sexta-feira, 29 de junho de 2018

FOGO EM PALHOÇAS DE TERESINA

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FOGO EM PALHOÇAS DE TERESINA

Elmar Carvalho

Hoje à tarde, encontrei no shopping Teresina, no chamado “senadinho”, que não costumo frequentar, o jornalista Toni Rodrigues, meu conhecido há vários anos. Além de correto como cidadão e profissional, é também homem culto e escritor de mérito, tendo escrito ficção policial, o que denota o seu espírito investigativo e questionador.

Já escreveu textos de caráter historiográfico, mormente sobre os crimes rumorosos ocorridos no estado. Nasceu em Piripiri, em 1968, mas é radicado em Altos desde a meninice. Tempos atrás, confessou-me haver lido a antologia parnaibana Poemágico – a nova alquimia, publicada em 1985, de que faziam parte os poetas Alcenor Candeira Filho, Jorge Carvalho, V. de Araújo, Paulo Véras e Elmar Carvalho. Disse haver gostado da coletânea, o que muito me honra.

Na conversa que mantivemos nesta tarde, terminou falando sobre o famigerado caso do fogo que era ateado em casas de palha, na Teresina da época do interventor Leônidas de Castro Melo, que até hoje desperta controvérsias e especulações, sem que se tenha certeza sobre quem tenha sido efetivamente o mandante desses incêndios, que atormentaram as pessoas pobres, residentes na periferia da capital.

Entendo que a maioria dos estudiosos defende a tese de que o autor intelectual tenha sido o coronel Evilásio Vilanova, comandante da Polícia Militar do Estado, tanto com o objetivo de que fosse criado o corpo de bombeiros, como para lançar a culpa em políticos da época, e, assim, cavar a possibilidade de vir a ser o governante do Piauí.

Leônidas era um homem sério, honrado e honesto, tanto que saiu pobre do poder, não obstante haver governado o estado com amplo e quase ilimitado poder, por mais de dez anos, ininterruptamente. Claro que teve seus erros, e entre estes geralmente é apontada a aposentadoria compulsória dos desembargadores Arimatéia Tito, Simplício Mendes e Esmaragdo Freitas.

Pelo que sei, Leônidas Melo nunca contou a sua versão sobre quem seria o mandante desses incêndios, preferindo guardar perfeito silêncio, por motivo que desconheço. Soube que, já em idade provecta, prometeu que relataria a verdade sobre esse triste fato da História Piauiense a pessoa de sua confiança, mas terminou falecendo, sem fazer a anunciada revelação.

Também soube que, muitos anos após esses fatos, ele teria recebido a inesperada visita de Vilanova. Os dois conversaram a sós, sem que nunca alguém tenha sabido o teor da conversa. O escritor Victor Gonçalves escreveu um conto sobre esses lamentáveis acontecimentos e o historiador Alcides Nascimento publicou uma volumosa obra sobre o assunto. Leônidas escreveu um livro de memórias, titulado Trechos do Meu Caminho, que tem passagens interessantes, antológicas mesmo, algumas até que são verdadeiras lições de vida, mas que não encerram o caso.

Toni Rodrigues revelou-me ter novas informações a acrescentar sobre o que já se escreveu a respeito desse tema, pois leu documento que os outros historiadores não teriam compulsado, bem como sobre o episódio da demissão de Evilásio Vilanova, que era coronel do Exército, e não era piauiense. Esperemos, pois, que o jornalista e escritor Toni Rodrigues traga luzes a esse episódio histórico ainda um tanto penumbroso, ou ainda não completamente esclarecido.  

20 de fevereiro de 2010

quinta-feira, 28 de junho de 2018

PREFÁCIO AO LIVRO DE POESIAS RESSACAS, DE CARLOS ALBERTO GRAMOZA VILARINHO

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PREFÁCIO AO LIVRO DE POESIAS RESSACAS, DE CARLOS ALBERTO GRAMOZA VILARINHO


Cunha e Silva  Filho *
  

       Um Prefácio não pode ser apenas elogios a um autor, mas  adiantar algumas observações  de natureza crítica que a  obra lida possa suscitar numa primeira leitura,  quer dizer,  trazer à baila aquilo que  o livro   lançado  possa oferecer de novo no tocante a livros anteriores  do autor. Só os livros de estreia  podem ser lidos  com  uma  boa dose de indulgência a fim de que o julgamento  não seja apenas   negativo, pois  quem prefacia,   antes de tudo,   merece  tratar um autor novo  com alguma boa vontade, mesmo  porque o autor, ao escolher alguém que lhe faça  um prefácio,  já por si só espera   uma boa acolhida à obra.  De qualquer   forma, o gesto de entregar  a  uma pessoa a incumbência de um prefácio é um maneira de  reconhecer o valor  de quem vai escrevê-lo. Seria uma espécie de homenagem  ao autor do prefácio.
        Sendo assim,  cumpre a quem escreve  esse tipo de paratexto  salientar  o que esteticamente  seja válido  na obra e o que  poderia ser sugerido ao autor  a fim de que ele venha a  melhorar no gênero ou gêneros em  que exerça a atividade criadora.   No caso em exame, um livro de poesia.
      Carlos Gramoza está distante de sua estreia no domínio poético há  três décadas.  Seu livro de estreia, Tempos perplexos, é de 1983, com  Prefácio de José Virgílio Madeira Martins Queiroz. Esse  longo período de vida não foi, no entanto, acompanhado de uma boa quantidade de obras escritas. Ao contrário, a obra ora lançada, Ressacas, vem a ser a terceira em sua trajetória de  poeta.
      Circunstâncias várias são, por vezes, impeditivas  a que  um autor  produza  mais. Não vem  ao caso discutir as razões dessa questão que mais está   associada à vida do autor e à vida literária. Não importa. O que permanece na história literária é uma obra editada, não a obra completa, uma vez que o conceito de obra completa é  por demais vago e fugidio. Quero significar  que o mínimo pode equivaler ao máximo e, em se tratando de valorização   estética, número de livros nada tem a ver  com  bom ou ótimo nível literário.
     O fato é que devo assinalar  um ponto pacífico  na  questão axiológica de um poeta como o Gramoza, ou seja,  não há dúvida  quanto  ao reconhecimento de  seu  talento poético,    posto que  identifique na leitura de  seu segundo livro, Passos oblíquos (1994),  bem como no terceiro, Ressacas, já mencionado, objeto deste Prefácio, algumas deficiências de ordem gramatical e bem assim  de erros de grafias não bem revisados  pelo editor. Isso não é bom  para uma obra nem para o autor. A habilidade  criativa  de Gramoza é bem superior ao seu estrito domínio  de certos  aspectos  da disciplina gramatical, porquanto nele a potência do verso  está acima  do fato meramente  gramatical. Com um pouco  de esforço,  essas deficiências podem ser  sanadas.
      À época da publicação de Passos oblíquos, em novembro de 1994, com Prefácio de Clóvis Moura e Introdução de M. Paulo Nunes,  não tinha eu conhecimento da   existência desse poeta de Amarante. Só naquele ano vim  a saber. O autor me havia  remetido um exemplar autografado desse segundo livro. O livro de estreia, Tempos perplexos, já citado,   somente vim a  ler há pouco menos de um mês num exemplar  que o autor me remeteu, também gentilmente autografado  com a data do mês corrente. A  publicação, em edição simples e desataviada, ficou a cargo  da Universidade Federal do Piauí – PREX -  Coordenação de Assuntos Culturais. O  livro não  menciona o número de páginas, frente e verso,  que o constitui. Resolvi contá-las. Soma  28 páginas de frente, ficando, porém,  em branco a numeração das páginas  do verso, num total de 28 poemas.
   Entretanto, não resta dúvida de que da obra de estreia  até Ressacas, houve avanço considerável  tanto na técnica  de compor  os poemas quanto  em certas constantes de seu lirismo, as quais se aprofundaram, o que é um bom sinal  a um poeta   visceralmente  sensível  ao sentimento humano e ao sentimento  da natureza, tanto quanto a uma atenção vigilante   com problemas   sociais, étnicos, políticos   a desafiarem um mundo movimentado pela alta tecnologia.
   Continuo apostando na sua capacidade  de   fazer boa poesia em diferentes   frentes temáticas: lirismo, autobiografia,  natureza,   problemas sociais e artesanato  poético,  no sentido de    criar metáforas poderosas que dão aos seus poemas  um sensação de grito contra  tudo aquilo  que machuca  a dignidade  do ser humano.  Todos esses traços temáticos e  expressivos de sua semântica poética  lhe conferem um lugar de realce entre os poetas   de sua geração que ainda  acreditam  no papel da   poesia e sua função social como instrumento  de  consciência  desalienante  dos povos.   
    Na sua obra de estreia, me  chamaram a atenção, pela maior qualidade composicional,   entre outros, os poemas  “Lunar,” “Deslumbrado,” “Pesadelo,” “O pneu,”  “Domingo à noite,”  “A palavra” e “Vazio.” Gramoza, na condição de estreante  tem altos e baixos, algumas hesitações  de elaboração  de poemas, de pontuação que podem ser sanadas em outras edições. No que tange ao fazer poético, ele se distingue pela inquietação, por  um certo pessimismo e pela marca muito pessoal, muito autobiográfica, enrustida  no sujeito lírico. Esse meuismo, se assim posso   definir,  não contribui, se exagerado,  para atingir um melhor patamar  valorativo de seu estro.
    A hipertrofia  da subjetividade lírica não ajuda nenhum bom poeta que pratique o verso  em moldes modernos,  i.e., desde  o surgimento das vanguardas europeias  e a sua  assimilação  na   poesia brasileira,  seja oriundo da ruptura do verso tradicional -  rimado e metrificado -, do Modernismo de 22, seja a  partir das gerações e movimentos  poéticos  inovadores   do Concretismo de 1956 e de outros  movimentos   de transformação da poesia   brasileira contemporânea.
    No entanto, em  Gramoza podemos  identificar nele processos discursivos  e expressivos, aliás já mencionados em parte atrás, e que, agora, reforçamos,  os quais   foram se aperfeiçoando  desde o livro de sua  estreia: a ) a habilidade de descrição da natureza; b) o forte sentimento de um lirismo à flor da pele; c) a temática social  de viés esquerdista que vai  até a uma obsessão  por certas figuras mundiais  emblemáticas como  as de Fidel Castro, Che Guevara, a crítica contundente ao capitalismo, o grito indignado contra a política econômica norte-americana ante as nações subdesenvolvida (poema “Cloaca,” p.53); d) a voz  da poesia impotente diante  dos problemas sociais e das subjetividades   e  a  incompletude  das ações e objetivos na vida de um  indivíduo, o vazio de tudo (Poema “Inconclusa Canção,” p.52);   e ) uma cadência rítmica que faz com que a linha do verso seja interrompida, à semelhança de um enjambement, e conclua o sentido  do verso no verso  seguinte:
                       
                          Elas são as duas pescadoras
                         Mais velhas das margens do Parnaíba. (Poema “Elas” Tempos  perplexos)

        É bem evidente, a começar do livro Passos oblíquos, a constatação   dessa acúmulo de versos entrecortados formando,  no espaço da página, uma  espécie de enfileiramento  de versos em estrofes  heterométricas,  pequenas, médias e grandes, que  se  vai agrupando até constituir    o todo do poema.
       Essa estratégia  grafemática,  que se  vai radicalizar em movimentos poéticos posteriores   à poesia concretista (Neoconcretismo,  Práxis, Vereda, PTYX,  Poema-Processo) caracterizada pelo  anti-discursivismo,   à frente,  o uso até exagerado   da desarticulação  ou atomização  dos vocábulos, ocorre igualmente  em outros  poetas  a partir da influência – convém  reiterar  - das  vanguardas europeias. Na verdade, essa novidade verbi-voco-visual remonta até a tempos  bem remotos da Antiguidade grega  e latina. No entanto, Gramoza faz uso -  diga-se assim -, mais  comedido  dessas  hiperrupturas  em face do verso tradicional,  antes joga mais com o espaço  da página em branco e com a heterodoxia das estrofes semanticamente encadeadas.
    Ora, o poeta Gramoza, que já está  hoje na casa dos sessenta anos,  deve ter   acompanhado  todas essas transformações operadas na poesia  brasileira, de vez que,  ao publicar seu primeiro livro  nos anos 1980, ele já se insere  visual e  expressivamente  na modernidade poética.
      No que toca aos temas  de sua poesia nele persistem alguns   leitmotive basilares de sua produção: a paisagem da  cidade natal, Amarante, sua natureza,  seus ventos,  suas árvores, seus rios,  a recorrência  de versos alusivos ao rio Parnaíba,  o principal da cidade e do Estado do Piauí, o casario, enfim, seus   pontos naturais mais   conhecidos, sobretudo a  principal rua de Amarante,  chamada Avenida Amaral.
  Um dado curioso do verso de Gramoza: não consegui vinculá-lo a nenhuma influência de poetas  piauienses, nem mesmos do seu poeta maior,  o Da Costa e Silva (1885-1950).   No livro de estreia, somente uma vez me deparei com dois sintagmas que nos trazem, intertextualizadas, na linha de um verso gramoziano,   partes justapostas  de versos do poeta de Sangue (1908): “... aos ósculos das águas,” do sol de estio (poema “Deslumbrado”) sintagma   extraído do poema “Amarante”, do livro Zodíaco ( 1917)e ”...de um sol de estio,”  sintagma  retirado do soneto “Saudade,” da obra Sangue.
       No livro Ressaca   Gramoza  progride como poeta, aprofunda mais temas de sua preferência. Não diria que os 57  desse poemas sejam todos ótimos ou bons. Ele  tem subidas e caídas,  mas as subidas  é que o mantêm  na  condição de poeta que pode ser lido e estimado  pelo leitor de poesia ou pela crítica.
       O poeta vai do lirismo  dolorido à indignação social, do sentimento  do amor indefinido à natureza  de mãos dadas com a subjetividade,  do telurismo ao urbano, do sentimento da natureza em fusão com a visão autobiográfica.  Como bom poeta, entre outras  preocupações, uma se  deve assinalar: a de  um lírico   que se volta, de quando em vez,  para o próprio ato de criação literária, o qual, de resto,   é um interesse  constante  de alguns  grandes  poetas de todos os tempos.
       Essa reflexão metapoética  lhe permite  sondar os seus próprios recursos  na construção dos poemas. Testar o canal do discurso lírico.   Na poesia gramoziana  tudo se mistura  e tudo, a meu ver,  converge  a uma postura  poética  muito  colada ao sinestésico, aos ritmos diversos,  ao gozo  das palavras e, portanto,  da linguagem, da  sua sintaxe   poética que  parecem   desaguar em cascatas em direção ao mar profundo. 
     Daí que alguns poemas  suscitam em nós, leitores ou críticos, ou ambos,  a vontade de  afirmar ”Belíssimo poema. E assim eu fiz, anotando à margem da cópia  de seu  Ressacas, as  seguintes conclusões numa segunda leitura do livro: Muito bom ( poema “Evocação a Zumbi” (p. 43);  “Atalhos” (p. 42); “Ressacas” (que dá  título ao livro (p. 63-64).
     Dou aqui por encerrado este Prefácio e com a certeza de que li um livro de um poeta  de verdade na exploração,  com criatividade,  de temas  eleitos   e com  estilo literário inconfundível além de   enorme carga de sensibilidade para dar e vender.
                                                                  
  Rio de Janeiro, 27 de junho de 2018.
                                                                       
         Pós-Doutor em Literatura  Comparada pela UFRJ. Membro efetivo da Academia Brasileira de Filologia.

NOTA:  Livro inédito  a ser editado possivelmente  este ano.    

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Coronel Antônio Borges Marim, o Senhor de Bocaina

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Coronel Antônio Borges Marim, o Senhor de Bocaina

Reginaldo Miranda *

Entre os fundadores de fazendas e militares com serviços prestados no assentamento da base colonial portuguesa, figura o coronel Antônio Borges Marim, que chegou ao Piauí no ano de 1714. Naquele período em que ainda não estava organizada complexa estrutura governamental entre nós, era a patente militar que distinguia a hierarquia não só militar, como também social, entre os colonos. E a implementação das fazendas com criatório de gado, dizia da posição de mando e das relações de trabalho, distinguindo os mais dos menos nobres.

Era também costume identificarem em sua terra, os jovens pelo nome dos pais, por alguma profissão ou por características que lhes fossem peculiares. No entanto, aqueles que saíam em trabalhos do real serviço ou mesmo em busca de oportunidades, geralmente eram identificados pela terra de origem, que, em muitos casos lhes era incorporada ao patronímico familiar. Era essa a razão de muitas famílias terem denominação com origem geográfica. Não foi diferente com esse Antônio Borges, natural de vila Marim, no concelho de Vila Real, onde nascera por volta de 1668. Existe outra vila desse nome em Portugal, ambas derivando do latim marinus.

Nada sabemos sobre os primeiros anos de vida de Antônio Borges, no entanto é de supor-se que tenha vivido infância e adolescência na terra natal. É bastante significativa a existência desse termo de casamento realizado em 27 de maio de 1690, na vizinha freguesia de São João de Lobrigos:

“Antonio Borges, natural da fregª de Villa Marim e Anna Roiz, natural da fregª de Abbacas, se receberão nesta fregª de Sam João de Lobrigos, em minha presença, aos 27 de Mayo de 1690, de quem forão padrinhos como t.tas Joseph Lopes de Barros e Domingos Guedes V..., todos desta fregª era et supra”.
  
Esse casal teve três filhos, que permaneceram no reino, a saber: 1. Manoel Borges (bat. 20.1.1692), foi casado com Maria Pereira; 2. Simão (bat. 1.11.1694); 3. Francisco Borges (bat. 28.2.1698), foi casado com Maria Guedes. No entanto, não sabemos informar com segurança, se esse Antônio Borges é o mesmo que, mais tarde, veio para o Piauí. Caso positivo teria ficado viúvo, pois aqui já vivia em novas núpcias com Maria de Sousa da Conceição. De toda forma, é muito tentador pensar-se positivamente, e que nosso biografado teria tidos duas núpcias, ficando os filhos do primeiro consórcio em Portugal(http://www.genearc.net/index.php?op=ZGV0YWxoZVBlc3NvYS5waHA=&id=MTMyNTE=).

Desde cedo ingressou na carreira militar, servindo inicialmente no reino. Mais tarde, foi mandado para servir no posto de capitão de infantaria das ordenanças, nas tranqueiras de Saibana, em Baçaim, hoje Vasai-Virar, porto no extremo sul de uma ilha localizada a 50km de Bombaim, no noroeste da Índia, onde, certamente, em sua carreira ultramarina enfrentou guerra na defesa dos interesses econômicos e comerciais de Portugal.

Por ato de 23 de novembro de 1701, foi promovido ao posto de coronel de ordenanças, das vilas de Santo Antônio de Itabaiana e Santo Amaro das Brotas (ou de Cutinguiba), em Sergipe del Rey, onde permaneceu por mais de uma década. Foi justificada a promoção em face de ser prático na disciplina militar e ter experiência na guerra. Em Sergipe situou fazendas, como era a praxe da época (PT/TT/RGM/B/0014. RGM, Mercês de D. Pedro II, liv. 14, fl. 1v).

Em 1712, com a idade aproximada de 44 anos, foi destacado para servir no Piauí, a fim de combater os indígenas rebelados e proteger os currais que sustentavam a economia piauiense. No entanto, somente dois anos depois, adentrou o sertão de dentro à frente de numerosa tropa, instalando-se em fazenda que fundou na ribeira do Guaribas, vale do rio Itaim, com o nome de Bocaina, hoje cidade de mesmo nome. Essa fazenda se situava entre serras assemelhadas a uma boca, onde nasce uma das vertentes do referido riacho, de onde derivou a denominação.


Com o aumento do rebanho situou outras fazendas na mesma ribeira, entre as quais: contígua àquela, uma porção de terras com cem braças de comprido e cinquenta de largura, onde possuía engenho e roças de lavoura; povoou a fazenda Sussuapara, hoje cidade de mesmo nome, com légua e meia de comprimento e uma de largura; também a fazenda do Pico, com uma légua de comprido e légua e meia de largura; por fim, o sítio Monte Alegre, com uma légua de comprido e meia de largura.

Em 1714, estava o mestre-de-campo da conquista, Bernardo de Carvalho e Aguiar enfrentando muitos trabalhos e incômodos na guerra que travava contra os indígenas rebelados. Era o conflito que ficou denominado de Levante Geral ou Revolta de Mandu Ladino. No início do levante haviam os indígenas matado seu antecessor, mestre-de-campo Antônio da Cunha Souto Maior. Então, adoecendo Bernardo de Carvalho, retirou-se para suas fazendas a fim de se refazer. Foi quando tomou conhecimento de que chegara ao Piauí, o português Antônio Borges Marim, coronel das vilas de Santo Amaro e Itabaiana. Por carta de 13 de junho daquele ano, pediu que este o acompanhasse na guerra geral e no realdeamento dos Jaicós, que haviam abandonado sua missão por influência dos rebeldes, com quem haviam se associado. Desde 1701, que esses indígenas, juntamente com os Icós, estavam aldeados no vale do rio Itaim, por ação missionária do padre Tomé de Carvalho e Silva, vigário da Mocha.

Então, reunindo trezentos homens de sua tropa e fazenda, o coronel Antônio Borges Marim seguiu ao arraial de Bernardo de Carvalho, onde uniu a estes mais 120 homens armados, que tinham por cabo o tenente-coronel Manoel Gonçalves Pimentel, moradores no distrito do Ceará, distante do dito arraial cem léguas. E, de fato, subindo Parnaíba acima deu combate a muitos indígenas revoltados e confederados, de cujo resultado fez pazes com os Jaicós, os aldeando no vale do rio Itaim, em terras dele conquistador, Antônio Borges Marim. Foi este o primeiro feito eloquente praticado por este militar em terras do Piauí. Desde então, permaneceu lutando ao lado do mestre-de-campo Bernardo de Carvalho, até a subjugação total dos indígenas rebelados, em 1717. Desta data à frente, voltou-se aos cuidados administrativos com o aldeamento N. Sra. das Mercês, dos índios Jaicós e com campanhas esporádicas contra os índios de corso. A par dessa atividade militar, dedicou-se ao apascentamento de rebanhos bovinos no vale do Guaribas e seu posterior comércio nas feiras da Bahia e Pernambuco, para onde mandava as suas boiadas, anualmente, a exemplo de outros grandes criadores desse nosso sertão (AHU. ACL. CU 009. Cx. 12. D. 1199).

Foi nessa lida na Bocaina, que viveu a última fase da maturidade e a velhice honrada, entre familiares, vaqueiros, agregados e escravos. Já em idade madura convolou segundas núpcias com a jovem Maria de Sousa da Conceição. Porém, de núpcia anterior ao menos uma filha permaneceu residindo em Sergipe del Rey, dona Catarina Borges Marim, casada que fora com o coronel do regimento da Vila Nova de Santo Antônio do Rio São Francisco, de Itabaiana e Santo Amaro da Cutinguiba, Manuel Nunes Coelho, natural de Lisboa(1681), filho de outro de mesmo nome. Mais tarde, essa filha, então viúva, iria solicitar autorização de el rei para fundar, às suas custas, em Sergipe, onde era moradora, um recolhimento para viúvas e donzelas nobres. No entanto, seu genro o acompanhou ao Piauí e em 1716, estava situando fazenda no vale do rio Itapecuru, no Maranhão, depois retornando a Sergipe, onde sucedeu o sogro no comando do regimento militar. Esse casal teve ao menos um filho, o coronel Manoel José de Vasconcelos de Figueiredo, que fora casado com dona Clara Leite de Sampaio, sendo eles pai de Manuel José Nunes Coelho de Vasconcelos e Figueiredo (em alguns documentos aparece apenas Manoel José Nunes Coelho), coronel de um dos terços de cavalaria da cidade de Sergipe del Rey. Também, o acompanhou o ajudante José Pereira de Brito e seu tio Manaoel Rodrigues de Brito, que se estabeleceram no Piauí (AHU. ACL. N-SE 376. Cx. 07. D. 18; Cx. 8. D. 13, 14 e 15. Cx. 9. D. 32; Cx. 4. D. 59).

Faleceu o coronel Antônio Borges Marim, em 1749, com cerca de 61 anos de idade, em sua fazenda Bocaina, na ribeira do Guaribas, então termo de Oeiras. Deixou viúva a sua segunda esposa, dona Maria de Sousa da Conceição e ao menos mais dois filhos: 1. Euzébio Borges Marim (nesse caso encontramos a grafia Marinho), que depois de adulto passou a morar na fazenda Guaribas, na mesma ribeira, casado com Florinda Ferreira de Jesus; 2. Antônio Borges Marim, o moço, sobre quem teceremos breves comentários; 3. Ana Borges, filha mais nova.

Depois de viúva, ainda jovem, dona Maria de Sousa da Conceição contrairia novas núpcias com Gonçalo Rodrigues de Brito, que sucederia o primeiro consorte de sua esposa na administração da fazenda Bocaina. Uma relação de todos os possuidores de terras do Piauí, elaborada em 16 de novembro de 1762, pelo conselheiro Francisco Marcelino de Gouveia, esclarece esse situação:



“Gonçalo Rodrigues de Brito, possue hua fazenda na mesma ribeyra(do Itaim, em que vão incluídas as de Guaribas e Riachão), chamada a Bocayna, com três legoas de comprimento e hua de largura, a qual possuía o coronel Antonio Borges Marim, por morte do qual pertenceo a sua mulher, que hoje é do atual possuidor”.



Também, consta no Censo Descritivo do Piauí, finalizado em 6 de junho de 1765, que naquele tempo residia na fazenda da Bocaina, a viúva Maria de Sousa com o segundo esposo Gonçalo Rodrigues e dois filhos seus, Antônio Borges Marim, o moço, e Anna Borges, acompanhados de quatro escravos, cinco escravas, a mulatinha forra Izabel e mais o casal Quitério Luciano e sua mulher Antônia de Sousa. É a população de então, na Bocaina.

Todavia, cumpre ressaltar que naquele período muitos outros desse sobrenome também residiam naquela ribeira, a saber: na  fazenda Guaribas, além do citado Euzébio Borges Marim, também Adriano Borges, solteiro; Hortênsio Borges, solteiro; na fazenda do Engano, a viúva Antônia Vieira da Rocha, com os filhos Manoel e Félix Borges Leal, solteiros; a filha Leonor Borges Leal, casada com João de Aragão; o filho Francisco Borges Leal, casado com Caetana Vieira; o filho Marcolino Borges, casado com Rosa Maria da Conceição; na fazenda do Buraco, Josefa Borges leal, casada com Maximiano de Moura Fé; Mathias Borges Leal, casado com Maria de Moura Fé; e Maria Borges Leal, casada com Leonardo de Moura Fé.

No que se refere a Antônio Borges Marim, o moço, era filho desse último consórcio. Nasceu na fazenda Bocaina, em 25 de janeiro de 1745. Continuaria a carreira militar do pai, tendo assentado praça de furriel do regimento de cavalaria auxiliar da capitania. Foi promovido a quartel-mestre do mesmo regimento, em 3 de agosto de 1793. Também, desempenharia saliente papel na vida pública, tendo sido vereador de Oeiras por diversas vezes e membro de uma junta de governo do Piauí(1791). Em 27 de outubro de 1798, conseguiu por sesmaria a fazenda Bocaina, que já se achava demarcada e cuja posse houvera de herança de seu pai que a possuíra, embora sem data confirmada. A carta de sesmaria esclarece que, àquela altura, media a fazenda três léguas de comprido e uma de largo, correndo seu comprimento de norte a sul e a largura de nascente a poente, extremando para o sul com a fazenda Rodeadouro; para o norte com o lugar chamado Três Irmãos; e na largura para o nascente, com caatingas brutas; e para o poente com a fazenda da Sussuapara, na forma que se acha demarcada. Foi esse filho homônimo o sucessor do pai na posse da fazenda principal, na carreira militar, política e no prolongamento de seu nome (AHU. ACL. CU 016. Cx. 20. D. 1028; Cx. 24. D. 1252).

A nosso ver o maior legado do coronel Antônio Borges Marim, foi reforçar o contingente lusitano na colonização do Piauí, pois ao chegar possuía uma força de trezentos homens. É bem verdade que muitos desses soldados retornaram ao seu quartel em Sergipe, porém, diversos outros permaneceram com ele no vale do rio Itaim, onde chantaram a caiçara de currais e deram origem a diversas famílias, logo mais participando da fundação da vila da Mocha, hoje cidade de Oeiras e da vida pública piauiense. Antônio Borges Marim, é nome que se faz notar no processo de colonização, no combate ao elemento indígena e no assentamento da base colonial portuguesa.

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* REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Contato: reginaldomiranda2005@ig.com.br   

terça-feira, 26 de junho de 2018

A segunda morte de São João foi na Parnaíba

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A segunda morte de São João foi  na Parnaíba

* Pádua Marques.                                                                   

Agora que junho está no fim e o São João da Parnaíba está morto e enterrado, digo como o finado colega meu, “do alto dessas sinagogas que ninguém há de abalar e nenhum acontecido há de fazer tremer”, fico olhando a que ponto nós chegamos com o mês mais alegre do ano depois do Natal.  Assim brincando esse pessoal que está aí acabou acabando com o São João da Parnaíba.

É que desde o ano passado o prefeito Mão Santa resolveu desprezar toda a estrutura do Quadrilhódromo e as quadrilhas e o bumba-meu-boi agora passaram a se exibir nos bairros. É uma decisão que vai contra todos os princípios de quem entende de festas populares e sua relação com o turismo. Pra quem deseja atrelar o folclore à atividade produtiva e assim formar capital ele está conseguindo fazer o contrário.

O São João da Parnaíba, que a muito custo alcançou relevo e projeção fora do Piauí, agora está fadado ao fim com as apresentações em escolas e meio de rua na periferia, lá no Deus me livre, pra lá do caixa-pregos, para ele Mão Santa, alguns poucos assessores e menos ainda uns poucos moradores que não gostam de novela. Nada contra quem mora em bairros afastados.

Mas até agora ninguém sabe ao certo se essa morte anunciada do São João da Parnaíba foi coisa dele Mão Santa ou se saída da cabeça de bagre de algum assessor, desses de conveniência, sem opinião própria e que ajudariam e muito se permanecessem calados ou estudassem mais, viajassem mais e vissem como se produz riqueza com a cultura quando se juntam o folclore e o turismo.

Assessores pagos pra balançar a cabeça. Esse pessoal esquece que o São João da Parnaíba só é o que é hoje, devido à persistência, muito suor derramado, dinheiro, tempo, amor e audácia de gente igual o Gerivaldo Benício, o Batista do Catanduvas, o Liberato e tantos outros que fizeram, levaram anos e mais anos e muito e tudo pra que esta festa chegasse ao nível que chegou.

Em outro tempo nossas quadrilhas ganharam prémios dentro e fora do Piauí, divulgaram nossas potencialidades turísticas, históricas, gastronômicas e outras riquezas nossas. Agora o São João da Parnaíba, disperso, assistido por poucos, escondendo a cabeça, feito cachorro com medo de foguete, está correndo o risco de dentro em pouco acabar de vez. Mas eu acho que a ideia desse pessoal, a intenção principal seja essa mesmo. Eles têm consciência de que estão fazendo a coisa errada, mas continuam fazendo!

Dá pra imaginar o prefeito do Rio, Marcelo Crivela, depois de tudo o que o carnaval representa pro Brasil, na visibilidade e geração de riquezas, decidir que os desfiles sejam realizados nos bairros, tipo Cascadura, Meier, Bonsucesso, Ramos, Madureira, Nova Iguaçu, Japeri, Queimados? Qual é o turista que vai se atrever a ir à periferia, andando feito besta pra ver as escolas de samba? É preciso que estes assessores de Mão Santa entendam e digam pra ele uma coisa: certas coisas não podem ser mudadas de lugar porque se acabam.

Pádua Marques, jornalista, membro da Academia Parnaibana de Letras, do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba, da Academia de Letras da Região de Sete Cidades, entre outras entidades culturais.   

segunda-feira, 25 de junho de 2018

DEPOIMENTO SOBRE ANA LÚCIA CERQUEIRA CANDEIRA

Alcenor e Ana Lúcia. Fonte: Google/Portal Ritíssima


DEPOIMENTO SOBRE ANA LÚCIA 
CERQUEIRA CANDEIRA

Alcenor Candeira Filho

          Ana Lúcia já teve várias carteiras de identidade: com o nome de nascimento( Ana Lúcia de Castro Cerqueira); com o do primeiro casamento ( Ana Lúcia Cerqueira Silva); novamente com o de solteira em decorrência  de divórcio; com o do casamento comigo ( Ana Lúcia Cerqueira Candeira).
     Quando decidimos casar, disse a ela que mantivesse o nome de nascimento, não porque pensasse em futuro divórcio mas para evitar a exaustiva burocracia: a cada mudança de nome na identidade corresponderia alteração em diversos outros documentos, como carteira de trabalho, documento previdenciário, carteira de motorista, carteira de plano de saúde, CPF, etc.. Mas ela não concordou, fazia questão  da inclusão de meu sobrenome.
     Logo compreendi que Ana Lúcia é assim mesmo: assume por completo cada nova circunstância e o que consta no RG e demais documentos é indispensável para  ela.
     Ao longo da vida exerceu diversas atividades profissionais: bancária, empresária, comerciária, servidora pública.
     Já casada comigo decidiu fazer na Universidade Estadual do Piauí o Curso de Letras – Português. Esperava aprimorar os conhecimentos da língua de Camões, de que sempre gostou. Muito dedicada aos compromissos assumidos, cansei de vê-la fazendo tarefas escolares até de madrugada, tendo muitas vezes a colega de turma Ana Paula Lima como companheira de estudos.
     Embora fizesse boas referências aos professores, queixava-se de que a língua portuguesa nos seus aspectos de gramática normativa ou expositiva era pouca estudada na universidade, mais voltada para disciplinas e teorias tidas como mais nobres, como Linguística, Latim, Gramática Histórica, Metodologia Científica, além de outras. Acho que essa realidade a desestimulou a ser  professora de português. Lembro-me de que disse a ela que era isso mesmo o que ocorria também, por exemplo, nos cursos de pedagogia, chegando inclusive a mostrar-lhe uma entrevista publicada na revista VEJA, concedida pela professora Eunice Durham,  especialista em ensino superior no Brasil, segundo a qual “os cursos de pedagogia desprezam a prática de sala de aula e supervalorizam teorias supostamente mais nobres. Os alunos saem de lá sem saber ensinar. (...) O objetivo declarado dos cursos é ensinar os candidatos a professor a aplicar conhecimentos filosóficos, antropológicos, históricos e econômicos à educação. Pretensão alheia às necessidades reais das escolas – e absurda diante de estudantes universitários tão pouco escolarizados”.
     Na monografia elaborada para a obtenção de nota na disciplina Introdução à  Metodologia Científica, Ana Lúcia optou pelo tema – “Alcenor Candeira Filho: o Poeta, o Ensaísta e o Crítico Literário”. Nesse trabalho de 54 páginas, além de focalizar o ensaio e  a crítica literária presentes na minha produção de escritor, deteve-se sobretudo nos aspectos essenciais da minha poesia: o social, o elegíaco, o erótico, o telúrico e o metalinguístico.
     Bonita física e espiritualmente, Ana Lúcia é vaidosa, gatosa, gostosa, mas não gastosa. Ciente das limitações do bolso, contenta-se com bijuterias e roupas simples que lhe caem bem no belo corpo. Bom gosto é com ela.
     O único objeto de ouro que lhe dei na vida foi a aliança de casamento, que até hoje reluz em seu dedo. Ela  -  que se autoproclama mistura de princesa  e cigana  -  parece concordar com meu pensamento sobre qual o verdadeiro sentido da preciosidade das pedras:

                    por que as pedras me fascinam tanto
                    a ponto de me deixarem tonto
                    se tanto nenhum encanto noto
                    na pérola esmeralda opala?

                                 (...)

                   vãs, as esmeriladas faíscas de pedras
                   engastadas em pescoços braços ou dedos
                   por mais caras  -  não têm o preço doutras pedras;
                   por mais raras  -  se não igualam às estrelas.
                                             (A.C.F.  -  “Amor às Pedras”)

     Minha companheira é excelente dona de casa, que administra com eficiência. Vive me pedindo para baixar a tampa do vaso sanitário. Cada coisa em seu lugar, inclusive a tampa do sifon. Só é desleixada num ponto: as poucas gavetas em que guarda, ou melhor, rebola papeis da rotina burocrática estão sempre desarrumadas. Ela nunca me deixa, em uma ou duas horas, pôr tudo em ordem.
    
                    
     Ana Lúcia é uma pessoa  sempre presente e gosta, como eu, de mesas de  bares/restaurantes.  Num dos mais extensos poemas que já escrevi e publiquei em livro – “Meus Olhos
Azuis” - , constituído de doze partes e mais de duzentos versos, reporto-me a um desses momentos de lazer ou de boemia: 

                      Daqui do restaurante “O Comilão” onde estou
                      E costumo estar aos domingos de tarde
                      À beira do Igaraçu como nesta tarde
                      Há momento em que tiro os óculos
                      Sem tirar do que contemplo os olhos
                      E olho direto para a direita
                     A partir do início do que se avista das curvas
                      Além do cais
                      E aquém do mar
                      De Amarração
                      Trocando palavra de vez em quando
                      Com Ana Lúcia ao lado
                      Incrivelmente do mesmo lado o tempo inteiro
                      Lado esquerdo
                      Da cadeira
                      Em que senta
                      O poeta
                      Que brinda
                      Com o copo
                      De cerveja
                      Dele
                      Com o de uísque
                      Dela
                        
                      

     Ana Lúcia é a mulher mais presente na minha obra poética, como mostram os seguintes poemas:

                        POEMA PARA ANA LÚCIA

                      no espaço eletroeletrônico do casal
                      sossegam desligados finalmente
                      dvd videocassete
                      telefone som tv.
                      revistas e jornais na lixeira.
                      trancadas janelas
                      portas fechadas
                      lâmpadas apagadas.
                      porque para a hora atento
                      se há sempre de estar
                      não se apaga o vermelho digital
                        da matemática automática
                        do radiorrelógio engastado
                        em caixa preta plástica
                        ao lado do frigobar.
                       
                        a noite entre quatro paredes
                        são lânguidos olhos que se olham
                        com letras e luzes de estrelas...

                        sob lençol do mais puro linho
                                                  em desalinho
                                   o sonho
                                                  mor
                                   de um lindo límpido
                                                  amor.

                           PRÓXIMO

                  Para Ana Lúcia Cerqueira Candeira

                           “Pensar incomoda como andar à chuva
                            Quando o vento cresce e parece que chove mais”.
                                          (Alberto Caeiro)

          estou bem próximo    
          de onde me encontro.
          o espaço é belo
          e brando o tempo.

          aqui agora
          olho e escuto
          e cheiro e toco
          e degluto
          porque tudo
          está perto
          e posso fazê-lo
          suavemente
          sem a ânsia
          infinita
         do impossível
         a distância.

         estou bem perto
         do que me cerca.
         é belo o espaço
         e afável o tempo.

         mas além do sonho
         mais à luz da razão
         o pensamento
         vai para bem distante
         daqui neste momento
         - incompreensivelmente.
                 
     Quando me casei com Ana Lúcia optamos por não ter filhos, porque eu já tinha três (Dina, Diana e David) do  casamento anterior e ela duas (Larissa e Bruna), que lhe deram quatro maravilhosos netos: Lucas, Gabriel, Marina e Mirela.
     Eu e Ana Lúcia nos aturamos há quase vinte anos. Amo-a e acho que estaremos juntos até que a morte nos separe.