domingo, 31 de janeiro de 2016

Seleta Piauiense - Nogueira Tapety


Quos Ego

Nogueira Tapety (1890 - 1918)

Nunca direi que te amo — esta expressão
É muito fraca para traduzir
Esse mundo infinito de afeição
Que de dentro do meu ser anda a florir ...

O que sinto é quase uma adoração,
Um desejo infinito de fundir
Nossos dois corações num coração
E as nossas almas numa só reunir;

É ânsia de ligar, de amalgamar
As nossas vidas que o destino afasta
E que o próprio destino há de juntar;

Uma afeição consciente e excepcional
Que é humana demais para ser casta
E demais pura para ser carnaval.     

sábado, 30 de janeiro de 2016

Políticos suecos versus políticos brasileiros


Políticos suecos versus políticos brasileiros

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

Imagine viver em um país, onde políticos ganham pouco, andam de ônibus ou bicicleta, ocupam residência oficial de apenas 18 metros quadrados, dormem em poltrona, que serve, também, de cama. Lavam e engomam a roupa em lavanderia coletiva, cozinham a própria comida e são tratados de você. Não se trata de utopia, mas do cotidiano da cultura sueca, vigilante e cobradora. Os raros presos trabalham, estudam e não vivem entre grades. Filho de magnata estuda com os do lixeiro em escolas públicas. Vereadores sem direito a salário e secretária. Nenhuma autoridade, nem mesmo o rei, goza de regalias que cidadãos comuns não recebem.

Suécia e toda a Escandinávia (Noruega, Finlândia, extensivamente, Dinamarca e Islândia) formam o paradoxo da cultura brasileira, acostumada a levar vantagem com dinheiro público, tripudiando cidadãos.

Como explicar tanto desenvolvimento, nações que enfrentaram séculos de guerras e assassinatos, disputas religiosas, geográficas e políticas no passado? A metamorfose começou, praticamente, há algumas décadas, depois da conciliação entre católicos e luteranos. Adotaram paradigmas cristãos de responsabilidade, honestidade, civismo, a partir da escola. Implantaram a social democracia, em vez do capitalismo exacerbado. Severidade na aplicação e administração dos recursos públicos. Punição implacável a corruptos. Pesada tributação, que achata grandes fortunas, mas resulta em excelentes serviços públicos de encantar a concorrência privada.

A Escandinávia, em décadas de educação moral e cívica, desfruta da melhor qualidade de vida do mundo, graças, também, a missionários alemães, especialmente evangélicos, em passado remoto.

Cláudia Wallin, jornalista brasileira radicada na Suécia, registrou conversas com deputados e a população. Em seu livro, UM PAÍS SEM EXCELÊNCIAS E MORDOMIAS, descreve a conduta franciscana dos políticos, que desconhecem tratamento de EXCELÊNCIA, não aumentam o próprio salário e não entram na política para enriquecer. O livro serve de tabefe nas caras de pau que assaltam a nossa dignidade nacional.

Cidadãos precisam extrair lições da Escandinávia  para eleger líderes patrióticos e éticos de qualquer confissão religiosa ou partidária. O ensino obrigatório de moral e civismo deve retornar às salas de aula. Falta muito nos libertarmos do jeitinho brasileiro de levar na malandragem a coisa pública. Por enquanto, só aprendemos a conviver com a  Síndrome de Estocolmo: exaltar e eleger nossos corruptos, com a paixão de bela sequestrada pelo sequestrador.   

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

SONHOS



28 de janeiro   Diário Incontínuo

SONHOS

Elmar Carvalho

Ainda em minha meninice, ouvia minha mãe dizer que os seus sonhos, quase sempre, lembravam coisas que já tinham acontecido, ou se assemelhavam a fatos que iriam acontecer. Os meus, além dos que se referem a outros conteúdos e cenários, também se assemelham a fatos que já presenciei ou que acontecerão em futuro próximo. Advirto, contudo, que não se trata de profecia (minhas pretensões não chegam a tanto), uma vez que os sonhos apenas guardam semelhança, em maior ou menor grau, com esses episódios futuros. Saliento que quase todos os meus sonhos, por mais verossímeis que sejam, apresentam algum aspecto extravagante, surpreendente ou insólito. Aliás, essas nuanças, tipicamente oníricas, foram aproveitadas pelo surrealismo, seja na pintura, seja na literatura.

É sabido que algumas pessoas ganham a vida como reveladores de sonhos. Aliás, há vários livros sobre esse tipo de interpretação. Freud e Jung utilizavam-se dos sonhos de seus pacientes em suas terapias. O primeiro é autor de um livro sobre esse assunto. Apregoam vários profissionais da psicologia e da psiquiatria que muitos sonhos revelam desejos ocultos da pessoa que os sonhou. De minha parte, apesar de ser um leigo, defendo que nem sempre, porquanto alguns podem ser catarse ou “exorcismos” do que não se deseja. Contudo, ao menos em potência, parecem advertir de que poderíamos ser ou fazer o que somos ou fazemos em nossos pesadelos. Um pouco de humildade, pois, não nos fará mal nenhum. Existem ainda os que acreditam que durante os sonhos a alma do sonhador viaja para outros lugares ou outras dimensões.

A interpretação de sonhos, talvez para evitar abusos, pelo menos no tocante a previsões, foi proibida pela Bíblia (Deuteronômio, 18:9-12), sendo esses pretensos profetas nivelados a magos, feiticeiros e necromantes. Todavia, na Bíblia há várias passagens em que Deus ou anjos falavam com os homens através de sonhos, dando-lhes avisos e orientações importantes. O profeta Daniel ganhou prestígio perante o rei babilônico Nabucodonosor, ao lhe revelar enigmático sonho, cheio de predições, e José adquiriu poder junto ao faraó quando lhe interpretou sonhos, de modo a permitir um adequado planejamento governamental durante as adversidades que viriam.

No livro Deus não está morto: evidências científicas da existência divina (ebook), de Amit Goswami, retiro a seguinte citação, da autoria dos biólogos Francis Crick e Graeme Mitchison (1983): “Sonhamos a fim de esquecer.” Mais tarde, em 1986, estes dois autores mitigaram esta afirmação, ao dizerem que “sonhamos para reduzir as fantasias e obsessões”. Por isso eles aduzem que talvez lembrar os sonhos não devesse ser estimulado, uma vez que se trata de “padrões que o organismo estava tentando esquecer”.

Durante algum tempo, quando morei em remota comarca, pensei em escrever um livro baseado em meus sonhos. Acabei desistindo da empreitada por várias razões. Muitas vezes não recordava de nenhum sonho. Outras, a lembrança era muito vaga, e depois eu terminava por esquecer completamente do que havia sonhado. Se eu fosse anotar o sonho, poderia perder o sono, o que não achava conveniente. Por outra parte, muitos eram excessivamente plásticos, visuais, podendo ser bom para um filme, videoclipe ou pintura, mas não para a arte literária, porquanto exigiria demasiada descrição. Entretanto, alguns contos e poemas extraí de sonhos que tive.

Décadas atrás, na petulância bisonha de minha juventude, escrevi o poema Deus, Deuses e o Nada, em que, pretensiosamente tentando provar a existência de Deus, bradei: “Num blefe descomunal / poderia até afirmar / que esta realidade não existe. / Que tudo não passa do sonho / de um deus e que esse / deus sou eu.” No referido livro de Amit Goswami, em que ele pretende provar a existência divina, através da física quântica e de outras evidências, está posto que os místicos concordam em que os sonhos “são criação do ‘pequeno eu’, e a vida em vigília é o sonho do ‘grande sonhador’ – Deus – dentro de nós”.

“Tenho em mim todos os sonhos do mundo”, disse Fernando Pessoa. De certa forma isso corresponderia ao sonho de ser um deus, pois somente Deus poderia ter todos os sonhos do mundo. Também esse imenso poeta disse que o mito é o nada que é tudo. Na verdade o mito é como se fosse o sonho acordado do homem, porquanto é fruto exclusivo de sua imaginação, e muitos desses mitos são deuses imaginários ou fictícios.

Ainda sobre sonho cantou o mesmo poeta: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.” Deste último verso pessoano podemos depreender que tudo nasce ou se concretiza do desejo, do pensamento ou do sonho, seja de Deus ou do homem. Do grande vate português, na temática de sonhos, vale a pena ler ou reler o extraordinário poema Eros e Psique, no qual o sonhador se converte no sujeito sonhado (ou vice-versa), cujos versos finais transcrevo: “Ergue a mão, e encontra hera, / E vê que ele mesmo era / A Princesa que dormia.”


Em assunto tão controverso e subjetivo, lembro a música Prelúdio, na qual Raul Seixas entoa em refrão: “Sonho que se sonha só / É só um sonho que se sonha só / Mas sonho que se sonha junto é realidade.” Por fim, pergunto: mas será se um sonho que se sonha só é apenas um sonho, ou um sonho será sempre algo mais do que um simples sonho? 

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Passageiro clandestino


Passageiro clandestino

José Pedro Araújo
Romancista, cronista e contista

Três da tarde, tempo quente, inverno findando, descíamos a pé a inclinada ladeira do Alto da Balança no sentido da cidade. Voltávamos para casa depois de matar a sede dos animais retidos na quinta localizada depois do rio Preguiça, obrigação de quase todos os dias. Foi ai que avistamos o carro que acabava de passar o Riachinho e se encaminhava sacolejando ao nosso encontro. Era um daqueles caminhões boiadeiros, com grades bem altas, e sobre elas vários homens que se seguravam como podiam, dificuldade aumentada pelos constantes solavancos que o veículo emitia ao rolar pela pista esburacada. Atrás de si, uma nuvem de poeira vermelha o acompanhava como uma fiel seguidora, evoluindo e se dispersando ao sabor do vento morno. 

Ao passar por nós, em começo da ladeira íngreme, o carro diminuiu a marcha e o motor agitou-se agoniado, fazendo força para superar a forte subida. Em meio à poeira que ia ficando para trás, ouvi uma voz chamando pelo meu nome. Era o Zé Pretinho. Mulato simpático e muito amigo das crianças que residiam nas proximidades da casa em que morávamos na Rua Grande. Encarapitado lá no alto das grades do caminhão, agora em marcha cada vez mais lenta, ele acenava para mim. 

Joguei o cabresto que trazia comigo para o meu companheiro e corri em direção ao carro. Havia acabado de decidir me juntar ao grupo que se segurava como podia nas elevadas grades. Ia fazer um passeio de carro. Atrás de mim o colega começou a gritar pedindo que não fosse em frente.  Nem me dei ao trabalho de justificar o meu ato, precisava aproveitar que o caminhão ainda estava próximo.

Subi sem muitas dificuldades e, logo, me encontrava do lado do Zé Pretinho. Perguntei-lhe para aonde iam. Ele me respondeu que iam apanhar algumas cabeças de gado numa fazenda um pouco distante. Dei de ombros e me acomodei no poleiro; não importava para onde estávamos indo, contanto que voltássemos logo. Além do mais, estava gostando daquela aventura que estava só no começo e que, como veremos logo à frente, me traria muitos dissabores.

A fazenda, diferentemente do que afirmara o Zé Pretinho, não ficava muito próximo. De onde apanhei o caminhão até lá ainda levou uns bons dez minutos para vencermos a distância. Ficava quase nos Poços, região belíssima e de terras muito férteis. Mas, acabou aí a beleza da minha aventura. Dali para frente as situações foram se encadeando no sentido de me trazer dissabores. Para começar, não havia embarcadouro por lá. Foi necessário cavar um buraco no chão para que o caminhão pudesse penetrar nele e o para que o gado a ser embarcado tivesse acesso à carroceria. Isso demorou muito tempo. Pelo nervosismo demonstrado pelo motorista vi que aquele serviço não estaria completado antes da noite chegar. Ai quem ficou nervoso fui eu.

Cava daqui, discute dali, vi que a tal rampa estava demorando demais para ficar pronta, apesar do terreno ainda está um pouco úmido. A ferramenta utilizada para escavar o chão também não era muito apropriada, e por isso demorou tanto para aquilo ficar do jeito que o motorista achava que estava legal. Trabalho enfim concluído, ai começaria outro trabalhão: o gado não se mostrava muito satisfeito com a possibilidade de entrar naquela carroceria, e os homens encarregados de conduzi-los até lá pareciam pouco afeitos à tarefa.

A minha preocupação somente aumentava com o passar das horas e com a possibilidade da chegada da escuridão. Finalmente deram por completada a empreitada e começaram a arrumação para a partida. Já era quase noite quando terminaram de colocar o gado sobre o caminhão. Agora parecia que tudo havia terminado. Era só acionar a chave no contato e colocar o bicho para funcionar. Até ai, tarefa cumprida: o motor pegou que foi uma beleza. Nesse momento, meu coração já começava a aquietar-se, pois, mesmo chegando já noite em casa, não deveria ser muito tarde, e talvez conseguisse me safar bem.

Mas qual! Ninguém havia contado com um problema a mais: a carga embarcada ficou muito pesada, e isto fez com que o caminhão começasse a afundar no terreno ainda um pouco molhado logo que o motorista deu a partida. Patina daqui, afunda dali, logo vimos que daquele jeito não conseguiríamos jamais sair dali. E como sair daquele imbróglio, foi motivo de grande discursão. Cada um queria dar uma ideia mais estapafúrdia. Até que decidiram aliviar a carga. Aliviar a carga significava retirar algumas reses e colocá-la de volta no curral. Aliviar a carga também significava demanda de tempo.

Nesse momento, meus nervos já estavam em pandarecos. Agora a coisa estava complicada. Era certo que não chegaria em casa tão cedo. E como ninguém sabia por onde eu andava, imaginei como deveria estar os meus familiares, e como seria a minha recepção na volta.

Retiraram a metade da carga. Os animais até facilitaram. Tudo, desde que saíssem daquele aperto. E com isso, já era possível fazer-se uma nova tentativa. Dessa vez foi o caminhão que se negou a colaborar. Parecia que a bateria tinha descarregado. Porca miséria! Meu desespero chegou ao ápice.

O motorista desceu do carro irritadíssimo, e começou a lançar impropérios para todos os lados. E não tendo outra coisa a fazer, pois na situação em que o veículo estava, era impossível empurrá-lo, voltou para a boleia e mais uma vez deu com a chave no contato. Alvíssaras! Não é que o estúpido pegou! E meu herói do dia conseguiu fazer com que o bichão saísse do buraco de uma só tentativa. Gritos de alegria, palmas, assobios, era certo que ninguém queria passar a noite por ali. Eu, mais que todos.

Mas, ai alguém se lembrou de perguntar como iriamos embarcar o restante da carga retirada. Para isso não encontraram respostas. E o motorista resolveu demonstrar a sua autoridade: não levaria mais do que a carga que já estava embarcada. Pronto. E assim fez. Todos a bordo, enfim!

Ai um desgraçado olhou para mim quando subia na carroceria e falou que eu não poderia ir com eles. Não tinha nada a fazer ali, nem havia ajudado em nada! Meu desespero foi ao limite. Aquele infeliz estava se arvorando de dono de uma coisa na qual ele não tinha outra relação a não ser a de ajudante. Mas o Zé Pretinho me salvou daquela situação. Disse que eu havia ido com ele e que ninguém me impediria de retornar com ele também. O imbecil ainda tentou argumentar, mas foi contido pelo meu amigo ao preço de uma cara fechada, de poucos amigos. Pronto, subi nas grades e me arrumei para partir.

A noite estava muito escura, daquele tipo no qual é impossível se divisar algo a dois metros de nós. Mas, o motorista ligou os faróis, acelerou e foi encurtando a distância para a minha casa. Ou mais precisamente, aumentado a proximidade do meu ajuste de contas com meus pais.

Dai a poucos instantes chegamos perto da travessia do rio Preguiça. Precisávamos passar por uma ponte de madeira, velha e carcomida pelo tempo. E isso era também motivo para preocupação de alguns dos que ali estavam. No presente caso, como diz a Lei de Murphy, “qualquer coisa que possa correr mal, ocorrerá mal, no pior momento possível”. Não chegamos a subir na ponte. O caminhão atolou logo na sua cabeceira. E atolou até o eixo naquele massapé que não deixa dúvidas para ninguém: dali para frente somente um trator resolveria o caso.

Não era o meu dia! Resolvemos completar o trajeto a pé. E fomos, rompendo aquela escuridão tremenda, do tipo que se diz de “meter o dedo no próprio olho”. Já havíamos andado alguns minutos quando eu ouvi uma voz conhecida perguntando se eu não estaria naquele grupo. A voz era de um tio meu. Haviam, finalmente, lembrado de perguntar ao rapaz que me acompanhava quando fomos dar de beber aos animais, conforme mencionei no início deste texto, o que ele sabia sobre o meu sumiço. E ele falou que eu havia embarcado em um caminhão ainda no Alto da Balança. Aquele tio meu foi destacado para investigar o caso e terminou por descobrir que o transporte tinha ido apanhar um gado na fazenda do Senhor Raimundo Claro. Foi como ele me encontrou.


Vou parar por aqui. O texto já está muito longo e eu não vou matar a curiosidade de ninguém. Sei que tem muita gente querendo saber o resultado dessa história. Como foi dolorosa demais para mim, não vou atender a ninguém. Imagina!    

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

MAIS UMA VEZ A AMIZADE PARTIDA


MAIS UMA VEZ A AMIZADE PARTIDA

Cunha e Silva Filho

           Volto à questão  transcendente da amizade no mundo de hoje. A minha discussão parte do seguinte princípio: o mundo atual, que já foi  atual  para outras gerações,  para outros  tempos históricos, é o dos isolamentos,   dos afastamentos  explícitos ou silenciosos,  sem uma razão  plausível. De repente, não mais que de repente,  como diria o  poetinha, uma pessoa, que julgávamos  ser nossa  amiga, sai de nosso convívio.
               Por convívio, significo  a troca  de notícias,  de uma linha que seja,  de um telefonema que seja,  de um e-mail que seja, de  alguém que   sai de nossa vista  ou vida  e não sabemos por que agiu assim. Sai  para outro lado qualquer. Sai para não mais se  congregar, ainda que virtualmente conosco, sai  pelo mero ato espontâneo de sair. Sai porque  saiu, sem explicação,  sem nada. Deixou apenas o silêncio que é uma forma de  separação,  de adeus,  de despedida  em vida, que é a pior e mais dolorosa, visto que deixa o sabor acre  do abandono, da indiferença, do descarte.
          Me pergunto: Por que o afastamento,  a falta de noticia,  o silêncio  voluntarioso? Será que a amizade tem validade? Eis uma  pergunta que  daria  espaço e duração  a discutir algum dia. Por vezes, sou forçado a afirmar que sim,   tem data  de validade. Os sinais são  já conhecido:  falta  de tempo,  falta  de saúde,  falta disso , falta daquilo e, se formos ver  o outro lado da história,  não  é nada disso,  É  ato voluntário,  ou motivado  por alguma razão  que desconhecemos, por um deslize nosso que cometemos ou  porque quis se livrar de nós por não  acharem  mais razão de prolongar  a convivência de perto, de longe,  de distâncias continentais, de tudo. 
          Acredito seja esse comportamento social uma característica da pós-modernidade que pauta seus  compromissos  pela imediatismo,  pela pressa,  pela falta de  dar uma paradinha e conversar com  alguém conhecido. Julgo que o espírito gregário  não mais se manifesta  como  outrora. Tudo se  modificou,  tudo  se esfumou, até as relações  interpessoais,  hoje mais  feitas  da virtualidades por força  da pressa e do frenesi  dos tempos que correm não sei  para onde.
            Ao percebermos que o outro lado  se  esquivou  da continuidade  do   relacionamento,  somos tentados a fazer  o mesmo, contaminados  pelo  mesmo   vírus  dos descartes  das pessoas  entre si.  Não vivemos mais  para os outros naquele sentido  antigo  que está completamente sepultado  da sociabilidade  hodierna.
                Não nego que em parte tenho culpa disso, mas os outros também têm o seu quinhão  de   culpa. Por procuraram apenas a vitória de si mesmos  é que talvez elas sejam  forçadas  a se  distanciarem de vez ou  pouco a pouco, até que não  sobra nada dos laços  passados. Sinal dos tempos! Talvez, mas que me deixa  perplexo,  descontente,   decepcionado.
             Ora,  essa  situação de isolamento  voluntário  ou  movido  por um ou outro motivo   parece prevalecer  agora. Foi pensando  nisso que  resolvi  dar uma   olhadela em torno do meu mundo afetivo do prisma  da amizade. Logo me convenci de  que  cada vez mais me senti com menos  amigos,  menos conhecidos,  e o que poderia chamar de “amigo” às vezes me dá a impressão de que não passa de uma  formalidade, de uma gentileza,  de um gesto automático.
            Será que  toda essa  separação   do espírito da amizade  vai perdendo força  com a chegada  da velhice ou é porque a verdadeira amizade não se forjou  com  toda a força  de suas prerrogativas de antanho?
       Vivemos os tempos  das superficialidades, até na  formação educativa e intelectual. A juventude sabe menos  do que há décadas no que concerne aos estudos  em profundidade. As humanidades estão rareando. Um conhecido  há dias me fez um comentário: “Meus alunos estão menos preparados, têm menos leitura, têm menos conhecimentos. Os cursos estão mais fracos,  mais flexíveis  e resistentes às exigências  profundas. 
          Muitas vezes  andando  pela cidade ou mesmo  pelo meu bairro  sempre muito  cheio de gente indo e vindo,  vejo  que  a única coisa que nos  torna filhos da mesma  pátria é a língua, mas não os indivíduos. Em toda os cantos do mundo,  as pessoas vão e vêm nas ruas. Somos iguais  nesse sentido  de movimentação, mas não somos  unidos.
         Todos  temos nossa  própria  vida e o desconhecido  na rua  talvez nunca mais  o veremos. O sentimento de pátria  não é mais o mesmo. Somos todos  ilhas  pessoais  diante dos outros  que não nos veem mais, que passam  céleres em sua  tremenda  individualidade, na solidão das ruas  das grandes urbes. 
       O que me faz  refletir: a pátria  é uma abstração. Só  sentimos que  existe  quando  há o encontro  casual  de duas pessoas. Por isso,  o motivo de tanta carência  de comunicação  num mundo  em que a comunicação, por contradição,   passa a ser prioridade  entre os habitantes da Terra. 
    No entanto,  como somos sozinhos,  jogados  na multidão, na anomia dos isolados, dos esquecidos,  só nos restando adaptarmos, contra a nossa vontade,  a  esse comportamento coletivo  individualizado (com o perdão  do oximoro).
      Esse não é o mundo que  gostaria de ter, ou seja,  o mundo das  divisões,  das desigualdades,  dos confrontos entre irmãos, entre “amigos,”  entre países,  entre partidos,   entre ideologias,  entre religiões em guerra  declarada  ou  silenciosa. Mundo amorfo,  sem graças por lhe escassear  o calor  humano  há tanto tempo  sepultado em nossas dita  civilização contemporânea.
      Ora,  direi sem rebuços,  com tanta  ausência de humanidade,  de amizade  fraterna  não é de se   estranhar  que  as interações  pessoais sejam  duradouras. Tempo de validade   é a medida de nosso sentimento  de amizade. Tenho, agora, que conviver cm isso, de assimilar  o que  detesto, de  conviver   na hipocrisia   da sociedade  sem rumo, a caminho de não sei o quê, mas desejando  viver intensamente  o hic et nunc (Tristão de Athayde) como   o pensamento da infância. O presente é o primado  do  existir,  do estar vivo. Só isso importa,  tem peso entre os contemporâneos. O passado? O futuro?    Ninguém quer dele saber. Já basta o carpe diem. O futuro fica para depois. Só a Deus pertence.
    Em meio ao primado do presente,  tão característico  de nossos  dias, o sentimento da amizade tenderá  a sofrer  inflexão, a piorar,  a enfraquecer ou  apagar os últimos  resquícios  dos laços de amizade, que se esgarçaram  por outros  motivos  inconfessáveis,    perdidas que  estão as pessoas  envoltas na sua auto-centralidade individualista, na luta  pela vida, pelo sucesso, pelas luzes da ribalta, pelos holofotes,  pela  pressa  de um  alcance além das estrelas, dos astros em geral  no  espaço, segundo os cientistas,   crescente  do Universo.A amizade? Ora bolas,  acabou na  data de  validade.    

domingo, 24 de janeiro de 2016

Seleta Piauiense - Alcides Freitas


SÊ FELIZ

Alcides Freitas (1890 - 1913)

Se queres ser feliz, afasta-te. querida!
Da minha alma! E, a sorrir, nem mais procure vê-la!
Uma estrela - Que é luz. deve unir-se à vida
Não à treva - o que sou. Mas à lua, a outra estrela!

Tão formosa e tão moça, afeita à brisa mansa
Das manhãs de sorriso e tardes de ventura,
Não calculas a dor do amar sem esperança;
Do tatear, como um cego, a noite da amargura...

A alma, que conheceste, alegre e calma, outrora
Como um trecho de sol, embebido de canto,
Recordas como vive, erma e calada, agora
Em pedaço de abismo encharcado de pranto.

A ti tudo sorri! Nem pensas no futuro
E o pensar no futuro envenena o presente!
Se és tão nova e tão bela, e o teu ser é tão puro
Há de te ser a vida um sonho alvinitente!

A minha alma, querida, é um sítio abandonado
Onde, em antigo tempo, houve trabalho e festa:
Um sítio claro e verde, harmônico e dourado
Como um sonho de flora a uma canção de vesta...

Só o que vive a sofrer sabe o que é castigo!
Só o que vive de amor sabe o que o amor nos diz.
Tu me amas, talvez... Mas atende ao que digo:
Afasta-te de mim, se queres ser feliz!...  

sábado, 23 de janeiro de 2016

Craques do ENEM e dos olímpicos esforços


Craques do ENEM e dos olímpicos esforços

José Maria Vasconcelos

          Milhares de jovens, Brasil afora, anteciparam o carnaval, ao reunir familiares e amigos, pela conquista de uma vaga na universidade. Vitória suada, sobre-humana, inclusive dos pais, que não medem esforços no investimento e na educação dos filhos. Anos de estudo, repouso reduzido, baladas e paixões adiadas.

         Convidado comemoração em medicina, uma banda incendiava a moçada, ao toque da marcha do vestibular, de Pinduca: “Alô papai, alô mamãe/Põe a vitrola pra tocar/Podem soltar foguetes/Que eu passei no vestibular/Eu agora não me iludo/Estou com a cuca controlada/Já não sou mais cabeludo/Estou de cabeça raspada/Tudo agora é alegria/Vou alegre pintando o sete/Com a turma na folia/Dando tiros de confete”.

         “Eu agora não me iludo...” Ao contrário dos que se nutrem de doces ilusões noturnas, insones, baladas e aventuras, bebedeira, fugazes amores. Devaneios que dividem a responsabilidade com os pais, cuja responsabilidade educacional dos filhos fica por conta de empregadas e escola. Encontram mais tempo para negócios e eventos sociais  do que preciosos momentos de afeto e desenvolvimento dos filhos. Na infância, fácil ludibriá-los com presentes e assistência de babás. Vem a hora do voo da adolescência, descobrem o preço do descuido.  

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

A VOLTA DO TREMEMBÉ

Demonstração de que o fundo do barco inflável descolou da borda

O novo casco do Tremembé a caminho do Velho Monge, vendo-se o seu antigo nome de Encrenka


21 de janeiro   Diário Incontínuo

A VOLTA DO TREMEMBÉ

Elmar Carvalho

Conforme já consta em registro neste Diário Incontínuo, alguns meses atrás adquiri um barco inflável, cujo nome de fábrica é Cheyenne. Comprei-o através da internet na loja virtual Submarino. Após duas curtas utilizações, no rio Parnaíba, sem nenhum acidente ou uso indevido, o barco descolou na parte que liga o seu fundo à borda, o que o tornou imprestável. Por meio de telefone, reclamei para a empresa vendedora, mas a Submarino limitou-se a dizer que como o problema ocorrera após sete dias do recebimento do produto não seria mais responsável em resolver o defeito surgido; que eu deveria dirigir a reclamação ao fabricante.

Achando pouco o teor de sua lacônica e inócua resposta, o atendente acrescentou que não estava autorizado a fornecer o nome e o endereço da fábrica. Como eu tivesse levado o barco para o Sítio Filomena, em Buriti dos Lopes, a trezentos quilômetros de Teresina, não pude verificar o nome e o endereço do fabricante de imediato (e nem obtive êxito em consulta internética).

Vários dias depois, quando pude examinar a nota fiscal e o manual de uso, constatei que o fabricante fica sediado em país estrangeiro e o telefone é internacional. Não encontrei o endereço eletrônico. Como não desejo aborrecimento, resolvi não ingressar com ação judicial contra as empresas fabricante e vendedora. O leitor poderá achar que sou acomodado ou resignado; não, eu sou apenas um cliente que não mais voltará a comprar na Submarino.

Em vez de pendenga judicial, tomei a decisão de comprar um barco de alumínio usado, que o meu pequeno motor de popa pudesse suportar. Com a ajuda de Natim Freitas, que intermediou o negócio, adquiri-o, inclusive com o reboque. Eu havia “batizado” o barco inflável como Tremembé, em homenagem aos índios que certamente perlongaram a Várzea do Simão na época de Mandu Ladino, que bem merecia ter seu nome estampado na pequena embarcação. O Natim sugeriu que o novo casco se chamasse Novo Tremembé, o que ensejaria se contasse a história do barco prematuramente avariado por defeito de fabricação.

Contudo, recordando a legendária falange persa de 10.000 homens, em que tão logo morria um guerreiro este era substituído por outro, de modo que o número se mantivesse incólume, de sorte que os componentes dessa infantaria de elite ganharam fama de imortais, resolvi manter pura e simplesmente o nome Tremembé, como se mantivesse sempre o mesmo barco, qual também na história em quadrinhos do Fantasma, que parecia imortal, pois o seu indumento e saga eram continuados por um filho, quando o herói atingia a velhice. Assim, poderemos afirmar que o Tremembé, como a mítica Fênix, renasceu, e há de permanecer em sua intrepidez e valentia com a continuação de seu emblemático nome em novo casco, desta feita mais resistente, já que metálico.

No dia 28 de dezembro, fizemos um passeio experimental, utilizando o casco de alumínio, que tinha o nome original e sugestivo de Encrenka. Segundo informações não confirmadas, esse designativo se devia ao fato de que um dos antigos donos era um tanto boêmio, e usava as pescarias como desculpas para driblar a marcação cerrada da esposa. Quando ela desconfiava de alguma coisa, era encrenca na certa, de forma que o nome era muito bem posto. Oportunamente o mestre Zico, flamenguista ferrenho e inveterado, pintará o seu atual e glorioso nome: TREMEMBÉ, que fará tremer eventuais adversários, piratas e corsários.

Fizemos a inauguração “oficial” no primeiro dia do ano em curso. O capitão de longo curso e larga cabotagem Natim Freitas pilotou a pequena nau com muita perícia, uma vez que na região dos tabuleiros litorâneos o Velho Monge se encontra muito largo e muito raso, o que sempre requer algum cuidado, apesar de o barco ser de pequeno calado. Graças à boa hidrodinâmica do casco, o pequeno e bravo motor deu conta da missão. Além do comandante Natim, fizemos parte da aventura eu, Francié e Chico Ribeiro, casado com a Graça, irmã da Fátima. Não obstante setentão, o Chico tem muita vitalidade, e subiu e desceu do barco com firmeza invejável.

Fizemos uma parada na margem que dá para a fazenda do general Antônio Lisboa de Freitas Diniz, uma vez que o Natim desejava conhecer a capela que fica perto da casa-grande. Em virtude de a ermida se manter quase sem uso, inevitavelmente se encontrava povoada por esvoaçantes morcegos. Ficamos à sombra de imensa árvore, a conversar com o caseiro.

Tive notícia de que o general Freitas Diniz, apesar de estar perto de completar cem anos, encontra-se lúcido e ativo. Foi amigo de meu sogro João Simão. É irmão do engenheiro civil Domingos de Freitas Diniz Neto, que exerceu o mandato de deputado federal em três vezes, tendo sido ainda secretário de estado do Maranhão. Teve Domingos papel importante no processo de redemocratização do país. Em minha juventude, conquanto à distância, admirei esse político maranhense, natural do município de Araioses.

Prosseguimos até a ponte do Jandira, de onde retornamos até a Toca do Velho Monge. No percurso da volta, atracamos o Tremembé numa das coroas de areia, onde tomamos um revigorante, demorado e gostoso banho. Lamentei a falta na tripulação do amigo José Pedro Araújo, escritor e historiador, que bem poderia ser o escrivão e cronista de nossa lúcida nave louca. Ele tem se proposto a ser apenas grumete, mas eu teria prazer em lhe passar o timão e o comando de nossa pequenina embarcação, que bem poderia também se chamar “cavalo do cão”, embora arrenegue tantas rimas em ão.    

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

RETRATO DE MEU PAI



RETRATO DE MEU PAI

Antonio Gallas

Recebi, com dedicatória e tudo, o livro RETRATO DE MEU PAI - Homenagem Aos Seus 90 Anos de Vida – de autoria do poeta, escritor e juiz aposentado Elmar Carvalho, no qual ele relata fatos da vida do seu genitor Miguel Arcângelo de Deus Carvalho, desde o nascimento até o momento atual quando completou 90 anos em 05 de janeiro de 2016.

O livro com 52 páginas é um verdadeiro pequeno álbum de família, ilustrado com fotografias de alguns momentos da convivência familiar e enriquecido com crônicas bem elaboradas, o que é peculiar nos trabalhos de Elmar. As crônicas, já as conhecia, exceto “O Retrato de Meu Pai”, através do blog do autor e também porque estão inseridas no livro Confissões de um Juiz – editora Academia Piauiense de Letras 2014. Dentre essas crônicas cito “A Morte de Josélia” que quando a leio não posso evitar que as lágrimas venham-me à face, pois, mesmo já tendo se passado 37 anos da sua morte, ainda tenho em minha mente a figura jovial da minha aluna sorridente, meiga, solidária, cheia de vida, e que talvez por isso Deus a tenha levado prematuramente deixando em nós uma saudade, uma lembrança que jamais se apagará, mas também ficou a conformação de que “quem vive para Deus não morre” segundo o poeta e dramaturgo espanhol Juan Ruiz de ALARCON y Mendonza.

Na crônica que dá titulo ao livro, o autor evidencia de forma sucinta passagens da vida de seu Miguel, tanto no ambiente familiar como filho, qual teve que assumir responsabilidades de trabalho muito jovem ainda em decorrência da morte de seu pai (avô de Elmar), como esposo e pai, dando sempre bons exemplos quais foram seguidos pelos filhos; no trabalho, nas lojas em que trabalhou como Casa Inglesa e Casa Marc Jacob e na ECT – Empresa de Correios e Telégrafos. Nesta última Elmar narra com mais detalhes que vai desde o primeiro cargo como guarda fios, os lugares por onde seu pai passou, os amigos que ele conquistou, e a ascensão aos mais diferentes postos dentro da empresa até chegar a ser designado para ser chefe da agência da ECT em Parnaíba, a maior cidade do Estado depois da capital.

Neste pequeno álbum de família pode-se constatar que o Sr. Miguel, que tem nome de Anjo, soube conduzir-se muito bem em sua vida, portando-se sempre, com dignidade, caráter, honradez e honestidade, legado que deixa pra todos os filhos. Mas é bom que se ressalte que uma das características do Sr. Miguel era a de ser fiel amigo de seus amigos, de seus colegas de trabalho e por conta disso teve que enfrentar por diversas vezes momentos difíceis para não ter que “dedurar” um amigo, um companheiro de trabalho.

O poeta e filósofo suíço Henri-Fréderic AMIEL, afirmou que “saber envelhecer é obra de sabedoria, e uma das coisas mais difíceis da grande arte de viver”. E eu afirmo que o senhor Miguel Arcângelo de Deus Carvalho, a quem tive o prazer de privar de sua amizade, foi um verdadeiro atleta no jogo da vida, pois driblou com sabedoria as dificuldades que porventura a vida lhe impôs e hoje, ao completar 90 anos, desfruta da amizade e do carinho dos filhos, netos que tão bem absorveram suas lições de vida que são exemplos de dignidade, caráter, honestidade e honradez, como já os citei em parágrafo anterior nesta crônica.

EM TEMPO: O aniversário do Sr. Miguel foi comemorado em Parnaíba no último dia 08 do corrente mês com a presença de familiares, amigos e colegas de trabalho da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. “Houve celebração eucarística e após, no Buffet Momentos” um “farto jantar e libações” no dizer do seu filho, o poeta Elmar Carvalho.    

Crônicas de Tomaz Gomes Campelo ganham edição revista e ampliada



Crônicas de Tomaz Gomes Campelo ganham edição revista e ampliada

Fernando Castelo Branco

O livro de crônicas “As Cores do Outono”, do desembargador Tomaz Gomes Campelo, falecido em abril de 2014, ganha relançamento, pela editora Edufpi, em versão revista e ampliada, nesta quinta-feira, 21.01, às 19:00 horas, na livraria Entrelivros (Avenida Dom Severino, 1045, Fátima).

Lançado originalmente em 1996, “As Cores do Outono” volta às prateleiras pelas mãos do filho, o médico Viriato Campelo, e dos sobrinhos, o teatrólogo Aci Campelo e o servidor do TJPI Joaquim Campelo. “Havia uma demanda pelo relançamento dessa obra mesmo antes da morte dele. Amigos e admiradores eram unânimes em apontar essas crônicas como um dos pontos altos da produção dele”, explica Viriato.

A nova edição de “As Cores de Outono” conta agora, por exemplo, com a integra do discurso de posse de Tomaz Campelo como desembargador do TJPI, em 1988, além de prefácios de Herculano Morais e Gilseno Feitosa.

Fonte: portal do TJPI  

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

SETE DIAS SEM CARRANCA


SETE DIAS SEM CARRANCA

Pádua Santos
Presidente da APAL

Wolfgang Amadeus Mozart, o grande músico austríaco, aquele que começou a compor aos cinco anos e influenciou inúmeros compositores através de sua produção musical louvada por todos de sua época, ao morrer, aos trinta e cinco anos, em cinco de dezembro de 1791, contou com apenas cinco pessoas acompanhando o seu enterro, onde não houve música nem pompa, sendo enterrado em uma vala comum, sem lápide ou qualquer marca que o identificasse, não obstante ser considerado pela crítica especializada como um dos maiores compositores do Ocidente.
                Bernardo Alves da Silva, o Bernardo Carranca, ao falecer em dez do corrente mês (hoje completa sete dias), teve o seu féretro acompanhado por uma multidão entremeada defãs e também de alguns amigos. Foi realmente um cortejo digno de nota. Não faltou reza, choro e nem música, e foi sepultado, no final da tarde, sob olhares curiosos e ambiciosos, em cova particular, no cemitério Asa Branca.
                Não acompanhei tal enterramento, mas ao ver tudo depois, via internet, fiquei a lembrar do que disse Rochefoucauld – Escritor,moralista e memorialista francês:“A pompa nos enterros é antes para lisonjear a vaidade dos vivos do que para honrar os mortos.”.
                Pensei assim porque pude ver naquele cortejo a presença de políticos de todas as esferas, de quase todos os partidos com representação na cidade, políticos com ou sem mandato, porém todos com o pensamento no popular músico morto, em seus fãs - eleitores, como também nas eleições que se aproximam.
                Eu, também político, muito embora atualmente sem mandato e sem partido, não havendo comparecido à cerimônia para dar o meu adeus final ao grande músico que a Parnaíba perdeu, gostaria apenas de a ele dizer:
- Bernardo, eu sempre vou lembrar-me da sua bravura nas eleições de 2000, quando concorri ao cargo de vice-prefeito. Naquela época os nossos opositores contavam com requintadas bandas de música provenientes da Bahia, compostas de artistas que deleitavam os nossos eleitores nas largas avenidas, cantando do alto de trios-elétricos modernos, músicas quentes e novas. Enquanto você, sempre do nosso lado, animava nossos pequenos comícios que aconteciam em um velho caminhão que muitas vezes só pegava no empurrão. Mas você, com o auxílio do tecladista Teté, cantava e encantava cantando o “Mí dibuiado”, lendo suas exóticas partituras formadas de notas de cabeça para baixo, contendo rabiscos que somente você os lia e ali os havia introduzido à revelia do citado Mozart, ou até mesmo de Rossini, aquele que somente compunha embriagado. E não é que ganhamos as tais eleições! A política é assim, meu amigo, tem os seus contrastes. Ela é, às vezes, tal qualos enterros dosmúsicos.
Mas como vou dizer isto ao meu amigo Carranca, se ele já partiu, de repente e sem despedida? Eu somente poderia dizer se fosse através do chamado “telefone do além”, descrito por Chico Xavier, em sua doutrina espírita. E esse contato realmente existe? E eu acredito nisto? Mas se existir e um dia ele tocar me chamando, e do outro lado estiver o Carranca, eu com ele conversarei sobre todo o processo político onde participamos juntos, da sua candidatura a Vereador pelo partido que eu presidia e onde fiz sua filiação; do show que ele iria dar, ainda neste mês, na festa anual da PAPOCO – minha associação columbófila - já estava apalavrado. E terminaria o telefonema dizendo: - Bernardo, me desculpe por não ter comparecido ao seu enterro. É que atualmente comungo plenamente com o poeta e compositor Vinicius de Moraes: “Os enterros, eliminei-os de minha vida para que possa lembrar vivos os meus mortos”.


                                   Parnaíba, 17 de janeiro de 2016.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

POLÍTICA E CULTURA NO JORNAL INOVAÇÃO

Membros do Jornal Inovação, sob o cajueiro de Humberto de Campos, vendo-se, da esquerda para a direita, no 1º plano: Bartolomeu Martins, Vicente de Paula (Potência), Elmar Carvalho e Canindé Correia; 2º plano: Danilo Melo, Francisco (Neco) Carvalho, Diderot Mavignier, Franzé Ribeiro, Sólima Genuína, Bernardo Silva, Reginaldo Costa e Paulo Martins; 3º plano: Jonas Carvalho, Israel Correia, Porfírio Carvalho, Wilton Porto, Alcenor Candeira Filho e Flamarion Mesquita. Percebe-se, nesta fotografia, a felicidade dos retratados com esse reencontro, posto que vários moravam em outros estados e municípios. Hoje, a maioria já não reside em Parnaíba
O mesmo grupo do Jornal Inovação, em confraternização, no bar Recanto da Saudade, do saudoso Dom Augusto da Munguba



POLÍTICA E CULTURA NO JORNAL INOVAÇÃO

Teresinha Queiroz
Professora da UFPI e historiadora

O livro Inovação e seus dardos de fogo, de Reginaldo Ferreira da Costa,  tem como centro a rememoração da saga inventada e vivida por ele e por muitos de seus contemporâneos, em recentes tempos heróicos de resistência democrática e de construção de um novo Brasil, mais rico de experimentações sociais e mais livre de seculares amarras políticas e culturais. Entretanto, não é ao livro, especialmente, que gostaria de fazer menção, mas ao contexto mais amplo que possibilita esses novos experimentos coletivos, dos quais o autor é, sem dúvida, um atuante sujeito.
A história brasileira do século passado, vista do final da década de 1970 até meados da década de 1980, tanto num ângulo geral quanto em suas particularidades, é de uma extraordinária riqueza de nuances e de grande velocidade de transformação, sendo os anos compreendidos entre 1978 e 1985 absolutamente representativos quanto às mudanças do cenário político. Das promessas de abertura do regime ao movimento “diretas já”, a presença e a consistência das aspirações e da ação populares denotam aquela mudança e dão o diapasão das novas regras que se insinuam no ordenamento político do país.
Em suas grandes linhas e em escopo macroscópico, trata-se de uma história tanto vivida quanto exaustivamente escrita e registrada em vários suportes e linguagens. É possível acompanhá-la, entretanto, de um ângulo particular, definido segundo lugares especiais – o sentimento e a participação de jovens, numa cidade média em inegável retrocesso econômico, contida e controlada menos pelo rigor do sistema tal qual era então instituído e mais pelas forças petrificadas da dominação sociopolítica dos enraizados nos poderes locais. Ao historiador é dado o privilégio de ter acesso a fontes ciosamente preservadas, como a coleção completa do jornal Inovação e ainda a informações orais acerca da imprensa dita menor, no período, que veiculam e explicitam as interdições e os possíveis daquele momento de veloz transição.
O que pretendo esboçar neste breve estudo, cuja base é o corpus quase completo do  Inovação,  é a síntese do panorama composto nessas quase 1200 páginas de sonhos juvenis, que expressam da maneira mais honesta o inconformismo e a sede de transformação social e política daquele recanto do Brasil – Parnaíba - sonhos, porém, que são emblemáticos de denso conjunto de desejos que é nacional, em grande medida.
Ao percorrer, com acuidade, dez anos de aguerrido jornalismo, deparo-me, ao mesmo tempo, com um sólido e bem definido projeto político, e com um variado conjunto de propostas sociais, alcançando desde a inserção cultural do jovem na vida da cidade a escolhas de caminhos e percursos que associam as propostas ali colocadas às transformações mais gerais da própria sociedade brasileira. O conjunto de temas abordados é exaustivo, e o autor do livro em parte a eles se refere – mas é possível sugeri-los com o fim de situar o próprio alcance do jornal e as principais linhas de atuação a que se propunha a equipe responsável.
Em face da velocidade das transformações no quadro geral brasileiro, e até por causa disso, é possível visualizar, o que também é percebido pelos articulistas, o contraste com a morosidade da vida local parnaibana em quase todos os seus aspectos. Em razão desse distanciamento, os temas tratados recortam, em especial, as dimensões mais arcaicas e contraditórias da vida local, evidentemente em leitura cujo foco é o da vanguarda sociopolítica tal qual ela se expressava no país e mesmo fora dele.
Não é intenção deste estudo tratar dos projetos sociais, políticos e culturais do  Inovação conforme vistos e sugeridos pelos redatores e colaboradores do jornal, desde que o livro de Reginaldo Ferreira da Costa já recupera essa história com o sentimento e a vivência de fundador, em memória cuja feição apaixonada ainda guarda o calor das lutas e das emoções da juventude, em boa medida dedicada à causa do Movimento Social e Cultural Inovação (MSCI). O que é necessário realçar é justamente que esse conjunto completo e rico de 75 exemplares do periódico – vindo a público entre 1977 e 1992 – ilumina de um modo muito especial a trajetória e as várias direções da experiência política parnaibana, piauiense e brasileira, as características e as agruras da administração local, os limites diversos da privação humana nas comunidades urbanas e rurais do município, a expansão e a natureza do movimento popular e comunitário que então se institui, o despertar das discussões em torno da questão ecológica, o lugar ambíguo e fundamental da presença e da atuação da Igreja, os entraves e as conquistas inegáveis de cidadania no Brasil a partir do final da década de 1970, os sonhos alimentados no movimento  “diretas já”, a esperança e a desilusão com a chamada Nova República, além do enfoque já conferido às minorias – índios, leprosos, camponeses sem terra, prostitutas, e outros sem voz da história. Destaque também para as entrevistas, muitas delas surpreendentes e primorosas, e igualmente para a produção literária, sobretudo a poética.
É interessante observar, ao longo da década da existência do jornal, a construção paulatina de um projeto político, social e cultural coeso, visando, às vezes, “a marretadas”, interferir e, no limite, superar as condições de existência então postas e transformar radicalmente a sociedade, no sentido proposto pelo grupo. Projeto consistente e, em boa medida, utópico, configurando para os seus autores, a condição, já identificada no passado para algumas gerações de pensadores, de “mosqueteiros intelectuais” . Construtores de sonhos, terminaram por arquitetar, para os leitores do hoje e do amanhã, uma realidade que, vista do agora, antecipa cursos e percursos que só o tempo pôde evidenciar com clareza e precisão. E, como é interessante e desalentador perceber que aquela Parnaíba, tanto no seu formato político quanto na sua miséria social era só um fragmento exemplar do que é o Piauí hoje – conduzido em seus altos escalões pelos mesmos personagens já tão conhecidos e da convivência do pequeno grupo que fazia o Inovação! Porque, se há um aspecto de notável atualidade na vivência dos piauienses, muitos anos depois do fim do pequeno jornal, é a continuidade indiscutível da dominação das velhas estruturas oligárquicas parnaibanas.
Entretanto, não é esse quadro de misérias que pretendo realçar e, antes, o conjunto extraordinário de informações que permite deslindar parcialmente a teatralização exuberante dos poucos personagens que compõem a cena política do Estado do Piauí nas últimas quatro décadas. Se os personagens locais e suas práticas políticas remetem a um domínio quase inerte de mentalidades consolidadas no longo tempo da história, a fluidez e a velocidade são as marcas dos multifacetados arranjos da política nacional nesses anos tão intensos da vida brasileira, com a inserção inquietante e nova das sugestões, demandas e imposições das massas populares – esse novo sujeito insurgente e desconfortável – que buscava seu espaço político e um novo lugar social. É desses espaços que se expandem, a duras penas e de forma a tornar cada vez mais visíveis as presenças de novos atores, que trata essencialmente o pequeno jornal em apreço. O diapasão da política brasileira, em tudo que ela então apresenta de novo e de rebelde ao instituído, é a matéria-prima da informação passível de ser localizada e analisada pelos leitores e estudiosos do Inovação.
De maneira apenas exemplificativa, é possível acompanhar pelo jornal, nos momentos finais da década de 1970, a crítica que se insinua aos grilhões da dominação política pré-abertura, muitas vezes matizada e protegida pelos artifícios poderosos da linguagem e que deságua nas  lentas, mas perceptíveis, mudanças rumo à liberdade de expressão. A despeito das dores ditas e vividas, é inegável, no próprio percurso do periódico, observando o conjunto de ações e relações sociais ampliadas que acontecem em torno dele, o ocupar de brechas que insinuam a mudança. A documentação desse rico momento da história brasileira permite rememorar, dentre outros aspectos, a feição bipartidária da década de 1970 e todo o movimento de conquista que adentra a década de 1980, no sentido do pluripartidarismo, do nascimento e consolidação das agremiações partidárias que ainda se impõem como força nos anos atuais. Destaque para os primeiros momentos do Partido dos Trabalhadores (PT) – no ABC e no Piauí, do Partido Popular (PP) e de sua fusão com o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), do Partido Democrático Trabalhista (PDT), na época já chamado de PDT de Brizola, do Partido Democrático Social (PDS), visto como continuidade das Arenas I e II, expressões do conservadorismo no registro dos jornalistas-estudantes do Inovação.
A vida política brasileira é de uma inegável intensidade entre 1978 e 1985, enquanto 1986 já registra os ganhos das lutas intensas e dos arranjos do período aludido. Se, nos anos anteriores, a marca mais visível da ebulição social e política é talvez a criação e a consolidação das agremiações partidárias e a assunção continuada de suas lideranças – que permanecem - os meados da década de 1980 trazem a tensão catalisadora do movimento constituinte, filho desejado e promessa de catarse das frustrações advindas do “diretas já”, e efeito das imediatas decepções com a denominada Nova República, sob a tutela de José Sarney.
O jornal Inovação, nascido em dezembro de 1977, registra, participa e sobretudo permite acompanhar, nos momentos críticos iniciais, todo esse conjunto de transformações, às vezes subterrâneas, no quadro político brasileiro conforme foi se instituindo no pós-64. Assim, o sugestivo ano de 1977 vai retratado em suas ocorrências mais significativas: o Presidente Ernesto Geisel lança o seu Pacote de Abril; o Ato Complementar 104 proíbe as lideranças partidárias de se expressarem no rádio e na televisão; o Ministro Sílvio Frota, do Exército, é exonerado; deputados do MDB são cassados pelo AI-5; Oscar Niemeyer, Darcy Ribeiro e cerca de 10.000 brasileiros são considerados politicamente indesejáveis, e boa parcela deles está exilada em diversos países europeus e americanos. Na contramão dessa organização militar, frações do corpo político, da sociedade civil e da Igreja constroem, e com extraordinária habilidade, as mudanças que já advirão, em parte, no governo subseqüente de João Batista Figueiredo. É o período heróico do MDB e da atuação exaustiva de suas lideranças regionais e nacionais. Sobem as estrelas de Ulisses Guimarães e de Paulo Brossard, Tancredo Neves afirma-se como articulador político, enquanto o senador piauiense Petrônio Portella, da Arena, já personagem nacional, alinha alguns dos pontos na costura da transição “gradual e lenta” que se insinua. As bandeiras então desfraldadas, mesmo que timidamente, e que agregam representantes da Igreja, estudantes, algumas lideranças políticas do MDB e a resistência civil exilada são as dos direitos à liberdade de expressão e à liberdade individual de ir e vir, da volta do pluripartidarismo, do retorno das práticas democráticas, enfim, do vigor do estado de direito.
É curioso observar que o jornal e o movimento nascem justamente como componente e sob os auspícios do MDB jovem  de Parnaíba e seus primeiros números respondem perfeitamente a essa vinculação política. A batalha proposta tinha um lugar de origem muito definido. Ao longo dos números, essa vinculação se esvai, e o liame institucional com a Prefeitura de Parnaíba, administrada pelo MDB, transforma-se em crítica permanente até o final da gestão do Prefeito João Batista Ferreira da Silva.
As informações acima aparecem menos com a feição de rememorar e reescrever a página vívida e intensa da história política brasileira nesses tempos de abertura e mais para definir os contornos e as ricas possibilidades informativas do jornal em estudo. Em paralelo à riqueza e à variedade de sugestões nesse campo da história política, percorre-se também todo um emaranhado de informações acerca da situação político-partidária estadual, evidentemente, vista a partir daqueles interesses parnaibanos. Destaques especiais são conferidos às vicissitudes da  administração de Batista Silva, aos principais projetos tidos como capazes de promover a recuperação econômica do município, à situação particular da vida dos pobres nos povoados e nos bairros populares da cidade. É notável a participação dos poetas e a freqüência das matérias literárias.
São perceptíveis a permanência e a solidez de alguns temas, nos dez anos de circulação ininterrupta do periódico – política partidária, projetos sociopolíticos para transformar o país, sindicalismo, movimentos sociais e comunitários, retratos do cotidiano das populações pobres rurais e urbanas. Ao longo do tempo, alguns interesses, como os de natureza ecológica e o realce ao lugar das minorias foram ganhando espaço, ao lado das entrevistas, que se consolidaram e que constituem um conjunto informativo de riqueza ímpar.
A partir mesmo de seus primeiros números, o Inovação anuncia sua máxima concepção sociopolítica: política é cultura. E é para esta direção, educativa e interventiva por excelência, que o conjunto do jornal se dirige e é por ela que ele se pauta. Até porque, visto como conjunto, verifica-se a extraordinária coerência do periódico e sua fidelidade às primeiras e ainda pouco elaboradas posições. Ao romper com o governo municipal, o jornal encontra o seu caminho, de que não mais se afastará até os últimos números.
Os anos de 1978 e 1979 podem ser tomados como exemplares para a análise dos conteúdos preferenciais do jornal e como indicativos de opção sociopolítica do grupo, que castiga os costumes principalmente a partir de três focos: o do conjunto de transformações políticas da época; o da expressão poética, fortemente crítica e social; e, através de intensa e continuada focalização dos problemas urbanos e rurais de Parnaíba e de sua administração municipal.
O viés conjuntura política – local, estadual, nacional, internacional – esclarece da forma mais meridiana o lugar da fala dos responsáveis pelo jornal, ao tempo em que ilumina também o cenário ampliado das mutações por que passa o Brasil no seu enraizamento ocidental. O quadro brasileiro é de uma riqueza dificilmente perceptível nos anos anteriores, quando a sinalização das falas, dos discursos e das práticas era a da disciplinarização imposta pelos governos militares, cuja exacerbação de ânimos e de recursos compressores pode ser evidenciada no governo Ernesto Geisel (1974-1979), de extraordinária força da censura sobre os meios de comunicação – rádio, TV, jornais, música, peças teatrais, artes em geral – sem dúvida grande momento de limitação à expressão das subjetividades. Entretanto, 1978 já é também um marco de inflexão e um ano em que as falas públicas, institucionais e dos movimentos sociais, em incipiente processo de organização, começam a ganhar corpo. Impõem-se, aliados às insurgentes práticas sociais, as novas e cristalinas linguagens reivindicatórias, que suplantam o domínio das metáforas advindas das décadas precedentes. As palavras-símbolo desse momento crucial da história do Brasil são “distensão lenta e gradual”, “anistia ampla, geral e irrestrita”, e que, evidentemente, já fazem parte do repertório do futuro presidente João Batista Figueiredo. Os significados dessas mudanças já são compreendidos nesses signos verbais. Ivan Lins, entrevistado pelo jornal, naquele ano, em Teresina, afirmava ser importantíssimo o uso das palavras, que as palavras eram fundamentais. Referindo-se a 1968, considerava os limites então impostos à linguagem e que, por conta da censura, metáforas e hermetismos a dominavam de modo que ninguém entendia nada. Entretanto, 1978 estava muito longe de ser um mar de rosas. Em que pesem as reformas do senador Petrônio Portella, as promessas do candidato João Batista Figueiredo e algum grau de liberdade na imprensa, os propugnadores das mudanças políticas eram tidos como comunistas e subversivos, e o MDB  considerado o grande guarda-chuva a abrigar e a dar vez a esse coro de descontentes. Insinuava-se então a necessidade do pluripartidarismo, pois tanto Arena quanto MDB eram agregados de interesses díspares e posições contraditórios.
A cena política de 1979 aprofunda as contradições latentes dos anos anteriores e define os novos rumos da política nacional – cuja centralidade é a abertura, com todo um leque de desdobramentos que se prolongarão nos anos seguintes, até talvez fechar-se o ciclo da transição por volta de 1985-1986. Eleito João Batista Figueiredo, a luta do MDB, presidido por Ulisses Guimarães, tem como metas a Constituição, o pluripartidarismo, a liberdade sindical, a legalidade, a anistia, a reconquista dos direitos individuais, evidentemente que o MDB catalisando as forças da resistência nacional no período. O ano é intenso em conversas,  entendimentos e negociações e figuras centrais nesses esforços foram, sem dúvida, Petrônio Portella, Aureliano Chaves, na condição de vice-presidente, Ulisses Guimarães e Tancredo Neves, cujos talentos diplomáticos se exercitaram incessantemente. A senha para a redemocratização do país e para a abertura de um diálogo negociado já havia sido colocada por Figueiredo na retumbante promessa de fazer do país uma democracia.
Se até 1979, o jogo político estava marcado pela atuação de apenas dois partidos – MDB e Arena – sem embargo das divisões internas de cada agremiação, o ano seguinte já é de extraordinária ebulição e de vigor do pluripartidarismo. No segundo semestre, o cenário político já conta com partidos de diferentes colorações ideológicas, com espectros ora mais à direita, ora mais à esquerda e que correspondem a toda uma fragmentação dos interesses nacionais. Os agrupamentos agora ocorrem em torno do PDS, do PP, do PMDB, do PDT e do PT.
Nesse período, os temas do Inovação eram a anistia, a liberdade de imprensa, a constituinte, a redemocratização do país, o fracionamento interno dos partidos políticos, os direitos humanos, os impasses da política partidária nacional. Ao desfraldar a bandeira da liberdade em suas várias expressões, enunciava a insatisfação com os representantes políticos locais. Já estavam também em cena os problemas que viriam a se agravar nos anos subseqüentes: a inflação, o desemprego, a dependência ao Fundo Monetário Internacional (FMI), as soluções através dos “pacotes” econômicos. As grandes questões políticas apontavam para as eleições diretas de governadores, já com vistas às eleições para a Presidência da República, movimento que será a nota dos primeiros anos da década de 1980, até culminar com o momento síntese do “diretas já” e a construção do mito de Tancredo Neves.
Ao tempo em que essas tramas da cultura política nacional se articulam e indicam a modificação no cenário das relações de poder, no âmbito do Estado do Piauí consolidam-se os representantes da cidade de Parnaíba como figuras de destaque na administração pública.
Evidentemente, nem só de política vive o jornal. A literatura se fez presente desde os números iniciais, destacando-se especialmente a poesia com feição de denúncia social. O registro da miséria humana, em todas as suas gradações, atravessa as inumeráveis contribuições de Elmar Carvalho, Alcenor Candeira, Paulo Couto, Ednólia Fontenele, Wilton Porto e muitos outros. Essa vontade de expor as entranhas dos poderes faz com que essa colaboração literária seja, logo nas décadas de 1970 e 1980, levada a um público mais amplo, por meio de publicações de obras coletivas, como Poemágico  e Poemarít(i)mos,  que agregam alguns daqueles poetas citados e outros que orbitavam em torno do movimento jovem parnaibano do período. Muito dessa poesia ainda guarda extraordinária atualidade estética e política. É na linguagem literária que ocorre a principal síntese da proposta centro do jornal e se atualiza o seu pressuposto – política é cultura. E a cultura, no grupo e no jornal, é concebida como uma teia de relações sociais em que os costumes, as posturas éticas e mesmo as escolhas das formas de lazer sinalizam para significados políticos.
Ao longo de dez anos ininterruptos, Parnaíba é descrita, perscrutada, mostrada e lamentada em todos os seus quadrantes, sobretudo nos seus aspectos de miséria e privação. As comunidades urbanas e rurais são expostas em suas condições de vida e sobrevivência: pescadores, agricultores, vazenteiros, artesãos, comerciários, modestos funcionários públicos, feirantes, canoeiros, estivadores, estudantes, mulheres pobres e prostitutas, desfilam em seus dramas e em seus esforços cotidianos de inventar e reinventar a sobrevivência. Os principais logradouros urbanos são objeto de constante atenção e de solicitação de interferência por parte da administração municipal, com especial realce para os problemas de saneamento e de limpeza pública. As comunidades rurais são visitadas e inquiridas através de questionários que buscam recolher informações sobre os modos de viver, de enfrentar as dificuldades e registrar as expressões dos desejos dos seus habitantes.
O olhar inquieto e insatisfeito dos articulistas do Inovação sobre Parnaíba desvenda todo um universo de outras questões cruciais da cidade. Dentre elas, destacam-se as preocupações com o desenvolvimento urbano, acompanhadas de propostas de solução; a natureza da vida política local, amplamente criticada em seu modelo clientelista, assistencialista e nepotista, com seus personagens que se perpetuam no poder local; as limitações da vida cultural e o pequeno espectro de possibilidades de lazer para os jovens; a vida estudantil e os prementes e visíveis problemas da educação no município. A ecologia, que emerge enquanto tema, já é abordada em diversas facetas.
O conjunto do jornal, por consolidar informações contínuas para uma década, permite acompanhar as discussões, no governo e fora dele, acerca das possibilidades e das propostas de ação pública de intervenção sobre a vida econômica da cidade. As questões e as soluções parnaibanas giram em torno do porto de Luís Correia – de proposição secular -, da instalação e do fortalecimento de um distrito industrial, dos incentivos ao turismo e ao artesanato. Entretanto, nesses aspectos, a contabilidade não é favorável à cidade e, das inumeráveis matérias que se reportam de forma direta ou indireta à situação econômica de Parnaíba, ressumbram, de um lado, o canto melancólico de uma volta ao passado mistificado e glorioso da velha Parnaíba do charque, da navegação fluvial e da exportação dos extrativos e, de outro, o cenário desesperançado da terra do “já teve”, de passos lentíssimos para um futuro mais promissor e objeto do desamor e da incúria de seus representantes políticos e dos administradores do momento. Não se trata, pois, de um quadro lisongeiro e alentador. Alentador só o sonho de mudanças que perpassa a atitude dos jovens articulistas do Inovação.
A análise da política e da administração no âmbito local constituem o mote para avaliar as misérias e mazelas a que estavam (e estão) submetidas especialmente as populações pobres, objeto constante e do maior interesse no conjunto do periódico, conforme já foi realçado. Um olhar de quase duas décadas após ainda se depara com características muito próximas dos quadros delineados, com a continuidade dos modelos de gestão e a permanência, por anos a fio, dos mesmos personagens políticos, agora com maior expressão estadual e nacional, mas configurando as mesmas práticas e os mesmos objetivos do passado.
Jornal de jovens, voltado também para os leitores com esse perfil, o Inovação traz em muitos de seus números preocupações com a vida estudantil em todos os seus níveis, refletindo sobre o sentido político das práticas educativas, a importância da participação nas entidades representativas de estudantes e professores, enunciando as pautas dessas instituições e as modificações que vão ocorrendo em seus interesses, à medida que os processos de abertura política e de reconquista dos espaços democráticos vão possibilitando a emergência de novas reivindicações coletivas.
Nessa mesma direção, nos primeiros anos de circulação do jornal abre-se coluna para notícias sobre a organização e ação sindical em Parnaíba e no Piauí, num tempo em que, discutidas no cenário nacional, essas temáticas são repercutidas e comentadas. É a partir da vertente sindical, que aparece o metalúrgico Lula pela primeira vez em suas folhas, em matéria que precede as relacionadas à visita do líder sindical do ABC a Parnaíba, no final de 1980, já na condição de fundador do PT, articulando a criação de diretórios do partido no Piauí. Este já é o momento do pluripartidarismo, embrião da complexa discussão da ordem política que marcará a primeira metade dos anos 1980.
A sensibilidade no perscrutar a vida local em toda a sua variedade de manifestações conduz ao tratamento, às vezes irreverente e criativo, das chamadas questões ecológicas, hoje ambientais. Assim, é notável a graça com que Sólima Genuína faz o quadro da conversa casual entre o Ganso e a Garça, duas figuras de louça que habitam a Praça da Graça – símbolo da cidade e ícone do jornal – e desse ângulo privilegiado observam a vida urbana e, especialmente, a relação do homem com a natureza. A degradação dos rios, a poluição ambiental e suas seqüelas e o lixo urbano são objetos de constante preocupação daqueles sensíveis “animais”, em sua função educativa.
O Brasil do final dos anos 1970 até os meados da década de 1980, quando o jornal Inovação tem sua circulação mais regular e intensa, não experimenta apenas perceptíveis alargamentos das molduras da ação política, sindical, associativa e partidária. A Igreja brasileira, seguindo tendência mundial e em sintonia com as novas posturas do episcopado latino-americano, reflete e reposiciona-se face às prementes questões sociais e, sobretudo, traz para o proscênio os despossuídos de todo o mundo. A partir do Inovação é possivel acompanhar algo desse debate e do enfrentamento às resistências do Estado, que administra gradativamente a liberdade de expressão de todos e da própria Igreja, cuja clara cisão  deixa visualizarem-se os novos teólogos da libertação e seus simpatizantes. Nesse período, a forte politização e a ação social de algumas frações da Igreja Católica traziam para o embate político parcela do episcopado brasileiro, a dita  ala progressista, à frente bispos como os de Fortaleza (D. Aloísio Lorscheider) e de São Paulo (D. Paulo Evaristo Arns) e o ideólogo de Teologia de Libertação, frei Leonardo Boff. Nesse contexto, também se salienta a atuação de instituições como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). A Igreja já institucionalizara sua opção preferencial pelos pobres.
A análise das cartas publicadas no jornal e, sobretudo, o conjunto da correspondência recebida é de molde a evidenciar a amplitude geográfica e social das relações estabelecidas pelo grupo. É o lugar também em que se configura a identidade de segmentos da sociedade brasileira que se insurgem contra o regime militar e que evidencia a generalidade das situações vividas por esses segmentos.

Por fim, quero realçar que deixei à responsabilidade do autor do livro expressar os sonhos, as emoções, as dificuldades e as formas críticas de solução encontradas pelo grupo do Movimento Social e Cultural Inovação para fazer viver e prolongar o tempo da interferência social e política do pequeno e corajoso jornal. É desse universo que o livro fala.