sábado, 30 de abril de 2011

Atritos entre críticos e autores brasileiros contemporâneos

Escultura de Braga Tepi

CUNHA E SILVA FILHO

De um debate realizado entre dois críticos bem conhecidos, Alcir Pécora e Beatriz Rezende, realizado no blog de Instituto Moreira Salles, resultou um longo artigo, “A hipótese da crise”, de Pécora publicado, na primeira página do Caderno Prosa & Verso do Globo do dia 23 deste mês e concluído na página 3. Nesta mesma página ainda se publicou um artigo de Miguel Conde, editor-assistente daquele Caderno,“Acusados de compadrio, autores se desentendem com críticos.”
O artigo de Pécora, professor de teoria literária da Unicamp, desdobra a discussão iniciada no mencionado blog, em torno da situação da literatura brasileira contemporânea, sobretudo dos autores mais novos e em particular do nível de valor de parte dessa produção. Para Pécora, a produção ficcional não vai bem, carece de novas formas de exprimir a vida em termos de arte narrativa.
Pécora, entretanto, ao referir-se à arte ficcional, descarta a possibilidade da validade do “romanesco” tendo como parâmetro o que fazia a literatura universal do século 19. Pondera que, a esta altura de novas experiências da vida contemporânea, em que outros meios de comunicação ocupam o que os escritores daquele século representavam como formas de fabulação de estofo realista, já não mais comportam aquele tipo de narrativiva.
Ou seja, ao que percebo, para ele o chamado “enredo” como reprodução da realidade, até mesmo com tintas mais radicais, como ocorreu com o Naturalismo, levando ao extremo a preocupação de retratar a realidade física, moral psicológica dos personagens e da narrativa fundamentada nas leis da ciências físicas e biológicas da época, está fora de cogitação para os tempos cibernéticos de hoje.
Compreendo que para o critico da Unicamp a narrativa atual no país, sobretudo a rotulada de “geração 90”, não está produzindo literatura que realmente ofereça novos caminhos originais que valham a pena ser chamados de ficção entendendo como expressão de competência de composição ficcional, de originalidade na tratamento da linguagem e de formas diferentes de pensar a literatura. Sabe-se que literatura é técnica – ele mesmo o afirma -, é ter consciência do seu artesanato. Isso, porém, não é tudo no domínio literário, seja em ficção sejas em poesia. Não só os componentes estratégicos do arcabouço do gênero erigem o objeto ficcional. Há outras camadas tão e por vezes mais importantes do que a técnica: a infusão dos sentidos com toda a sua capacidade de, através da linguagem, dar vida ao objeto ficcional ou poético. Sem vida, não há linguagem e vice-versa. São interdependentes, partes da mesma moeda, fusão do abstrato na apreensão da existência e seus conflitos com o concreto, a linguagem humana no sentido em que a ciência linguística a entende.
A função do crítico deve ser cautelosa e segura, assim como imparcial. Não significa, por outro lado, que seja transigente com a mediocridade e o desvalor. Deve servir de orientador, completar a visão do leitor comum que lê literatura, da mesma maneira que não deve ser só destrutiva, como diria Álvaro Lins (1912-1970). Julgar demanda paciência, tempo e distanciamento. Nada de generalizar, o que é prematuro e arriscado para quem lida com a crítica.
Clareza sem superficialidade seria um exemplo da boa crítica. Há textos críticos que deixam outros indivíduos que militam no mesmo ofício em dúvida no tocante a enunciados tendentes a hermetismos.
Pécora afirma que muitas vezes se sente melhor lendo teóricos. É uma opção dele. Contudo, a crítica como atividade de julgamento só cresce com o pé no eixo teoria-literatura. Sem isso, perde sua razão de ser porque ela não vive da teoria pela teoria. A literatura até poderia viver sem os críticos, embora estes lhe sejam importantes, complementares, parte de um todo nas captação do fenômeno literário.
Pécora ainda assinala que a literatura brasileira contemporânea está pobre porque, segundo ele, por ser a literatura um fenômeno artístico de escrita “competitivo.” Sim, é certo, mas disso os escritores devem estar conscientes, sem recalques, é claro, porque, do contrario, logo deveriam desistir da tentativa da opção literária.
Assisti também ao vídeo apresentado no blog do Instituto Moreira Salles, que deu início a essa “quase” polêmica”. Verifiquei que a ensaísta Beatriz Resende, que, aliás, foi minha professora no mestrado, mais preocupada está com a questão da literatura “nacional’, velha questão várias vezes discutida até por ensaístas e críticos do passado, sendo um deles Afrânio Coutinho (1911-2000). Beatriz Resende mostra preocupação com o que se poderia chamar de caráter nacional da literatura brasileira, levantando uma interrogação. Como os nossos ficcionistas resolveriam o delicado problema de uma escritura narrativa em tempos em que é muito forte a influência de tantos modos de expressão literária vindas de fora do país e mesmo de autores de origens diversas? Seria ainda lícito afirmar que ainda existe literatura nacional na época em que vivemos, tão contaminada de novos meios de comunicação trazidos pela globalização no seu aspecto cibernético? São indagações difíceis de respostas prontas e imediatistas.
O artigo de Miguel Conde dá conta desse debate entre aqueles dois críticos e nos informa que o debate em questão resultou numa resposta de escritores contemporâneos, Marcelino Freire, Sérgio Rodrigues, João Paulo Cuenca etc, rebatendo tanto as opiniões de Pécora quanto as de Beatriz Resende. Esta, por seu turno, bastante aborrecida com a repercussão que teve o debate, chegou a dizer, através do Facebook, que deixaria de dar continuidade às suas pesquisas sobre autores ficcionista contemporâneos: ‘Me enchi desses autores contemporâneos. Vou voltar pra o velho Lima, Machado, Guimarães Rosa. Não tem erro e não chateiam ninguém. Se quiser ser moderna, falo de Sarah e outros mortos que já sossegaram o ego’. Acredito que não fará isso. Deixou escapar estas palavras num momento de desabafo. Sei que é uma pesquisadora seria e competente.
Penso que dos dois lados há deficiências de comportamento. Só o tempo ensinará a ambos os lados uma foram de convivência cordial. Quantas autores foram entusiaticamente louvados na sua estreia, nos vários gêneros, e hoje não passam de ilustres desconhecidos. Basta ver um livro, 22 diálogos sobre o conto brasileiro (1973). de Temístocles Linhares, crítico e historiador literário, nascido no Paraná, em 1905 crítico que já teve grande prestígio. Vários críticos do passado mais remoto ( a conhecida dupla Sílvio Romero e José Veríssimo), ou menos remoto, não viram confirmadas no futuro seus julgamentos de louvores ou de detrações de autores. A história literária está cheia desses exemplos.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

FLAGRANTES & INSIGHTS


PINÓQUIO TUPINIQUIM

Elmar Carvalho

O velho amigo cada vez mais se supera na arte de contar estórias em que é o protagonista e heroi. Da última vez em que o vi, notei que seu nariz estava bastante crescido, e pelo grau de convicção que aparentava, senti que ele próprio acreditava em suas mistificações. E é exatamente nisto que reside o perigo: o mentiroso acreditar em suas próprias mentiras.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

DIREITOS DA PESSOA COM CÂNCER


DALILÍADA - épico moderno baseado na vida e na obra de Dalí

ELMAR CARVALHO



XXX

Leões rajados eram jorrados
do peixe alado que queria
a mulher desnuda que sonhava
com leões rajados jorrados
do peixe alado que voava.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO


27 de abril

CENTENÁRIO EM VIDA

Elmar Carvalho

Recentemente, numa das reuniões de nossa Academia, foi discutida a comemoração do centenário de nascimento do saudoso acadêmico Raimundo de Moura Rego, nascido em Matões – MA, em 1911, e falecido na cidade do Rio de Janeiro, em 1988. Na cultura foi um homem de sete instrumentos, pois era violinista, poeta, contista, romancista (As mamoranas estão florindo), desenhista, pintor e jornalista. Foi ainda professor e agente fiscal da Receita Federal. Participou de concertos e saraus lítero-musicais em Teresina, inclusive no Clube dos Diários. Por essa razão, neste ano de seu centenário, um grupo de amigos, entre os quais a pianista, regente e compositora Maria Ieda Caddah, irá homenageá-lo no Palácio da Música. A Academia, por força de seu estatuto, também irá render-lhe homenagem, com palestra do confrade Humberto Guimarães, seu sucessor na cadeira que ele ocupava.

Quando estávamos conversando sobre os centenários de nossos acadêmicos, o jornalista Zózimo Tavares, com a sua conhecida verve e senso de humor de bom poeta repentista, observou que em breve talvez passemos a comemorar essas efemérides ainda em vida do acadêmico, pois vários deles já se aproximam de nove décadas, e alguns já estão a caminho de uma centúria. Entre os que já ultrapassaram os oitenta anos, lembro aqui os nomes de O. G. Rego de Carvalho, Wilson Carvalho Gonçalves, Afonso Ligório Pires de Carvalho, Pedro da Silva Ribeiro, Paulo Nunes, Paulo Freitas, Manfredi Mendes de Cerqueira, Celso Barros Coelho e Raimundo Nonato Monteiro de Santana. Vários deles são os mais assíduos às reuniões e eventos do sodalício. Dois de nossos confrades já têm mais de nove décadas: Júlio Romão da Silva e William Palha Dias. Bem por isso, tempos atrás, a APL recebeu uma dissertação de mestrado ou uma tese de doutorado em que a autora discorria sobre a longevidade de boa parte de nossos acadêmicos. Continuando assim, e Deus queira que assim seja, o nosso bravo Zózimo Tavares, além de se tornar um profeta da longevidade centenária, também será um imortal matusalém.

terça-feira, 26 de abril de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO


26 de abril

TEMPOS ECETISTAS

Elmar Carvalho

Na noite passada, sem ver e nem para que, sonhei com os tempos em que trabalhei na ECT, mas num contexto bem diferente da realidade, como não é incomum acontecer nos sonhos; por mais realistas que aparentem ser, trazem sempre algo de surpreendente e estapafúrdio, com alguma pitada desconcertante de estranheza. Nesse sonho eu iria fazer um treinamento, já não me lembro ao certo onde, e nele aparecia o Milton Higino, ao qual me referirei mais adiante. De qualquer sorte, fez-me recordar do meu ingresso na Empresa de Correios e Telégrafos, que dependeu de aprovação em curso de três meses no Recife, ministrado no primeiro semestre de 1975, quando fui aluno do Centro de Treinamento Correio Paulo Bregaro, situado no bairro Bonji.

Certa tarde, quando eu fazia estágio numa das agências do centro do Recife, fui chamado pela diretora do Centro, senhora Cecília, mulher do então diretor regional da ECT em Pernambuco, para recitar um longo poema sobre Recife, que eu havia escrito. Salvo engano, a declamação foi no auditório da escola, onde ocorria uma solenidade. Senti-me, aos 19 anos, com bastos cabelos encaracolados, a própria reedição encarnada de Castro Alves, que também estudara na Mauriceia. Desse poema sobre a nossa tropical Veneza só consegui resgatar os seguintes versos: “tuas luzes multicores / ilusórias como os primeiros amores / cheios de mágoas / parecem peixes fosfóreos / em tuas águas”. Os versos retratavam o fascínio de um menino/poeta interiorano diante da bela cidade do bardo Manuel Bandeira.


Foram meus colegas do curso de Monitor Postal os conterrâneos Alcides Ananias Ibiapina, Wilson Higino, irmão do Milton, a que me referi, e o Paulo, irmão do Luís Carneiro, empregado da empresa, mas que nas horas de folga fazia serviços de instalação hidráulica e elétrica. Dessa turma faziam parte o Chaguinhas, teresinense, e o Bernardo Candeira do Val, ambos já falecidos; o segundo era natural de Buriti dos Lopes, torrão de minha mulher, Fátima, que só vim a conhecer em 1977, quando fui cursar Administração de Empresas no campus da UFPI em Parnaíba, já como empregado da estatal. Nos finais de semana, aproveitávamos para conhecer os pontos turísticos, tais como Olinda, parque zoobotânico, praia de Boa Viagem, roda de ciranda no adro de uma das vetustas igrejas. Num feriado prolongado, conheci Maceió e a bela praia de Pajuçara. Tive a satisfação de ser o orador dessa turma do Paulo Bregaro. Um dos mestres, em gritante exagero, disse que o meu discurso merecia ser proferido em um templo da cultura, o que massageou meu ego de garoto, certamente ainda bisonho.

O Milton Higino, como disse, apareceu nesse sonho, que não chamarei de extemporâneo porque os sonhos não respeitam a dimensão tempo-espaço de que nos fala o gênio Einstein em sua teoria da relatividade, e extrapolam ou mesmo violam os limites do tempo, do espaço e da velocidade. Eu o conhecia desde o início de minha adolescência, a trabalhar na agência do antigo DCT, em Campo Maior, quando esse departamento da administração pública federal já se preparava para ser transformado em empresa. Tanto ele, como seus irmãos Nonato, Cláudio, já falecido, e o Wilson começaram a trabalhar bem jovens. Logo o Milton Higino foi aprovado em concurso para o BNB. Servidor exemplar, exerceu a gerência desse banco em várias agências da hinterlândia piauiense, entre as quais as de Oeiras e a de Água Branca, que ainda está sob seu comando. Presidiu o Comercial, arquirrival do Caiçara, pelo qual torço. Às vezes, tratando de interesses do banco, ele aparece no fórum de Regeneração, oportunidade em que conversamos brevemente. Tem ele uma palestra agradável, temperada com pitadas de bom-humor, graças aos casos anedóticos de seu vasto repertório.

Numa dessas práticas, contou-me ele que um seu ex-colega ecetista, após chamar o chefe pelo nome, em momento em que este estava um tanto turbinado pelo álcool, foi por ele advertido para que o chamasse de senhor. O subordinado disse que iria obedecer, que passaria a chamar todos de senhor, inclusive o Milton Higino, que ainda estava na puberdade, mas que em contrapartida iria exigir que todos os funcionários o chamassem também de senhor. E, com efeito, passou a chamar todo mundo de senhor, mas lamentavelmente a recíproca não foi verdadeira, e ele não foi correspondido em seu respeitoso protesto, que terminou caindo no vazio.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

LITERATURA: DECLÍNIO DA CRÍTICA LITERÁRIA?

CUNHA E SILVA FILHO

Leitores mais antigos, como eu, há tempos vêm se habituando a algumas notícias sobre gêneros literários, notícias nada alvissareiras, em particular anunciadoras da morte da poesia, que seria uma heresia tremenda. Agora, leio na Folha de São Paulo (caderno Ilustríssima, literatura, 17/04/2011, p. 6, ilustração de Paulo Monteiro) uma parte, a quarta, de título “O piano” – narrar, representar, interpretar (trad. de Paulo Werneck, de um diário de Ricardo Piglia, ficcionista argentino estabelecido nos EUA na condição de professor da Universidade de Princeton. Nessa parte, Piglia, por sua vez, anuncia o “sumiço” da crítica literária, gênero que teve ( e eu diria ainda tem em várias partes do mundo) eminentes cultores, alguns nomeados por ele como Iuri Tiniánov ( 1894-1943) Franco Fortini (1917-1994), Edmund Wilson ( 1895-1972) Ainda segundo Piglia, a crítica literária tem sido “.. mais afetada pela situação da literatura.”
Essa tradição de crítica para ele já foi um espaço de referência nos debates públicos voltados para o que denomina “ construção de sentido de uma comunidade”
Por outro lado, Piglia assinala com ênfase que as vozes de interpretação literário-crítica de hoje se encontram nas mãos de historiadores renomados, tais como Carlo Ginzburg, Robert Darnton, François Hartog ou Roger Chartier. Piglia conclui palidamente, nessa página do diário relativa cronologicamente a uma “terça-feira,” que os citados historiadores tomaram como matéria de estudos a “leitura dos textos,” que se torna “um assunto” do passado ou do estudo do passado.”, circunstância que, todavia, não lhes diminui o peso valorativo de seus trabalhos relacionados a assuntos literários e culturais em geral, porém voltados notadamente ao passado.
As assertivas de Piglia me soam um tanto ambíguas, sobretudo porque nesse mesmo trecho do diário, ao declarar ser a crítica o gênero “mais afetado pela situação atual da literatura” (grifos meus), ele não explicita adequadamente sobre que “situação atual” está falando, assim como não faz a necessária mediação entre produções de historiadores modernos e crítica literária. Deixa, assim, no ar as divisões de esferas de atuação de escritas e temas diferentes, não obstante conectadas ao passado.
De qualquer maneira, o que se tem visto de estudos atualmente no gênero da crítica e do ensaio literários são autores oriundos de campos especializados fora do eixo central da literatura, i.e., os historiadores passam a exercer uma função crítica de uma área cultural para a qual em tese não tiveram preparação teórica estrita, que se resumiria no aprofundamento de disciplinas específicas e que demandam tempo prolongado e “treinamento” apropriado, para usar um termo de Terry Eagleton, dos alunos de literatura por parte de seus professores, sobretudo nas técnicas de análises de poemas.O crítico literário, por sua vez, não pode exercer sua atividade sem seguros conhecimentos das disciplinas teoria literária, ciência da literatura,, poética, história literária, linguística, filologia, gramática, línguas clássicas e línguas modernas. São elementos vitais ao estudos de letras que, sem elas, a competência do estudioso se torna, ipso facto, incompleta
O mesmo procedimento estender-se-ia aos textos ficcionais, estes talvez os mais procurados pelos críticos-historiadores dadas as relações mais íntimas entre a narrativa histórica e a narrativa ficcional. Com uma situação análoga se depararia o crítico literário ao defrontar-se com a matéria prima dos historiadores. Ainda haveria oura possibilidade, ado historiador pesquisando o chamado romance histórico, conhecido também como ficção de extração histórica, filão de estudos literarios muto pesquisado ultimamente nos curso de literatura. Deste último exemplo, as visões dos historiadores e dos cxríticos seriam bem férteis ao lidarem com esta matéria.
Não se queira inferir que estou tentando afirmar ser impossível – como na prática não o é -, com tantas exceções de bons críticos literários terem sido também autores de obras históricas, como no país, foram Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), o general Nelson Werneck Sodré (1911-1999), Álvaro Lins (1912-1970) e outros. Neste sentido, há ainda outras situações, a de escritores-ficcionistas que escrevem romances históricos, assim como historiadores que escrevem ficção, por exemplo, no passado, Rocha Pombo (1857-1933).
Poder-se-ia incluir algumas outras situações isoladas, como a do romancista-crítico, do romancista-poeta-crítico, situações que, de resto, não são decorrentes dos dias de hoje apenas, pois sempre houve escritores com talentos polimorfos capazes de atuarem em diversos gêneros literarios. Enfim, existem ainda aqueles intelectuais formados em áreas dissociadas do campo da literatura, mas que, com o tempo, fizeram opções para este campo, ou por estudos independentes (caso do citado Álvaro Lins, formado em direito, mas dedicou-se a lecionar literatura (Colégio Pedro II e em Portugal) e exerceu a crítica literária, além de ter sido diplomata), ou porque realizaram cursos até fora do país, como ocorreu com Afrânio Coutinho (1911-2000), primeiro formado em medicina, e depois se tornando professor do ensino médio (Colégio Pedro II) de literatura e, em seguida, fez cursos na Universidade de Colúmbia De volta ao Brasil, tornou-se professor titular de literatura brasileira da Universidade do Brasil, hoje UFRJ., com Fábio Lucas, formado, primeiro, em economia e, pela vida afora, dedicou-se à crítica literária, tendo sido também professor no país e no exterior. Alguns outros exemplos semelhantes se poderiam mencionar.

Uma diferença, no entanto, é clara, a qual separa os dois extremos, historiadores-críticos e críticos-historiadores, tanto estes quanto aqueles, para serem bons, devem se munir de abordagens críticas que terão maior validade a partir de sua formação específica, num caso o instrumental interpretativo da disciplina história e de áreas afins; no outro, o do conhecimento literário, de preferência com aparato formal, ou seja, de domínio da teoria literária e de áreas afins. A questão que se põe se assenta no predomínio do estritamente literário ou do estritamente histórico. Ambos, entretanto, operacionalizados sem clivagens radicais.
Não intento afirmar, com isso – é preciso reiterar -, que a formação universitária e pós-universitária na área de letras vá prescindir do inestimável suporte interdisciplinar. Longe disso. Áreas de extrema importância ao estudioso de letras como história, filosofia, sociologia, antropologia, entre outras, só haverão de ampliar a formação integral do especialista.
Bem podem ser até excelentes as produções de obras sobre ficção escritas por competentes historiadores. No entanto, a “leitura” destes não pode ser comparadas às investigações de críticos e de grandes ensaístas com ampla e sólida formação no domínio especificamente literário.
A visão crítica do historiador, ao se debruçar sobre escritores de ficção, gênero mais aproximado, segundo já ressaltei, da disciplina história, porém dificilmente alcançado pelo gênero poético na práxis da análise de poemas, pode seguramente atingir dimensão de leitura bem originais e fecundas, mas não chegarão a preencher plenamente os objetivos visados pelos estudiosos da literatura, exceto se o historiador também tiver formação acadêmica avançada em cursos de letras.
Destarte, não vejo o anúncio do “sumiço” da crítica literária do ângulo generalizado do ficcionista argentino. Ele exagerou na generalidade.ou, por outra, simplificou demais a complexidade da questão.
Por certo, na atualidade, sinal dos tempos, qualquer domínio, seja humanístico, seja científico-tecnológico, atravessa impasses, crises, tensões e problemas de identidade.
No país e no mundo há grandes críticos, no passado e no presente, assim como ensaístas. Os estudos dos gêneros literários, a genologia, não estão atualmente sendo tão discutidos quanto às suas especificidades e fronteiras? Nem por isso julgo que desaparecerão dos domínios da literatura. Se algumas espécies se extinguiram com o tempo, outras nasceram, se transformaram, ou surgiram, como o romance, a novela, a peça teatral, o poema, embora tendo sofrido mudanças estruturais no tempo, ainda são perfeitamente discerníveis aos olhos do presente no que tange aos seus traços, fisionomias e singularidades.
Obviamente, o texto ficcional e o poema da nossa contemporaneidade – e aqui me reporto ao século atual da sua primeira década -, não podem nem devem ser decalcados , sob pena de se tornarem anacrônicos, na tradição mais remota ou mesmo remotíssima. Os casos isolados de experimentações metaficionais ou metapoéticas, no eixo diacrônico são compreensíveis do ângulo mimético-experimental, válidos como tentativas de recriações de ordem lúdica, de saudáveis experiências com a linguagem., ou como formas de sondagens do fenômeno da criação literária.
À crítica literária, para não perder o bonde da história ( sem propósitos de trocadilhos), cabe a atenta revisão e atualização dos seus métodos e abordagens ou de preferências de correntes interpretativas do fenômeno literário, sem no entanto, perder sua função primordial, a de procurar ler melhor a obra literária servida de um instrumental teórico atualizado, aberto e sem perder tampouco o zeitgeist – o tempo presente naquele sentido que lhe deu Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) em conhecido poema.
Presente este com a sua variada e múltipla contribuição advinda das novas formas de construção de sentidos e imagens e, portanto, de entender o mundo que nos cerca, bombardeado pelos novos meios eletrônicos de comunicação, cujas mudanças mal acompanhamos perplexos: a internet, as redes sociais, com suas virtudes e defeitos ou mesmo males, nos seus variados modelos, a planetarização da informação, os diverso meios de sintonia com um Planeta globalizado e ao mesmo tempo conturbado com violações e misérias de toda sorte.
A crítica literária não está fora desse contexto de complexidades, muitas vezes irritantes para quem vai adentrando os anos de existência.A crítica literária não “sumiu.” Está presente. Basta ter olhos mais humildes para encontrá-la em muitos quadrantes, muitas latitudes, longitudes, temporalidades e escalas de valores. Não importa, existe. 

domingo, 24 de abril de 2011

ENIGMA


JOÃO CARVALHO FONTES

tantas coisas aconteceram
meus olhos estão perplexos
latente, meu lamento
pela vida dos mortais que já se foram

é grande a dor
de ver pessoas morrendo
sem chance de se defender
de ver lares destruídos
pela falta do chefe da família
a dor de viver longe de mim mesmo
correndo atrás da vida ou da morte
quem sabe?

o acaso, a fatalidade
o amor, a dor
o que é a vida?
e nós, o que somos?
de onde viemos, para onde vamos?

somos filhos do acaso, ou porventura
a estrada da vida tem ida e volta?
a morte é o começo ou o fim desta estrada?

bem que eu queria voltar
ao mundo de sonho da infância
onde a dor se havia lá fora
não me afligia
e a estrada a seguir
era uma reta sem atalhos

sábado, 23 de abril de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO


23 de abril

CADERNOS DE SARAMAGO

Elmar Carvalho

Na sessão da APL do dia 9 do corrente, sábado, a Teresinha Queiroz, apesar de minha amiga, terminou “inconfidenciando” que eu estava a fazer aniversário. Recebi os aplausos e os cumprimentos dos confrades, pelos quais agradeci, na hora apropriada, quando pedi a palavra. Por coincidência, o professor Paulo Nunes me dera, antes do início da reunião, o volume II de Cadernos de Lanzarote, contendo os diários de José Saramago referentes aos anos de 1996 e 1997. Em minha breve alocução, agradeci-lhe o mimo, e acrescentei que ele me havia emprestado um outro volume dos ditos Cadernos, relativos aos anos 1993, 1994 e 1995, e que só não me agraciara com esse tomo porquanto fora presente do confrade Celso Barros Coelho, no qual se encontra consignada amável dedicatória desse notável intelectual, datada de 8/5/97, que faço questão de transcrever: “Ao caro Paulo Nunes, a quem muito agradarão estes 'Cadernos de Lanzarote', na mensagem que nos envia o grande Saramago, de sua ilha, no dia a dia de sua meditação ao sabor das circunstâncias agradáveis (para o leitor).” Expliquei a meus pares que vinha me dedicando a ler diários, autobiografias e memórias em virtude de que estou me preparando para fazer da melhor maneira possível o meu Diário Incontínuo, que venho escrevendo e publicando no meu blog e no Blog Literário do portal 180 Graus.


O professor Paulo Nunes, complementando minhas palavras, falou que o volume ofertado pelo acadêmico Celso Barros, além do valor agregado da dedicatória, tinha também um outro valor afetivo a mais: é que por causa da compra desse livro, e também por causa do embevecimento de Celso a olhar e folhear outras publicações da livraria do aeroporto, terminara perdendo o avião que o traria de volta a Teresina, só retornando em outra aeronave, posteriormente. Portanto, deixei de ganhar esse volume em virtude da bela dedicatória e em razão de o nosso acadêmico haver perdido o seu voo em decorrência de sua aquisição. Para coroar o dia de meus anos, que eu pretendia deixar transcorrer no mais absoluto esquecimento, o confrade Manfredi Mendes de Cerqueira, mestre da oratória, sobretudo da concebida ao sabor do improviso, disse que este diarista tem no prenome “a combinação de cinco letras, e que as três últimas desaguam no mar; que o mar simboliza a sua grandeza literária, a sua largueza de espírito e de outras qualidades”. Não me restou alternativa, a não ser agradecer, embora não as merecendo, as belas palavras do desembargador Manfredi, sempre lhano e espirituoso em sua verve bem humorada.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

A RESPEITO DE ALCENOR RODRIGUES CANDEIRA FILHO

                                                                
Alcenor, na charge de Fernando Castro

VICENTE DE PAULO ARAÚJO SILVA (POTÊNCIA)
                                                                                  
               O polivalente parnaibano em tela, é orgulho das gerações atuais vivas de sua cidade natal. Nascido em 10/02/1947, por formação universitária como advogado, aposentou-se como procurador federal. Também, exerceu com louvor o magistério no ensino médio e universitário (UFFPI) , e ainda hoje milita nessa área, exercendo com dignidade e competência as funções atinentes de Secretário Municipal de Educação.  Culturalmente, é  ensaísta, crítico literário e poeta. Mas, ser poeta aos meus olhos é a sua praia, tão bem expressada em tantos poemas que lhe levaram a distinção de membro das academias Parnaibana e Piauiense de Letras. Mas,  “Passando em Revista”  o “Memorial da Cidade Amiga” , mentalizo Parnaíba, como o seu poema maior,  às vistas de todo o seu verbo  poético. Assim, eu sei de cor :

Parnaíba não é uma ilha fluvial
A martelar-me a memória.
É uma cidade inteira
Dentro de mim,
latejando em mim,
Há um ano e meio após
 a tragédia de Hiroshima.
..
     Aí, nesse poema, percebe-se a sua referencia ao ano de seu nascimento, quando em fatídico dia na 2ª guerra mundial, a bomba atômica explodiu no Japão. E hoje, quando a história se repete, lá no oriente, face aos últimos acontecimentos da natureza, provocando danos nucleares à humanidade, entende-se que é chegada a hora à uma reflexão mais apurada, no caminhamento do homem em direção ao futuro.
   Mas, tratando de pessoas,  lendo e relendo a obra genealógica de Edgardo Pires Ferreira, mesmo sabendo que o homem focado é membro da família Castello Branco, oportunizei-me em saber que o mesmo é descendente direto de  João Gomes do Rego Barros, que no início da segunda década do século XVIII   implantou na beira do Igará (Igaraçu) as primeiras charqueadas no futuro estado do Piauí, na condição de preposto e Capitão-mor da Villa Nova da Parnaíba (região da Parnaíba), apropriada pelo rico empreendedor baiano Pedro Barbosa Leal. Então, verifiquemos :
JOÃO GOMES DO REGO BARROS, era pernambucano, filho de João do Rego Barros, irmão de  Francisco do Rego Barros, que exerceu as funções reais de  Governador da Capitania da Paraíba(1663-1670) e  Ofícial  Provedor da Fazenda Real de Pernambuco. Nasceu em Olinda por volta de 1856. Faleceu em Parnaíba. Foi Capitão-mor da Villa Nova da Parnahiba, de propriedade do poderoso empreendedor baiano,  Pedro Barbosa Leal, quando em 1711, agilizou e conseguiu, como representante do mesmo,  a autorização para erigir na dita vila, uma igreja para veneração de Nossa Senhora de Monte Serrathe. Daí, a localidade  passou a ser conhecida como Villa de Nossa Senhora de Monserrathe da Parnahiba. Em 1712, quando do levante dos tapuias na região norte dos estados do Piauí, Maranhão e Ceará, por ocasião da invasão da Villa Parnahiba, pediu socorro e foi atendido pelo Mestre de Campo,  Cel. Bernardo Carvalho de Aguiar, fundador de São Miguel dos Tapuios, Campo Maior e São Bernardo (MA) ,   que retomou o lugarejo, acantonando os gentios no Delta do Parnaíba, sob a orientação religiosa do Frei Lino de Mescent, implantando-se então o 1º aldeiamento na região. Em 14 de julho de 1725, recebeu do Governador Geral do Estado do Maranhão e Grão Pará, terras no delta do Rio Parnaíba, quando passou a cuidar dos próprios negócios,  indo residir no lugar Testa Branca. Casou-se em primeira núpcia na cidade de São Luiz (MA),  com Anna Castello Branco de Mesquita. Posteriormente, viúvo , casou com sua cunhada Maria do Monte Serrathe Castello Branco, nascida em Lisboa, e falecida no Piauí. Ambas as esposas eram filhas  de  Dom Francisco da Cunha Castello Branco, que vindo de Pernambuco, após passar pelo Maranhão, estabeleceu-se na Bitoracara (Campo Maior). Os seus filhos do primeiro matrimonio, foram  Maria Eugênia de Mesquita Castelo Branco, Lourenço dos Passos Rego Castello Branco, Rosendo Lopes do Rego Castelo Castello Branco e João do Rego Castello Branco;  Os  do segundo matrimônio,   Francisca do Monte Serrathe Castelo Branco, Florência do Monte Serrathe Castello Branco e Anna do Monte Serrathe Castello Branco.
Sua descendente na 5ª geração, Francisca Maria de Jesus Castello Branco,  casou com o Alferes José Lopes da Cruz, filho de Ângelo Antonio Lopes , este, assassinado pelos balaios  em 1839, na sua fazenda Tinguís (Burití dos Lopes), quando contava 90 anos de idade. Dessa união nasceram Maria Eugênia Lopes da Cruz, Estevão Lopes Castello Branco, Francisco Miguel dos Anjos Lopes Castelo Branco  “O Ruivo” (Balaiada) , José Lopes da Cruz Filho, Joaquim Antonio Lopes, Carlos Lopes Castello Branco, Alexandre Lopes Castello Branco, Francisca Maria Castelo Branco, Anna Francisca Castello Branco, João Lopes Castello Branco e Luís José  Demétrio Castello Branco, todos da 6ª geração..
MARIA EUGÊNIA LOPES DA CRUZ, casou com seu primo Francisco Gil Castello Branco. Seu ente José Francisco de Sant’anna,  casou  com Marianna de Sousa Fortes, nascida no Livramento, atualmente município de José de Freitas..
MARIANNA DE SOUZA FORTES, Nasceu em 1815,  faleceu em 1910. Casou  com seu primo, José Francisco de Sant´ana, filho de Veneranda Clara Castello Branco e José Joaquim de Sant’anna, descendente de Francisco Gil Castello Branco e Maria Eugênia Lopes Castelo Branco. Seu filho Fenelon Santana, falecido na Amazônia em 22/07/1896, casou em 22/04/1895, com sua prima Feliciana Ferreira Castello Branco, com a qual, teve dois filhos. Fenelon de Sant’ana Castello Branco e DulcilaSant’ana Castello Branco, esta, mãe do renomado jornalista brasileiro, Carlos Castello Branco.
FENELON SANTANA CASTELLO BRANCO, nasceu em 19/03/1897, em União. Casou em primeiro matrimônio com sua prima Ana Martins Castello Branco, filha de Lívio Ferreira Castelo Branco e Maria Ester Martins. Desse primeiro  casamento nasceram Maria de Lourdes Santana Castelo Branco, José Castelo Branco, Lívio Ferreira Castelo Branco Neto e Maria Thereza Martins Castello Branco.
MARIA DE LOURDES SANTANA CASTELLO BRANCO, nasceu em Parnaíba, em 06/10/1918. Casou em 27/03/1943, em São Luiz , com Alcenor Rodrigues Candeira, com o qual, teve os filhos , Carlos José Castelo Branco Candeira, Ana Maria Castelo Branco Candeira, Alcenor Rodrigues Candeira Filho e Tânia Maria Castelo Branco, esposa de Francisco Canindé Correia.
ALCENOR RODRIGUES CANDEIRA FILHO, filho de Alcenor Rodrigues Candeira e Maria de Lourdes Santana Castelo Branco. Nasceu em 10/02/1947, na cidade de Parnaíba. Casou em 1ª núpcia com Simone Lages de Carvalho. São seus filhos,  Dina de Carvalho Candeira, Diana de Carvalho Candeira e David de Carvalho Candeira. Efetivamente, o brilhante intelectual parnaibano é descendente direto do  Alferes,  José Lopes da Cruz e Francisca Maria de Jesus Castello Branco, da 5ª geração de João Gomes do Rego Barros, portanto um parnaibano de 300 anos de história, como também o atual prefeito de Parnaíba, José Hamilton Furtado Castelo Branco, bisneto de  Luiz José Demétrio Castello Branco e Ângela do Monte Serrathe.
Phb, 21/04/2001 – Vic.
 

quinta-feira, 21 de abril de 2011

FLAGRANTES & INSIGHTS


O IMAGINÁRIO QUADRO NEGRO

Elmar Carvalho

O grande lente João Renôr, que se diz descendente dos bravos Timbiras, e com efeito o é, ao pronunciar uma bela conferência na APL, que ele modestamente chamou de aula, disse que iria imitar Dom Hélder Câmara, que tinha mãos eloquentes. E assim procedeu. Como um verdadeiro mestre-escola de antigamente, ilustrava o que dizia, desenhando mapas, rios, serras, florestas e cidades, porém em pleno ar, em verdadeira mímica de prestidigitação. Cochichei para o professor Paulo Nunes, sentado ao meu lado:
– O João Renôr está fazendo uso de invisível e imaginário quadro negro, com a vantagem adicional de não precisar ter o trabalho de apagar depois o que desenhou.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

DALILÍADA - épico moderno baseado na vida e na obra de Dalí

ELMAR CARVALHO


XXIX

Cabeça torturada suspensa
por estacas que mais torturavam. . .
Girafa incendiada sem poder pastar
na terra calcinada que ela própria queimava. . .
Imenso prato vazio
que um famélico morcego agourava. . .
Apenas os seios de mulher
eram pêras, laranjas e maçãs
para a mão estendida do indigente.

terça-feira, 19 de abril de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO



19 de abril

DES. JOSÉ LUÍS – UMA JUSTA LOUVAÇÃO

Elmar Carvalho

Nesta sexta-feira, fui ao cemitério da Ressurreição, em virtude do sepultamento do desembargador José Luís Martins de Carvalho, que havia falecido por volta das quatro horas da tarde do dia anterior. Tive a oportunidade de conhecê-lo em 1997, em cujo mês de dezembro, dia 19, ingressei na magistratura, tomando posse perante ele, em seu gabinete de presidente do Tribunal de Justiça do Piauí. Fiz um breve discurso de saudação e de regozijo, em meu nome e no nome de mais doze colegas, que tomaram posse juntamente comigo. Sabia de suas virtudes de homem de bem e de magistrado íntegro, honrado, imparcial, contra o qual nunca se ouvia o mais leve murmúrio, por mais leve e por mais murmúrio que fosse. Não quero neste texto arrolar atos e fatos de sua vida pública, nem inventariar datas e dados de seu curriculum vitae, pois a sua mais refulgente biografia é o seu caráter e as suas ações, revestidas sempre de honradez e probidade.

De muitos falsos grandes homens, se diz que a estátua é maior que o modelo. De muitos falsos Catões, se nota logo que a capa dourada de verniz é muito frágil, muito tênue, muito precária, e que basta um leve passar de unha para que a pátina e a ferrugem apareçam, para mostrar a nua e feia realidade. Mas o desembargador José Luís, não; ele, em sua humildade altiva, era maior que a estátua, até porque não a tinha e nem precisava dessas fátuas ostentações. Também não tinha o áureo verniz da hipocrisia, pois era verdadeiro em suas posturas de homem e de magistrado digno e correto, conquanto devesse ter os seus defeitos, inerentes à condição humana, como todos nós.

Devia-lhe um favor pessoal. Favor republicano, legítimo, legal, que mais o engrandeceria se eu o revelasse, mas prefiro guardá-lo no recôndito de meu coração. Quando o saudoso magistrado foi inaugurar a reforma do fórum de Oeiras, terra a que sou ligado por laços afetivos, sentimentais e de amizades, eu ainda estava no início de minha carreira, como juiz substituto. Ao visitá-lo em seu gabinete, disse-lhe que havia escrito, tempos atrás, o poema Noturno de Oeiras, que caíra no agrado dos oeirenses, e que esse texto se prestaria a uma encenação por parte de um ator que o interpretasse, dando-lhe alma e emoção. Conversei com os seus assessores, e o certo é que o poema foi interpretado pelo ator Bonifácio, na solenidade de inauguração da reforma do fórum Des. Cândido Martins, ocorrida no Cine-Teatro Oeiras. A encenação foi calorosamente aplaudida por todos os meus colegas e por todos os presentes, em momento para mim inesquecível.


Amigo de vários parentes seus, filhos do des. Antônio Santana Ferreira de Carvalho, de antigas estirpes oeirenses, tive o ensejo de degustar três cálices de vinho tinto, em sua companhia e na do historiador e cronista Antônio Reinaldo Soares Filho, casado com sua prima Maria Eulália. Pude, então, mais uma vez, apreciar a sua conversa agradável, inteligente, em que ele desfiava episódios interessantes, pitorescos ou mesmos jocosos, de que fora observador privilegiado e arguto. Às vezes, em meio aos casos engraçados que contava, emitia sua gargalhada, de timbre e modulação bem característicos, que realmente lhe denotavam uma alegria sincera.

Um ou dois meses antes de seu falecimento, conquanto já o soubesse doente, fui entregar o meu livro Noturno de Oeiras e Outras Evocações, lançado recentemente na velha capital, com o apoio do Instituto Barros de Ensino, com desvanecedora apresentação do advogado e escritor Moisés Reis, em magnífica noite lítero-musical, ao seu filho Godofredo, para que este lhe fizesse chegar às mãos. A obra contém meus principais textos velhacapianos, em verso e em prosa, entre os quais dois poemas, crônicas, ensaios e discursos. Não sei se o des. José Luís ainda o conseguiu ler, se ainda susteve o meu livro em suas mãos. Nunca perguntarei sobre isso. Prefiro imaginar, que ele lhe repassou as folhas, lhe fitou as gravuras, lhe leu um ou outro verso, e tenha se comovido com uma ou duas frases mais felizes...

No cemitério, conversei brevemente com sua filha Madalena. Ouvi-a contar ao des. José James e sua esposa que seu pai a consolou sobre sua morte, pedindo-lhe que aceitasse essa provação, que se resignasse com o término de seus dias. Ante esse depoimento filial, me é lícito imaginar que ele, não obstante os sofrimentos por que passou em sua doença, morreu em paz, sem medo, sem terrores diante do inelutável, graças a sua consciência tranquila de homem bom, honrado e digno. E sei que ele subiu a outros páramos, onde a Justiça brilha com mais intensidade.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

ARTE-FATOS ONÍRICOS E OUTROS


A CORNUCÓPIA

Elmar Carvalho

Eu tinha 17 anos de idade. Estava levemente tocado pelo álcool. Voltava de uma festa onde dançara a noite toda e ingerira algumas talagada de pinga, uma serrana muita forte, de rachar pulmão. Minha casa ficava a uns dois quilômetros do local do forró, realizado no povoado Varjota. Quando cheguei na encruzilhada das veredas, com a ajuda de minha lanterna, avistei um prato sobre o qual havia uma galinha com farofa, ao redor de umas velas já apagadas, perto de uma garrafa de cachaça. Não tive dúvida, era um despacho. Falava-se que um morador da redondeza, de nome José Grilo, era um macumbeiro. Segundo os comentários, vinha gente de longe para consultá-lo e lhe encomendar trabalho. Com a audácia da idade e a fome aguçada pelas talagadas de calibrina que tomara, não hesitei em comer boa parte da galinha e da farofa, e de quebra ainda tomei umas cinco doses da branquinha.

Ainda estava turvo quando prossegui pelo caminho macio, por causa da areia. Ainda faltava aproximadamente um quilômetro para eu chegar à casa de meus pais. Menos de cem metros adiante, senti-me incomodado pelo sapato direito. Certamente havia entrado areia nele, e isso me irritava o pé. Retirei o calçado, e derramei o conteúdo. Mas não andei noventa metros, e já novamente o mesmo problema voltou. Retirei novamente a areia. Imaginei que o velho sapato deveria ter algum furo, embora eu não tivesse ainda notado esse defeito. Na quinta vez em que tive que parar, já o sol havia saído, de modo que resolvi vistoriar detida e atentamente o calçado. Devo confessar que desta feita estava tomado de ira. Furioso, retirei bruscamente o surrado e escangalhado sapato. Tomado de pavor, constatei que ele não tinha areia. Pude observar que o seu conteúdo era a farofa que eu havia comido; a mesma cor, a mesma textura, a mesma granulação. No susto, derrubei o calçado.

Embora ainda assombrado, recolhi o objeto e o bati com fúria no tronco de uma árvore, para retirar toda a farofa que ele poderia conter. Reparei, então, que com as batidas a farofa jorrava do sapato. Era como se estivesse sendo vomitada a iguaria do despacho que eu havia comido. Horrorizado, atirei o calçado numa moita, e fui correndo para minha casa, que já estava a uns quatrocentos metros. Cheguei esbaforido, a respirar ruidosamente. Meu pai, madrugador, estava sentado em um tamborete, no terreiro da casa. Ao me ver chegar correndo, ficou apreensivo, e me perguntou:
O que é que tu tem? Qual o motivo dessa desabalada e amalucada carreira?
Arfante e ainda muito nervoso com o que vira, respondi-lhe:
Estou assustado com o meu sapato direito, que passou a vomitar a farofa da macumba, que comi...
Tu tá é bebo bosta. Vai logo dormir e deixa de conversa besta!

Só então notei que de nada mais me serviria o sapato esquerdo, que ainda usava, sem o outro, que se transformara numa cornucópia, a vomitar incessantemente farofa de despacho. Se ao menos ele jorrasse moedas de ouro, como a cornucópia de verdade... Claro que nessa época eu nunca havia ouvido falar em cornucópia, o chifre mitológico da fartura. Eu era um caboclo analfabeto, nascido e criado no mato. Mas foi por causa do meu sapato roto, que se tornara uma cornucópia de couro, que tomei a decisão de ir para cidade, para trabalhar e me formar, no objetivo de conseguir uma vida melhor. Por coincidência ou não, a logomarca da empresa de que sou executivo é uma cornucópia. Não preciso dizer que sou diretor de um grande banco.

domingo, 17 de abril de 2011

ANTOLOGIA DO NETTO

CHARGE E TEXTO: JOÃO DE DEUS NETTO


CUNHA NETO

Poeta, radialista, contador de “causos”, político, comerciante e lavrador. Cunha Neto (Campo Maior: 02/06/1924 – 07/02/2010) se iniciou em “cordel” em 1944, onde foi sócio da Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel, da Academia dos Poetas de Uruguaiana [RS]; da Federação Brasileira dos Poetas do Brasil, Brasília [DF]. Publicou 130 folhetos dessa literatura, dentre eles: “Amigos de Campo Maior” e “Nossa Terra, Nossa Gente”. Membro da Academia Campomaiorense de Arte e Letras – ACALE.




RELEMBRANDO CUNHA NETO

Elmar Carvalho

Recebi, nesta manhã, telefonema de meu pai, que noticiava o falecimento do poeta Cunha Neto, ocorrido em Campo Maior, de madrugada. Meu pai havia ido ao velório. Não pude ir ao sepultamento do bardo. Tenho recordações antigas dele. Quando eu tinha por volta de nove anos de idade, vi um folheto de sua autoria, que o meu pai recebera na missa matinal de domingo, a que tinha ido assistir na matriz, hoje catedral. O cordel falava sobre o festejo de Santo Antônio do Surubim, padroeiro da cidade. Cantava as proezas e a coragem dos vaqueiros, que são homenageados na festa religiosa, com um dia a eles dedicado. Senti orgulho do conterrâneo, e – por que não confessar? – uma certa inveja. Imaginei o meu nome estampado em um livro. Mas só fui despertar de verdade para a literatura um pouco mais tarde.


Tempos depois, vi outros livretos do poeta, com poemas que falavam da lagoa do Corró, da saudade, e das belezas arquitetônicas e naturais de Campo Maior. Zé Cunha Neto era um autêntico cordelista, também chamado de poeta de gabinete, porque manejava a palavra escrita, mas não era um repentista, cuja principal característica é improvisar, acompanhando-se por uma viola. Foi meu amigo e amigo de meu pai. Quando tomei posse de minha cadeira na Academia do Vale do Longá, Zé Cunha me prestou uma enternecedora homenagem, declamando um poema de sua autoria sobre a minha pessoa. Não precisaria acrescentar que fiquei deveras comovido. Isso significa que o poeta era despojado da mesquinha inveja e sabia reconhecer as qualidades de outra pessoa, de outro poeta.

Era um cidadão de bem e do bem. Sua mulher, dona Ana, foi uma boa e sábia companheira, que soube amparar e compreender o grande poeta popular. Nos últimos anos, vinha amargando forte depressão, que torturava seu espírito, tornando-o quase recluso, retraído, quando outrora fora alegre, expansivo e sociável. Lembrando-me dos seguintes versos de Antero de Quental: “Na mão de Deus, na sua mão direita, / Descansou afinal meu coração”, tenho a certeza de que o coração bondoso e tão sofrido do poeta Cunha Neto encontrou abrigo, amparo e lenitivo na destra do Senhor.
(Extraído de Diário Incontínuo, registro do dia 07.02.2010)

sábado, 16 de abril de 2011

LIVRO E LITERATURA


FRANCISCO MIGUEL DE MOURA


Nem todo livro é literatura. O grande público não sabe ou não avalia, pois a indústria cultural age primeiro. O que é um livro? Simples. Miguel Guarani, meu pai e professor, tinha uma definição: “Livro é uma porção de folhas de papel com textos escritos à mão ou datilografados, reunidas e presas por uma lombada”. Ele dava o exemplo de um substantivo concreto: o livro. Mestre Miguel não era nenhum bobo, sua definição de livro era praticamente a que estava no dicionário.

E literatura, o que é? Aqui a definição se complica, pois não é uma coisa concreta. Antigamente, tudo que estava escrito era literatura. Por quê? Bem, porque os conhecimentos se transmitiam verbalmente, não havia papel, não havia livros. Escrevia-se em pergaminho, em tijolos de barro, pedra, etc. Portanto, religião, filosofia, ciência e literatura eram todas englobadas no termo literatura, uma derivação de letra.  Mas, com o passar do tempo, ciência, filosofia e religião se desenvolvem e a definição de que “literatura é tudo o que se escreve”, passa a ser uma coisa estranha, extravagante. Literatura é letra e conteúdo, é o trabalho com a palavra e com a língua no sentido de captar imagens e símbolos e, através destes e da forma expressa, criar, recriar mundos diferenciados do real, mundos abstratos por assim dizer, porém com um sentido crítico da realidade. A linguagem da literatura é a dos sentimentos e da plurissignificação em obras escritas: poesia, conto e romance – os gêneros principais.          

Todo esse confronto entre livro e literatura me veio após ter ouvido do confrade acadêmico, Prof. Jônathas de Barros Nunes, numa das nossas reuniões na APL, que “o Lula é um livro”.  Concordei que a biografia de Lula, escrita a soldo pelos jornalistas, equivale realmente a um livro, mas jamais a um livro de literatura. E, aqui completo: não é também uma história que sirva de exemplo – “a de como um analfabeto, nordestino, chegou a ser presidente”. É emocionante, sim; vende, sim. Mas literatura não é só isto. Cadê a forma, a criação, o conteúdo? Lula representou o que foi o povo brasileiro até aqui: analfabeto e subdesenvolvido. Mas, está provado que só a educação transfere renda, justo o que as democracias modernas proclamam. E o que Lula fez? Não desenvolveu a educação e a cultura e transferiu renda apenas como esmolas, com as tais bolsas-estudo. Lula, nas suas falas desconchavadas, sempre fez propaganda da falta de cultura, de leitura, de educação. Pode ser um exemplo para o Brasil, que quer ser uma nação moderna e poderosa?

Não queremos dizer que todo livro de literatura é bom. Mas, na verdade, as grandes idéias, os grandes sentimentos foram mais bem divulgados e digeridos pela grande literatura, em obras como as do Renascimento, de Dante, Virgílio e Camões aos clássicos franceses, russos, ingleses como Renan, Victor Hugo, Shakespeare e tantos outros. No Brasil, de Euclides da Cunha a Gilberto Freire e a Machado de Assis. Nossa literatura é imensa e de qualidade, levando-se em conta a idade que tem o Brasil de independência cultural (do Romantismo para cá). Uma pena é que esteja relegada pela mídia, para que mais bestsellers sejam vendidos.

Assim, quando nosso poeta Castro Alves, cunhou os versos: “Livros, livros à mão cheia, / Mandai o povo pensar: / O livro caindo n’alma / É gérmen que faz a palma, / É chuva que faz o mar”, de forma alguma confundia literatura, poesia, cultura, com qualquer bestseller, seja ele de Paulo Coelho ou de Sidney Sheldon, que vendem milhões e fazem mal a milhões, porque mantêm esses leitores na pasmaceira do “consumismo” estacionário ou deletério.  Consumir é sinônimo de anestesiar-se.  Mas, livro não é sinônimo de literatura. Um é substantivo concreto, o outro é abstrato.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

DESEJOS INCONTROLÁVEIS


ALCIONE PESSOA LIMA

Deixa-se cair na armadilha de um olhar, num tropeço.
Tudo porque não sabe um terço da vida de quem ama.
Enganos bobos, caminhos tortos...

A força do sorriso e da mão que o conduz
faz vislumbrar a cruz que então carrega.

Renega as tentações em contraste às emoções...
Momentos dolorosos a confundir a mente, a sufocar o coração...

Refuta a razão pelo prazer da dança solitária a provocar um redemoinho...
Apagando o caminho da volta.

E tantas luzes a clarear o seu destino...
Mas o menino segue de peito aberto nas aventuras do mundo...
Segundos caros, que os consomem nas encruzilhadas.

Como pedir o perdão da amada se não há vontade em segui-la?
A força que o aniquila é voraz e arrasta qualquer desejo reverso ao beijo
Da mulher que tanto quer.

A droga que o instinto o impõe é dominadora.
E sedutora como a maçã do paraíso.