domingo, 29 de julho de 2018

PERDIÇÃO

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PERDIÇÃO  

Elmar Carvalho

Por mares de sargaços e enganos
perdi-me na rota
de estranhos portulanos
feitos por arcanos d’antanho.
Por causa de lábios
que falavam de amor
seguindo incertos astrolábios
soçobrei nas tormentas
de algum cabo Bojador.
Egresso de  Sagres
dancei a Dança dos Sabres
no mapa de meu destino.
Nas garras da ventania
joguei um jogo de morte
em que tudo se perdia.
No derradeiro naufrágio
encontrei enigmas e presságios
nos búzios que no abismo havia.
E tudo se findou
num veleiro encalhado
em mar de absoluta calmaria.

Te. Dom. 07.10.90 – 03h  

sábado, 28 de julho de 2018

Nove dias em Assunção com a moeda “guaranis”, cultura, mitologia e história

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Nove dias em Assunção com a moeda “guaranis”, cultura, mitologia e história

Sílvia Melo
Professora universitária e escritora

Sim, com este dinheiro/moeda de belas cédulas que me fizeram sentir milionária. Em primeiro lugar, milionária sentimentalmente pois a motivação da viagem ao Paraguay sempre foi a de participar da “defesa” de mestrado “Maestria” do Demerval que graças a Deus foi vitoriosa e quero crer exitosa para Educação de Jovens e Adultos do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Piauí, Campus Teresina- Central. Em segundo lugar o que me fez “estar milionária” foi ao cambiar... ter tomado posse do tal um milhão... dois milhões, simples assim: estar mui passageiramente milionária. Veio então o desafio de planejar as compras... os passeios turísticos... Ah! O Lago Azul de Ypacaray! Desenhado na minha imaginação no romantismo ou na utopia da juventude.

Revivo agora com o mesmo peso emocional o relato do Guia Turístico Sr. Molinas, sobre a história, o berço do Paraguay, esta bela bacia hidrográfica tão cobiçada, sua alma indígena “guarani” de múltiplas etnias. Sua independência do domínio espanhol sem derramamento de sangue. Sua luta em prol do reconhecimento político junto as nações vizinhas, seus “ditadores” que escreveram as páginas memoráveis da sua história inicialmente ao liderar o movimento que resultou na divisão de riqueza, (terras férteis) no primado do trabalho, na dignidade humana e na soberania nacional.

Contraditoriamente as baixas temperaturas, meu coração foi aquecido com autêntica a história do Paraguay, bem diferente da versão que nos bancos escolares ouvimos e lemos. Já foi dito que para saciar a sede, deve beber na fonte e não há apenas a história, são histórias.

Na retrospectiva chegamos a José Gaspar Rodrigues de Francia, que na independência, após o final do governo triunvirato, sagrou-se Presidente no regime ditatorial. Feita a distribuição das terras e rendas, incentivou o crescimento econômico com base na mentalidade: que o País produzisse bens e serviços ou seja, tudo que precisasse. Respeitando os costumes indígenas, valorizando capital e trabalho. Dom Gracia jamais recebeu um salário sequer, privilégio ou vantagem pessoal ou familiar. Seu propósito era acima de tudo o bem do Paraguay.

O Museu Mitológico, o primeiro da América do Sul, um dos poucos do mundo. É uma atração à parte. Lá a imaginação vai muito longe... Vê-se em grandes esculturas: Tau y Kerana, seres mitológicos que da sua união carnal nasceram sete monstros sobreviventes que assustam “ninos” crianças e espalham maldição. Entre elas, o Lobsomen que amaldiçoa o sétimo varão do casal, precisando ser abençoado por outras entidades mitológicas, como Tupã deus sol, para ter no caso, grande poder. Por exemplo ser Presidente. Há quem diga que aconteceu com Francisco Solano Lopes, um dos grandes nomes da história do Paraguay.

O Museu é um misto de Mitologia e História, destaque para as Missões dos Padres Jesuítas. Imagens e relatos que provocaram em mim, expressar meu entendimento/sentimento em relação ao marco histórico lá existente, qual seja, tudo sobre a guerra da Tríplice Aliança que dizimou o Paraguay. Da sua população cerca de 90% foi morta. Dos 10% restantes, 90% eram mulheres. Muitas e muitas crianças e adolescentes deram suas vidas... há monumentos com esses dados. O heroico povo “guarani” viu ser morto Solano Lopez ... que resistiu bravamente aos interesses das elites. Lopez para os paraguaios é reverenciado, figura humana notável, de alma sensível, poeta que dominava sete idiomas. Já o brasileiro Duque de Caxias para os paraguaios é persona “non grata” e o Conde D`Eu aquele conhecido “comandante sanguinário” é a personificação da crueldade, do infanticídio.... Como dói nos “el manos” O Brasil nunca lhe ter feito oficial pedido de desculpas (perdão).

Vê-se assim que o Paraguay renasceu como nação forte, altiva e destemida no ombro no colo feminino, no pulsar do coração fiel às suas tradições, valente, telúrico, indígena...Hoje este pequeno, grandioso Paraguay é um dos maiores exportadores de carne e soja do mundo. Produz quase tudo que consome. Tem 13 Universidades renomadas do sul americano, onde milhões de brasileiros e africanos se formam, inclusive em mestrados e doutorados nas mais diversas áreas do saber humano.

Importante lembrar a despedida dos turistas ao som da inconfundível Harpa, belas guarãneas: Recuerdo de Ypacaraí, Galoupera, Beja-me mucho... e canções do Roberto Carlos, quanta amabilidade. Há de se lembrar sempre da Virgem de Caacupe, seus milagres, todos contados com fortes sentimentos de religiosidade. Belas Igrejas. Suas ervas medicinais, o “terere” sua mística. O magnífico Rio Paraguay, sereno, navegável, a flutuar sonhos e transportar riquezas. Suas encantadoras cidades: São Lourenço, São Bernardino, Luque. Seu artesanato, seus trabalhos em filigrana, inclusive ouro e prata. Como não reconhecer que é “milionário” quem vai ao Paraguay. Quem conhece o Paraguay, ama o Paraguay!

Teresina, 25 de julho de 2018

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Gênese de Emoção no Circo


Fonte das fotos: Google

Gênese de Emoção no Circo 

Elmar Carvalho

Neste sábado fui assistir ao espetáculo vespertino do Le Cirque Amar. Mais uma vez fui tomado de forte emoção ante uma apresentação circense. Anos atrás, aproximadamente em 1998, quando o João Miguel e a Elmara tinham 12 e 10 anos respectivamente, eu e a Fátima os levamos a um grande circo, também instalado nas proximidades do Teresina Shopping. Não tenho vergonha em confessar, por isso confessarei: nessas duas ocasiões, sobretudo na primeira, cheguei ao ponto de chorar, por motivo que abaixo explicarei.

Como já tive oportunidade de dizer, numa época em que os pais não tinham muita preocupação em conduzir os filhos a eventos culturais ou esportivos, ou mesmo de simples entretenimento, meu pai me levou, várias vezes, ao velho Cine Nazaré e ao Estádio Deusdete Melo, em Campo Maior.

No primeiro, vi a exibição de grandes películas do faroeste macarrônico e americano, e os épicos bíblicos e da mitologia greco-romana, em que apareciam Ringo, Django, Sartana, Medusa, Hércules, Moisés, Ben-Hur, Sansão e Dalila, Espártaco e Maciste, este uma espécie de versão italiana do semideus grego, além de Tarzan, estreladas pelos fortões e galãs da época, como Franco Nero, Marlon Brando, Kirk Douglas, Victor Mature e Johnny Weissmuller. O galã do bang-bang italiano era Giuliano Gemma. Gigliola Cinquetti e o ingênuo “Dio, come ti amo” fizeram muitas adolescentes verterem profusas e sentidas lágrimas, com direito a profundos soluços e palpitações. Na Semana Santa era projetado o filme Paixão de Cristo ou outro similar sobre a vida de Jesus, cujas velhas fitas de celuloide sempre davam um jeito de quebrar.

No Deusdete Melo assisti às acirradas disputas entre o alvirrubro Caiçara e o alviceleste Comercial. Ali presenciei desconcertantes dribles, no tempo em que esse estádio (não se usava o termo arena, hoje tanto em voga) mereceu o epíteto de alçapão dos carnaubais, porque esses dois times metiam medo nos times da capital. Vicentinho se excedia em suas esmeradas cobranças de faltas, com chutes fortes e certeiros.

Vi as espetaculares e, por vezes, espetaculosas defesas do goleiro Coló, em que ele parecia voar, levitar ou imitar os grandes trapezistas de circos. Beroso, mais contido, talvez por ser um tanto tímido, era mais objetivo, e não era afoito em dar saltos ornamentais, exceto quando necessários. Foram dois dos maiores arqueiros do Piauí. Caiçarino, eu “puxava” mais para o Coló, que procurava imitar em minhas ousadias goleirísticas, mormente em minha adolescência. O Zé Francisco Marques recordou essa minha esquecida faceta na crônica “Quem te ensinou a voar?”, publicada em livro e na internet (vide Google).

Mas, voltando ao tema inicial, fui algumas vezes a espetáculos de circos que aportavam em minha cidade, levado por meus pais, ainda jovens. Admirava os números de equilibristas, mágicos, malabaristas, acrobatas e trapezistas, e também as palhaçadas dos grandes clowns e comediantes de minha infância. O picadeiro se transformava em palco teatral, e também eram apresentadas peças dramáticas e comédias.  Ao segurar as mãos de meu pai e de minha mãe, parecia que nada me poderia atingir, nem doença, nem morte, nem tristeza e nem velhice. Agora que os perdi, e que já começo a descambar para a chamada terceira idade, sei que tudo não passava de uma doce ilusão. E eu fui o meu próprio mago e ilusionista. E hoje sei que os palhaços também sofrem e choram, como nos poemas de Heinrich Heine e Pe. Antônio Tomás.  

Foi num desses velhos circos mambembes, em que havia uma linda equilibrista e malabarista, de sinuosas paisagens e miragens, de maiô enfeitado de lantejoulas e outros adereços de brilhos e vidrilhos, que despertei para os mistérios e encantos de um perfeito corpo feminino. Foi, talvez, o meu mais remoto desabrochar de minha puberdade. Evocando o velho e excelso bardo Manuel Bandeira, poderia dizer que foi um verdadeiro alumbramento, como expresso no seu poema de igual título.

Quando levei meus filhos ao circo, me comovi com o esforço dos artistas, dando o melhor de si, na busca de agradar, e de nos contagiar com a magia circense; no esforço supremo de atingir o seu momento culminante de beleza, qual disse Martins Napoleão em versos sublimes.

Observei de perto o esforço da malabarista e acrobata, a girar os inúmeros bambolês prateados com os seus pés pequenos, voltados para o céu; vi suas jovens mãos espalmadas no picadeiro, como se não fizessem esforço, como se o corpo fosse uma pluma ou estivesse em levitação.

E, no entanto, bem sei como o seu belo corpo pesava, e como a lei da gravidade não tem as “brechas” das leis humanas, imperfeitas, injustas e casuísticas tantas vezes. Vi a coragem e perícia dos motociclistas no globo da morte, e torci para que esse número logo terminasse. E quando eu pensei que tudo terminara, eles ainda saltaram, cavalgando suas rugidoras máquinas, por cima do próprio globo. 


A magia do circo, com a presença dos meus filhos, quando ainda crianças, me fez recordar a lembrança de meu pai, surgindo das brumas do tempo de minha meninice, como se o tempo não tivesse passado; senti como se ele sentasse ao meu lado, e me tomasse a mão esquerda na sua destra. Foi dessa forma, da lembrança de minha infância e sob o impacto de forte comoção, que nasceu o meu poema Emoção no Circo (que segue transcrito abaixo).

EMOÇÃO NO CIRCO 

Elmar Carvalho

                         Para João Miguel e Elmara Cristina
                                                                              
Pelas mãos tenras
de meus filhos
a magia do circo me chegou.

Atropelado por emoção e saudade
meu coração foi atirado de
lado              a                         lado
pelas piruetas de
         capetas e palhaços
infiltrou-se nos malabares
e me trouxe meu pai e o circo
encantado de minha infância.

As lágrimas escorriam
e eram estrelas e vaga-lumes
que pingavam da cartola
ensopada de um mago...

A lembrança de meu pai
assomou da sombra do passado
suavemente sentou-se ao meu lado
tomou-me as mãos
as mãos de uma criança.   

quarta-feira, 25 de julho de 2018

A SAGA DE VAQUEIROS E BOIS BRAVOS


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A SAGA DE VAQUEIROS E BOIS BRAVOS

Valério Chaves
Des. inativo do TJPI


            O mundo mágico da poesia popular envolto em mistérios, crendices, romances de cordel e encantamento - capaz de transformar pessoas, animais, coisas em entidades e outras estórias fantásticas - faz parte da memória coletiva extraída do cenário da civilização do Nordeste brasileiro e do dia a dia de uma figura  sofrida que leva a vida debruçada no lombo de um cavalo, protegida pela fé no seu padroeiro e por sua armadura feita de couro curtido.

            Essa personagem sofrida, paciente e forte é o homem vaqueiro que nasce, cresce e morre na labuta diária das fazendas de gado; que gasta a maior parte de seu tempo pondo a vida em perigo, lidando com animais desgarrados nas caatingas esturricadas, entre galhos e espinhos ou à procura de água e pastagens durante o período de seca no sertão.

            Para tanto, usa trajes apropriados: perneira (calça), gibão, guarda-peito, chinelo, chapéu de couro, além do chicote, ferrão, esporas e um cavalo de confiança.

            A descrição dessa vestimenta tem, no fundo, um propósito verdadeiramente sentimental. É que o autor desta crônica, nos albores de sua juventude, talvez por influência do ambiente rural em que nasceu ou espelhado na profissão do pai, exerceu a profissão de vaqueiro. E nessa condição, ouviu muita gente falar sobre a pega de dois bois bravos (um liso e um raposão) nascidos e criados nas matas fechadas das fazendas Tabuleirão, Boi Morto e  Campo Limpo, situadas na região dos municípios de Porto Alegre e Antônio Almeida, centro-sul do Piauí.

            Sem datas precisas, mas sabe-se que foi em meados de 1945 que a pega dos bois causou enorme alvoroço entre vaqueiros dessa região - alguns levados pela fama dos animais (mandingueiros como eram chamados) pois ninguém, mesmo os mais afoitos, conseguiam pelá-los pelo rabo, dado a velocidade quando corriam parecendo um raio por entre a paisagem seca das chapadas e matas fechadas. Até feiticeiros e atiradores famosos se aventuraram, sem êxito, na pega dos bois do fazendeiro Militão.

            Na esperança de alcançar maior fama, muitos faziam até promessa com santos milagreiros; outros se inspiravam em literatura de cordel como o romance “O Boi Mandingueiro”, cujas primeiras estrofes cantavam ou recitavam de improviso, dizendo assim:

            No Rio Grande do Norte
            Havia um fazendeiro
            Era muito respeitado
            Pela fama do dinheiro
            Criava numa fazenda
            Pra qualquer encomenda
            Um grande boi mandingueiro.

            Esse bicho quando corria
            Segundo diz o boato
            Tinha equilíbrio no corpo
            Com ligeireza de gato
            Por meio de forte mandinga
            Corria mais na caatinga
            Do que veado no mato                      

            Mas pra encurtar a conversa, vejamos, em resumo, como terminou a aventura da pega desses bois contada em versos e rimas de moradores nas fazendas da região, valendo citar, a título de homenagem, o nome de Antônio Saturnino, Manoel Maria e minha mãe Dorcas Ferreira Pinto,  todos já falecidos.

            No dia 13 de julho do ano de 1945, ao romper do dia, um vaqueiro chamado Zé Valério, saiu de casa dizendo para a mulher que naquele dia ia pegar o boi raposo nas matas do Bebedouro.

            O boi ao pressentir a presença do vaqueiro, correu veloz como relâmpago, abrindo brechas na mata. O vaqueiro, por sua vez, para não perder de vista, seguiu no encalço passando pelas brechas que o boi abria, saltando montes de pedras e quebrando galhos de pau.

             Depois de alguns minutos de carreira, graças a uma maior rapidez do cavalo, o vaqueiro pôde alcançar o rabo boi, a ponto de com um só impulso, enfiar sua faca afiada sobre a anca do animal, até encostar no cabo, vindo este cair ao chão, berrando, já quase sem vida, aos pés do herói valente.

            A morte do raposão marcou assim a saga de vaqueiros e bois do Piauí cujo final aconteceu graças a “um cavalo corredor e um vaqueiro de valor”, como registrado na memória do povo e nas últimas estrofes do romance feito na época por quem viveu e testemunhou esta epopeia sertaneja ocorrida em nosso Estado.

            Faço o registro dessa peleja entre o homem e o boi apenas para mostrar que o Piauí ainda é pobre na divulgação de histórias de sua gente que sofreu, sorriu, viveu e morreu, ou permanece no interior trabalhando na dureza dos roçados, na criação de gado, enfim, levando vidas secas, vítima do abandono, da exploração eleitoreira e da deseducação, sob o olhar desprezível das lideranças políticas.  

Anísio Brito, organizador do arquivo público, biblioteca e museu piauiense.

Fonte: site Entretextos


Anísio Brito, organizador do arquivo público, biblioteca e museu piauiense

Reginaldo Miranda *

O Prof.º Anísio de Brito Melo nasceu na cidade de Piracuruca, norte do Piauí, em 24 de setembro de 1886, filho de Antonino de Brito Melo(1854 – 1927) e D. Leonília de Moraes Brito. Era neto paterno de Domingos de Brito Passos e D. Carlota Rosa de Melo e materno do coronel Gervásio de Brito Passos e D. Carlota Maria de Moraes, todos aparentados e oriundos de distintas famílias daquela região.

Foi na cidade natal que iniciou as primeiras letras, estudando na única escola pública local com o professor Fernando Pereira Bacelar, a quem num gesto de gratidão presta singela homenagem no estudo que faz sobre sua terra, a velha Piracuruca.

Concluídos os estudos iniciais muda-se para a cidade de Teresina, onde prossegue em sua formação intelectual, desta feita no Liceu Piauiense.  Ainda numa fase em que as escolhas são incertas, tencionou seguir vida sacerdotal, para isto matriculando-se no Seminário Menor de Teresina.

No entanto, logo descobriu que sua vocação era para novos caminhos, assim abandonando a vida de seminarista. Então, seguiu para a cidade do Rio de Janeiro, matriculando-se no curso de Odontologia da Universidade do Brasil, onde colou grau em 1911, aos 25 anos de idade, depois de cursar com êxito toda a grade curricular.

De retorno a Piracuruca, ali inicia vida profissional atendendo à população local. Por esse tempo recebeu a carta-patente de capitão do 74º Batalhão de Infantaria da Guarda Nacional.

Contudo, porque a vida profissional na pequena Piracuruca não oferecia perspectivas para um jovem profissional da odontologia, dois anos depois mudou sua residência para a cidade de Teresina, capital do Estado.

Em 14 de novembro de 1913, na Capital do Estado, casa-se com a prima Carlota de Moraes Brito, filha do coronel Pedro Melchíades de Moraes Brito e dona Carlota de Moraes Brito, não tendo, porém, gerado sucessores.

A sua vocação mesma foi para o magistério, quase abandonando a odontologia. Empregou-se como professor de História do Brasil, Português e Literatura, alternadamente, no Liceu Piauiense. Sobre essa mudança de vida lembra o Porf.º Arimathéa Tito Filho, ex-presidente da Academia Piauiense de Letras e grande estudioso das cousas de nossa terra:

“E em chegando a Teresina encontrou um ambiente de efervescência de ideias, um ambiente de renovação intelectual, pelo qual foram responsáveis Higino Cunha, Clodoaldo Freitas, Anísio de Abreu, Abdias Neves. Justamente os bacharéis que vinham modificados no seu espírito e na sua inteligência pela famosa e ainda discutida Escola do Recife, com os seus pontífices maiores: Tobias Barreto e Sílvio Romero. Neste ambiente de pregação naturalista, anticlericalista, ambiente de ateísmo confessado, neste ambiente, Anísio recusaria os instrumentos do odontólogo e aderia a conceitos novos e seguia outros caminhos. Tornou-se professor. Ascendeu à direção do Colégio Estadual, na época Liceu Piauiense. No governo João Luís Ferreira, diretor da Instrução Pública. Mantido por Matias Olímpio, depois reconduzido por Landri Sales e finalmente sustentado por Leônidas Melo”.

Acrescenta o inolvidável mestre, chamando atenção para a reforma do ensino promovida pelo educador Anísio Brito quando diretor da Instrução Pública:

“Quatro vezes no cargo hoje correspondente a Secretário de Educação. Realizou reforma do ensino, abdicou dos métodos de Lancaster adotados na escola primária. Realizou modificações na educação física, contratando técnicos do sul para este mister nas escolas secundárias do Piauí. Inaugurou o gosto do canto orfeônico e só deixou a paixão pelos motivos educacionais quando Leônidas de Castro Melo lhe entregou tarefas que antes já havia exercido, as tarefas de organizar, dirigir, orientar a Biblioteca, o Arquivo e o Museu Histórico do Estado. Três instrumentos culturais que foram paixão permanente do seu espírito. Pena é que os tempos futuros lhe desmanchassem a obra, separando o Arquivo, a Biblioteca e o Museu, como se as três não fossem peças do mesmo processo, o mesmo processo de busca da verdade”.

Portanto, o mestre Arimathéa resumiu a trajetória de Anísio Brito como professor e, também, diretor do Liceu Piauiense em quatro oportunidades; assim como diretor da Instrução Pública nos governos de João Luís Ferreira(1920 – 1924), Matias Olímpio de Melo(1924 – 1928), Landri Sales(1931 – 1935) e Leônidas Melo(1935 – 1945). Não esqueceu de mencionar seu excelente trabalho à frente do Museu, da Biblioteca e do Arquivo Público do Estado, este último hoje denominado, em sua homenagem, “Casa Anísio Brito”. É que muito contribuiu com sua ação para organizar a documentação das diversas repartições públicas do Estado, de forma que hoje o Piauí possui um dos mais completos arquivos do Brasil, embora no momento esta documentação clame por uma digitalização, a fim de ser mais bem preservada e, também, para facilitar a consulta pelos interessados. Portanto, são dois aspectos da vida de Anísio Brito que merecem ser ressaltados: a sua contribuição para o desenvolvimento da educação piauiense e a catalogação e organização da documentação histórica visando preservar nossa memória.

Nessa última perspectiva, Anísio Brito desenvolveu também o gosto pela pesquisa histórica, analisando questões controvertidas e tirando algumas conclusões interessantes. Entre outros assuntos, envidou esforços para elucidar a prioridade no desbravamento do Piauí, se cabia a Domingos Jorge Velho ou Domingos Afonso Sertão? assunto que ainda hoje suscita debates; outro aspecto que ocupou sua atenção foi a fixação da data mais relevante para se comemorar a adesão do Piauí à independência do Brasil; um terceiro aspecto que prendeu sua atenção, foi revisar a visão historiográfica sobre os Balaios, até  então vistos como criminosos, demonstrando que os mesmos foram vítimas de  ações nefastas do governo; por fim, também destacou a figura do Visconde da Parnaíba, que tantos serviços prestou à pátria e vinha sendo injustiçado pelos historiadores de antanho.

Arimathéa Tito Filho, no papel de presidente da Academia Piauiense de Letras, fazendo-lhe o panegírico por ocasião do centenário de seu nascimento, lembrou ser ele um historiador científico, revisor de nossa história, servindo de luz, de farol aos outros que lhe sucederam.

É bem verdade que ele foi inovador, porém produziu pouco, apenas pequenos estudos sobre questões pontuais. Talvez a sua atividade de educador não tenha permitido maior tempo para a pesquisa histórica, à qual tinha competência e poderia ter produzido uma grande obra. Ainda assim sua contribuição é notável e merece ser reunida para o conhecimento da posteridade. Foi por essa razão que incluímos na coletânea Obra reunida alguns de seus estudos, aqueles que no momento foram possível localizar, a fim de integrar a Coleção Centenário, comemorativa dos primeiros cem anos de nossa Academia Piauiense de Letras.

Na referida Coleção incluímos cinco trabalhos de Anísio Brito, a saber: Piracuruca: história, um interessante e completo estudo sobre sua terra, que fora publicado no livro O Piauhy no centenário de sua Independência: 1823 – 1923 (Teresina: 1923); constitui-se num estudo aprofundado que diferencia-se dos de outras localidades, escritos por outros autores, geralmente cópias de Notícias das comarcas do Piauhy, de Pereira da Costa.

O segundo trabalho reunido na indicada coletânea é Do ensino primário: seu histórico, desenvolvimento, métodos adaptados e estado atual (In: A Instrução Pública no Piauhy. Teresina: 1922), onde traça um painel da educação pública piauiense.

Em seguida, incluímos três ensaios inovadores sobre questões polêmicas de nossa historiografia: A quem pertence a prioridade histórica do descobrimento do Piauí?, Adesão do Piauí – Confederação do Equador e, por fim, Contribuição do Piauí na Guerra do Paraguai. O mérito de Anísio Brito foi aprofundar com método científico questões pontuais de nossa história, trazendo novas conclusões e, assim, alargando as possibilidades.

Além destas ainda consta em sua bibliografia outros pequenos ensaios, a saber: A Independência no Piauí, Os Balaios no Piauí, Ligeiras notícias sobre o ensino no Piauí e A reforma atual e o ensino público. Também, colaborou com verbetes para o Dicionário Histórico, Geográfico e Etimológico Brasileiro(Rio de Janeiro, 1922).

Em face dessa laboriosa atividade intelectual tornou-se sócio-fundador e presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí(IHGPI), assim como patrono da Cadeira n.º 34 da Academia Piauiense de Letras, cujo primeiro ocupante foi o historiador Odilon Nunes. Ainda, sócio-correspondente do Instituto do Ceará e dos Institutos Históricos da Bahia, Pará e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).

Foi, também, eleito membro do Conselho Municipal de Teresina, cargo hoje correspondente ao de vereador da Capital e sócio da Sociedade Auxiliadora da Instrução, entidade civil que prestava assessoria ao governador João Luís Ferreira, na área de educação e reforma do ensino, então presidida pelo intelectual Mathias Olímpio, futuro governador do Piauí.

Faleceu na cidade de Teresina, em 17 de abril de 1946, com pouco mais de 59 anos de idade. Por suas múltiplas atividades, inscreve seu nome na galeria dos grandes piauienses e sua obra fica como testemunho imperecível de seu trabalho em prol da memória de nossa gente.
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 * REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Atual presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí Contato: reginaldomiranda2005@ig.com.br    

terça-feira, 24 de julho de 2018

À GUISA DE UMA BREVE ANÁLISE DO POEMA "DESTINO?" DE MADALENA FERRANTE PIZZATTO

Fonte: Google


À GUISA DE UMA BREVE ANÁLISE DO POEMA "DESTINO?" DE MADALENA FERRANTE PIZZATTO
                
Cunha  e Silva Filho

DESTINO?

Um ramo primaveril,
pleno de muitas flores
enche com perfume o ar.

Aí, um vento invernal
despe o florido ramo.
Reveste o chão de cores,
num tapete matizado.

Sem nenhuma piedade,
este perverso vento,
muda o destino do ramo.

(de Madalena Ferrante Pizzatto )

  
         O que logo me chama a atenção no poema “Destino?” é o seu título em forma de interrogação. Assim,  ele   próprio me dá alguma pista  em direção a uma    das possíveis leituras da composição. Sabe-se que uma interrogação pode tanto ser uma forma   retórica lançada ao receptor tanto quanto  uma dúvida mesmo  sobre o destino  do ser humano.     

         Trata-se de uma dúvida    sobre   algo que todos nós podemos compreender  como naturais  acontecimentos na vida do ser humano contra os quais nada podemos fazer  por estar  relacionada acidentes ou condições  determinadas  da existência natural  ou  transcendente que s escapam  do nosso controle e da nossa vontade. Como exemplos mais relevantes  podiam-se citar  o nascimento  e a morte.

         No   poema, a metáforas  do “ramo  e do” vento,  da quais a do vento instaura  um sentido antitético  e, portanto, desumanizado,  são os dois elementos que sustentam semanticamente   o arcabouço do poema.   Daí   o sujeito lírico   falar de “perverso vento,” reforçado negativamente  por outro sintagma   nominal – “vento invernal” e  por todo um verso da terceira estrofe  “Sem nenhuma piedade.” Ora, o surgimento imprevisível  do vento desfavorável  pode  interromper, a qualquer momento da vida  de cada um de nós,  a possibilidade da felicidade plena. Por outro lado, observe-se que, numa primeira camada  significativa    do poema,   tem-se   como referência  básica  no conjunto   da mensagem   do poema  a referência literal entre  as duas estações  sucessivas e opostas  nos seus traços  de mudanças  da Natureza  da  paisagem   do ano: a primavera e o inverno.

      Não devemos  descurar  uma observação dos dois últimos dois versos  do terceto (Reveste o chão de cores/  num tapete matizado)  da segunda estrofe que destoam  dessa  estrofe no que tange  ao sentido disfórico  e antitético  do todo dessa estrofe e sinalizam um estado de neutralidade entre o significado de oposição equilíbrio versus desequilíbrio. Poder-se-ia   aventar aqui  uma terceira via  de entendimento   do tema  pendular    felicidade versus infelicidade, ou seja, vale repetir,  equilíbrio versus desequilíbrio; Mesmo se  levando  em conta  a negatividade das  segunda e terceira  estrofes,  nesse dois versos   se abre um luz  que talvez corresponda a um estado  de aceitação  dolorida embora,  da ausência  plena  da  felicidade.    

     Ou seja, a metáfora do “vento” corresponderia, mutatis mutandis,  àquela “pedra  no meio do caminho” drumommondiana.  Representa  o acidente ou os acidentes do percurso, da travessia  existencial,   de cada indivíduo na Terra, dos quais nenhum  indivíduo  escapa    enquanto vivente. As fases   da vida, infância,  adolescência,  mocidade, maturidade e  velhice  são sucessivas a menos que um “vento perverso” venha mudar  esse percurso. A segunda estrofe semanticamente   se opõe à primeira.

    A primeira estrofe  figura,   pois,  o presente  em estado de tranquilidade,    quer dizer,  a  situação  de equilíbrio vivencial, enquanto a segunda estrofe   rompe com essa estado  de positividade. Convém observar que  o percurso  em geral do ser humano  transcorre entre   o equilíbrio e o desequilíbrio, i.e., não existe felicidade  completa, mas instantes  ou períodos de bem-aventurança, assim como pode haver  ainda  períodos longos  e inaceitáveis de  anormalidade, por exemplo,  nas situações  de catástrofes naturais ou  guerras  entre nações. O que significa que não  há a possibilidade  de  a existência  ser   vivida como um  mar de  rosas, sendo, por conseguinte,  a condição  humana  precária, imprevisível e finita.

    Por fim, há que considerar-se o artesanato   da construção do poema  estilisticamente  falando. Gostaria apenas de mencionar um  recurso de estilística fônica (aliteração) que  podemos depreender na leitura  da linguagem  em si  dessa composição poética:  a) Na primeira estrofe, a incidência do fonema / p/, remetendo à primaveril/pleno/perfume ; b)Na     segunda e terceira estrofes, a incidência do fonema  /v/, remetendo a vento/ invernal/reveste, um oclusivo  surdo e um fricativo sonoro. Desse modo, se constata que  a camada fônica dos versos  acompanha  o traço  de oposição semântica  do poema   em exame.   

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Paulino Neves, onde um cão é vigia de santo


Paulino Neves, onde um cão é vigia de santo 

Pádua Marques
Jornalista e escritor

Dia desses, faz pouco mais de oito dias, fiz uma viagem rápida pra fora de Parnaíba. Fui a convite de uma amiga conhecer Paulino Neves, no Maranhão. É lugar que ainda faz parte das cidades maranhenses aqui pertinho que mandam sua gente todo dia pras bandas de cá em busca de resolver essas coisas de médicos, compras, estudos, aposentadoria e pensões, diabo a quatro.

Paulino Neves é outra coisa. É outro pano. Nem lembra com a Tutóia, Araioses e São Bernardo, onde até parece que ninguém ainda se acordou a uma hora da tarde. Me chamou a atenção seu comércio. Uma rua, a Paulo Ramos, movimentada de dar gosto. Muita casa de material de construção, lanchonetes, pequenas mercearias, lojas de variedades. Ali pelo visto está correndo dinheiro de turismo e de duas usinas de energia eólica

Tem até um boteco tipo pé sujo, o Bar Água na Boca. Som tipo Reginaldo Rossi e Adelino Nascimento, a todo pano e aquela rapaziada lá dentro e na porta com cara de quem passou a noite virando bicho. Ao lado de uma funerária, Funerária Reviver. Calcule só. Funerária com nome de reviver. Andando um pouco mais, acabei dando de cara com uma loja do Paraíba. Por que todo lugar tem que ter uma loja do Paraíba?

Nem que seja com apenas uma porta, um gerente e um vendedor de cara bem feia.  Mas me impressionou mesmo foi o serviço de transportes. São caminhonetes Toyota, adaptadas, cabines abertas. Os mototaxistas, e nesse ponto estão melhores do que os de Parnaíba, andam em cima de quadriciclos. Mas eu nunca vi cidade no mundo pra ter mais Hillux do que Paulino Neves.

Mas tem loja do Paraíba. Como também tem Apae, tem uma academia de ginástica, a World Fitness Academy. Assim mesmo, em inglês. Mas não encontrei nada que lembrasse sua história, uma estátua, edifício antigo, uma igreja antiga. Procurei como quem procura a porta do céu, uma loja, mercearia, bodega, banca de revista que fosse, que vendesse alguma peça de artesanato. Encontrei não.

Mas tem loja do Paraíba. E uma agência minúscula do Bradesco, uma Secretaria de Turismo Sustentável, uma biblioteca, com nome da professora Maria  José dos Reis. Como toda cidade que tem apenas uma rua ou avenida e sendo de comércio, me lembrou muito Tóquio, com todos aqueles letreiros. Bancas de peixes no meio da rua e bancas de DVDs piratas. Tudo pertinho.

Tem duas pontes. Uma de madeira, velha e sem proteção lateral, proibida à passagem pra carros e motos. A outra, de concreto, novinha em folha sobre o silencioso rio Novo, tem passarelas pra pedestres. Aliás, o rio Novo me lembrou muito as Filipinas e a indonésia. Aquela cor da água azulada e a vegetação muito densa. Todo mundo ou quase todo mundo em Paulino Neves mora em sobrado. Acho até que lá todo mundo gosta ou se faz de rico.

Tive necessidade de comprar um par de pilhas pra minha câmera fotográfica. No supermercado, pequeno e cheio de toda sorte de tranqueiras, a moça do caixa tinha no ombro um papagaio que falava. Mas foi na Praça José Rodrigues da Penha, o Zeca Penha, que deve ter sido alguém muito importante, inaugurada no dia de Natal de 1999 pelo prefeito Josemar Oliveira Vieira, que encontrei e guardo uma das melhores impressões de minha viagem, um cachorro vigiando São Sebastião, que está amarrado e quase nu dentro de uma caixa de vidro.

domingo, 22 de julho de 2018

Seleta Piauiense - Carvalho Neto

Fonte: Google/Fofocas de Amarante


Minha rua, meu pedaço

Carvalho Neto (1944)

minha rua
é do tamanho da saudade
que sinto agora e que em boa hora
foi vestida em prosa e verso
minha rua, universo, dor contida
longo abraço, hora da partida.
minha rua ficou triste
seca, descolorida, sorriso triste
para mim.
minha rua, meu pedaço
braço do rio Parnaíba
onde deságuam minhas ilusões
sem fim.   

sábado, 21 de julho de 2018

BÊBADOS QUERIDOS DA MINHA TERRA!

Fonte: Google

BÊBADOS QUERIDOS DA MINHA TERRA!

José Pedro Araújo
Historiador, romancista e cronista

Todos nós temos perdida na mente a lembrança de algum bêbado famoso. O assunto, que pode ser considerado como uma verdadeira tragédia para os familiares do indigitado beberrão, pode se constituir em situações verdadeiramente hilariantes para outros. Da minha infância, guardo a imagem do velho João Tufo a perambular pelas ruas do nosso Curador, amedrontando as crianças com a sua figura caricata, suja, corpo cheio de feridas, abertas e purulentas. Esse pobre homem andava rua acima, rua abaixo, cambaleante, cofo nas costas, a pedir esmolas mal o dia começava. Na minha ótica, parecia já estar embriagado quando o sol nascia no horizonte. Nada sei da sua origem, apesar de dizerem ser ele uma espécie de Quincas Berro D’Água, o rei dos vagabundos da Bahia, relatado nos escritos de Jorge Amado. Mas, lembro-me que quando morreu causou grande comoção na sociedade local, já acostumada com a sua figura inofensiva e bonachona.

 Vem da mesma época também outro personagem marcante. Era um negro velho, carapinha branca qual chumaços de algodão, chamado Preto Olegário. Não sei da sua origem também, mas era figura conhecidíssima na cidade. Passava os dias em total estado de embriaguez, batendo às portas de todos os bares da cidade em busca de quem lhe pagasse um copo da cruel para beber. Era comum vê-lo no final da tarde caído em alguma calçada, abraçado com alguns trapos que sempre carregava consigo. E onde caía, ali passava o resto da noite, ao relento e sob o orvalho. Ou banhado pelas torrenciais chuvas que caiam no período invernoso. Vem desse período uma frase com viés racista que se usava quando era colocada uma espiga de milho verde para assar, e ela ficava queimada, deixando à mostra aquela crosta escura: “Ih! o Olegário passou o pé”, afirmavam as crianças, numa alusão à cor da pele do pobre homem. Vez por outra, quando estava incomodando demais, o velho Olegário era recolhido pela polícia e passava a noite em uma das celas da cadeia velha, situada na Praça Diogo Soares. Ali, certa vez, o nosso conhecido “beberraz” dormiu para nunca mais acordar. Foi velado na própria delegacia, onde o vi prostrado sobre uma porta de madeira arrancada de um portal. Foi enterrado como indigente. Ninguém veio lhe reclamar o corpo ou chorar por ele.

Certa época apareceu em Presidente Dutra um homem robusto, alvo de tez, conhecido pela alcunha de Créu. Veio das bandas de Sergipe, me parece, e foi acolhido por importante empresário presidutrense, que o contratou como vigia do seu posto de gasolina. O homem começava também a beber logo que o dia amanhecia, de maneira que quando a noite chegava, já o encontrava completamente embriagado. Nessa ocasião, inflamado pela branquinha, subia na marquise do prédio onde hoje funciona um hotel e despejava sobre a cidade seus discursos intermináveis e furiosos. Por esse tempo, vivia-se o início do governo militar que governou o país por mais de vinte anos. Naquele momento as garantias individuais estavam totalmente suspensas e o cala-te boca era a tônica do momento. Nem mesmo este aspecto era impedimento para o falastrão Créu despejar a sua fúria sobre tudo e sobre todos, nas noites do Curador.

Lembro-me, entretanto, que seus principais inimigos eram os Comunistas e Integralistas (que ele chamava de intregalistas). Inflamado, atacava os adversários do regime getulista, implantado lá pelos anos 30, estendendo-se até o ano de 54. Do alto do seu púlpito improvisado, todas as noites o bebum despejava discursos desconexos, misturando datas e fatos, para desgosto das famílias que moravam no entorno do local da sua oração, incomodadas com a voz forte do orador notívago. Certa noite, depois de alguns anos de zangados discursos, a voz do orador se calou. Assim como surgiu, desapareceu sem deixar um adeus.

Em Presidente Dutra, mais precisamente no povoado Canafístula, era fabricada uma pinga que ganhou fama entre os bebedores contumazes, e também entre os apreciadores esporádicos de uma purinha. Sem marca própria, passaram a chamá-la de Beltroina, numa referência ao dono do engenho, o fazendeiro Beltrão Campelo. A Beltroina possuía uma coloração dourada e seus apreciadores diziam ser de uma qualidade extraordinária. Talvez por conta disso, alguns rapazes da cidade se afeiçoaram tanto a aguardente que viviam entornando grandes quantidades dela até beijarem o pó vermelho das ruas. Alguns desses jovens, pertencentes à burguesia local, entravam em tal estado de êxtase que saiam aprontando pela cidade. Um deles, figura conhecidíssima de todos, bonachão, conversa agradável, melava-se amiúde com a Beltroina, para desespero dos familiares e amigos. O contato do rapaz com a marvada se tornou tão corriqueiro que era comum encontrá-lo “tangendo galinha” pelas ruas da cidade ainda na parte da manhã. A propósito disto, os amigos de farra, confirmando aquela máxima de que “o macaco não olha para o próprio rabo”, decidiram que o rapaz precisava arranjar uma cara-metade para cuidar dele. Somente assim, conjeturaram, sairia daquele estado constante de embriaguez.

A escolha recaiu sobre uma jovem muito bonachona e prendada, namorada antiga, mas esporádica do nosso bebum. Honesto também é acrescentar que o rapaz não era nenhuma criança também; já estava ultrapassando a casa dos trinta e cinco anos, de modo que se equivaliam no quesito idade. E além do mais, a moça era prendada e de boa família, formada professora - se não me falha a memória. Cuidaria dele muito bem. Mas o plano só daria certo se a moça concordasse com ele. Aí veio a surpresa. A moça aceitou sem impor condições o casamento, e ainda afirmou que nutria grande paixão pelo candidato que lhe foi ofertado. Foi a sopa no mel. Uma parte do futuro casal concordava inteiramente com o casório. A outra parte, por sua vez, só precisava ser convenientemente preparada!

Mas otimismo tem limites. Foi difícil conseguir convencer a outra cara-metade. Sempre que o assunto era iniciado, o rapaz, naquele momento ainda sóbrio, pulava fora e dizia ao interlocutor poucas e boas, taxando-o de amigo-da-onça. Notaram, porém, que quando o rapaz já havia tomado algumas a mais, o assunto era mais bem recebido, aceito até mesmo com certa simpatia. Combinaram com a noiva realizar o casório quando ele estivesse completamente embriagado. E assim foi feito. No dia do casório, o nosso protagonista estava radiante, apesar de não se manter de pé sozinho. Aparentava também não saber do que se tratava aquela solenidade tão animada. Não importava, já que a cachaça estava rolando solta e a felicidade dos amigos era total. Mas no dia seguinte, quando acordou e deu de cara com a nova sócia ali do lado, o homem irrompeu em um choro descontrolado; não podia acreditar que aquilo estivesse acontecendo com ele.

Poucos dias depois, encontrei-o em um sítio da família. Estava sóbrio e ainda muito magoado com a presepada que haviam aprontado pra ele. Mais tarde, depois de relembrarmos o episódio do casamento, julguei ver brotar de seus olhos algumas lágrimas teimosas.      

sexta-feira, 20 de julho de 2018

AMIGO, TODOS OS DIAS, POR TODA A VIDA

Fonte: Google

AMIGO, TODOS OS DIAS, POR TODA A VIDA

Antônio Francisco Sousa
Auditor Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

Do amigo, o que dizer? Muita coisa, como não? O amigo é esse cara, mais que chapa e que colega; vezes, até mais que irmão.

            Aquele que chega de mansinho, se percebe no outro uma aflição; e que sai, bem de fininho, quando entende finda sua missão.

            O primeiro a querer saber, da felicidade do companheiro, a razão; o que parte para a luta, que se esfola, não desiste, jamais deixa o outro na mão, mas que também fica feliz se seu amigo diz estar feliz sem razão.

            Meu amigo sou eu que escolho, Deus apenas avaliza a união; por isso jamais a ele se abandona; como fazer isso em quem o Todo-Poderoso põe a mão?

            Se o amigo diz não poder fazer o que lhe pede, talvez você nem precise saber a razão: ou o pedido é algo impossível, ou não lhe seria favorável a solução. Mas se insistir no assunto, fique tranquilo: não tomará por desconfiança a inquisição; certamente, com muita e sutil gentileza, ele lhe dará a explicação.

            Ter amigo é tão importante como ganhar um novo coração, que mesmo vindo com outro cérebro, este não afetará sua intelecção; talvez o que lhe aconteça, de fato, com esta nova composição, é que menos dúvidas lhe confundam, no momento de consolidar sua convicção. Já motivos você os terá, sim, para viver ainda mais feliz: provavelmente, jamais lhe faltará emoção.

            Aquele que deixa dúvida de que amigo seria sua melhor conceituação, não está no ponto nem apto, ainda, para tão sublime missão: ser, de fato e, simplesmente, amigo, sem mais nenhuma complementação. Ninguém é amigo por acaso, por descuido natural, vocação ou opção. Todos nascemos com uma sina, uma inata orientação: buscar fazer da amizade nossa mais importante missão. Fazer e ser amigo não nos deve custar nada: deixar de tentar buscar esse objetivo, sim, é negar-se ao cumprimento de uma divina imposição.

            Por tudo isso, meu caro amigo, é que a amizade é uma bênção. Amigos, só os tenhamos pouco ou raros, se não pudermos tê-los em profusão. O amigo não cobra espaço, não sente inveja ou decepção, tem sempre o coração aberto, tempo bastante para ouvi-lo com atenção, e o ajudar, ainda que lhe falte tempo para outras obrigações. Quando deixa de entender determinada situação envolvendo seu amigo, compreende que, da parte dele, não foi um escamoteio, um subterfúgio, muito menos uma omissão: fazê-lo alheio àquele caso, possivelmente, teve por motivo eximi-lo de alguma decepção.

            Viva o amigo e a amizade, todo dia, o ano todo, por toda a vida.