalação da nova capital, mais centralizadora do estado. Sem muitos recursos do império, tomou decisões, impensáveis na época, hoje tão comuns: privatizou a construção de prédios públicos, em troca da concessão de terrenos ou aluguéis dos prédios. Convenceu moradores da Vila do Poti a abandonarem a região, sujeita a enchentes dos rios e se estabelecerem no centro da capital, com direito à posse de terrenos e demais benesses. Para alimentar a vaidade da imperatriz Tereza Cristina, em troca de verbas, batizou a capital de Terezina (hoje, com S). Saraiva demorou só dois anos na Província. Governou outras: Alagoas, São Paulo e Pernambuco. Assumiu vários ministérios. Morreu em 1895, aos 72 anos.

Engenheiro e governador Alberto Silva, ex-prefeito e filho de Parnaíba. Como Saraiva, trouxe a experiência da gestão pública em outros estados. Alavancou a autoestima do Piauí, ao construir dezenas de obras, inimagináveis num estado apagado e ridicularizado, nacionalmente. Imagine Teresina, em 1972, asfalto apenas no aeroporto. Sem Maternidade Evangelina Rosa, importada da Inglaterra. Sem Universidade Federal do Piauí. Sem prédio da Cepisa e avenidas bem iluminadas. Sem o Instituto de Educação Antonino Freire. Sem a ponte, após o Balão da Tabuleta, sobre o Parnaíba. Sem Estádio Albertão e futebol de projeção nacional. Sem terminal de combustível. Sem metrô e túnel da Av. Frei Serafim. Sem Zoobotânico. Sem o Campus de 60 hectares na distante Ininga (loucura na época). Sem HDIC e terceiro pavimento do Hospital Getúlio Vargas. Sem o atual prédio do Fórum Judiciário. Sem reforma e jardins do Palácio do Karnak, Av. Frei Serafim, Teatro 4 de setembro e Hotel Piauí (Lúxor). Sem diques do Poti e Parnaíba contra inundações. Imagine o Piauí sem estradas asfaltadas, de norte a sul. Sem hotéis e atração turística no litoral. Sem Sete Cidades para turismo. Sem autoestima, envergonhando a origem.

Dupla semelhança, Saraiva e Alberto Silva, dois nomes justapostos, espécie rara de Camu-Camu, mil vezes vitaminada, sem administradores que só entendem de prato, em vez da pátria.        

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

FALSA DEMOCRACIA RACIAL

Fonte: Google

FALSA DEMOCRACIA RACIAL

Desembargador Valério Chaves Pinto


        Passados 129 anos do fim da escravidão negra no Brasil, a sociedade brasileira, infelizmente, ainda não conseguiu mudar o modo como lidar com o drama de sua penosa ascensão de escravo a assalariado e a cidadão, sob a dureza do preconceito racial discriminatório e perverso.
         Recentemente a imprensa brasileira noticiou que a piauiense Monalysa Alcântara foi eleita Miss Brasil-2017. Apesar do reconhecimento unânime dos jurados, a jovem de 18 anos, por ser negra, passou a ser vítima de ofensas racistas e de ódio nas redes sociais por parte de quem desconhece que somos uma nação etnicamente unificada falando a mesma língua e coesa numa mesma cultura e nos seus valores maiores.
         Mas não é somente nos concursos de beleza que a prática do preconceito tem se manifesta como uma praga na humanidade.
         Historicamente, sabe-se que este mal tem moldado os povos ao longo dos tempos. No estudo dos filhos de Abraão (Isaque e Jacó) vemos que muitos povos foram escravizados devido às suas diferenças – vistos como grupo do mal ou raças inimigas. Mas é na própria Bíblia onde vamos encontrar a resposta para o racismo: “Não pode haver judeu nem negro; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um Cristo Jesus” (Gálatas, 3, 28). “Para com Deus não pode existir acepção de pessoas” (Atos, 10,34) e (Romanos, 2,11).
         No Brasil, apesar de inserido no texto constitucional (art. 5º, XLII) como crime inafiançável e imprescritível, são recorrentes os episódios de racismo nas ruas, nas escolas, no trabalho, nas redes sociais, nas competições esportivas, principalmente em jogos de futebol onde alguns torcedores do alto de sua ignorância, a pretexto de abalar o psicológico de jogadores adversários de pele negra, assobiam ou fazem gesticulação com o corpo imitando macaco.
         Recentemente uma mulher cliente de um salão de beleza em Brasília, se recusou a ser atendida por uma manicure negra sob a alegação de que era preta demais para arrumar as unhas dela.
         Um relatório das Organizações das Nações Unidas divulgado em 2015, aponta que no Brasil o racismo é “estrutural e institucional”. De acordo com a ONU, nosso país vive em uma falsa democracia racial, que nega a existência do racismo devido à miscigenação entre diferentes povos e raças. O último Censo Demográfico revela que o  preconceito de cor se manifesta de forma cordial, ou seja, finge-se que o problema não existe.
         Com o mapeamento do nosso código genético decifrado pelo método DNA, a ciência provou que, na verdade, a teoria de diferenciação da espécie humana por características físicas  (cor da pele, textura do cabelo, formato dos olhos e nariz) é efêmera. O que existe são variações genéticas de que se valem mentes vesanas para estimular o preconceito étnico nos seus vários degraus.
         A Constituição da UNESCO, ao confirmar sua adesão aos princípios proclamados na Carta das Nações Unidas (1948) determina que “a grande e terrível guerra que acaba de terminar não teria sido possível sem a negação dos princípios democráticos, da igualdade, da dignidade e do respeito mútuo entre os homens, e sem a vontade de substituir tais princípios, explorando os preconceitos e a ignorância, pelo dogma da desigualdade dos homens e das raças”.
         A advertência constitucional nos mostra de forma bem nítida, que todos os povos e todos os grupos humanos, independentemente de sua origem étnica ou diversidade de forma de vida, cor ou condição social, contribuem para o progresso das civilizações, não podendo sob qualquer alegação, servir de pretexto a preconceitos raciais nem legitimar práticas discriminatórias causadoras de estragos no mundo, na medida em que quando alguém se refere ao racismo de forma explícita, não só está praticando uma agressão, como um hediondo crime contra a humanidade
         Hoje, com o avanço da antropologia e da sociologia, não há mais espaço para considerar “raça superior” como querem alguns desavisados.
         Com efeito, além de um simples gesto para humilhar um ser  humano, seja miss Brasil, seja trabalhador da bola ou não, só porque é diferente na cor da pele, o que mais assusta, é a concentração do ódio alimentando a alma de gente sem visão de um dos maiores valores do gênero humano: o pleno estabelecimento da paz entre os povos.     


                            (Agosto/2017)

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Poema do amor infeliz

Fonte: Google

POEMA DO AMOR INFELIZ

Edison Rogério

Eu queria fazer um poema do amor infeliz
Mas não consigo ser realista, menos ainda modernista da segunda geração.
Não me vêm à cabeça meia-dúzia de palavras a esmo. Como conseguir então,
meia-dúzia de palavras adequadas a um verso livre?
O que pretende um jumento escrevendo um poema?
Ah! vieram-me três palavras inspiradoras como resposta: ser apenas um jumento.
Ué, mas surgiram quatro palavras!
Bem, digamos que o um é apenas metade de um morfema...
Melhor não incursionar sobre as regras da língua culta, sob pena de não passar de um jumento.

Empreguei o melhor amor que tive para viver um grande amor
Mas o amor burocratizou, sentiu medo... de mim! De mim? De mim, sim senhor!
Logo de mim, que sempre fui amoroso, espirituoso, amante, galante.
Fiz-me capacho, distribuidor de gentilezas, realizador de sonhos... Deixemos por menos esta última assertiva.
Exerci um amor romântico, poético até. Ou patético? Laborei nas carícias, nos afagos
Morri de êxtase, paixão, amor incontido. Amor amado até a última gota. Amor pra vida inteira.
Fui honesto, fiel. Andei nas pradarias douradas do céu. Mas pisei o solo ferruginoso, pútrido e escaldante do inferno.
Mesmo assim resistia; não seriam as incongruências do amor, nem as forças ocultas do tinhoso, que me fariam desistir de amar.

Surgiu porém, uma síndrome da moderna medicina para atrapalhar o meu poema:
O pânico surgiu e fez de mim o seu algoz.
Fui menoscabado, odiado, desprezado, arrostado ao degredo do coração adorado.
Senti mágoa, chorei. E enquanto chorava só me lastimava de não ter inspiração para exprimir esse tão grande amor!
O poema acabou. Não conheço a inspiração.
Mas o amor não morreu; não quero que morra.
Sofro como um condenado!   

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

DEPOIMENTO SOBRE RENATO PIRES CASTELO BRANCO


DEPOIMENTO SOBRE RENATO PIRES CASTELO BRANCO
      
Alcenor Candeira Filho

     Renato Pires Castelo Branco nasceu em Parnaíba-PI em 1914.
     Formou-se em direito no Rio de Janeiro e dedicou-se à carreira de publicitário, chegando à presidência da J. Walter Thompson no Brasil e à vice-presidência nos Estados Unidos.
     Publicou em 1938 o primeiro livro, o ensaio histórico-cultural A QUÍMICA DAS RAÇAS. O segundo livro – A CIVILIZAÇÃO DO COURO - , editado quatro anos depois, é um  estudo histórico-social do Piauí, recebido com entusiasmo pela crítica como se vê
na opinião de Monteiro Lobato:

         “Se todos os estados do Brasil tivessem uma
         monografia sintética à altura desta, o Brasil seria, como um
         todo, o país mais bem fotografado do mundo.”

     Pesquisador capaz de se aprofundar na análise dos fatos, Renato Castelo Branco escreveu outros ensaios que instruem e esclarecem acerca da realidade mito-arqueológica e histórico-social do Brasil:  UM PROGRAMA DE POLÍTICA EXTERIOR PARA O BRASIL; PIAUÍ: A TERRA, O HOMEM, O MEIO; PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA e OS CASTELO BRANCO D’ALÉM E D’AQUÉM MAR.
     Tendo explorado diversos gêneros literários, destacou-se ainda como romancista, memorialista e poeta.
     O primeiro romance – TEODORO BICANCA -, em que faz o retrato sociológico das populações ribeirinhas do vale do Parnaíba nos anos 30, foi premiado pelo Círculo Literário Brasileiro e bem aceito pela crítica, que viu nele qualidades que o colocam na primeira linha da nossa prosa de ficção.
     Esse romance, editado em 1948 e reeditado em 2016 pela Academia Piauiense de Letras foi mal compreendido por alguns parentes de Renato, que entenderam que o coronel Damasceno, personagem do livro, era uma alusão ao coronel Belarmino Pires, tio do escritor.
     Magoado com o mal entendido familiar, Renato Castelo Branco fez o  seguinte desabafo no livro de memórias TOMEI UM ITA NO NORTE:

           “... confundiu-se um tipo sociológico genérico,
           o Coronel, fruto de um quadro histórico, com a pessoa
           de meu tio. Isto provocou um grande mal-estar  em
           minha família e uma grande mágoa para mim.
             Por esta razão, nunca permiti que fosse feita
             nova edição de TEODORO BICANCA, livro premiado pelo
             Círculo Literário Brasileiro e que figurou, por algum
             tempo, entre os best-sellers de sua época”.                            
    
Renato Castelo Branco é autor de dois grandes romances  memorialísticos: O RIO MÁGICO e A ILHA ENCANTADA.
   Em sessão pública promovida pela Academia Parnaibana de Letras em 1987, fiz a apresentação de O RIO MÁGICO, oportunidade em que lembrei tratar-se do livro da maturidade plena, onde o sentimento de nostalgia e o pensamento adulto se alternam  e se fundem para se completarem numa mensagem carregada de ternura e de reflexões transcendentais. Numa palavra, é o livro da (re)avaliação da existência e da preparação para o infinito e a eternidade.
     Publicou em 1992 A ILHA ENCANTADA, romance escrito em dois planos: a vida num internato  de meninos (Instituto Viveiros, em São Luís   a partir de 1924 e cinquenta anos depois – o destino  dessas crianças.  Com este romance, aliás, o autor me prestou  duas homenagens: a primeira estampada na dedicatória impressa e a segunda ao eleger como uma das personagens o meu pai Alcenor Rodrigues Candeira, amigo e contemporâneo do escritor.
     Foi no gênero histórico, contudo, que Renato Castelo Branco escreveu o maior número de romances: O PLANALTO , painel dos primeiros anos da Capitania de São Vicente e da Vila de São Paulo, e os que compõem a TRILOGIA DO MEIO-NORTE (RIO DA
LIBERDADE, SENHORES E ESCRAVOS e A CONQUISTA DOS SERTÕES DE DENTRO), que  se fundamentam em acontecimentos localizados no Vale do Parnaíba, isto é, as guerras da independência, a Balaiada e  a conquista do Vale pelos bandeirantes paulistas e vaqueiros baianos..
     O romance histórico, iniciado no Brasil por José de Alencar com A MINAS DE PRATA e A GUERRA DOS MASCATES, pouco tem sido explorado entre nós. Em estudo sobre a Trilogia, Ricardo Ramos lembra que

                                 “... as explicações para esse reduzido espaço, que às vezes
                         resultam na simples justificativa,  são de natureza variada.     A
                         mais frequente, no entanto, aponta a ausência de fontes, de referências,
                         a desmemória nacional que nos deixa quase sem passado. E se não
                         sabemos dos quilombos, das lutas libertárias ou de movimentos
                         messiânicos, como o escritor poderia exercer a sua imaginação em torno
                         de fatos desconhecidos?
                               Não sejamos tão elementares em nossas desculpas. A documentação
                         histórica, ainda que eventualmente parca e dispersa, sem dúvida existe.                                    
                   O que não temos, reconheçamos, é o gosto, o hábito da pesquisa.   Em
                         particular  com vistas à literatura, mas alcançando o cinema, a música, os
                        domínios mais imprevistos. Os nossos grandes momentos  confirmam as
                        exceções de trabalho e rigor, enquanto a nossa rotina se perde no sem
                        esforço do medíocre.”

     Nesse quadro de escassez de romances históricos no país, é louvável  que justamente dois escritores  nascidos em Parnaíba, Renato Castelo Branco  e Assis Brasil, tenham produzido no final do século XX obras no gênero. Cada um com  cinco romances.  De Renato Castelo Branco: RIO DA LIBERDADE, SENHORES E ESCRAVOS, A CONQUISTA DOS SERTÕES DE DENTRO, O PLANALTO e DOMINGOS JORGE VELHO E A PRESENÇA PAULISTA NO NORDESTE. De Assis Brasil: NASSAU, SANGUE E AMOR NOS TRÓPICOS, VILLEGAGNON, PAIXÃO E GUERRA NA GUANABARA, TIRADENTES: PODER OCULTO O LIVROU DA MORTE, JOVITA: MISSÃO TRÁGICA NO PARAGUAI e PARAGUASSU E CARAMURU: PAIXÃO E MORTE DA NAÇÃO TUPINAMBÁ.
     Antes de falar da produção poética do escritor parnaibano, menciono outro livro em prosa de sua lavra: TOMEI UM ITA NO NORTE, obra rica de acontecimentos e de emoções em que o memorialista passa em revista fatos e pessoas que lhe marcaram a vida.
     Como poeta, Renato Castelo Branco publicou os seguintes livros: CANDANGO, GAGARIN, BLAIBERG E OUTROS POEMAS, A JANELA DO CÉU, AMOR E ANGÚSTIA, O ANTICRISTO, POEMAS DO GRANDE SERTÃO e PÁTRIA AMADA.
     O primeiro reúne poemas modernistas que comovem pelo sentido humanitário e pelo lirismo singelo.  
    Em A JANELA DO CÉU, os poemas não são revestidos apenas de lirismo amoroso mas também de lirismo que tangencia a temática social. Nessa obra de poemas curtos o poeta se revela um poeta de seu tempo que se identifica, de forma solidária,
com os problemas do mundo: na pílula que inviabiliza a criação do milagre da vida, no bonzo incendiado, no amigo perdido na solidão da metrópole norte-americana.
     É impossível falar de morte da poesia diante de versos como estes: “Teu sangue não nutrirá/ o feto que deverias/ abrigar em teu ventre./ E assim/ não padecerás as dores/ que te destinava o Senhor./ Não lacerarás teu seio,/ nem ficarás noites insones,/  nem criarás o milagre da vida.”
     Acho que devemos ler e guardar, como uma voz que representa todos os homens de boa vontade, o poema “Os Olhos do Ódio”, “trágicos como as auroras de Israel,/ rubros como as noites incendiárias dos guetos,/ pérfidos como a fome".
     A respeito de A JANELA DO CÉU disse o grande poeta paulista Cassiano Ricardo:

              Renato Castelo Branco, a meu ver, exercita pelo   
                                   
              menos em vários passagens deste livro um modo bastante
              seu , pessoal e humano, de pensar liricamente. Pensar (note-se
              bem) dentro do contexto cultural da nossa época. Sem
              comprometer a   sensibilidade mas situando  o ‘racional’
              ao lado do ‘poético’. E isto prova que se coloca ele no
              bom caminho da poesia de hoje.”

     Em AMOR E ANGÚSTIA, que reúne poemas inéditos e outros
Inseridos em livros anteriores, constata-se o esforço do poeta no
sentido de transmitir uma mensagem de amor e  de crença no homem e no seu destino, não obstante os abismos do mundo.
     A revolta contra o império do “ter” sobre o “ser”, o interesse pela vida presente, o horror da bomba, a valorização da liberdade, a crença em Deus e, apesar de tudo, também no homem e na vida, tudo isso significa valiosa mensagem capaz de “acordar os homens”, como está dito em poema famoso de Carlos Drummond de Andrade.
     Em 2016, a Academia Piauiense de Letras reeditou dois livros de Renato Castelo Branco, publicados nos anos 40: A CIVILIZAÇÃO DO COURO e TEODORO BICANCA.
     O lançamento dessas obras ocorreu em Teresina durante  evento promovido pela Universidade Estadual do Piauí com apoio da Academia Piauiense de Letras, em 2016, tendo eu recebido a incumbência de fazer a apresentação. Aliás, já tinha me pronunciado publicamente sobre Renato Castelo Branco em três outros momentos: no lançamento de O RIO MÁGICO em Parnaíba (1988), na minha posse na cadeira nº 19 da Academia Piauiense de Letras (1996) e no 3º Salão do Livro da Parnaíba
(2012).
     Renato Castelo Branco faleceu em São Paulo em 1995.   

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Porque Manuel, um dos patriarcas do Piauí, adotou o sobrenome “Carvalho de Almeida”

Porque Manuel, um dos patriarcas do Piauí, adotou o sobrenome “Carvalho de Almeida”

Gilberto de Abreu Sodré Carvalho
Historiador, genealogista e romancista

             As novidades documentais dos últimos meses de 2016, e as do ano de 2017, desautorizaram frontalmente o que escrevi dando o padre Miguel Carvalho de Almeida como o possível pai do Comissário Geral de Cavalaria Manuel Carvalho de Almeida, vivente entre os séculos 17 e 18 no Piauí.[1]
Na verdade, Manuel Carvalho de Almeida, a quem passo a chamar de “Manuel”, para simplificar, não foi nem filho do padre Miguel Carvalho de Almeida nem irmão de Antônio Carvalho de Almeida (segundo desse nome completo), que foi seu contemporâneo no Piauí setecentista. De rigor, ao que se sabe hoje, Manuel, muito importante junto a Bernardo Carvalho de Aguiar, na conquista definitiva do sertão aos índios, nada tem do sangue próximo dos Carvalho ou Carvalho de Almeida de Ribeira de Pena que estiveram no Nordeste da América Portuguesa no final do século 17 e início do 18.   
A hipótese que hoje tenho é imensamente mais simples e mais lógica que a novelesca paternidade sacrílega do padre Miguel que engendrei. Minha hipótese é a de que Manuel, na sua adolescência, assumiu o apelido Carvalho de Almeida por adoção a seu gosto, e não por qualquer tipo de indução vinda de ambiente familiar ou tradição familiar ou de menção filial ao padre Miguel Carvalho de Almeida.   
O argumento é o seguinte.
As pessoas, desde antes e no tempo de Manuel, e até o início do século 20, tanto em Portugal como no Brasil (aqui, até a primeira Lei dos Registros Públicos, decreto 4.857, de 09.11.39), só eram nomeadas, no Batismo ou no Registro Civil, por seus prenomes, ao nascerem. Apenas quando adultas, por vezes no Crisma, se assumiam com a sobrenomeação que livremente escolhessem. Repito para não deixar dúvida: o prenome vinha solteiro no assentamento do nascido; só quando a pessoa praticava o seu primeiro ato da vida das relações jurídicas é que assumia um apelido de sua escolha.
Ocorreu de Manuel ter escolhido sobrenomear-se “Carvalho de Almeida”, ao instalar-se no Piauí, por volta de 1695, abandonando um outro apelido que tenha tido até então. O qual talvez nunca saberemos qual tenha sido. Pode ter sido “Cunha”, “Rodrigues”, “Gomes”, ou outro da tradição de seus avós ou bisavós e colaterais, ou adotado pelo gosto do jovem Manuel. Observe-se que as sobrenomeações (apelidos) eram de adoção livre assim como de troca; sendo ainda comum o uso de formas alternativas, como com ou sem um elemento de uma sobrenomeação dupla, ou com ou sem um “e” ou um “de”, ou com uma ou outra grafia.   
O que está errado é que Manuel, que se casou com Clara da Cunha e Silva Castello Branco (filha mais velha do famoso dom Francisco da Cunha Castello Branco), foi da mesma estirpe dos Carvalho de Ribeira de Pena, vindos ao Piauí, no final do século 17, do início do 18 até seus meados.
Todavia, fica a pergunta: Por que o moço Manuel teria tomado o sobrenome “Carvalho de Almeida”? A razão óbvia é que isso lhe fez bem, ou lhe seria adequado no Piauí, e comum àqueles tempos e aos antigos e seguintes tempos da história da antroponímia portuguesa. 
            Em suma, era costume que as pessoas adotassem sobrenomes que as sinalizassem positivamente no meio social e não os dos pais, se estes não os ajudassem naquele propósito. O repertório para escolhas era bilinear, seja pela tradição antroponímica da mãe ou do pai, a remeter para os laterais em qualquer plano de ancestralidade e indo a padrinhos e madrinhas. Ou seja, a avocabilidade de apelidos era amplíssima. No entanto, se nessas tradições não se encontrasse nada de muito bom, a alternativa a isso era a adoção por gosto do que servisse a uma adequada inserção social. No caso de Manuel, a busca seria na camada superior reduzidíssima da comunidade livre piauiense do final do século 17 e começo do 18.  
                                   

Discussão

De conformidade com as pesquisas publicadas de Reginaldo Miranda e de Valdemir Miranda de Castro, com base em dados do testamento do padre Tomé de Carvalho e Silva, o padre Miguel Carvalho de Almeida (mais conhecido como padre Miguel de Carvalho), cronista do Piauí no final do século 17, foi natural de Ribeira de Pena (freguesia de Santo Aleixo de Além-Tâmega), em Portugal, e teve pais conhecidos, conforme achado de junho de 2015.[2]
Esta descoberta substitui a ideia antiga, corrente na genealogia piauiense, de que o padre Miguel e os demais Carvalho do Piauí tenham sido naturais da freguesia de Videmonte, no antigo concelho de Linhares, na região da Guarda, bem como todas as suposições constantes em MELO (1991) e nos que o repetiram. O erro inicial foi exatamente o de se supor que Manuel era um parente de sangue dos Carvalho e Carvalho de Almeida. Ora, se Manuel era de Videmonte, todos os outros deviam ser de lá.
Com a descoberta, cinco dos Carvalho dos primórdios do Piauí, a saber, o padre Miguel Carvalho de Almeida, o padre Inocêncio Carvalho de Almeida, e mais o padre Tomé Carvalho e Silva, o padre Miguel de Carvalho e Silva[3] e Antônio Carvalho de Almeida (segundo desse nome completo) têm desvendadas as suas origens. Manuel não se liga a esta parentela, por manter sua origem documentada em Videmonte, Linhares, região da Guarda, e genitores nas pessoas de Belchior Gomes de Cunha e Isabel Rodrigues, gente sem entroncamento conhecido com os Carvalho de Ribeira de Pena.    
O padre Miguel e o padre Inocêncio foram irmãos. Ambos foram primos do padre Tomé de Carvalho e Silva e do padre Miguel de Carvalho e Silva. Estes  filhos da tia paterna de Miguel e Inocêncio, dona Catarina de Almeida (segunda desse nome completo),[4] com José da Silva Carvalho. O padre Miguel e o padre Inocêncio foram ainda primos segundos de Antônio Carvalho de Almeida (o segundo deste nome completo), o qual foi sobrinho dos padres Tomé e Miguel de Carvalho e Silva, uma vez que filho de Isabel de Almeida, irmã inteira dos dois padres referidos, e de Domingos Dias da Silva. Antônio foi neto do casal Catarina de Almeida (segunda desse nome completo) e José da Silva Carvalho.[5]  
Outra descoberta importante em decorrência do achado do testamento referido na nota de rodapé 5, foi a de um Antônio Carvalho de Almeida anterior ao já mencionado, o qual também esteve no Nordeste da América Portuguesa. Ele foi irmão inteiro do padre Miguel Carvalho de Almeida e do padre Inocêncio Carvalho de Almeida. Assim, além da identificação já feita dos cinco Carvalho, há ainda alguém importante para se fazer a inserção genealógica: Antônio Carvalho de Almeida (primeiro desse nome completo), capitão-mor do Rio Grande do Norte,[6] entre 1701 e 1705, na ponta nordestina da América Portuguesa.     
Observe-se que esses agora seis homens estavam no Nordeste no mesmo tempo histórico.
   
...

Um neto de Manuel, de nome completo Francisco da Cunha e Silva Castello Branco, omitiu os nomes de seus avós paternos (os pai de Manuel) em sua justificação de nobreza de 1765 (aos seus 49 anos), feita em Campo Maior, na capitania do Piauí.[7] A única referência aos avós paternos de Francisco era de serem de Videmonte, Linhares. Por que Francisco teria omitido os seus nomes? Podia ser que esses Belchior e Isabel não fossem de qualidade nobre e o neto Francisco da Cunha e Silva Castello Branco quisesse esconder tal fato. Ou porque não quisesse dar pista à descoberta de que nada tinham a ver com os Carvalho de Ribeira de Pena, como hoje o sabemos. Acresça-se que Francisco casou-se com a filha mais velha de Antônio Carvalho de Almeida (segundo desse nome completo) e de Maria Eugênia Mesquita Castello Branco (neta de dom Francisco da Cunha Castello Branco), de nome Ana Rosa Pereira Teresa do Lago. Francisco, por via de sua mulher, tinha acesso a toda à memória dos Carvalho de Ribeira de Pena. Curioso o nome completo de Ana Rosa, de que não sabemos as razões para o ter adotado quando moça. Sei apenas, como um frágil esboço de palpite, que a mulher de Antônio Carvalho de Almeida (primeiro desse nome completo) se fez chamar Maria Teresa Pereira Rebelo Leite.  
A este ponto desta minha escrita, aproveito para comentar o fato de tanto Francisco e Ana Rosa (primos entre si, em segundo grau) terem tido muitos irmãos e irmãs inteiras que multiplicaram. Toda essa gente gerou uma enorme abundância antroponímia de Carvalho e Castello Branco no Piauí e no Brasil, nos últimos três séculos.   
Voltemos a Francisco, marido de Ana Rosa.
Ainda que Francisco não tenha nomeado os pais de Manuel em 1765, indicou-os, conforme descoberta de Valdemir Miranda de Castro, de novembro de 2015, em uma petição, datada de 1787, dirigida à rainha de Portugal, dona Maria I, na qual pedia o início dos procedimentos para a obtenção do hábito de cavaleiro da Ordem de Cristo.
Em 1787, Francisco da Cunha e Silva Castello Branco tinha 71 anos de vivo. No requerimento, de 1787, Francisco da Cunha e Silva Castello Branco declara, como pais de Manuel, Belchior Gomes de Cunha e Isabel Rodrigues. O fato de Francisco não ter querido dizer os nomes de seus avós paternos (os genitores de Manuel) na justificação de 1765, foi superado pelo fato de os ter finalmente identificado na petição à rainha Dona Maria I, em 1787. Miguel de Sousa Borges Leal de Castello Branco, em livro de 1879,[8] que se deve ter baseado na petição de Francisco à Rainha, de 1787, fala em Belchior e Isabel como os pais legítimos de Manuel.
A hesitação de Francisco, ou no mínimo, a sua falta de assertividade e de detalhes sobre os genitores de seu pai Manuel, me levaram à solução de que o pai seria o padre Miguel Carvalho de Almeida (o famoso cronista do Piauí do século 17). Cometi um erro, do qual peço desculpas aos descendentes de Manuel a quem eu tenha magoado com uma origem sacrílega.[9]  
Todavia, algo bem mais simples e mais evidente deve ter ocorrido. Nada de estranho, na tradição antroponímica portuguesa, que alguém, no caso Manuel, tenha assumido sobrenome diferente dos do pai e da mãe, e mesmo dos avós e bisavós. Isso era comum. Mais ainda faz sentido quando o composto “Carvalho de Almeida” tinha muito prestigio no nordeste colonial do início do século 18 e final do 17, por conta dos seis Carvalho oriundos de Ribeira de Pena a que se pode talvez somar Bernardo Carvalho de Aguiar, um sétimo Carvalho.   


Os Carvalho de Ribeira de Pena eram gente importante

Como já mencionei, o pesquisador Valdemir Miranda de Castro, em junho de 2015, descobriu que o padre Miguel de Carvalho, também conhecido como padre Miguel de Carvalho e Almeida, e ainda como padre Miguel Carvalho de Almeida,[10] nasceu em 1664, em Ribeira de Pena, no antigo arcebispado de Braga, no norte de Portugal.
Hoje, em 2017, o lugar Santo Aleixo, onde nasceu, é a freguesia de Salvador e Santo Aleixo de Além-Tâmega. Está no concelho de Ribeira de Pena, agora no distrito de Vila Real. Nessa mesma região, no século 12, no tempo de dom Afonso Henriques, teve origem o sobrenome “Carvalho”, na sua versão nobiliárquica, nas pessoas de Paio de Carvalho e de seu filho Mem Pais de Carvalho. Tais personagens foram senhores da terra e honra de Carvalho, em Celorico de Basto, logo a oeste de Ribeira de Pena.[11]
Como já escreveu o criterioso e festejado historiador Reginaldo Miranda, o padre Miguel Carvalho de Almeida possivelmente morreu em Lisboa, tendo passado um longo tempo, quando jovem (entre 1693-1698), na então circunscrição do bispado de Olinda, também referido como bispado de Pernambuco, na América Portuguesa.
Com a informação de quem era o padre Miguel Carvalho de Almeida e do seu local de nascimento, fiz minha investigação sobre as famílias do concelho de Ribeira de Pena, buscando dados para iluminar mais o assunto. Encontrei, com alegria, um estudo do respeitado genealogista português Manuel Abranches de Soveral, em que o padre Miguel Carvalho de Almeida, ou abade Miguel Carvalho de Almeida, aparecia como alguém bem-posto estamentalmente, vindo de gente fidalga provinciana.[12]  
Pelos dados de Soveral,[13] o padre Miguel foi abade de Ribeira de Pena, capelão-fidalgo da Casa Real, sacerdote do hábito de São Pedro. Instituiu o vínculo e capela de Nossa Senhora da Assunção, junto à casa de Senra de Cima. Foi vigário da vara e cura da freguesia de Rodelas, no bispado de Olinda, ou de Pernambuco, como alguns se referem à unidade eclesiástica. Ordenou-se em Braga, com inquirições “de genere” de 27 de julho de 1689. Ele esteve no Brasil, por anos, como vigário da freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Cabrobó de Olinda e padre visitador, como investigador do Santo Ofício da Inquisição, mas não como membro do mesmo Santo Ofício; tenho, por se ter apresentado como membro do Santo Ofício, sofrido reprimenda.[14]
Os cargos mais importantes que teve, como abade e a titulação como capelão-fidalgo da Casa Real, devem, a meu ver, ter sido posteriores a sua estada no Nordeste da América Portuguesa.
Ele nasceu em 1664. Terá morrido cerca de 1737. Adentrou o sertão profundo do Nordeste da América Portuguesa, onde recomendou a instalação de duas freguesias, e sua moção foi acatada com o estabelecimento da freguesia de São Francisco, na região de Rodelas, e de Nossa Senhora da Vitória, no Piauí.[15] Foi, também, ele quem escreveu o relatório “Descrição do sertão do Piauí”, finalizado em 1697, o primeiro sobre a região e a gente piauienses.[16]
Segundo Manuel Abranches de Soveral, em seu “Famílias de Ribeira de Pena”, o padre Miguel foi filho de Miguel Carvalho de Almeida (sênior) — nascido em cerca de 1630, capitão de infantaria dos auxiliares de Ribeira de Pena, senhor da Quinta de Bragadas de Além-Tâmega, em Santo Aleixo, onde faleceu em 6 de abril de 1695 — e de Helena Gonçalves de Matos, falecida em 15 de setembro de 1684, em Santo Aleixo, provavelmente sua prima, uma vez que filha de Domingos Dias de Matos, esse sendo dos Matos de casa de Terças, em Santa Marinha de Ribeira de Pena, e de sua mulher Senhorinha Gonçalves.
Conforme Soveral, Miguel Carvalho de Almeida (sênior) foi filho de Domingos Carvalho (ou de Carvalho), moço da câmara da Casa Real, juiz de órfãos de Ribeira da Pena e senhor da Quinta de Bragadas de Além-Tâmega, em Santo Aleixo, onde faleceu em 7 de julho de 1668, e de Catarina de Almeida (primeira desse nome completo), nascida cerca de 1608. Essa Catarina foi filha de Antônio Gonçalves de Matos e de Maria Leitão de Almeida, nascida em Santa Marinha de Ribeira de Pena. Esse Antônio Gonçalves de Matos seria parente de Domingos Dias de Matos, acima referido, uma vez que se confirme serem os dois dos Matos da casa das Terças, em Santa Marinha de Ribeira de Pena. Catarina de Almeida (primeira desse nome completo), mulher de Domingos Carvalho (ou de Carvalho), usou como sobrenome o de sua mãe Maria Leitão de Almeida.
            Em “Famílias de Ribeira de Pena” se tem que o padre Miguel Carvalho de Almeida, primogênito, teve três irmãos inteiros:
Domingos Carvalho de Almeida[17] — moço da câmara da Casa Real (12 de janeiro de 1699), cavaleiro da Ordem de Cristo (9 de março de 1699), capitão-mor de Ribeira de Pena, familiar do Santo Ofício (16 de setembro de 1700), senhor da Quinta de Bragadas, em Além-Tâmega, Santo Aleixo, e da Quinta de Senra de Cima, em Salvador, Ribeira de Pena. Teve, a 4 de outubro de 1710, carta de cota-de-armas para “Carvalho” e “Almeida”. A Quinta de Senra de Cima foi armoriada de escudo partido de “Carvalho” e “Almeida”. 
Antônio Carvalho de Almeida — moço da câmara da Casa Real (12 de janeiro de 1699), cavaleiro da Ordem de Cristo (9 de março de 1699), capitão de infantaria, mestre de campo dos auxiliares de Chaves, capitão-mor de Natal, no Rio Grande do Norte, familiar do Santo Ofício (8 de março de 1702), escrivão proprietário do cartório do concelho de Cabeceiras de Basto e dos coutos de Refoios e Abadim (16 de maio de 1745). Casou-se com Maria Teresa Pereira Rebello Leite.
Inocêncio Carvalho de Almeida — capelão-fidalgo da Casa Real (12 de dezembro de 1699).

Domingos Carvalho e Catarina de Almeida (primeira desse nome completo), além de Miguel Carvalho de Almeida (sênior), tiveram a Gaspar Carvalho de Almeida e a Catarina de Almeida (segunda desse nome completo). 
Este Antônio, irmão do padre Miguel e do padre Inocêncio (e também de  Domingos, que não nos importa aqui), é referido como tendo substituído a Bernardo Vieira de Melo e tendo sido sucedido por Sebastião Nunes Colares, como capitão-mor do Rio Grande do Norte. Sua designação para esse posto ocorreu quando a capitania foi passada da Bahia para Pernambuco.[18] Sobre Antônio Carvalho de Almeida (ou de Carvalho e Almeida), o capitão-mor, conforme consta dos assentamentos da Torre do Tombo, ele foi feito moço de Câmara, pelo rei dom Pedro II, em 1699, tal qual tinha sido seu avô Domingos Carvalho ou de Carvalho, o qual é dito como tendo sido, a seu tempo, moço da Câmara:[19]

“El Rei faço saber a vós Dom Pedro Luiz de Menezes, Marquês de Marialva, gentil homem de minha de minha Câmara e meu Mordomo-mor que Eu hei por bem e me prove fazer mercê a Antônio Carvalho de Almeida, natural da vila de Ribeira de Pena, comarca de Guimarães, filho de Miguel de Carvalho e neto de Domingos de Carvalho, que foi meu moço de Câmara e filho de Miguel Carvalho, de o tomar no mesmo foro de meu moço de Câmara, com quatrocentos e seis réis de moradia por mês e três quartos de cevada por dia, paga segundo ordenança e é o foro e moradia que, pelo dito seu avô, lhe pertence porquanto seu pai o não teve em meus livros. Mando-vos que o façais assentar no livro de matrícula dos moradores de minha Casa, no título dos moços da Câmara com moradia e cevada que não vencerá até ser do numaro.[20] Manuel Calheiros o fez em Lisboa a doze de Janeiro de seiscentos e noventa e nove. Belchior de Andrade Leitão o fez escrever.”

Observa-se que este Antônio Carvalho de Almeida (primeiro desse nome completo) foi primo segundo do outro Antônio. O Antônio Carvalho de Almeida (segundo desse nome completo) teria morrido em 1775 e ingressou na América Portuguesa pela Bahia, tendo como lugar de sua primeira residência, Jacobina, como capitão de ordenanças.[21] O outro Antônio Carvalho de Almeida (primeiro desse nome completo) seria alguém já maduro no ano de 1701, quando foi diretamente para o Rio Grande do Norte. O padre Miguel é referido como missionário naquela capitania.[22] Pode ser que o padre Miguel tenha ido ao Rio Grande do Norte, vindo do Piauí.
Em suma, os irmãos Miguel, Antônio e Inocêncio, filhos de Miguel Carvalho de Almeida (sênior) e de Helena Gonçalves de Matos, estiveram juntos no Nordeste, no mesmo período ou aproximado, entre o final do século 17 e início do século 18.
Domingos Carvalho de Almeida, o irmão segundo que sucedeu ao pai, ficou em Ribeira de Pena, como senhor de solar, esquivando-se de aventuras no Novo Mundo. De rigor, conforme os costumes, o sucessor da tradição não se movia da sua sede.  
O padre Tomé de Carvalho e Silva, o padre Miguel de Carvalho e Silva, e o sobrinho desses dois, Antônio Carvalho de Almeida (segundo desse nome completo), seguiram na segunda leva da parentela Carvalho de Almeida. Este Antônio era, como já dito, filho de uma irmã inteira dos dois padres, de nome Isabel de Almeida, com Domingos Dias da Silva.  

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Manuel Abranches de Soveral, em e-mail lido por mim em 24 de novembro de 2016, disse ainda o seguinte sobre uma dúvida posta por um outro genealogista português quanto à condição de “lavrador das próprias terras”. Diz Soveral:   

“(...) Em Ribeira de Pena, naquela cronologia, ser lavrador que vive da sua fazenda era o melhor que se podia dizer de um habitante. Porque “lavrador” era então significado de proprietário agrícola. Tudo o resto, em Ribeira de Pena, derivava disso, inclusive os cargos. E, é claro, Domingos de Carvalho teria, como proprietário agrícola, pelo menos 20 vezes mais rendimento do que o rendimento acumulado de moço da câmara e juiz dos órfãos.”

O que parece certo é que os da gente Carvalho de Almeida de Ribeira de Pena, em todas as suas variações, estavam, no curso do século 17, em processo de sua identificação social como nobres, no âmbito mais geral do reino de Portugal.
 
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Quem foi Manuel, lugar-tenente e sucessor de Bernardo Carvalho de Aguiar na conquista do Piauí?
Não foi da parentela dos Carvalho de Ribeira de Pena. Manuel nascera longe de lá e era filho de pessoas não entroncáveis com os seis Carvalho viventes no Nordeste da América Portuguesa no final do século 17 e início e primeira metade do 18. Se o fosse, o seu neto Francisco da Cunha e Silva Castello Branco o teria dito com letras maiúsculas, tanto na sua justificação de nobreza de 1765, como na sua petição à rainha dona Maria I, de 1787.
Assim, resta uma só possibilidade: Manuel adotou o apelido Carvalho de Almeida por achá-lo útil socialmente.  
Vamos a essa discussão.
Conforme a historiadora Maria Beatriz Nizza da Silva, os filhos do casal paulista Pedro Taques de Almeida (1714-1777), o famoso genealogista, e Ângela de Siqueira assumiram ao chegar à idade adulta e foram em geral conhecidos pelos seguintes nomes completos:[23]

·         José de Góis e Morais;
·         Apolônia de Araújo;
·         Branca de Almeida Taques;
·         Maria de Araújo;
·         Leonor de Siqueira Pais;
·         Teresa de Araújo;
·         Catarina de Siqueira Taques; e
·         Ângela de Siqueira Taques.

              Como diz Nizza da Silva, no seu texto, é difícil descobrirem-se as regras que levaram às composições dos nomes completos dos oito irmãos inteiros. Não se pode, por falta de documentação, reproduzir a provável discussão intrafamiliar sobre que sobrenomes cada um devesse tomar. Qual teria sido a influência dos pais, dos tios, das tias, dos avós, dos irmãos mais velhos?
              O que dizer, no caso do nosso Manuel que estava, ao que se sabe, só no Piauí, sem irmãos e irmãs, com os pais e tios à distância, ou falecidos.  
              O historiador e genealogista português Guilherme Maia de Loureiro descreve os modos principais de adoção de apelidos em Portugal.[24]

O sistema de adoção de nomes no Antigo Regime[25] permitia que um determi­nado indivíduo pudesse assumir, ao longo da sua vida, não só composições dife­rentes dos seus apelidos, mas até nomes próprios distintos. A escolha do nome próprio ocorria no momento do Batismo e cabia naturalmente aos pais das crianças ou a outrem que por elas fosse responsável, como acontecia, por exemplo, nos casos dos padres que batizavam expostos.[26] No entanto, a Igreja previa a possibilidade de mudança de nome no momento da confirmação do Batismo na idade adulta, isto é, por ocasião do sacramento da Crisma. [...]
Uma terceira situação possível era a simples adoção de apelidos de famílias com as quais não havia qualquer tipo de relação de parentesco, fosse de consan­guinidade, afinidade ou espiritual. Esta era uma prática descrita nas Ordenações Filipinas[27] e para a qual se previam penas severas. [...]  No entanto, não é difícil encontrar casos que a exemplifiquem, nem sequer determinar um padrão em termos da identificação dos apelidos adotados. De fato, e sem surpresa, estes apelidos eram, por norma, aqueles que mais facilmente permi­tiam uma fácil associação a um patrimônio histórico altamente valorizado ao nível nacional ou apenas local. Tratava-se, sem dúvida, de uma tentativa de apropriação do prestígio associado ao apelido com o intuito de favorecer uma mobilidade social ascendente. [...]



As migrações facilitavam claramente a adoção de novos apelidos e a cons­trução de uma nova identidade social. [...] Noutros casos, arriscava-se a adoção de novos apelidos sem que houvesse qualquer migração, o que teoricamente diminuiria a possibilidade de se converter essa mudança de nome num qualquer benefício em termos de status. Podemos apontar como exemplos o caso de Bernardo José Rodrigues, capitão de ordenanças de Lordosa e Calde, em Viseu, que adotou o prestigiado apelido de Loureiro; ou o de Antônio José de Mesquita, que adotou o apelido Quintela ao casar com uma senhora natural de Vila Franca de Xira, onde uma família deste mesmo apelido era grande proprietária.


            Ao que parece, Manuel adotou o apelido duplo “Carvalho de Almeida” por achá-lo útil ao seu processo de ascensão social, a que conjugou seu casamento com Clara da Cunha e Silva Castello Branco, filha mais velha de dom Francisco da Cunha Castelo Branco e dona Maria Eugênia de Mesquita. A isso também se pode ter juntado a afeição a Bernardo Carvalho de Aguiar (talvez um aparentado dos Carvalho de Ribeira de Pena).   
Pode ainda de ter havido, como justificativa, uma aproximação filial ao padre Miguel Carvalho de Almeida e/ou com o padre Inocêncio Carvalho de Almeida. Isto justificaria perfeitamente o ocorrido, pelos costumes da época. Temos, nesta mesma linha de especulação, o exemplo dos irmãos Bartolomeu e Alexandre de Gusmão, que tomaram o sobrenome “de Gusmão” de um padrinho, com quem não tinham qualquer vínculo de sangue. 
Refiro-me aos dois irmãos nascidos na América Portuguesa e muito conhecidos no reino: Bartolomeu de Gusmão, o famoso inventor, chamado de o “Padre Voador”, e Alexandre de Gusmão, o muito influente secretário do rei dom João V, entre 1730 e 1750, ano em que o rei morre.[28]       
Bartolomeu e Alexandre foram filhos de Francisco Lourenço Rodrigues e de Maria Álvares, residentes em Santos, então na capitania de São Vicente.  Bartolomeu era o quarto filho e foi batizado como Bartolomeu Lourenço, um nome duplo (uma vez que no Batismo não se atribuía sobrenome), em 1685, na mesma vila de Santos. Alexandre foi o nono filho do casal.
Alexandre foi batizado como Alexandre Lourenço, nome duplo, em 1695, também em Santos. Em 1718, os dois irmãos adotaram o sobrenome do sacerdote jesuíta Alexandre de Gusmão, nascido em 1629 e falecido em 1724, que teve enorme influência na vida do santista Bartolomeu. 
É de se observar que o pai dos dois irmãos Gusmão, Francisco Lourenço Rodrigues, tinha posto nos dois filhos o nome adicional de “Lourenço”, como que a sugerir que os filhos fizessem uso dele como sobrenome. Todavia, combinados, Bartolomeu, aos 33 anos, e Alexandre, aos seus 23, adotaram o “de Gusmão”.
O fato mostra como essa tomada era possível bem como que pudesse ser feita em idade para além de adulta, aos 33 e 23 anos. Os dois até então devem ter usado o nome “Lourenço”, ou talvez “Rodrigues”, como apelido.   
  
Conclusão

O prestígio do apelido “Carvalho” ou “Carvalho de Almeida” ou “Carvalho e Almeida”, de Ribeira de Pena, estava se formando durante o século 17 português. No início do século 18, no nordeste da América Portuguesa, seis varões de uma gente nominável como Carvalho de Almeida tiveram importância notável, em especial no Piauí, onde a camada cimeira do poder não devia ir além de duas dezenas de homens.   
Pode-se ainda trazer para esse rol de personagens, o provável parente, o valoroso Bernardo Carvalho de Aguiar, de quem Manuel foi homem de confiança. Esse, não por coincidência inexplicável, era de Vila Pouca de Aguiar, concelho que em sua formação territorial originária continha o povoado da Ribeira de Pena.[29]
Com Bernardo, somam sete os personagens da parentela dos Carvalho. Eram quatro padres, em tempo em que a Igreja Católica era o braço forte da ocupação portuguesa e três homens da guerra. Nada mal como referências para a avocação e adoção prazerosa do apelido Carvalho ou Carvalho de Almeida, por Manuel, filho de Belchior Gomes da Cunha e Isabel Rodrigues.  
Independentemente de toda esta questão, o que se pode afirmar é que Manuel Carvalho de Almeida foi, como guerreiro, um herói colonial português, merecedor de todo o apreço pelos seus descendentes, entre os quais eu me incluo com muito orgulho.                
  
Referências

CARVALHO, padre Miguel de, “Descrição do sertão do Piauí”, completado e entregue ao bispo de Pernambuco no ano de 1697, (comentários e notas do Padre Cláudio Melo). Teresina: Academia Piauiense de Letras, 2009.

CASTELLO BRANCO, Miguel de Sousa Borges Leal de. “Apontamentos bibliográficos de alguns piauienses ilustres e de outras pessoas notáveis que ocuparam cargos importantes na Província do Piauí”. Teresina: 1879. Obra reeditada pela Academia Piauiense de Letras, em 2012.

CASTELLO BRANCO, Renato “Os Castelo Branco d’aquém e d’além mar”, São Paulo: LR Editores, 1980.

CASTRO, Valdemir Miranda de. “Enlaces de família – uma genealogia em construção”. Esperantina: Edição do Autor, 2014.  

_____________________________ Diversas conversações por telefone com o autor deste trabalho, durante 2015. 

_____________________________ artigo publicado por Valdemir Miranda de Castro no portal Entretextos, facilmente encontrado na Internet, sob o título “Ascendência do Padre Miguel de Carvalho”, em 2015.       

HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. “Dicionário HOUAISS da Língua Portuguesa”. Elaborado no Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

LOUREIRO, Guilherme Maia de. “Estratificação e mobilidade social no Antigo Regime em Portugal (1640-1820)”, Lisboa: Guarda-mor, 2015.

_________________________ Troca de e-mails sobre os Carvalho de Almeida portugueses.

MARQUES, José. “A origem do concelho de Ribeira de Pena (1331)”. In “Revista de Guimarães”, número 1013, 1993, páginas 327-341.

MELO, Padre Cláudio. “Fé e Civilização”, Teresina: 1991.

MIRANDA, Reginaldo. “Padre Miguel de Carvalho e Almeida, fundador de paróquias e missionário do sertão”, constante em agosto de 2017 do blog de Elmar de Carvalho.

NIZZA DA SILVA, Maria Beatriz. “Ser nobre na colônia”, São Paulo: UNESP, 2005. 

PIRES FERREIRA, Edgardo. “Os Castello Branco e seus entrelaçamentos familiares no Piauí e no Maranhão”, 2ª edição. Volume 5 da série “A mística do parentesco” São Paulo: Árvore Editorial, 2013.

ROSAS, Tarcísio. “Personalidades históricas do Rio Grande do Norte (séculos XVI a XIX)” . Natal: Fundação José Augusto – Centro de Estudos e Pesquisas Juvenal Lamartine - CEPEJUL, 1999.

SOVERAL, Manuel Abranches de. “Famílias de Ribeira de Pena – subsídios para a sua genealogia (séculos XV a XVIII)”. Tal obra é encontrada no site: www.soveral.info. 2002.

__________________________  Diversas trocas de e-mails, durante o ano de 2016, sobre o assunto dos Carvalho de Almeida portugueses do século 17. 



[1] Revista da ASBRAP – Associação Brasileira de Pesquisadores de História e Genealogia, número 23, ano 2016. O texto original teve o título de “O Abade Miguel Carvalho de Almeida, ancestral dos Carvalho de Almeida e dos Castello Branco do Piauí”.
[2] CASTRO (2015).
[3] O padre Miguel de Carvalho e Silva foi prelado importante no Piauí, em substituição de seu irmão o padre Tomé de Carvalho e Silva, por volta do ano de 1724. Ele teria vindo à América Portuguesa, em 1715, para ajudar o seu irmão Tomé, com certeza a pedido desse. Em MELO  (1991), página 32, se tem o seguinte: Por razões que ignoramos, mas talvez por motivo da idade do pároco, o bispo de Pernambuco nomeou Vigário de Vara, não o padre Tomé, mas o padre Miguel de Carvalho e Silva que o cura de Mocha trouxera para ajudá-lo, em 1715. O padre Miguel era irmão do padre Tomé”.
[4] Esta Catarina de Almeida tem o mesmo nome completo de sua mãe, que se casara com Domingos Carvalho. Observa-se o costume de as mulheres adorarem preferencialmente o sobrenome da mãe.  
[5] Por ação de Valdemir Miranda de Castro e Gustavo Conde Medeiros, descobriu-se no Arquivo da Torre do Tombo a execução testamentária do padre Tomé de Carvalho e Silva, morto em 1735, em Oeiras, Piauí. Ocorreu de um sobrinho do padre Tomé, de nome completo Manuel de Carvalho e Silva e Almeida, ter pleiteado uma terça parte da herança do padre Tomé. Este Manuel de Carvalho e Silva e Almeida era filho de Isabel de Almeida (irmã inteira do padre Tomé de Carvalho e Silva e do padre Miguel de Carvalho e Silva), e de Domingos Dias da Silva. O casal Catarina de Almeida (tia paterna do padre Miguel) e José da Silva Carvalho teve os seguintes filhos: Isabel de Almeida (antes referida), o padre Tomé Carvalho e Silva, Maria de Almeida, Catarina de Almeida, o padre Miguel de Carvalho e Silva e Antônia de Almeida. O casal Isabel de Almeida e Domingos Dias da Silva teve os seguintes filhos: padre Miguel de Carvalho (homônimo do nosso padre Miguel), Manuel de Carvalho e Silva e Almeida (o peticionante da terça da herança do tio padre Tomé), Antônio Carvalho de Almeida (o nosso Antônio, do Piauí), Manuel de Almeida e Antônio Sanches de Carvalho.
[6] Capitão-mor do Rio Grande do Norte significa o mesmo que governador do Rio Grande do Norte, com poderes para organizar a guerra ofensiva e a defesa militar. A simples expressão “capitão-mor” foi-se transformando durante o tempo. No entanto, quando ela se segue da indicação de um território tem esse significado. A concepção de “capitania” inclui o protagonismo de um capitão-mor.
[7] É curioso que esse documento, datado de 1765, tenha sido apresentado em CASTELLO BRANCO (1980), páginas 217-238. A curiosidade está em que, no contexto do livro de Renato Castello Branco, ele pretendia indicar, ou mesmo comprovar, a condição incontroversa de nobreza por parte de Francisco. Talvez, Renato nunca pudesse admitir que o documento fosse usado para sugerir que Francisco não sabia bem sobre seus avós paternos.
[8] CASTELLO BRANCO (2012).
[9] Eu mesmo sou descendente de Manuel, várias vezes. Meu sobrenome Carvalho, no entanto, me vem de Antônio Carvalho de Almeida, que não é irmão nem parente documentado de Manuel, como se tem neste corrente ensaio. 
[10] Os apelidos da mesma pessoa podiam variar com as circunstâncias, como já se tratou no corpo do ensaio.  
[11] Não tenho comprovação da ascendência do sobrenome “Carvalho de Almeida” a “Carvalho” de Celorico de Basto, do século 12. Todavia, esta hipótese faz sentido. É de se afastar, no entanto, sucessão por efeito de “apelido de estirpe”; deve ter ocorrido uma continuidade por avocação e adoção por linhagem colateral. Hoje, no Brasil e em Portugal, os de sobrenome Carvalho são muitíssimos, mas muito menos eles foram, no século 16. 
[12] Conforme SOVERAL (www.soveral.info). 
[13] Ratificados em 24nov16, por Manuel Abranches de Soveral, conforme manifestação escrita a mim, de 24nov16. Várias informações sobre datas foram feitas e confirmações de outras. 
[14] ANTT – Tribunal da Inquisição, processo 1000.16.
[15] Ver sobre esse assunto, ver CASTRO (2015).
[16] A obra foi reeditada pela Academia Piauiense de Letras, em 2009, na versão de que constam comentários e notas do Padre Cláudio Melo, historiador. Ver CARVALHO (2009), em Referências, ao final.
[17] Que podia variar para Domingos de Carvalho e Almeida. 
[18] ROSAS (1999).
[19] Conforme constante do verbete “Antônio de Carvalho e Almeida”, no sítio da Fundação José Augusto – Centro de Estudos e Pesquisas Juvenal Lamartine - CEPEJUL: fjacepejul. nr.gov.br, em outubro de 2016.
[20] “Numaro” é o mesmo que “numário” ou “numerário”, dinheiro. Ao que parece, o texto curiosamente diz que o vencimento só se dará quando houver dinheiro para pagar o que se prometeu.  
[21] Dados sobre o Antônio, sobrinho, constantes de PIRES FERREIRA (2013) e de CASTRO (2014).
[22] Verbete “Antônio de Carvalho e Almeida”, no site da Fundação José Augusto – Centro de Estudos e Pesquisas Juvenal Lamartine - CEPEJUL: fjacepejul. nr.gov.br, em outubro de 2016.
[23] NIZZA DA SILVA (2005), páginas 28-29.
[24] LOUREIRO (2015), páginas 335-341.
[25] Guilherme Maia de Loureiro restringe o Antigo Regime em Portugal ao período da história portuguesa entre 1640 (com a restauração da autonomia do reino em favor de uma dinastia portuguesa, a Casa da Bragança) e 1820 (quando o rei dom João VI deixa de reinar como soberano com poderes absolutos). 
[26] Crianças enjeitadas pelos pais ao nascerem e deixadas sem identificação para serem cuidadas por alguém que as queira. 
[27] Trata-se das regras de direito gerais do reino de Portugal, feitas ao tempo dos reis da Casa de Habsburgo (1580 a 1640), também chamados de reis filipinos, porque todos eles chamavam-se Filipe.
[28] Alexandre foi importantíssimo na formação histórico-geográfica do que veio a ser o Brasil, uma vez que foi o autor da concepção e da argumentação em favor do reconhecimento formal, pela Espanha, da ocupação portuguesa da enorme área a oeste da linha imposta pelo tratado de Tordesilhas. Sua ação diplomática magnífica foi concluída com a assinatura do tratado de Madrid, em 15 de janeiro de 1750. Os tratados seguintes com a Espanha, o de El Pardo, em 1761, e o de Santo Ildefonso, em 1777, rediscutiram e reafirmaram, respectivamente, a teoria de Alexandre de Gusmão sobre o valor jurídico da posse efetiva de terras e não mais a posse formal. Alexandre é o “pré-brasileiro” mais ilustre que tivemos, em termos das consequências de sua ação diplomática.
[29] Conforme MARQUES (1993), o concelho de Ribeira de Pena foi criado pelo rei Dom Afonso IV, em 1331, por pedido de seus moradores. Até então, Ribeira de Pena era parte do concelho de Aguiar de Pena, depois dita Vila Pouca de Aguiar. Muito tempo transcorreu até o final do século 17, no entanto, a região é a mesma.