segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Augúrios e agouros na passagem de ano



José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

Na passagem de ano, ligeiro sentimento mórbido toca-me o espírito e a imaginação, embora recheios de mesa, alegrias, abraços e congratulações. Mensagem do alto bate-me à porta avisando que o tempo ficou mais curto e fugaz por aqui. Como diz a canção: "O tempo passa e com ele caminhamos juntos, sem parar. Marcas do que se foi..."

Cada ano se esvai como a estação. Outro chega, alvissareiro, exigindo consertos e reparos. Por algum momento, é preciso fugir às luzes da ribalta, aos festejos e espumantes, recolher-se em silencioso recôndito. Saudável concentração, prece, agradecimentos ao Senhor da vida, a bênção e muitas lições. Augúrios, agouros, presságios, prognósticos, diagnósticos, filtrados ou dirimidos.

Ano novo sem se renovar, em vão festas mil e congratulações. O ano que se vai clamou por dias melhores, que se repetirão no outro que se descortina.

Ao convite do prefeito eleito, Jesualdo Cavalcanti, para sua posse em Corrente, respondi: "Nobre prefeito, parabéns pelo retorno ao poder. Admiro-lhe o talento e formação. Eu lhe cobro, porém, em nome de Deus e do Brasil, administração com honra e dedicação ao cargo, aos dons recebidos. Porque os talentos serão cobrados pelo severo tribunal divino, acredite nisso, se quiser. Porque o dos homens vale quanto pesa a grana por liminares espúrias. O Brasil clama por uma varredura moral. Comece por você, dando exemplo de dignidade. Os anjos dirão amém, e a sociedade o aplaudirá. Desculpe meu estilo de lealdade nas palavras." Parece recadinho de vovó pé de altar. Mas quanta valia! Se eu alcançasse milhares de prefeitos eleitos no Brasil, repetiria os mesmos augúrios. Infelizmente, perde-se a vergonha de proclamar o nome de Deus em momento tão delicado por que passa a nação. Principalmente para quem já perdeu a vergonha de ter vergonha.

Uma turma desalinhada com princípios do bem instalou-se na pirâmide social e só produz maus presságios: Fora a vergonha, "Deus é ópio do povo", fora o ensino religioso nas escolas. Manifestam desmoralizantes condutas com tibieza nos princípios éticos. Caras de pau, cinismo hediondo contra a dignidade nacional e ao patrimônio público. Quem se atreve à heroica coragem de João Batista, a denunciar, frente às narinas de Herodes, sem temer a degola?

Passagem de ano, festas, mesas fartas, rojões. Sem um momento de reflexão, propósitos de conserto, em vão as alegrias, tão fugazes quanto o tempo.

domingo, 30 de dezembro de 2012

Seleta Piauiense - Hermes Vieira



Trovador da Roça

Hermes Vieira (1911 - 2000)


Eu sou fio do alto do sertão
Fui vaquêro e tombém fui caçadôr.
Na viola, chorando no meu peito,
No terrêro, ao luá, fui trovadô.

Muitos tôros bravio na caatinga
Com o aboio sereno eu dominei;
Muitos brabo e rebelde coração,
Na viola, ao luá, eu conquistei.

Muitos tigre valente, na floresta,
Abati cum certêra pontaria;
Muitas fera de saia de argudão
Dominei cum as minhas canturia.

Té qui um dia, caçando num forró,
Atirei bem no zói de meu afeto;
Desse tiro hoje vejo im meu redó
Quinze fio e noventa e nove neto.

sábado, 29 de dezembro de 2012

ACORDO ORTOGRÁFICO



José Maria Vasconcelos
josemaria001@hotmail.com


ACORDO ORTOGRÁFICO ADIADO

O Governo adia novo ortográfico para 2016. Divulgado no jornal Folha de S. Paulo o adiamento do uso obrigatório das novas regras ortográficas da língua portuguesa, que reacendeu o debate sobre a reformulação de normas previstas no documento que ainda é alvo de controvérsia entre especialistas.
O professor de língua portuguesa Ernani Pimentel argumenta que o acordo, elaborado na década de 90, é fruto de uma educação baseada essencialmente na "decoreba" e, assim, não segue uma lógica clara.
"Como é que você vai ensinar que 'mandachuva' se escreve sem hífen e que 'guarda-chuva' se escreve com hífen, se os dois são formados de verbo e substantivo?", questiona Pimentel.
Para o professor, os brasileiros ainda não sabem efetivamente como usar as novas regras. "As pessoas se acomodaram", afirma.

ADAPTAÇÃO

Para o gramático Evanildo Bechara, membro da Academia Brasileira de Letras, ainda é muito cedo para fazer questionamentos:"É preciso que essas normas entrem em vigor para que os problemas sejam aflorados e resolvidos."
Na visão do especialista, a sociedade brasileira já se adaptou às novas regras, e o país está preparado para adotar a obrigatoriedade do novo acordo ortográfico: "Para o grande público, a implantação de um acordo depende da memória visual, de como as pessoas veem as palavras escritas", afirma o gramático, citando o papel da imprensa nessa função.
Bechara lembra ainda que o acordo é resultado do trabalho de especialistas brasileiros e portugueses muito qualificados para a função. No Brasil, fizeram parte da elaboração do acordo nomes como Antônio Houaiss e Nélida Piñon.
Representante brasileiro na CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), o embaixador Pedro Motta faz a ressalva que, no fundo, são poucas as mudanças introduzidas pelo novo acordo ortográfico: "Houve algumas pequenas mudanças na acentuação de palavras, eliminação de trema, mudanças na utilização do hífen", enumera Motta.

HISTÓRIA DOS ACORDOS

Portugal existe, como nação, desde 1143. Somente em 1911 foi aprovada a primeira organização ortográfica que, entre outras normas, eliminava o uso de PH (pharmácia), RH (rhodia), TH (Theresina) e Y (Piauy). O Acordo não encontrou apoio de muitos intelectuais.
Em 1931, novo Acordo, ratificando o de 1911. Porém, em 1934, Getúlio Vargas tentou implantar a ortografia de 1891. E tome confusão dos adversários linguistas.
Em 1945, Brasil e Portugal fecharam novo Acordo. Mais outra polêmica, agora sobre a retirada, pelo Brasil, das consoantes mudas C(acção) e P(0ppróbio). O Brasil defendia a tese de aproximar a escrita(grafema) da sonoridade(fonema) das palavras. Portugal, ao contrário, adotou as consoantes não articuladas, como ACÇÃO, ACTIVO, FACTOR, ÓPTIMO e a etimologia ou palavras que, por lá, se pronunciam com som aberto, acentuadas(ANTÓNIO), diferentemente do Brasil.
Em 1990, novo Acordo, previsto para ser colocado em prática em 1994, arrastou-se para 2007, enfim 2009, agora puxado para 2016. O problema não é a língua. São os interesses, inclusive comerciais, que estão em jogo. A edição de livros, por exemplo, em português único, para ser vendido nos países de origem lusitana, sairia mais cômoda e rentável. Portanto impossível uniformidade, porque cada nação puxa para sua própria soberania linguística. E com razão. Só o Brasil, o mais interessado, insiste nessa agressão cultural.

PORTUGUÊS DO BRASIL

O país precisa, mesmo, é de uma reforma não só ortográfica mas gramatical. Uma gramática com a cara de nosso português tupiniquim, defendida por românticos, como José de Alencar, e pela geração modernista, especialmente a da Semana de Arte Moderna. Mário de Andrade, grande entusiasta.
Como professor de português e colunista, morro de vergonha ter de engolir e ensinar certas regras de cunho tipicamente de Lisboa. Lá, a mesóclise é habitual, enquanto no Brasil é afrescalhada: "Querida, levar-te-ei, hoje, ao cinema". Ou o uso do SE apassivador: "Vende-se casas"(errado). Abominável iniciar a frase com pronome oblíquo: "Te contei". Ou trocar o verbo TER em vez de HAVER, este tão surrado em Portugal("Hoje, haverá aula"), e intolerável no Brasil("Hoje, tem aula"). Tem que ter é vergonha na cara a nossa soberania.
A língua culta deve continuar, todavia com rebolado brasileiro.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Brasil, respeita Gonzagã-ão..!



Fonseca Neto


Quando eu voltei lá no sertão
Eu quis mangar de Januário
Com meu fole prateado
Só de baixo, cento e vinte, botão preto bem juntinho
Como nêgo empareado
Mas antes de fazer bonito de passagem por Granito
Foram logo me dizendo:
"De Itaboca à Rancharia, de Salgueiro à Bodocó, Januário é o maior!"
E foi aí que me falou meio zangado o véi Jacó:
Luiz respeita Januário
Luiz respeita Januário
Luiz, tu pode ser famoso, mas teu pai é mais tinhoso
E com ele ninguém vai, Luiz
Respeita os oito baixo do teu pai!
Respeita os oito baixo do teu pai!”

Essa versejação musicada é de uma beleza sem par. Agora aos cem anos a nação deve cantar: “Brasil respeita Gonzagã-ão / Brasil respeita Gonzagão / Brasil, tu pode ser famoso, mas teu povo é mais tinhoso / E com ele ninguém vai, Brasil / Respeita os mil gosto do teu povo! Respeita os mil gosto do teu povo!”
Comovente o ano de celebrações do centenário de Luiz Gonzaga do Nascimento. Nunca se tinha visto coisa igual no Brasil. Homenagens justíssimas. No país de tantos reis, o “rei do baião”, coroado pelo povo dos sertões. Súditos? Milhões de dançantes e brincantes, de baião, xote e xaxado. De marchinhas de folguedos, de arrastado e  chegança.
Este 2012 gonzagueano deixa ainda mais atiçada na alma da população brasileira a poesia dos rincões de dentro, da zona do Agreste onde nasceu o artista, no Exu. Cidade que, definitivamente, é a capital do baião, lugar do interior que viu a sucessão na dinastia sanfoneira, de Januário a Gonzaga.
O conjunto da obra desse artista do povo é a expressão genuína de um inventário da miunça da poética popular do sertanejo. Miunçaia das cantigas da gente da região inventando a vida enquanto tange ao chiqueiro o bicho cabrum, pisa o chão rachado nas securas sem fim, esperam relampejar no norte, e ver voar a arribaçã.
Pernambuco é musical, do Recife ao Araripe; tem cantador a mancheia, violeiro e rabequeiro. A pernambucanidade dilatada espalha baião às lonjuras: do Caruaru ao Seridó, de Salgueiro a Pirapora, do Cariri ao Inhamuns, de Araripina ao Maranhão, de Cabrobró ao Piauí. Nessa grande região, de agreste, caatinga e chapada, também há muito de vasos, de cerrados e vales verdes; é o país de São Saruê e são daí o motejador de Assaré, patativa do “siará”. E todos os caminhos dela levam a feiras de usanças, de cordel e viloleiro, onde cantador em mote, cria versos e cidades; tem cangaceiro e bacamarte, catolé e umbuzeiro, tem juá e juazeiro, e quem manda nim tudo é o padim. 
Luiz Gonzaga nasceu no dia da santa das chuvações; depois dela é São Tião, e depois do vinte de janeiro, São José de Baberibe. Lá nas bandas do Exu, também se reza a Birino, São Severino dos Ramos, pois a vida ali é, também, severina e cangaceira.
O letreiro gonzagueano e os sons de sua januária sanfona são o límpido detonar musical das artes desses lugares da geografia humana dos brasis. São o canto da terra, sussurros em flor e ferro, dor e esperança, lamento e devoção. É um silabário arredondado para sextilhar a estrofe e para arrematar a rima. No falar do sertanejo, pegando carona em rompante, há velhas sílabas enxeridas, do vasconço vindas a cá, pelejando pra viver. Pois na letra dos amigos e na voz do Gonzagão, tornaram-se a voz do Brasil.
Neste Centenário, Pindorama inteira o cantou. Claro, aquela São Paulo esnobe, quatrocenta e ignorante, que acha que é o Brasil, uma vez mais fez que não viu: o folhão de sua zelite, malvada no preconceito, na deslustrada do 13, cantou glórias à banda inglesa dos Stones cinquentões e espicaçou Pernambuco, dos dois Luís do lugar, o Inácio de Caetés e o Gonzagão do Exu. 
Orgulho de Teresina ter esse moço como seu cidadão. Esta cidade ouviu o toque desse corneteiro nas alvoradas antigas. Ela o canta popular e agora o toca sinfônico.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

UM MESTRE DA HISTORIOGRAFIA INDÍGENA



UM MESTRE DA HISTORIOGRAFIA INDÍGENA

Elmar Carvalho

Não bastasse ser Reginaldo Miranda, sobretudo na temática indígena, um competente e consciencioso historiador, é também um escritor hábil no manejo do vernáculo, exprimindo suas ideias de forma elegante, fluida e clara, contudo sem rebuscamentos e torcicolos estilísticos.
Não é ele um mero divulgador e repetidor dos fatos históricos, uma vez que vem estudando e pesquisando a história dos índios no Piauí ao longo de mais de duas décadas. Dessa forma, não se conteve apenas em consultar e cotejar a bibliografia disponível, mas também foi aos documentos, compulsando-os diretamente ou através de livros que os transcrevem.
Sendo ele um jurista e historiador experimentado e de longo curso, conseguiu dar correta interpretação aos autos de devassa em que se tentou apurar a matança de indígenas, tanto no contexto das leis da época como também no modus operandi da máquina judiciária de então. Analisou os atos e os fatos sem perder de vista a conjuntura do espaço/tempo em que eles aconteceram, considerando as circunstâncias da realidade, as leis, os costumes, as crenças e crendices, sem jamais descambar para o anacronismo e muito menos para maniqueísmos ideológicos ou de posturas preconcebidas.

Quando fez eventuais interpretações, não se baseou apenas em vagos e genéricos “achismos”, mas se fundamentou no cotejo de documentos, relatórios e livros, todavia sem ideias mirabolantes e iconoclásticas, no afã de provocar polêmicas e discussões; aliás, quem assim procede, talvez o faça para atrair os holofotes, muitas vezes ofuscantes, da mídia. Reginaldo Miranda alinhavou suas conclusões interpretativas de forma plausível, verossímil, em que a lógica e a dialética são facilmente assimiladas.

Procurou ver os fatos como eles efetivamente se passaram, buscando-lhes as causas e as consequências, com justiça, sem tomar partido de grandes ou pequenos, de brancos ou índios. Buscou a verdade, porque a História para realmente ser História deve se fundamentar na verdade, e não em meras suposições tendenciosas. Em suas parcimoniosas ilações, não descurou dos velhos papéis, em que se fundamentou, e nem dos ensinamentos dos grandes mestres de nossa historiografia, que são grandes exatamente porque buscaram a verdade, mormente nas fontes primárias.

No seu livro, além das narrativas dos principais fatos, com a indicação dos documentos em que se alicerçou, muitas vezes transcrevendo-os, também lançou luzes sobre como se desenvolveram as relações entre brancos e índios, desde o início da chamada Conquista, até a saga dos aldeamentos de São João de Sende e de São Gonçalo de Amarante, com ênfase a este último e aos Acoroás, com as consequentes deserções, capturas e indiocídio.

Vislumbramos, também, aspectos de história do cotidiano, tais como administração da aldeia, salário, alimentação, educação, religiosidade, modo de vida, cultura etc. Nas páginas de Aldeamento dos Acoroás, de Reginaldo Miranda, perpassa a grandeza e miséria de uma época importante de nossa História, que não podemos esquecer, para que ela nos sirva de lição e advertência. Como já tive ocasião de dizer, “somos o que somos; somos o amálgama de três raças, e a nossa civilização é o cadinho do que elas construíram ao longo dos séculos”.  

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

AS MUDANÇAS DO NATAL



Francisco Miguel de Moura *

Abriu-se a  janela:
No emaranhado de folhas
 um sol resplandece
regina ragazzi



Machado de Assis termina um poema com esta chave de ouro: “Mudaria o Natal ou mudei eu?” É preciso meditar sobre isto. Todos nós mudamos. E a festa do nascimento da mais sábia, bela e doce pessoa que veio mundo – Jesus Cristo, o filho de Deus?  O fato histórico não mudou, o comportamento dos homens é que mudam com as circunstâncias do tempo. Sobre os natais de quando eu era criança, não vou falar: ninguém vai querer ler nem ouvir, quanto mais acreditar. 

Comecemos por hoje. Algo que me aborrece por esta época é o verbo “comprar”. Tudo vira propaganda, tevê, internete, lojas, carros de som nas ruas. Os “shoppings”, então!... Mostram o Papai Noel, a Árvore de Natal. São os símbolos.  Até as livrarias. Entrei numa delas, a melhor da cidade, e o que encontro bem de frente? Uma árvore de Natal formada por uma pilha de livros. Até aqui tudo bem, deveria ser muito interessante. Mas, depois de observá-la, não me convenceu de forma alguma. O título do livro, daqueles volumosos, 300/400 página, eram um só, e o autor um só. Não me demorei ao pé porque vi que se tratava de um tremendo “best seller” tipo americano, que certamente são romances de bruxas ou de vampiros – assuntos que enchem as prateleiras das lojas para iludir os tolos. Os tolos que eu digo são aqueles maus leitores que compram o livro exclusivamente pela propaganda da mídia. A mídia quer vender, ela não tem nenhum interesse em que os leitores, pensem, sintam, cresçam com histórias que têm lições de vida, de gente, de almas, quando não tratam de tempos passados e traçam a história com algumas descobertas empolgantes (no caso dos livros históricos). 

Se a pilha fosse de Bíblias, livros de proveito e exemplo para crianças e adolescentes, alguns clássicos antigos e modernos – que tantos há e ficam encalhados, escondidos nos lugares mais difíceis da loja, parece que para ninguém vê-los nem ter vontade de abrir e ler uma página sequer, seria louvável. Aponto livros de criança porque Natal é festa muito especial para crianças, festa de nascimento. 

E qual o nascimento que se comemora na data de 25 de dezembro?  De Jesus. Ele nasceu em Belém da Judeia e se tornou (ou já era?) a pessoa mais importante do mundo em que o Império Romano pagão dominava com suas guerras. Jesus viveu com seus pais em Nazaré, sua aldeia e aprendeu tudo com Maria e José. Ficou trabalhando com este, na oficina de carpinteiro, até os 12 anos. 

Registra o evangelista Lucas: “Seus pais iam todo ano a Jerusalém para a festa da Páscoa. Tendo ele atingido os doze anos, subiram a Jerusalém, seguindo o costume. Acabados os dias de festa, quando voltavam, ficou o menino Jesus em Jerusalém, sem que os seus pais percebessem (...) Três dias depois o acharam no Templo, sentado no meio dos doutores, ouvindo-os e os interrogando. Todos os que o ouviram estavam maravilhados da sabedoria de suas respostas”. 

Nem todo mundo é católico, mas não pode desconhecer a história edificante de Jesus, o quanto pregou aos povos do seu tempo. Sem ser revolucionário político, dizia “não vim revogar a lei de Moisés, mas apenas aperfeiçoá-la”. De suas pregações, o “Sermão da Montanha” é o mais conhecido pela sabedoria que encerra em poucas palavras. Sua revolução foi trazer à humanidade o mandamento do amor. Antes, com os judeus, tudo era na base do “dente por dente, olho por olho”. O papa Bento XVI, em seu livro sobre a “Infância de Jesus”, entre outras coisas, retifica que “Maria deu à luz a Jesus entre 7 e 6 anos antes de Cristo”. Daí trazer a revista VEJA, de 28 de novembro de 2012, uma reportagem com o título “JESUS NASCEU ANTES DE CRISTO”. Explique-se: a Era Cristã, o ano nº l, começa depois do nascimento de Jesus, em virtude da confusão do calendário gregoriano, feito vários séculos depois do nascimento de Jesus. A retificação leva em conta a tradição, os evangelhos e a conjugação destes com a estrela“supernova”, cuja explosão aconteceu coincidentemente com a visita dos magos do Oriente ao menino Jesus. 

Agora, a pergunta: - Por que não comemorar tão grande feito, o de Jesus, o seu nascimento, em lugar de colocar um tal de Papai Noel que vagueou pelas névoas da Rússia e adquiriu outros costumes e hábitos que não são os da nossa tradição oral e escrita, ocidental e bíblica?

Porque o materialismo alijou os sentimentos da alma, dominada por uma civilização global, descartável, em que tudo se troca pelo poder e pelo dinheiro, na qual parece ridículo ser religioso, acreditar em verdades eternas. Muitos que invocam, hoje, o nome de Deus, o fazem em vão. Sobre o amor, meu Deus, quem já não viu e ouviu tanta barbaridade, nestes tempos de idéias tão grosseiras, tão sem rumo?!  Os filósofos se foram, os poetas estão indo, e os santos?... Quantos são os santos? Sabemos quem são os pecadores: aqueles que não cantam o poder de Deus e da Natureza, que não pensam numa eternidade, numa vida diferente depois da morte. E por isto abraçam a guerra, as orgias, os vícios desde os mais simples aos mais torpes. Não têm nem um pouco de humanidade. Quem quer saber de uma comemoração bem comportada do Natal?  O Natal histórico e religioso não mudou, repito. 

Começamos com Machado e com ele terminaremos a nossa crônica. Esse grande escritor, no leito de morte, olhando uma nesga de céu pela janela ciciou para seu melhor amigo e confidente: “A vida é boa”.  Deus, sendo como é a fonte da vida deve tê-lo perdoado.  A nostalgia do homem é não ser Deus. Mas somos um pedaço de Deus, somos filhos de Deus, irmãos de Jesus, seu filho querido e escolhido para vir salvar o mundo, com a pregação do amor. Natal é amor. Não é troca. Portanto, a melhor atitude diante do Natal é saudar o próximo, os vizinhos, a família e comungar a vida, a natureza e a sociedade humana, mirando-se na sabedoria e santidade de Jesus.
________________________
*Francisco Miguel de Moura, poeta e cronista brasileiro, mora em Teresina - Piauí e envia votos de Feliz Natal e Próspero 2013, com abraços a todos os seus leitores.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

O MEU JESUS



O MEU JESUS

Virgílio Queiroz

E que não fosse verdadeira a sua origem
e que ele tivesse nascido em um palácio
em vez de uma manjedoura
e que sua mãe não fosse Maria
e que nem tivesse sofrido perseguição
antes de nascer
se tivesse nascido de qualquer ventre
de uma mulher da Judeia, de Jerusalém,
romana ou algo mais além
se todos os milagres fossem lenda
mas a sua palavra fosse viva e forte
capaz de superar a morte
e ironizar a cruz
só por essa ideologia
eu curto a alegria
de te amar
JESUS!

BITOROCARA





BITOROCARA

Carlos Said

O fundador de Bitorocara, o coronel Bernardo de Carvalho e Aguiar (Vila Pouca de Aguiar, Portugal, 1648 ? – São Bernardo, Maranhão, 1730), é o principal personagem do livrete histórico preparado e publicado pelo extraordinário Elmar Carvalho (José Elmar de Mélo Carvalho: Campo Maior, Piauí, 1956). Portanto, significativa dissertação concernente à colonização do Piauí. Atrasada porque só foi iniciada na segunda metade do século XVII (do interior para o litoral). Compensada porque uma legião de destemidos fazendeiros assentou as bases curraleiras na bacia hidrográfica parnaibana. E entre os intrépidos desbravadores, Bernardo de Carvalho e Aguiar.

Na tarefa pioneira do arrojado colonizador, justificamos sua bravura no conscientizar de que ele desejava a paz entre os gentios. Ao mesmo tempo, demonstrava o seu apego pelo trabalho honesto e honrado. Virtudes acreditadas como merecedoras de aprovação pelo governo português de Lisboa. Sem faltar as avaliações dos prepostos sediados no Brasil colonial. Ao chefiar a fundação da cidade de São Bernardo, interior do Maranhão, ganhou o respeito definitivo dos acompanhantes na incrível jornada colonizadora.

Não esqueçamos que Elmar Carvalho registrou o nome do importante historiador padre Cláudio Melo (Campo Maior, Piauí, 1932 – Teresina, Piauí, 1998) no afã de provar a existência do documento de 2 de março de 1697, assinado pelo padre Miguel de Carvalho (esteve no Piauí, em missão da Diocese de Pernambuco, ocasião em que escreveu o notável livro: Descrição Geral da Capitania do Piauí), considerando o português Bernardo de Carvalho e Aguiar, já apelidado de o “Marechal de Campo”, dono de conduta irreparável na conquista do território piauiense e de outros episódios que culminaram com a construção da Fazenda Bitorocara (topônimo interessante, resultante da variação: “Bito”, como leite de vaca, ajustada à desinência “Rocara”: meter a cara, isto é, entrar em algum lugar sem hesitação). Daí, acreditarmos em João Gabriel Baptista (Teresina, Piauí, 1920 – 2010), cidadão probo que não titubeou na afirmação sobre Bernardo de Carvalho e Aguiar: “Homem simples, prático e pacífico, quase lendário no vale do Parnaíba. (…) Cria e perde um império na zona Norte onde se situa o vale do Longá. Edifica com determinação o feudo da fazenda Bitorocara e perde quando sente a ingratidão dos poderosos. Ingratidão que se junta ao fato de que se insurgiu contra a brutalidade dos que faziam a “Casa da Torre” da Bahia, no trato com os indígenas. Bernardo de Carvalho não agia dessa forma”.

Havendo história, arte e fantasia em torno da Fazenda Bitorocara, retornamos ao autor do livrete que ressalta a figura de Bernardo de Carvalho e Aguiar. À procura da dolência cativante dos aboios, Elmar Carvalho articulou marcantes versos que a poeira e o vento jamais conseguiram apagar as pegadas e as marcas da colonização naquela paisagem do outrora Santo Antônio do Surubim:

O vaqueiro e o cavalo
se fundem e se confundem na desabalada
                                                    alada
carreira quase vôo
campeando gado pelos campos
                             de Campo Maior.

Mas é na peroração do poeta que encontramos o instante da protagonização dos “feitos” retumbantes de Bernardo de Carvalho e Aguiar, também apelidado “O Pacificador”:

Seu nome honrado
ainda vibra no ar,
nas cidades, nos currais
e nas igrejas que semeou.
Os dedos longos dos campanários ainda
apontam as etéreas campinas celestiais.
Da fazenda Bitorocara,
plantada nas margens do Surubim,
rebentou a cidade encantada
dos planos campos maiores,
dos carnaubais vastamente dilatados.
Valoroso na guerra,
amante e pacífico na paz,
seu braço guerreiro
curava e amparava
no final dos combates.
Por isto
sua bondade e justiça
os índios por justiça respeitavam.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Da janela da Arlindo Nogueira: memórias



Cunha e Silva Filho


Era tempo de ginásio e, em seguida, de científico. Mas, era tempo também de imensa saudade vista pelo olhar do narrador de hoje .

Domício. Liceu Piauiense. No meu diploma do científico, o velho Liceu de tantos carnavais, era então chamado de Colégio Estadual “Zacarias de Góis, pelo menos assim consta do meu diploma assinado, em 1963, pelo (desculpe-me o chavão) “saudoso” e ilustre professor Lysandro Tito de Oliveira e pelo secretário, professor Alcides Lebre, que, por sinal, tinha sido meu professor de desenho no Domício. O grande mestre de geografia, Lysandro, que me lecionou no Domício, em aulas dignas de gravação, nos fazia viajar pelo Brasil afora. Era professor catedrático do Liceu piauiense. Sabia de tudo sobre o Sul do país. Principalmente, se deliciava descrevendo a paisagem rural, econômica, social e histórica de estados sulinos que, só muito mais tarde , iria conhecer pessoalmente.

Alto, usava bigode. Sério e ao mesmo tempo afável, exigia muito do alunado, porém sem exageros. Eu estudava muito para suas provas, às vezes me desesperava em casa, quase chorando, porque julgava que havia muito conteúdo para aprender e a ser cobrando nas provas. É curioso: não fui muito forte na geografia, apesar de meu pai ser também professor de geografia. As notas não eram tão altas assim. Contudo, pouco me importava, porque gostava dele como professor e como pessoa. Até hoje, lamento não lhe ter dado um grande abraço e conversado com ele na última vez que o vi e o cumprimentei na presença de meu pai. É que eu estava aflito para entrar num banco, onde havia um dinheiro para receber e que tinha demorado muito. Foi imperdoável da minha parte.

Em 1965, já no Rio, lhe pedi, através de meu pai, uma carta de recomendação que juntaria com outras, as do querido e admirado professor Viveiros, de inglês, de quem fui aluno nota 10 no período do ginásio, no Domício (famoso e popular colégio particular dos irmãos Magalhães), principalmente nos anos cinquenta, sessenta, e no científico, no Liceu Piauiense. A carta do professor Domício era igualmente cheia de boas referências sobre minha vida de estudante.

O objetivo dessas cartas era atender a uma exigência da burocracia do setor de bolsas de estudos aos Estados Unidos, a cargo do IBEU, sigla para o tradicional curso de inglês, Instituto Brasil-Estados Unidos, célebre pelos seus seminários anuais de professores de inglês vindos de quase toda as partes do país e pelo alto nível do seu TTC (Teacher’s Training Course), curso de formação de professores, naquela época considerado de alto nível. O IBEU realizava /realiza também os exames de Michigan, concedido pela Universidade de Michigan por longo tempo muito concorrido por estudantes ávidos de ostentar a sua proficiency oral e escrita na língua inglesa.A eles me submeti com sucesso, sendo que o meu certificado data de 1982.

Tinha me inscrito como candidato a uma bolsa de nível undergraduate, o que corresponderia a um nível entre o curso secundário, o equivalente ao ensino médio de hoje e a universidade. Nos Estados Unidos o curso duraria um ano e meio. Passara bem nos exames escrito e oral. Já tinha feito uma entrevista com o setor encarregado das bolsas. Juntei, depois, todos os documentos. Estava pronto a embarcar. Diziam que viajaria em navio militar.

As cartas de recomendação, sobretudo as do professor Lysandro e do professor Viveiros, eram muito elogiosas, especialmente porque falavam bem de meu caráter como estudante. A do professor Viveiros viera redigida em inglês, com todas as formalidade de um correspondência oficial dirigida ao governo americano. Até me lembro de algumas frases, entre as quais, forçando a memória, “To whom it may concern”. O aluno em questão “was an exceptional student while I was his high school English instructor” “He is congenial...” “I can highly recommend him as a good representative Brazilian student in the United States.”

Não tenho cópia das cartas que tanto me lisonjearam e me estimulavam a estudar no exterior. Uma semana antes do embarque, recebi uma carta do IBEU lamentando que a minha bolsa tinha sido cancelada. Foi uma ducha de água fria no espírito caloroso daquele adolescente de dezoito anos. O pior era que já tinha me despedido de alguns amigos mais chegados. Decepção sem tamanho! A carta, como consolação, ainda afirmava que, no ano seguinte, poderia tentar outra vez.

Mais tarde, pensando bem, deduzi a razão do cancelamento da minha bolsa de estudos. Na mencionada entrevista que tive com uma senhora do setor de bolsas, eu havia declarado não ter condições financeiras de ordem familiar para o meu sustento (alimentação, hospedagem e outras despesas) lá fora. A bolsa apenas incluía a gratuidade dos estudos, do curso. Não tentei. A decepção feriu muito profundamente a minha sensibilidade de jovem. No ano seguinte, entrara para cursar letras na Faculdade Nacional de Filosofia. Na época, não atinei para a iniciativa de tirar cópias daquelas cartas maravilhosas de meus ex-professores.

Após essa digressão com a qual não contava como assunto central destas memórias, machadianamente volto ao sugerido no título deste texto.

A Rua Arlindo Nogueira tem uma capital importância na minha vida de escritor. Foi naquela casa grande e de varanda ampla que me iniciei na arte de escrever e de me sentir inclinado para o resto da vida à escrita e à leitura. No entanto, não vou agora detalhar esse aspecto, pois o que me interessa aqui é comentar aquele lado da vida m ais pessoal e mais íntimo, que é o despertar para o amor. Sentimento indispensável da vida de qualquer ser humano, vou recolher os primeiros frutos dele através da imagem espácio-temporal localizada a partir de uma das janelas para fora da qual dirigia o meu olhar com aquilo que virou hábito: à tardinha, apreciar sobretudo as belas meninas que todo dia passavam pela rua, ora para casa, ora para outros lugares. Ali estavam elas graciosas, de todos os tipos e para todos os gostos: morenas cor de jambo, alvas, louras, algumas bem torneadas, com as curvas mais harmoniosas, ou seja, as curvas de Niemeyer..

Obviamente, não poderia ter a pretensão de que todas também me dessem um olhar mais faceiro ou que me correspondessem sempre (que pretensão!) ao meu próprio olhar de jovem romântico em plena adolescência. A minha casa tanto dava para a Rua Arlindo Nogueira quanto para a Rua São Pedro. Nesta é que a minha casa tinha sua entrada, uma espécie de espaço pequeno que bem poderia ali plantar flores e fazer um jardinzinho. Era uma entrada apenas aparente, visto que por ali se podia ter acesso a um quarto especial ou, usando uma palavra mais antiga, porém apropriada ao tom deste texto, para a alcova justamente o espaço sagrado de meus pais. O quarto, além disso, servia para ocupar duas estantes apinhadas de livros, preciosos livros! As estantes eram grandes, sólidas e de boa madeira. No teto delas meu pai colocava caixas grandes de papelão, repletas de antigos recortes de artigos de diversos jornais para os quais havia colaborado ou ainda colaborava assim como revistas, anotações de estudo de língua estrangeira, material esse datado do início de sua carreira de jornalista e professor, primeiro em Amarante, depois, em Teresina.

Na casa das Ruas Arlindo Nogueira e São Pedro, praticamente iniciei a minha vida amorosa, as minhas aventuras juvenis à procura da simpatia feminina que às vezes não surtia o efeito desejado. Qual adolescente que não se frustra com um amor não correspondido? Decepciona, dói, mas, como tudo nesta vida, cura com o tempo. Era uma época grandiosa sob todos os aspectos. Amores idos e vividos. Amores partidos. Até amores sonhados. Amores nunca percebidos plenamente pela outra parte. Ficava apenas na vontade de amar, o que é dilacerante para os adolescentes.

Aquela janela, inscrita num tempo pretérito, virou uma forma de metáfora de uma época em que começava a forjar as experiências que me levariam a outros amores, agora adultos, e as experiências com o ato da escrita, também com as suas mudanças, suas tentativas de melhor comunicar o sentimento e o pensamento lógico em variadas formas e em tempos superpostos que me chegam até os dias de hoje.A Rua Arlindo Nogueira, esquina  com a São Pedro, é o princípio de tudo na vida deste  escritor. 

domingo, 23 de dezembro de 2012

Seleta Piauiense - Adail Coelho Maia



Janelas do passado

Adail Coelho Maia (1909 - 1962)


Debruçado na janela do passado,
Ao longe, distingui longos caminhos,
Repletos de cardos e espinhos,
Em fileiras de um lado e de outro lado!

Lembrei-me de mim mesmo, hoje isolado,
Nos lugares desertos e mesquinhos,
Qual ave a cantar fora dos ninhos,
Num gorjeio saudoso e sufocado...

Se a criancinha encosta-se ao peito,
Que sorrindo ou chorando, a sorte escrava,
Não me permite aconchegá-la ao peito!...

Espelho sou de luz amortecida;
Foge de mim quem outrora me abraçava,
É uma vida sem vida, a minha vida!...

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Natal sem parabéns a Jesus Cristo?



José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com


Você já participou de festa de aniversário, durante a qual os parabéns, velinhas acesas, presentes e abraços são dirigidos a um intruso em vez do aniversariante? Só conheço um, Jesus Cristo. O cartaz do Mestre anda baixo até nas cidades interioranas, onde, em tempo de festejos do padroeiro, geralmente Maria, a sociedade se esbalda em farras, folia de bandas, procissão, leilões, distribuição de títulos a autoridades e convidados especiais.

No encerramento do ano litúrgico, em novembro, saudou-se o Cristo Rei, uma liturgia insossa, sem foguetório, sem procissão, sem rasgos e aplausos coletivos. A coroação festiva coube, porém, à Mãe Rainha, programada para receber caravanas de devotos em ônibus fretados.

Na primeira página do jornal Diário do Povo, uma bela fotografia de tradicional presépio na Zona Norte de Teresina, que atrai curiosos de toda parte. Ganha um pastel da Maria Divina quem souber qual a personagem mais destacada no presépio. Acho que você acertou: uma enorme estátua de Maria. Sabe qual a segunda maior? Se acertar, ganha um assado de bode na toca da Maria Paixão, no Mercado da Piçarra. Ninguém acertou: estátua do arcanjo Miguel. Adivinhe quem aparece quase dez vezes para delírio da garotada? Fácil, fácil: mascotes de Papai Noel, o intruso que rouba as atenções do aniversariante. Finalmente, cadê o Menino Jesus? Não sei, não vi. Talvez um bonequinho inexpressivo afundado em feno.

Cristo, aniversariante sem velas, sem bolo, sem palmas, sem parabéns, cercado de vários mascotes de Papai Noel. Quase dez. Papai Noel hilozoísta, que parece gente, que encanta, que adverte para não fazer xixi na cama, que pratica o bem, que distribui presentes, que promete o céu. O Cristo é sobra de festa, servo sofredor, anônimo para muitos que confessam a fé, sem nunca ler um dos evangelhos.

Na minha casa, estão preparando bonita ceia natalina, correndo lista de amigo oculto, ornamentando, enfeitando paredes e portas. Alguém vai se travestir de Papai Noel. Horror! Decidi: só participarei do evento se houver uma reunião, dias antes, para se debruçar sobre as profecias e episódios bíblicos em torno do evento. Não se vai a aniversário se o aniversariante se encontra ausente. Nem o conhece para abraçá-lo.
A tradição cristã da festa natalina é honrar o Filho de Deus, que "estendeu sua tenda no meio de nós". O capitalismo substituiu-O por um fantoche hilozoísta, com trejeitos humanos e celestiais, vindo das geleiras da imaginação consumista, carregado de boas-novas e presentes.

A data do nascimento de Cristo é nebulosa e controvertida. Até o século III, festejava-se dia 6 de janeiro. No século IV, foi fixado em 25 de dezembro pelas autoridades cristãs, para desmistificar as comemorações pagãs de bebedeiras e comilanças em louvar a divindades solares aniversariantes. Bons motivos para se explicar como uma data tão sagrada de Cristo se paganiza através do tempo.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Recebemos - leitura e leituras



Geovane Monteiro
Colunista de Entretextos 

W. Ramos,
Li o Morro da casa- grande, de Dilson Lages, muitas vezes, especialmente porque o romance fala por si. É nesse aspecto que discordo de suas “impressões subjetivas”.  
Acredito que a subjetividade deve estar a serviço de uma leitura que reflita a veracidade de uma obra. Um trabalho deve de fato corresponder ao que quer respaldar nossas impressões. Infelizmente não conferi esse cuidado na sua leitura. Por exemplo, dizer que o tema da derrubada da igreja católica se limitou a fatos históricos em si é no mínimo uma desatenção. Leia e releia Cristo em pó, parágrafo que fecha o romance, e veja facilmente que se trata, assim como todos os capítulos, de uma bela prosa poética na qual personagens se enredam numa trama inquietante, cheia de movimentos que compõem o fazer artístico. É inconcebível a afirmação de que Deusimar é uma das poucas a se posicionar contra a demolição da igreja, porque da vendedora de espanadores a Marciano, os mais diversos personagens integram uma intriga imagética em sofisticado efeito emocional. E ainda que o fosse, poderia perfeitamente caber numa só personagem todo um universo inventivo no qual figura uma condição humana, preocupação visível na obra de Dilson Lages.
 Vejamos pequenos excertos retirados dos incontáveis achados de ficção e realidade entrecruzando-se a partir de um envolvimento estético com a linguagem. Os trechos que seguem narram, em agradável exercício de criação literária, o impacto da derrubada da igreja para a população da cidade. 
“– Compadre, eu estava lá no dia em que decidiram! Dona Deusimar ficou braba; as beatas da Rua Grande todas praguejaram. Não derrubariam não, mas padre tem poder – explicou Epitáfio para Genésio, esfregando a mão esquerda na testa.
(...)
O caminhão acelerou e, como galhos de árvores apodrecidas, os quais se apertam do alto em tempestades, o Cristo despedaçou-se; despedaçou-se a alguns metros antes de onde deveria acomodar-se. Despedaçou no calçamento, sem pneus, algodão ou palha de arroz que evitasse. O estrondo dividiu a multidão curiosa e surgiu, em uma rapidez de assustar, gente de todas as ruas, as lágrimas querendo levar para casa uma parte de Nosso Senhor, desfeito em minúsculos pedaços e em pó.” (Cristo em pó, pp. 122 e 125) 
Fatos históricos em si não suportam interferências, insinuações e estados de espíritos que tanto nos faz visualizar os personagens ante a destruição da igreja. O próprio narrador afirma que se presenciava “um grande fato histórico”,... “o mesmo que fechava a história de várias gerações”. Porém, ao contrário do que se afirma em Recebemos – O morro da casa-grande, o romance tem o claro projeto literário de se valer de recursos de abordagem literária a partir de diálogo com fatos históricos. Na verdade, a inquietação de cada personagem assume uma densidade maior que o episódio da derrubada em si, para nos prendermos nos aspectos psicológicos que evidenciam uma gente voltada às suas raízes. O próprio lirismo admitido no início de seu texto, W. Ramos, justifica essa façanha. O jogo de aflição, de indignação, da impossibilidade que acomete as personagens, para não me estender muito, desfaz a noção de que a história em si é predominante em O Morro da casa-grande. Releio toda a obra para relembrar M. Bakhtin quando afirma que o romance comporta uma concepção de tempo permeado de mundos distintos, presididos por estruturas sociais diversas, por diferentes conceitos e concepções. O curioso é que a obra de Dilson não exige uma investida tão apurada para enxergarmos todas essas nuanças proferidas por M. Bakhtin. A ideia da “história em si” seria verídica se o passado fosse abordado de forma absoluta, fechada e inquestionável em Barras, cidade onde foi ambientada a narrativa. Note que as personagens são construídas com fissura entre o aspecto externo e interno e, por essa razão, capazes de habitar sua época a provocar no leitor conflitos não necessariamente idênticos ao da obra.  
A história registra fatos em seus aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais, com o intuito de compreendermos melhor o presente. O que Dilson Monteiro faz é literatura, já que, por meio da sugestão da linguagem carregada de emoção, é capaz de manifestação artística. Veja, Ramos, que, ao apostar que Marciano talvez seja o alter ego do autor, você está realizando um exercício que os textos literários oferecem: a ausência de rigor. Por outro lado, a verdade única está presente nos registros meramente históricos. É preciso considerar que história e literatura são conceitos distintos, mas que se relacionam, pois as manifestações literárias nascem de determinados contextos históricos. 
Sobre o episódio do cão e da cobra, não há impropriedade. Na verdade existem vários rituais de ataque de cobras quando elas, ou porque se sentem ameaçadas, ou porque seguem seu instinto brutal, planejam o bote. Por exemplo, quando se sentem ameaçadas, a cascavel toca o seu chocalho na ponta da cauda e a jararaca vibra a cauda.
Segundo o biólogo, agrimensor e pesquisador da vida animal silvestre Roberto Muylaert, as serpentes, em geral, para pressentir a aproximação de alguma coisa, mantêm o corpo entorpecido e enrodilhado na posição de descanso. É quando seu sistema nervoso entra em posição de alerta. É preciso, no entanto, analisar a semântica situacional da cobra no livro. Se o cão encontrou-a esticada, logo a própria natureza da cobra explica que ela poderia não o estar esperando, o que não anula o seu poder de ataque (elas possuem radares que estimulam, a qualquer hora e circunstância, um possível bote), já que vive em permanente estado de vigília. Seria absurdo imaginar um ofídio venenoso – porque não se encontra enrodilhado – manter-se passivo, esperando ser morto pelo cão.
Também não há oscilação quanto a Marciano ser ou não ser coroinha. Não há nenhum registro de que ele não era coroinha. Na passagem: mas queria ver Marciano ainda coroinha, o “ainda”, da forma que se dispõe todo o parágrafo, tem valor de uma permanência de situação e não meramente de um desencontro temporal (o que justificaria uma contradição, nesse segundo caso). Veja: logo que há uma pontual descrição do personagem com vestes de coroinha é que o “ainda” ocorre, passando afinal a assumir uma preocupação da avó em, por conta do poder de decisão na figura do padre Barata, ver o rapaz ser obrigado a deixar de ser coroinha. Algo análogo a dizer: meu filho é marinheiro e trabalha sob o regime de serviço prestado. Mas queria vê-lo ainda marinheiro. Aqui faço uma analogia: A avó teme Marciano deixar de ser coroinha, assim como a mãe teme o filho deixar de ser marinheiro; o primeiro pela possível intervenção do padre, o segundo pela instabilidade do serviço prestado.
Quanto a outro questionamento, o da linguagem, algumas questiúnculas relativas à superfície do texto poderão ser revistas em edições posteriores. Em Ressurreição, temos o capítulo ADVERTÊNCIA DA NOVA EDIÇÃO, em que o próprio Machado de Assis, humilde encorajado, assim anota:
Este foi o meu primeiro romance, escrito aí vão muitos anos. Dado em nova edição, não lhe altero a composição nem o estilo, apenas troco dois ou três vocábulos, e faço tais ou quais correções de ortografia. (...).”.
 Ademais, não há um temor em investir na oralidade. Os registros da fala oral representam construções mentais de personagens. A linguagem ora recupera marcas linguísticas de personagens bem regionais, ora representa o olhar do narrador. Nesse quesito, não há por que o predomínio deste ou daquele nível de linguagem.
W. Ramos, quanto às fotografias, elas fazem, inicialmente, parte de um projeto gráfico e, ainda que não, são comuns em livros que trabalham a memória coletiva. Afinal, temos um romance que dialoga com a história de Barras em meados do século XX. Fotografias da Igreja que fora demolida, do rio Marataoã etc. lembram-nos as epopeias e a prosa regionalista ou com vivências regionalistas.
O que há é uma consciência histórica representada artisticamente no modo de ser e de agir das personagens que vivenciaram profundas e decisivas transformações sociais. O processo de transição é bem assinalado na orelha do livro: “As fazendas ainda estavam de pé como elemento concentrador de renda, mas o modelo socioeconômico já dava sinais de ruína”. Vale endossar, a matéria de o Morro da casa-grande é acrescida sim do adjetivo histórico, mas isso não quer dizer que a obra não comporta inventividade, que não se estende à “história em si”. Quando consideramos o comportamento de Marciano e/ ou de Deusimar, por exemplo, podemos analisar conceitos morais ou jogos metafóricos, através da percepção, da introspecção, da memória e testemunho que marcam a vida desses dois personagens. A história resgata a verdade e a literatura, o verossímil. Por exemplo, Marciano me fez desconfiar não propriamente do alter ego do autor, mas da simbologia de uma cidade em transição: Barras provinciana e Barras se engajando, ainda que timidamente, numa estrutura mais urbana. Uma estrutura que sofreu certa resistência quando valores e tradições haveriam de acompanhar a poeira do passado. Marciano percorre o enredo num intervalo de tempo que compreende o menino (província) e o rapaz (o aglomerado urbano se formando).
O livro é um todo poético. Para o caso particular de Marciano, aqui destacado, reproduzirei alguns trechos do capítulo A franga pedrês, um verdadeiro exercício estético que me chamou bastante a atenção e que representa bem o supracitado:
(...) O peito [de Marciano] se contraía quando se lembrava da casa em Barras, do Marataoã, dos movimentos da praça da Matriz, mas queria ficar parado, como as árvores, como os morros. (...)
Era bom aceitar logo a certeza e se preparar para outras alegrias, a de abraçar a mãe, a de entrar na igreja, a de brincar pelo quintal imaginando-se senhor das terras e bichos. Enquanto o caminhão não chegasse, que tomasse banho no tanque, que comesse crioli, que domasse o cavalim de carnaúba até o tempo se esgotar.
W. Ramos, outro leitor apresentar-me-ia outro viés a respeito desses e de quaisquer outros fragmentos em O Morro da Casa-Grande. Literatura é capaz disso; apenas história, não.

Fonte: Portal Entretextos

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Cartão natalino do Gervásio Castro


Reparto a charge natalina do amigo Gervásio Castro com os amigos frequentadores deste blog.

Fundação Carnaúba lança livros




O presidente da Fundação Carnaúba, o juiz federal Dr. Geraldo Magela e Silva Meneses, comunica que no próximo dia 20, quinta-feira, na Oficina da Palavra, auditório M. PAULO NUNES, às 20 horas, em sessão presidida pelo desembargador Tomaz Gomes Campelo, presidente da UBE - PI, e presidente de honra da referida Fundação, cujo presidente executivo é o versátil Alfredo Filho, ocorrerá o lançamento dos livros "Bernardo  de Carvalho – o Fundador de Bitorocara", de Elmar Carvalho (com apresentação de Reginaldo Miranda da Silva, presidente da APL), "Sentença Cível" (editora Edipro, de SP, autoria de Nazareno César Moreira Reis) e "Nonon" (editora Nova Aliança, autoria de Eneas Barros), além do folheto de cordel “Louvo Pontes de Miranda, um Mestre Extraordinário" (editado pela Fundação Carnaúba, autoria de Francisco Almeida).

Data: 20 de dezembro de 2012 (quinta-feira), às 20 horas
Local: Oficina da Palavra - auditório M. Paulo Nunes
Rua Benjamin Constant, 1.400 - Centro - Teresina

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Reminiscências do Monsenhor



Fonseca Neto

O chão do planalto Vermelha abriu-se neste sábado, 1º, para receber o corpo do Luís, que logo mais germinará e florirá nesse jardim paroquial particular de Teresina. Ali nasceu. E agora cumpre o destempo da Verdade inafastável. Seu ser essencial tratam-no, os Anjos, inclusive os de sua mãe, Maria, nas conduções harmoniosas rumo ao Paraíso. 
Pois é, partiu o padre Luís Soares de Melo. Imagine-se o pároco da secular matriz Das Dores – privilegiada com a cátedra do bispo – e uma multidão fidelizada, nos últimos 44 anos. Trata-se da segunda paróquia de Teresina, inaugurada com o verbo fulgurante do padre Raimundo Alves da Fonseca, ainda no Oitocentos. E, bom sinal de todo tempo, Luís a conservou, com a fala humanamente pastoral. Um radical? Sim, um radical da simplicidade não arrogante.
Quando cheguei aqui fui morar na jurisdição de sua paróquia; em pouco tempo o conheci. Naquela região do Barrocão, eixo-duto e transversal dessa paróquia central, era ele muito acatado – mais para cima, a juventude e a UMC, que tanto animou; mais para baixo, anos depois, a casa vicentina. E por ali, diariamente, o padre Luís, já vigário-geral arquidiocesano – aliás, já cruzando com um garoto chamado Amadeu F°, nosso vizinho naquela avenida que é rua e que se chama até hoje de “José” e “dos Santos” (rsrsrs).
Encontrei padre Luís, mais tarde, na Ufpi: meu professor de Introdução à Metodologia Científica –oriundo do quadro magisterial da Faculdade Católica de Filosofia, integrara o corpo docente inaugural da primeira universidade do Piauí. Muito diligente no exercício da mestria professoral, o fazia com elevado esmero e sem nenhum rebuço. Iniciava-nos o método científico de elaboração do Conhecer, enquanto clamava atenção para o grande valor de um instrumental nessa fazença: a língua, a linguagem, a fala, o vocábulo –o aprender ler e bem escrever. Lembro, a propósito, de uma sessão de correção de exercícios. Um colega escreveu “almento” querendo dizer “aumento”. E ele se passou ao quadro-giz e aquele dia foi uma ótima aula sobre o radical arabesco “al” e o latino “au”. O latim, então, era campo de domínio em seu labor, fundamento de seu pensar formal –claro, além do latim das liturgias, ele travara contato com as fontes do pensamento ocidental a partir desse cânone da forja helenística. 
Agora seu sucessor no sólio paroquial, o monsenhor Amadeu Matias Bernardes, F.°(lembram-se do citado garoto do Barrocão, que veio das bandas pimenteiranas?) fez a celebração exequial do meio dia, cheia de ardor,ante o corpo de Luís jazendo sob o arco-cruzeiro da catedral. Na homilia de despedia, com serenidade eloquente que eu jamais vira desse modo, realçou o sentido das virtudes sacerdotais dele, do homem “bíblico, teológico” e de sua condição de vivente que entregou a vida em solo de humanidade, para servirà igreja da qual se fez ministro ordenado, primeiro fiel entre os fiéis.
Ainda que não tendo dado maior expansão a eles, padre Luís deixa bons textos. Por insistência de muita gente amiga, na antevéspera do “cair doente” seu corpo físico, brindou-nos com um livro, cuja leitura permite-nos apreendê-lo, inteiro,em seu existir essencial: o homem simples que se fez padre e rente ao povo quis viver o tempo inteiro, em que pese a convivência próxima com todos os príncipes arquiepiscopais de Teresina, de Avelar a Jacinto. 
Nesse livro – “Reminiscências de Theresina” – fixou a presença de homens e mulheres do povo vermelhano de sua convivência no bairro natal, sobretudo na meninice e adolescência. Retira do limbo de certo obscurecimento, entre outras,as pessoas históricas de “dona Generosa”, “Joana”, “Rosinha” (a primeira professora), do “Cascavel”, “Benedito Caçador”, “Joca das Areias”, “Joaquim Tomba”, o “Amadeu” (“poeta itinerante” dos velórios), “Tia Luísa” (“crente convicta”), do “Pintassilgo”. Relembra a dor dos pobres na tragédia dos “incêndios” da era de Quarenta. Publica a “Salmodia piauiense”. 
E antenado, lastima: “poderia haver corpo mais estranho no organismo da globalização do que um analfabeto... na era da comunicação”?Eis uma tarefa do catecismo ainda hoje.