sábado, 30 de dezembro de 2017

Rio Grande dos Tapuias

Fonte: Google

Rio Grande dos Tapuias

Reginaldo Miranda *

A cordilheira serrana que vem do planalto central em rumo do norte separando a bacia do S. Francisco da bacia do Tocantins, a certa altura se abre ao meio formando um ipsilon em que uma vertente derreia para o leste direcionando o curso do rio S. Francisco e outra derreia para o oeste direcionando em sentido contrário o curso do rio Tocantins. Eis aí o fator determinante do direcionamento das águas do norte do Brasil.  Para trás ficam os campos cerrados do Brasil Central e numa vertente as primeiras manifestações da floresta amazônica ao passo que na outra vai se encontrar os primeiros sinais da caatinga nordestina. No vértice desse ipsilon vão surgir as primeiras águas que formam o rio Parnaíba, de cujas vertentes da cordilheira serrana que se abriu vão correr as águas dos diversos afluentes que o engrossarão ao longo de seus 1.700km de curso. Do lado de fora desses vértices outras águas vão formar novos afluentes das duas primeiras bacias hidrográficas, às vezes com nascedouro comum interligando-as. Por essas razões na bacia intermediária do Parnaíba vai se encontrar espécimes vegetais das três grandes vegetações brasileiras, sendo mesmo a barra do Gurgueia com o Parnaíba, verdadeiro marco de vegetação donde vai se encontrar as primeiras manifestações da exuberância amazônica em contato com a vegetação de cerrado. Pois, essa interligação de bacias e a variedade vegetal vai determinar a bacia parnaibana como grande corredor de migrações entre as diversas tribos indígenas que demandavam de uma região para outra. Mais tarde, esse caminho vai ser continuado pelos retirantes nordestinos que do sertão agreste buscam os vales úmidos do norte.

Mercê desse fenômeno migratório, no brasil pré-lusitano quase uma centena de nações indígenas vai residir no vale parnaibano, com cerca de trezentas mil almas. Viviam primordialmente da caça e da pesca, ajudados por uma agricultura rudimentar em que cultivavam algumas culturas a fim de não deixarem ao acaso a sobrevivência diária de seus membros. Às vezes entrava em guerra uma nação contra outra em disputa dum rio mais piscoso ou duma mata de fauna mais rica, onde pastavam as manadas de caitetus, veados, antas, capivaras, cotias, pacas, tatus e outras espécies da rica fauna parnaibana. Todavia, até o século XVII o curso desse rio vai ser desconhecido para os conquistadores lusitanos, se acreditando, por informações dos índios do litoral, que o mesmo nascia em uma grande lagoa rica em pérolas.

Esse desconhecimento do rio piauiense vai se refletir em sua primeira denominação, Rio Grande dos Tapuias. Rio Grande, porque era o maior desaguadouro da costa entre o Maranhão e Pernambuco, a ser avistado pelos navegantes. Dos Tapuias, em face dos índios Tremembés que desciam em canoas a mariscar em sua foz. Mais tarde foi também designado Pará, Parauaçu, Punaré, Paraguaçu e, por fim, Parnaíba, em homenagem aos paulistas de Santana do Parnaíba que aqui fincaram raízes. O ano em que se descobriu sua foz não se sabe ao certo, mas foi designado Ano Bom, daí o delta parnaibano ter ficado conhecido durante os primeiros anos como Baía do Ano Bom.

Na verdade, outros europeus que não os portugueses iniciaram o comércio pelo Rio Grande dos Tapuias ainda em meado do século XVI, através de aliança com índios Tapuias da nação Tremembé. Por essa razão, o Rio Grande dos Tapuias, mais tarde designado Parnaíba, vai ser uma importante via comercial, principalmente utilizada pelos franceses, que em troca de ferros, roupas, espelhos e algumas bugigangas levavam âmbar e pau-violeta, entre outros produtos vegetais e animais. Para isso, os Tremembés, seus principais fornecedores, se aliaram a índios do interior servindo de intermediários e se fortalecendo como grandes parceiros de franceses e de outras nações indígenas. Sobre esse assunto muito ainda há de ser pesquisado, inclusive na França, para se estabelecer o grau de intensidade desse comércio, a influência que exerceu sobre as tribos que dele participaram e a consequente dificuldade que possa ter trazido para a ocupação colonial portuguesa no litoral piauiense, retardando-a de forma a atrasá-la em relação ao sul da mesma bacia hidrográfica. Por seu turno, os franceses estacionavam em frente ao delta, ou Baía do Ano Bom, com seus navios de honesto porte, de onde prosseguiam rio a dentro por algumas léguas em busca dos diversos produtos estocados pelos tapuias Tremembés, por si e/ou comprados de outras tribos do interior, em caravelões da costa. Faziam “muito boa colheita”, segundo informa o cronista Gabriel Soares de Souza. Até onde navegavam os franceses rio acima é questão ainda não descoberta, entretanto, não se pode esquecer que os Tremembés tinham influência até a foz do Poti, hoje Teresina, onde viviam seus parentes Aranhis, e por esse afluente acima os também parentes Potis e Crateús.

Esses fatos todos demonstram que os Tremembés se tornaram grandes aliados dos franceses, não sendo descabido, portanto, que alguns deles possam ter visitado a França a fim de fortalecer as relações comerciais, assim como ocorreu com os Tupinambás do Maranhão. De qualquer forma essas notas pontificam o rio Parnaíba, outrora Rio Grande dos Tapuias, como corredor de contrabando. É assunto que merece maior investigação.

(Artigo publicado no jornal Meio Norte, coluna Academia, edição de 02.11.2007).

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*REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico e Piauiense e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

O goleiro e o Gato

Autor: Amaral. Acervo de Cineas Santos
Autora: Elmara Cristina

O goleiro e o Gato

Elmar Carvalho

Joguei futebol até os dezoito anos de idade, sobretudo na posição de goleiro, mas também atuando, algumas vezes, na lateral e na ponta direita. O trabalho e meus estudos me impediram de continuar praticando o esporte bretão. Depois, só muito esporadicamente voltei a jogar, mormente após ingressar na magistratura, no time de nossa associação – AMAPI, por um curto período.

Praticamente havia esquecido essa minha faceta esportiva, quando, muitos anos depois, o professor Zé Francisco Marques me disse que eu havia sido um bom goleiro. Como eu lhe tenha dito que já pouco me lembrava de minhas atuações goleirísticas, o Zé Francisco escreveu a crônica “Quem te ensinou a voar?”, que muito me comoveu, na qual descreveu as minhas principais características e uma de minhas defesas. Foi um ato de generosidade, mas o fato é que esse texto se encontra publicado em meu livro “O Pé e a Bola”, assim como na internet.

Portanto, foi motivo de agradável surpresa e regozijo, o Gato, famoso e respeitado árbitro do futebol teresinense, na última comemoração natalina da AMAPI, me haver dito que eu fora um bom goleiro. Ele me viu jogando em algumas disputas do time amapiano. Como eu lhe tenha indagado se falava com sinceridade, ele não só confirmou o que dissera, como ainda descreveu uma “ponte” que fiz para defender um chute do adversário.

Olhou para o campo de futebol, que fica perto de nosso clube social, e apontou para a trave em que eu praticara a defesa. Confesso que fiquei extasiado, no momento em que ele acrescentou que até perguntou se eu havia sido goleiro profissional. Alguns colegas magistrados presenciaram essa conversa, embora possam não ter ouvido o seu conteúdo, em virtude do som musical muito alto.

Eu tinha em torno de cinquenta anos, e foi nessa época que deixei de jogar para sempre, com exceção de uma última partida, que fiz em Regeneração, em que, segundo os presentes, atuei muito bem. Nessa derradeira partida, modéstia às favas, fiz algumas ótimas defesas. Essa minha última atuação como golquíper foi relatada na crônica “Despedida de goleiro”, que também se encontra postada na internet.  


Pelo que o amigo e grande árbitro Gato me relatou, a minha defesa pode ser considerada, sem nenhuma falta de modéstia, como uma bela “ponte”, mas não uma ponte qualquer, porém uma legítima e deslumbrante ponte estaiada. Valeu, grande Gato! Muito obrigado. 

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Dílson Lages ministra conferência no TRE- PI


Renato Castelo Branco e a renovação de literatura piauiense. Esse foi o tema desenvolvido em conferência pelo escritor e professor Dílson Lages Monteiro durante a I Feira do Livro do TRE-PI, ocorrida na primeira quinzena de dezembro, em Teresina. Renato é um dos primeiros a renovar a prosa de ficção na literatura piauiense com o livro Teodoro Bicanca, que foi alvo de detida análise na fala do professor Dílson Lages.

Para o conferencista, embora o regionalismo tenha dado sinais de vigor com João Pinheiro, Dr. C. de Moura Baptista (Capueiros do Piauí, 1939) e Permínio Asfora (Sapé, 1940), é com Renato que o ideário regionalista tanto do ponto de vista formal quanto temático se materializa. "Encontraremos, em Teodoro Bicanca, um forte grito contra a injustiça social da Parnaíba das primeiras décadas do século XX, com a incoorporação das ideias socialistas muito presentes em autores como Graciliano Ramos e Jorge Amado, por exemplo. Encontraremos nessa obra um autor em sintonia com a literatura que é produzida a seu tempo no Brasil, embora tenha mudado o viés de seus romances em seguida, produzindo uma literatura de romances históricos que narram a história do poder no Piaui", diz o professor Dílson Lages Monteiro.


A conferência do autor é parte de livro que o escritor escreve atualmente e em breve será  publicado em Entretextos.

Fonte do texto e da foto: Portal Entretextos

MODERNISMO BRASILEIRO: A DIMENSÃO QUE LHE FALTOU (CONCLUSÃO)

Mário de Andrade visto por Anita Malfatti. Fonte: Google

MODERNISMO BRASILEIRO: A DIMENSÃO QUE LHE FALTOU (CONCLUSÃO)

CUNHA E SILVA FILHO

6. CONCLUSÃO
  
             É ponto pacífico que o Modernismo brasileiro foi o grande emancipador da literatura brasileira, sobretudo pelo que pôde realizar e de atualizador da realidade nacional, aproximando-se, se não do povo, ao menos de nossos crônicos problemas sociais.

Não é possível que a esta altura do desenvolvimento alcançado pelo país, posto que com tantas desigualdades e injustiças gritantes, a surrada questão xenófoba possa tomar força entre defensores nacionalistas provincianos que não vêem na troca de cultura a vantagem de países se beneficiarem mutuamente. O que seria reprovável é a completa passividade do povo em geral de só valorizar voluntariamente, ou por influência de um colonialismo cultural ainda arraigado e reforçado pelo globalização da mídia, o que é de fora, sejam teorias modas, produtos ou lazer.

Repensar o movimento Modernista a partir da perspectiva do povo, tanto como sujeito de nossa realidade como voz narracional é um passo decisivo para integrarmos o movimento em suas raízes autônomas que pudessem continuar nessa direção o filão inaugurado por Manuel Antônio de Almeida, passando – por que não? – por Machado de Assis (1839-1908), Lima Barreto (1881-1922), Marques Rebelo (1907-1973), Antônio Fraga (1916-1973), e alcançando resultados brilhantes em João Antônio.

Os conceitos de Modernismo e Modernidade não podem ser dissociados de pressupostos econômicos e culturais, mas também não são corolários indispensáveis ao desenvolvimento só pelo caminho do neoliberalismo. Entretanto, nos parece que os tentáculos neoliberais procuram instilar nos espíritos menos avisados que as premissas da Modernidade devam sempre estar nas promessas da economia programada além fronteiras. É possível ser moderno sem ser neoliberal e sem ser tampouco xenófobo.
  
7 . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1.ASSIS, Machado de. Obra completa.Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1977. Org. por Afrânio Coutinho, V. III.
2.ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo: Ática, 1989. Série Tema, v. 9. Trad. de Lóror Lourenço de Oliveira.
3.BOURDIEU, Pierre. Contrafogos – táticas para enfrentar a invasão do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. Trad. De Lucy Magalhães.
4. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1986.
5. BRASIL, Assis. História crítica da literatura brasileira.O  Modernismo. Rio de Janeiro: Pallas S.A., 1976.
6.COUTINHO, Afrânio. Conceito de literatura brasileira. Rio de Janeiro: Ediouro, s.d.
7. EAGLETON, Terry. Teoria literária – uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 1997. Trad. de Waltensir Dutra..
8. HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Pós-Modernismo e política. (org.).
Rio de Janeiro: Rocco, 1991.
9.MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia – dos pré-socráticos a Wittenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
10. PORTELLA, Eduardo. Fundamentos da investigação literária. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1981.
_______. Confluências – manifestação da consciência comunicativa. 1. ed. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.
11_____ et alii. As modernidades. Revista Tempo Brasileiro, 84:5/9. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1986.
12. ____ et alii. Premissas e promessas da modernidade. Revista Tempo Brasileiro,130/131: 5/10. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
13._____et alii. Qual modernidade? Revista Tempo Brasileiro, 111: 109/112. Rio de janeiro, 1992.
14._____et alii. Sentido(s) da modernidade. Revista Tempo Brasileiro,76: 118/127. Rio de  Janeiro: Tempo Brasileiro,1984.
15. ROUANET, Sérgio Paulo et alii. Perspectivas da cultura brasileira no início do século XXI. Revista Tempo Brasileiro, 130/131: 83/103. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

16. THEODORO, Janice et alii. “América Latina”: visão especular. Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.    

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

O NATAL E O TRÊS

Fonte: Google

O  NATAL  E  O  TRÊS

José Miranda Filho
Escritor e compositor

O asterismo Três Marias não deixa por menos a concorrência com a Estrela Guia, ou Estrela do Oriente, e direciona seu brilho para minúsculo ponto perdido na Via Láctea – o hemisfério sul do planeta Terra –, nesta noite sobremaneira especial.   Seus feixes de prata alcançam, cá embaixo, três legionários do exército angelical, que, com sons jubilosos, participam a venturosa notícia relacionada ao cumprimento da milenar promessa sobre a encarnação do Verbo – o início da boa-nova para a salvação da humanidade –, clamando

“Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade, por Ele amados!”

à mente e ao coração de três pastores atarefados no pastoreio de seus rebanhos.   Eles, cheios de regozijo e curiosidade, rumam para uma manjedoura – estábulo, estrebaria, curral, em vocábulos mais brasileiros.

Em seguida, apresentam-se três homens de raro traje para aquela região tão simples, próprias vestes reais.   Estes conduzem, cada um, três elementos:  ouro, incenso e  mirra, dádivas que depositam na palha, aos pés do pequenino.   Os três significam, na seguinte ordem, realeza, fé e oração, embalsamento. 

Três plácidos animais completam a cena singela e mística – jumento, boi e ovelha.

No entanto, três pessoas constituem-se no centro deste presépio vivo – a Sagrada Família.  Sob a amorosa proteção dos pais – José e Maria –, dorme aquele que acabou de nascer – Jesus –, a segunda dentre as Três Pessoas, as quais, envoltas em indevassável mistério, compõem a Trindade Santíssima – o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

                                                          *   *   *

Eis que, repentinamente, retornou do seu abismo interior, o olhar fixo no infinito espaço, depois de criar imagens de menino gerado e que se educava no seio da cristandade.  Despertou, então, do encantamento em que se achava fazia hora, ao escutar a última das três badaladas esfuziantes da torre da matriz, conclamando os fiéis para a Missa do Galo.

Já se havia asseado de modo conveniente, desde a noitinha. Mesmo assim, ergueu-se e lavou o rosto para afugentar o sono insistente.  Meteu-se em roupa e sapatos novos, que lhe foram presenteados com antecedência, para uma noite muito especial, na qual é dado presente divino, incomensuravelmente maior que todos.  E saiu sozinho, ainda ouvindo, na calçada, o que exprimiu seu pai dentro de casa:

           — Ele tá um rapazinho mesmo!

Isso era quase meia-noite – Natal de muito tempo atrás.

Francelino Pereira e a sua Angical do Piauí


Francelino Pereira e a sua Angical do Piauí

José Itamar Abreu Costa *

Faleceu em Belo Horizonte dia 21 de dezembro de 2017.
                                                                                                                      
O piauiense nascido em Angical-PI, o ex-governador e ex-senador Francelino Pereira aos 96 anos.

Francelino era muito ligado a sua terra e sempre vinha (enquanto saudável) passar a festa do final do ano em Angical.
                                                                                                                    
Quando o Dr. Adib Jatene era Ministro da Saúde procurou sensibilizar os senadores para que votassem a CPMF, uma das maneiras de cativá-los era um Check UP cardiológico previamente agendada no INCOR.

Dia 27 de dezembro o então Senador Francelino fez como de costume, realizou a sua caminhada em torno das superquadras em Brasilia. Dia 28 pegou o avião para São Paulo e ao chegar no INCOR já estava lhe esperando o competente cardiologista IBRAHIM, fizeram todos os exames e ao final da tarde o cidadão Francelino já retornou a Brasília. Dia 29 ao realizar a costumeira caminhada notara algo estranho; não tinha a mesma performance do dia anterior aos exames. Atribuíra aquela indisposição aos exames do dia 28.

No dia 30 aviona para Teresina e já no Aeroporto o esperava o mano Venâncio e foram para a bucólica Angical.

Dia 31 foi de muitas visitas dos amigos de infância e o velho senador meio sem pique conseguiu superar tudo aquilo. Dia primeiro de janeiro ele saiu de casa por voltas das 7h da manhã e com um roteiro previamente organizado pela cunhada Evanilde, foi em busca dos velhos amigos para convidá-los para o tradicional jantar que era por ele oferecido todos os anos.

Ao caminhar um pouco o homem do bem, sentiu-se mal e apresentou uma forte dor no peito, tendo que ficar em uma casa de um amigo bem humilde, contemporâneo de infância e adolescência. Sudorese profusa e fria, palidez, vômitos.

Fizeram um contato comigo e fomos orientando a conduta, colocado em ambulância foi transferido para Teresina, mais precisamente para o ITACOR. O ECG, mostrou uma área extensa comprometida na parede anterior e fizemos a colheita dos únicos exames (marcador de IAM) CK-MB que apresentou um número altíssima confirmando o grande comprometimento do músculo cardíaco.

Estabilizamos o paciente e solicitamos UTI AÉREA, que foi prontamente enviada para Teresina: Todos os representantes do Piauí à época** foram solidários com o Senador Ex governador de Minas. Fizemos contato com Dr. Adib Jatene que nos orientou e nos deu apoio total na condução do caso. O paciente foi encaminhado para o INCOR.  Foi acompanhado por 60(sessenta) dia alguns dias em Choque cardiogênico) esperado o período de Miomalácia e mais alguns dias o mestre Adib Jatene com sua equipe competente fizeram uma reconstrução geométrica no Ventrículo Esquerdo e Revascularização de outras artérias comprometidas.

Ao receber alta   do INCOR o Senador através da sua assessoria nos enviou um cartão de agradecimento, que guardo até hoje.

Não sabemos quantas vezes Francelino ainda voltou à sua aldeia, sei que ele era muito ligado às suas origens.

Após o procedimento cirúrgico ele teve uma sobrevida muito longa vindo a falecer aos 96 anos.

Francelino era filiado ao DEMOCRATAS de Minas GERAIS.

Foi criada em 1993 e passou a funcionar em 1994, era Presidente da República Itamar Franco e do Senado e da Câmara o Senador Mauro Benevides


* Cardiologista (Piauí) e Presidente do DEMOCRATAS em ALTO LONGÁ (PI)

** Senador Hugo Napoleão
Deputado Federal Freitas Neto

Deputado Heráclito Fortes

José Sarney

Antônio Carlos Magalhães

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Oeiras, trezentona

Fonte: Google
Oeiras, trezentona

Reginaldo Mirada *

           A cidade de Oeiras, no sertão do Piauí, engalana-se para comemorar trezentos anos de vida política no próximo dia 26 do corrente mês. Nessa efeméride quero associar-me à gente daquela terra, que também posso chamar de minha, porque foi em seu antigo termo que se situaram os primeiros membros de nossa família na época de fundação do lugar.

Longe vão os dias em que ali chegou o vigário e demais moradores, construindo a capela de taipa e palhas de pindoba para celebrar as primeiras missas. Desse ato fundador distam trezentos e vinte anos.

Foi no dia 11 de fevereiro de 1697, na fazenda Tranqueira, residência de Antônio Soares Touguia, que reuniram-se os moradores indicados na Pastoral do Reverendo Bispo D. Fr. Francisco de Lima, além de outros sob a liderança do Pe. Miguel de Carvalho, para eleger o local onde deveria ser edificada a nova igreja matriz. Depois de discutirem a matéria, “assentaram, votaram e determinaram que se fizesse a igreja no Brejo chamado a Mocha, por ser a parte mais conveniente aos moradores de toda a povoação, ficando no meio dela com iguais distâncias e caminhos para todos os riachos e partes povoadas”. Também acordaram “para lugar da igreja e casa do Rev. Cura, o tabuleiro que se acha pegado à Passagem do Jatobá para a parte do Canindé, e para roças e passais do Rev. Cura, e igreja, consignam os moradores todo o brejo do sobredito riacho da Mocha”. Em seguida lançam-se à obra, construção simples mas decente, medindo 24 palmos de comprido e 12 de largo, construída de taipa e cobertura de pindoba. O altar foi feito de tábua, com 9 palmos de comprido e quatro de largura.

Dezoito dias depois, em 2 de março de 1697, no Brejo da Mocha, há solenidade de bênção da nova capela e posse do vigário, Pe. Tomé de Carvalho e Silva. Benzeu também o vigário um quadro que de redor da capela consignou com marcos de pedra para a sepultura de defuntos e donde se haveria de edificar a nova igreja, a qual tem cem passos de comprido e sessenta de largo.

No entanto, esse pároco iria passar em seus primeiros dias as maiores privações e vexames. Por muitos dias comeu praticamente apenas farinha e sem sal, dada à falta de alimento. No ano seguinte, Domingos Afonso Serra, que residia na referida fazenda Tranqueira e em represália não comparecera à reunião, por ser sobrinho do sesmeiro Julião Afonso Serra, em cujas sesmarias estava sendo edificada a igreja, desacata o vigário e destrói “todos os ranchos que estavam sendo levantados para a fábrica da igreja”.

Intemerato e destemido, o vigário resiste e os reconstrói com apoio dos fiéis católicos. Em 1699, agrega alguns moradores ao lugar, que os ajudam a edificar outro templo maior e mais seguro, este de pedras e saibros. Nesse templo viu-se sitiado com alguns moradores pelos índios Timbiras, que lançam sobre o mesmo “vários fachos de fogo, instrumento com que o gentio desbarata aos desprevenidos, mas contra toda a ordem natural se apagaram”, relatou o vigário.

Em 1700, foi ele colado na matriz por ato do rei D. Pedro II, de Portugal, cujo ato lhe garantia ser sustentado pelo recebimento de côngruas da Real fazenda. Porém, esse pagamento nunca chegava obrigando-o a formular várias cobranças.

Dada à violência praticada por Domingos Afonso Serra, em 1704 foi enviado o desembargador Carlos de Azeredo Leite para apurar os excessos cometidos e executar alvará para repartição das terras das aldeias dos índios e para passais do vigário. Foi então por esse magistrado concedido ao pároco dessa freguesia de Nossa Senhora da Vitória o direito aos passais na fazenda da Passagem, com três léguas de terras.

Porém, em face de queixas do proprietário, em 12 de novembro de 1710, foram revogados esses passais e permitido ao vigário conservar apenas “a terra que bastasse para o pasto de três ou quatro cavalos, e outras tantas vacas”.

Em seguida, Domingos Jorge Afonso, sobrinho e herdeiro do sesmeiro Julião Afonso Serra, através de Carta Precatória exarada pela Relação da Bahia, notifica os moradores a suspenderem o pagamento de côngrua ao pároco e pagarem renda a ele proprietário. Evidentemente, os moradores e os oficiais da câmara opõem embargos alegando que, na confirmação das sesmarias, Sua Majestade mandava reservar terra para a fundação das vilas e as mais de que acrescessem os conselhos delas. Finalmente, esta contenda é vencida por este proprietário em grau de recurso na Corte, cujo acórdão é publicado em 1732, de toda sorte, garantindo o direito dos embargantes nas áreas necessárias para manter as edificações e desenvolvimento da vila.

Aliás, a freguesia foi elevada em vila por carta régia de 30 de junho de 1712. Porém, em face de alguns problemas somente foi instalada em 26 de dezembro de 1717, com a denominação de Mocha do Piauhy e posse dos oficiais da câmara e demais autoridades. É este ato político de alta significação que ora se comemora: 320 anos de fundação da freguesia e três séculos de ereção em vila, hoje cidade de Oeiras. Parabéns, oeirenses!

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* REGINALDO MIRANDA é membro da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

MODERNISMO BRASILEIRO:A DIMENSÃO QUE LHE FALTOU (3)

Manuel Bandeira. Fonte: Google

MODERNISMO BRASILEIRO:A DIMENSÃO QUE LHE FALTOU (3)

 Cunha e Silva Filho
  
5. MODERNISMO E MODERNIDADE
  
        Não só no campo literário como também nos setores institucionais, culturais e econômicos, o país que pretende inserir-se era da modernidade deve levar em conta um saber a ser construído tendo como condição prévia as idéias de diferença, sob pena de se manter unilateralmente uma postura absolutista e autoritária. Esta postura assumida não pode ter por isso um caráter intransitivo.
      O projeto de modernidade brasileiro será eficaz na medida em que se abrir alteridade – a via de acesso à “vida do mundo.” Se, porém, limitar-se às imposições do discurso próprio e não admitir a travessia para o discurso diferente não se constituirá em projeto solidário e democrático[5]
     Todo discurso autoritário esquece e anula qualquer argumento em contrário. Vejam-se, no caso brasileiro, a era do Estado Novo, o longo período da ditadura militar com o apoio de faixas da sociedade civil. O discurso político brasileiro, mesmo nos períodos considerados democráticos, não se fez tendo como princípio diretivo o bem-estar coletivo do país, a massa da população. O desenvolvimento do país, quando houve, foi feito sempre por exclusão. A modernidade que daí surgiu teve sempre um sentido de incompletude. Os grandes projetos de desenvolvimento industrial, tecnológico, as reformas econômicas foram concebidas sem consultar as populações em nossas Casas Legislativas.
         Os dois últimos governos federais que tivemos, o de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, assimilando modelos de economias advindos do neoliberalismo, são dois flagrantes exemplos de como o conceito de democracia se relativizou. O que esses governos nos impuseram, através de medidas provisórias, alterou profundamente a sorte dos brasileiros, sobretudo dos mais desfavorecidos. Tudo isso se fez em nome de uma suposta modernidade de abertura do país à globalização da economia. Ora, alterações bruscas no sistema econômico, se por um lado alavancavam o país a muitas conquistas no campo da economia do mercado, por outro lado essa modernidade deixava lacunas em que certas camadas da população ainda ficaram presas a modos de vida arcaicos e abandonados pelo Estado brasileiro.
        A melhor imagem que teríamos dessa modernidade abrupta e intempestiva é a de um país que se tem construído por saltos e com tamanho açodamento que a realidade brasileira se torna um mosaico de realidades convivendo, até hoje, ao mesmo tempo Primeiro Mundo com Terceiro Mundo, considerando aqui essa divisão meramente de desigualdades e tempos desencontrados ou assimétricos. Basta vermos o que oferece o interior do país não só no Nordeste, mas no Sul e em toda parte, sem se falar das periferias urbanas.
        São populações que – é preciso enfatizar - vivem em tempos diferentes e num país que se arvorou de chegar à modernidade. Aludimos aqui à coexistência de realidades sociais díspares. Por exemplo, convivemos ainda com crônicos problemas : analfabetismo, analfabetismo funcional, ignorância da população sobre benefícios sociais vigentes ou que, no vendaval das reformas, são retirados pelos governos,sem consultar os interessados. E não estamos falando de outros gravíssimos problemas que permanecem nos desafiando: violência, educação pública deficiente, transporte coletivo insuficiente, saneamento básico precaríssimo.[6] Essa situação assincrônica da realidade brasileira corresponde, no plano cultural, à advertência de Eduardo Portella: “Com a chegada da pós-modernidade corremos o risco de sermos uma cultura pós-moderna sem termos sido moderna.”[7]
       Que modernidade é essa que permanece subserviente a interesses de em organismos transnacionais que ditam o que bem entendem sobre a realidade de um país do mudo, gerando mais miséria e um contingente cada vez maior de desempregados? Que democracia é essa que vem a reboque das ditaduras econômicas? É nessa altura de nossa reflexão que percebemos a pertinência da interpelação lúcida do crítico Eduardo Portela:

(...) para que serve a modernidade se não é capaz de reforçar a democracia? Se não conseguir ampliar o campo da justiça social? Não se pode negar que o Brasil vem fazendo algum avanço âmbito da democracia real. Menos satisfatórios ou mesmo insuficientes, se levarmos em conta cada vez mais a velha e cada vez mais concentração de rendas, são os ganhos em termos de equidade social. (...) [8]

     Na esfera literária, os dois conceitos Modernismo e Modernidade para Eduardo Portella merecem ser melhor equacionados e compreendidos. O ensaísta levanta, primeiro, uma questão moderno?” O que sucedeu ao verde-amarelismo não foi senão ter descambado para ideários fascistoides?
No pensamento do ensaísta o que seria mais saudável e proveitoso à nossa herança cultural teria sido não uma cisão, mas um aproveitamento do legado romântico e a apreensão das novas contribuições que vieram somar-se àquelas oriundas do Romantismo, movimento cultural com amplas ressonâncias que vão até às vanguardas.
     A realização plena e compensadora entre polos diferentes só se efetiva na convivência das diferenças, ou, como assinala Portella, no “... chegar de coabitação fácil e frutíferas convivências imprevisíveis e de intercâmbios simbólicos inabituais.” [9]
Portella propõe três tipos de modernidade no quadro da cultura brasileira contemporânea, convivendo sucessivamente ou, segundo ele próprio sugere, simultaneamente: modernidades das nações, dos nacionalismos e das desnacionalizações. O ensaísta ainda fala de uma outra, a que chama de “derradeira modernidade.”
      Antes de se configurar como um povo com contorno nítidos o brasileiro sofre o impacto catastrófico do anonimato e de uma realidade conturbada pela invasão das massas e presa fácil, conforme acentua o ensaísta, de manipulações.
Retomando a advertência feita anteriormente no mesmo ensaio ao afirmar que os podíamos cair no risco de sermos pós-modernos sem sermos modernos, Portella reclama por uma revisão crítica do Modernismo. Todavia, na concretização desse objetivo ele desqualifica a discussão por ele denominada peleja mesquinha entre mundialização dos mercados e mundialização dos valores. Nesse ponto, não vejo como peleja mesquinha uma discussão mais ampla entre duas realidades confrontadas pela Modernidade.
   A globalização afetará, sim, a universalização dos valores. Os males provocados pela economia globalizada neoliberal trazem no seu bojo os sacrifícios populações mais desafortunadas, sobretudo com o desemprego, a instabilidade no trabalho com o temor implantado sub-repticiamente pela engrenagem dos mecanismos psicológicos, a miséria, a fome em gruas progressivos, assim como – e já estamos sentindo isso na pele em nosso país - a redução do papel do Estado como responsável por áreas vitais como saúde, educação, formando um quadro social injusto e comprometendo as condições de vida no planeta.[10]
    Seria muito bom e tranquilo para os destinos da humanidade se a globalização e o universalismo na visão que nos passa Rouanet[11] tivessem na práxis os resultados por ele pretendidos. Não bastam só organismos democraticamente formados para decisões de foro internacional a fim de que soluções sejam encaminhadas convenientemente. O vetor da racionalização, para usarmos o termo desse ensaísta, ipso facto, não vai, posto que de forma duradoura, conviver pacificamente com o vetor da emancipação dos indivíduos.
   A economia - ninguém pode refutar esse fato – pouco está se importando com o comportamento humano, uma vez que o racionalismo nela está assente em fatores tais como lucro, risco e competição, os quais, por só, nada têm a ver com solidariedade e sentimentos piedosos...
Portanto, o pensamento projetivo de Rouanet nos parece mais um objetivo de teor triunfalista e mesmo utópico, ainda quando procura atenuar conceitos como globalização e internacionalismo ao defender aqueles que lhe parecem mais apropriados ao entendimento da modernidade: autonomia e universalismo. (Continua).

NOTAS:
  
[5] PORTELLA. Eduardo (1984. Op. cit
[6] Este ensaio é uma versão refundida de uma monografia escrita durante o meu Doutorado na UFRJ, em 1998. A perspectiva histórico-ideológica se restringe à realidade do país das décadas de 1980 e 1990. O tema desenvolvido se encontra ainda bem atual. A situação social, com a economia em recessão, foi agravada profundamente. O resultado de governos mal administrados e perdulários, entre outros malefícios que nos afligem, logo se fez evidente na escalada da violência. A nação atravessou e está ainda atravessando uma fase de imoralidade política jamais vista na historia política brasileira diante do pipocar de escândalos de corrupção governamental nos níveis federal, estadual e municipal. Corruptores e corrompidos se deram as mãos no enlace fatídico e cínico entre o público e o privado. A senha entre público e privado passou a ser a propina, o dinheiro em malas, a formação de quadrilhas e a lavagem de dinheiro no setor público aliado a parte do alto empresariado conforme se viu no Escândalo do Mensalão, Operação LavaJato e tantos outros surgidos atualmente no país envolvendo os governos Lula, Dilma, Temer, governadores e políticos no exercício de seus mandatos.
[7] PORTELLA, Eduardo (1984), op.cit., p.6.
[8] PORTELLA, Eduardo (1986), OP. CIT., P. 5-6.
[9] PORTELLA, Eduardo (1997), OP. CIT., P. 7.
[10] BOURDIEU, Pierre. (1999).
[11] ROUANET, Sérgio Paulo 1997). Op. Cit.   

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

A LOCALIZAÇÃO DA FAZENDA BITOROCARA *


A LOCALIZAÇÃO DA FAZENDA BITOROCARA *

Não há meio de convencer a um homem que não quer ser convencido.

Joaquim Manuel de Macedo

Elmar Carvalho

Todos os maiores historiadores do Piauí afirmam haver existido a fazenda Bitorocara e o seu fundador, Bernardo de Carvalho e Aguiar, a começar pelo mais antigo, o padre Miguel de Carvalho, em sua Descrição do Sertão do Piauí, datada de 2 de março de 1697. O padre Cláudio Melo considera esse documento como um dos mais importantes para os estudiosos de História do Piauí, e que deveria ser de manuseio constante. Quase todos admitem que essa propriedade ficava situada em Campo Maior. Como exceção ou voz discordante, um ou outro admite haver dúvida a esse respeito.

O próprio Pe. Cláudio Melo, no prefácio ao livro Descrição do Sertão do Piauí (Comentários e notas do Pe. Cláudio Melo), após advertir que o relatório do Pe. Miguel de Carvalho exigia acurada leitura, com “reflexão e análise prudente e comparada”, em sua proverbial franqueza e honestidade intelectual, aconselhou:
                                                                                                   
“Não se arrisquem a conclusões precipitadas. Historiador de alta respeitabilidade, como Odilon Nunes, concluiu que Bitorocara era Piracuruca, quando na verdade é Campo Maior [grifo meu]. Eu mesmo há dois ou três anos escrevi um artigo para ‘Cadernos de Teresina’ que, por sorte, não foi publicado (chegou com atraso). Hoje eu não subscreveria tudo que ali afirmei.”

Todavia, o próprio Odilon Nunes, segundo afirma João Gabriel Baptista em seu livro Mapa Geohistóricos, pág. 41, teria sido pessoalmente convencido por Cláudio Melo de que efetivamente o rio Piracuruca não era o Bitorocara. E ele João Gabriel confessa também ter se convencido de que a razão estava com Melo.

Espancando qualquer dúvida que possa existir sobre a localização de Bitorocara, no livro acima citado, o padre Cláudio, um dos maiores historiadores de nosso estado, afirma, a meu ver de forma categórica e peremptória:

“De início, eu supunha que o riacho Bitorocara era o Surubim, em razão de a Fazenda Bitorocara ser a atual cidade de Campo Maior. A descoberta em Portugal da sesmaria de Dâmaso Pinheiro de Carvalho, nas cabeceiras do riacho Cobras, me fez ver que Cobras é o Surubim. Bitorocara, portanto, ou seria o Longá ou o Jenipapo. Surgiu para mim um impasse: a fazenda Serra fica no Longá e o Jatobá no Jenipapo. Como os limites da fazenda Serra não atingiam o Jenipapo, mas os limites da fazenda Jatobá podiam chegar até o Longá, concluí, por fim, que Bitorocara seria o Longá. A fazenda Bitorocara se expandia pelos três rios, e ela estava na confluência deles.”

Para chegar a essa conclusão, pelo que se depreende de seu conselho (ou advertência), acima transcrito, o notável historiador piauiense leu e releu várias vezes e em profundidade o relatório da lavra de Pe. Miguel, com certeza cotejando-o com os vários documentos que consultou em Portugal e no Piauí, muitos deles transcritos no livro Bernardo de Carvalho, de sua autoria.

O padre Miguel, em seu relatório, indicava os rios em que as fazendas por ele referidas se situavam, preservando dessa forma a sua localização. As fazendas, na época, eram muito extensas. Ele situava três no riacho Bitorocara (Longá): a primeira, de nome Serra, ficava nas cabeceiras; a segunda, Bitorocara, se lhe seguia, e “a terceira e última deste riacho se chama o Jatobá”. Evidentemente a fazenda Jatobá ficava na margem direita do Jenipapo, que desemboca no Longá, podendo ter prosseguimento pela margem direita deste rio, uma vez que, na expressão de padre Cláudio, “a fazenda Bitorocara se expandia pelos três rios, e ela estava na confluência deles”. A linha de raciocínio do historiador obedece à lógica, e não a uma simples ilação tirada do nada, e, portanto, não merece reparo.

Como é sabido por todos, a antiga igreja de Santo Antônio do Surubim foi construída por Bernardo de Carvalho e Aguiar a pedido de seu sobrinho, o Pe. Tomé de Carvalho. Quase sempre (e não conheço exceção) as igrejas eram erigidas pelos fazendeiros nas proximidades da casa-grande ou residência, sempre que possível sobre uma colina ou outeiro, em terras de sua propriedade ou posse. Essa era a praxe na história do Piauí, ainda hoje observada. Quem iria construir uma ermida ou igreja distante de sua casa e fora de sua propriedade? Considerando-se que a fazenda Bitorocara (antigo nome do rio Longá) ficava na margem desse rio é lógico concluir-se que ela ficava nas proximidades da igreja construída por seu proprietário nas imediações do rio Cobras, hoje Surubim.

Sobre isso vejamos o que diz o historiador e genealogista Valdemir de Castro Miranda, em seu trabalho intitulado “Sobre as origens de Campo Maior”, publicado no blog poetaelmar.blogspot.com.br, em 04.09.2015:

Campo Maior tem sua origem ligada à figura do mestre de campo Bernardo de Carvalho e Aguiar, fundador da Fazenda Bitorocara no ano de 1695, na confluência dos rios Longá com o Surubim. Por volta de 1706, o Pe. Thomé de Carvalho e Silva fez desobriga na região, fundando ali um curato. Mais tarde, com a ajuda de Bernardo de Carvalho e Aguiar, construiu a Igreja de Santo Antônio, batizada a 12.11.1712, com a instalação da Freguesia de Santo Antônio do Surubim ou Longá, a segunda do Piauí e ainda ligada ao Bispado de Pernambuco. O procedimento para a instalação da nova Freguesia, foi o mesmo adotado pelo Pe. Miguel de Carvalho quando da instalação da Freguesia da Mocha, reuniu os moradores da região para definir o local da edificação do templo. Não contando com a ajuda dos arrendatários das fazendas da região, mas com o cel. Bernardo de Carvalho e Aguiar que construiu a capela a suas custas, conforme consta em carta do Pe. Thomé de Carvalho e Silva, Vigário confirmado na Matriz de Nossa Senhora da Vitória do Piauí de Cima em toda ela Vigário da Vara, pelo ilustríssimo Sr. Dom Manuel Álvares da Costa, Bispo de Pernambuco e do Conselho de Sua



Majestade, que Deus guarde:

“Certifico que sendo esta minha Freguesia muito dilatada pelas grandes distâncias, principalmente a ribeira dos Longases, aonde não podia desobrigar a tempo de acudir com os Sacramentos nas necessidades dos meus fregueses residentes nela, pelos muitos rios que tem em meio para esta minha igreja, requeri ao Sr. Bispo de Pernambuco, mandasse fazer Igreja curada na dita ribeira dos Longases, por assim convir ao serviço de Deus, Nosso Senhor, ao que deu logo cumprimento. O dito Sr. Bispo mandou-me ordem para a poder fazer e, indo a esta parte, convoquei os principais moradores e, tomando-lhes os seus votos na parte que havia de erigir a nova Capela, que por invocação tem o nome do Glorioso Santo Antônio, lhe não achei possibilidade para fazerem, dando várias desculpas pelos poucos escravos que tinham, e estando ocupados em fazendas que tinham os seus donos na Bahia as não podiam desamparar. Nestes termos, me vali do Coronel Bernardo de Carvalho que, com pronta vontade, buscou um carapina a quem pagou, e foi pessoalmente com seus escravos ajuntar as madeiras e os mais materiais, trabalhando o dito com grande zelo. E, com efeito, fez a capela à sua custa, tanto de escravos como gastos, farinha e dinheiro. E o acho com ânimo de gastar nela cabedal. Outrossim se me ofereceu com o gado que necessitasse para a nova ereção desta Matriz de Nossa Senhora da Vitória, e me prometeu 200$000 (duzentos mil reis) para uma Custódia para a dita Matriz e que se custasse mais o daria”.
(MELO, Pe. Cláudio. Fé e Civilização, 1991, p. 47-8).

Recentemente uma voz discordante afirma que a Fazenda Bitorocara ficava, aproximadamente, onde hoje estão situados os municípios de São Bernardo – MA, Luzilândia e Campo Largo, os dois últimos no Piauí. O imóvel ficava em ambos os lados do rio Parnaíba. O defensor dessa hipótese parte do pressuposto de que o Arraial Velho e Bitorocara seriam termos sinônimos, e se fundamenta no fato de que Miguel de Carvalho e Aguiar, filho do Senhor de Bitorocara, teria herdado a sesmaria de Arraial Velho de seu pai, conforme documento existente em Belém do Pará, cuja propriedade em favor de Miguel foi confirmada em 1739. Essa informação é verídica e está devidamente documentada. Só um louco ou mistificador a negaria. Aliás, essa notícia é antiga, e já está inserida no livro Cronologia Histórica do Estado do Piauí, da autoria de F. A. Pereira da Costa, cuja primeira edição data de 1909.

Contudo a hipótese de que Bitorocara ficava no rio Parnaíba, na altura de São Bernardo, Campo Largo e Luzilândia, não pode prosperar, e muito menos se estabelecer como verdade, pelos motivos que passarei a expor de forma sintética.

Primeiro, Arraial (velho ou não) nunca foi e não é sinônimo de Bitorocara. É apenas um topônimo genérico, e que designa vários locais do Brasil, e mesmo do Piauí. Assim, no nosso estado existiram vários arraiais, entre os quais cito o que deu origem a Jerumenha, o dos aroases, o dos paulistas, o de Nossa Senhora da Conceição, o dos Ávilas, o que originou a atual cidade e município de Arraial e, evidentemente, o arraial que se formou no entorno da Fazenda Bitorocara e da igreja de Santo Antônio do Surubim, nela situada, etc.

O certo é que o Arraial Velho que deu origem à cidade de São Bernardo (MA) não é e nem poderia ser o arraial velho que formou a cidade de Campo Maior.

Por outro lado, em termos cronológico e documental, Bitorocara jamais poderia se referir ao Arraial Velho do rio Parnaíba, uma vez que o documento a este referente data de 1739, enquanto a referência à fazenda Bitorocara, feita pelo padre Miguel de Carvalho é datada de 1697, conforme seu relatório, publicado sob o título de Descrição do Sertão do Piauí.

Ademais, o seu autor, Miguel de Carvalho, em sua desobriga, que relatou nesse documento, percorreu apenas as terras que ele entendia como pertencentes à freguesia de Nossa Senhora da Vitória, conforme explicitou o padre Cláudio Melo em seus comentários (v. bibliografia): “Outras porções do território piauiense também eram habitadas, mas ficaram excluídas desta Descrição; é o caso dos sertões do Parnaguá (que ficariam na jurisdição de outra freguesia a ser instalada) é o caso do baixo Longá, Piracuruca e litoral que já estavam assistidos pelos Filhos de Santo Inácio, na Ibiapaba.”

Ora, se o padre Miguel de Carvalho sequer percorreu todo o território do atual estado do Piauí, com muito mais razão não poderia ter ido até os atuais municípios de Brejo e de São Bernardo, no Maranhão (em cuja região veio a ser situado o Arraial Velho), que pertenciam a outra jurisdição eclesiástica. Consequentemente, a fazenda Bitorocara a que ele se referiu em seu relatório ficava mesmo no rio Longá, perto de onde fica a atual cidade de Campo Maior.

Em consequência o arraial militar, ou arraial ou ainda arraial velho referente a Campo Maior, que se formou no entorno ou perto da Igreja de Santo Antônio do Surubim, não pode, em hipótese nenhuma, ser confundido com o Arraial Velho maranhense, localizado perto do Parnaíba. Mesmo porque Bernardo de Carvalho e Aguiar, último mestre de campo das Conquistas do Piauí e do Maranhão, só se mudou para a atual cidade de São Bernardo, da qual é considerado fundador, em 1721, quando deixou o seu cargo.

A fazenda Bitorocara, portanto, ante tudo o que expusemos, ficava na confluência dos rios Longá, Surubim e Jenipapo, o que, admitamos, era estratégico, uma vez que haveria suprimento de água para consumo humano e do gado, e para a formação de pastagem, além de que seriam evitados problemas com eventuais confrontantes, porquanto os limites ficariam bem estabelecidos por esses cursos d’ água.

Tudo o que até aqui foi dito faz parte do terceiro capítulo da 2ª edição da versão impressa do livro Bernardo de Carvalho, o fundador de Bitorocara, de nossa autoria (EDUFPI/ACALE, 2016).

Contudo, após essa publicação, o escritor e historiador Reginaldo Miranda, membro da Academia Piauiense de Letras, que se tornou um verdadeiro detetive internético da História e, simultaneamente, um exímio paleógrafo, a decifrar intrincados, carcomidos e quase ininteligíveis e desbotados documentos antigos, às vezes verdadeiras criptografias para muitos historiadores e curiosos, descobriu, em determinado site, um documento que comprova, de forma absoluta e insofismável, que Bitorocara, uma das fazendas de Bernardo de Carvalho, ficava mesmo em Campo Maior. Em matéria postada em meu blog (http://poetaelmar.blogspot.com.br), no dia 23/09/2017), sob o título de A Fundação de Campo Maior, ele transcreve parte desse documento que comprova a sua localização. Vejamos trecho do que ele afirma, com a respectiva transcrição:

“Foi no governo de Christóvão da Costa Freire, governador e capitão general do Estado do Maranhão(1707 – 1718), que lhe foi dada a sesmaria “no sertão dos Alongazes por evocação de Santo Antônio, em um riacho cujas vertentes desaguavam no rio Jenipapo, em o qual tinha todas as fábricas de criados, escravos, cavalos e o mais necessário, e nele necessitava de três léguas de terra de comprido com uma de largo em todo o comprimento, para criação dos ditos gados e suas multiplicações, começando o dito comprimento da casa para Leste duas léguas e da mesma casa para Oeste uma légua, fazendo a largura de Norte a Sul ficando o dito riacho em meio da largura, reservando ele as voltas e pontas e da terra toda a inútil de criar gados, pelo haver povoado estando deserta” (PT/TT/RGM/C/0008. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 8, fl. 509v).

Então, seria impossível uma localização mais precisa, ficando a mesma no sertão do Longá, em um riacho que entra no Jenipapo (o mesmo da Batalha da Independência). E fora erguida sob a invocação de Santo Antônio, em cuja sede foi pelo proprietário iniciada a construção da capela, à sua custa, em 1711, para servir de matriz à freguesia de Santo Antônio dos Alongazes ou Santo Antônio do Surubim, a segunda mais antiga do Piauí, que fora criada naquele ano, pelo padre Tomé de Carvalho e Silva, sob ordens do Bispado de Pernambuco.”

Por via de consequência, se antes eu tinha a convicção de que Bitorocara ficava em Campo Maior, na confluência dos rios Surubim, Longá e Jenipapo, seguindo as pegadas e lições do Pe. Cláudio Melo, agora, com fundamento no documento “decifrado” e analisado por Reginaldo Miranda, tenho a certeza absoluta quanto a esse fato histórico, que não mais pode ser questionado ou contraditado.


* Matéria republicada com acréscimo e transcrição de trecho de novo documento, que comprova de forma definitiva que Bitorocara ficava mesmo em Campo Maior.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

DEPOIMENTO SOBRE ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO DOS SANTOS

Fonte: Google

DEPOIMENTO SOBRE ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO DOS SANTOS

Alcenor Candeira Filho

     Casado com a promotora de justiça e escritora Maria do Amparo Coelho dos Santos com quem tem três filhos, o   advogado parnaibano Antônio de Pádua Ribeiro dos Santos já exerceu vários cargos importantes na sua cidade: promotor de justiça, defensor público,  delegado de polícia, professor, presidente da Câmara Municipal,  presidente da OAB – Subseção de Parnaíba, presidente da Academia Parnaibana de Letras, secretário municipal de cultura e vice-prefeito municipal.
     Como escritor tem explorado os seguintes gêneros  literários: poesia (VIRAÇÃO), conto (REVOLUÇÃO DAS ALMAS) e crônica (O ENCANTADOR DE SERPENTES e CRÔNICAS VADIAS).
     Embora dotado de muita sensibilidade na poesia lírica e na de protesto, reconhecido por Fontes Ibiapina como um poeta de “estro contido numa mensagem humana que traduz nossos sentimentos ecológicos”, com “construtividade humano-sócio-política”, - acho que Pádua Santos se realiza melhor artisticamente como contista e cronista.
     REVOLUÇÃO DAS ALMAS reúne cinco contos premiados no Concurso João Pinheiro, promovida pela Secretaria de Cultura, Desportos e Turismo do Piauí. Segundo o contista Magalhães da Costa essa obra, editada em 1988, revela “uma estreia muito feliz dum jovem contista, senhor já de seu ofício de escritor, que exerce com grande firmeza, segurando a narrativa de espontaneidade, manejando a linguagem, que tem bem dominada e recriada, sabendo fazer uso dos diálogos na sua maioria bem construídos e nada abusivos,  experimentando sempre novas maneiras de construir suas histórias, com técnica atual, e o mais importante, explorando temas de hoje, de interesse social, onde podemos destacar especialmente a fina ironia do autor e a humana mensagem de ficcionista engajado no seu tempo. São histórias do pedaço de chão nosso, mais particularmente da zona sertaneja, onde habitou o contista em meio a sua gente e que aqui é retratada fielmente nos seus dramas de pobres diabos”.
     Com capa e ilustrações do grande artista plástico e gráfico Fernando Antônio Melo de Castro, O ENCANTADOR DE SERPENTES E OUTROS VULTOS ILUSTRADOS retrata com ironia e humor, através de crônicas bem desenvolvidas, pessoas de Parnaíba: o advogado amante de festas juninas, o carnavalesco, o  padre, o juiz, o médico, o caricaturista, políticos, escritores e poetas.
     Por fim, reporto-me ao livro CRÔNICAS VADIAS, que tive a honra de prefaciar e com que Pádua Santos obteve o 1º lugar na categoria crônica (Prêmio A. Tito Filho) em “Concursos Literários do Piauí”, - importante certame cultural promovido em 2006 pela Fundação Cultural – FUNDAC. Aliás na trajetória intelectual de Pádua Santos, destaca-se sua participação vitoriosa em diversos concursos literários, a partir dos anos 80.
     A cada um dos treze textos enfeixados no livro corresponde uma epígrafe, reveladora da cultura literária do autor, ora garimpada na Bíblia, ora extraída de escritores estrangeiros ou brasileiros, inclusive parnaibanos.
     Os textos reunidos no livro são classificados pelo autor como “crônicas”. Reconhecendo, no entanto, ser difícil estabelecer os limites entre “crônica” e “conto”, adverte Pádua Santos:

           E o que são, finalmente, estes relatos?
           O próprio nome já diz tudo: são descrições
           vadias. Vadias porque ora parecendo conto, ora se
           assemelhando à crônica, dizem coisas romanescas
           envolvendo pessoas que à época viviam em eterna
           boemia ociosa.

     A preocupação do autor quanto à exata classificação dos textos deste livre procede, principalmente se se levar em consideração a famosa e chistosa definição de Mário de Andrade, segundo a qual “conto é o que conto se chama”.
     De qualquer sorte, a classificação adotada por Pádua Santos, que é um excelente contista (REVOLUÇÃO DAS ALMAS é uma obra-prima do conto piauiense), é inteiramente correta, uma vez que a obra apresenta temas urbanos, com tipos urbanos, predominantemente no plano humorístico, notando-se a ausência de sutileza no trato com a narrativa.
     Um dos maiores críticos literários do Brasil, Antônio Cândido, no início do prefácio de um  livro que reúne crônicas de quatro grandes autores do gênero – Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga – diz:

         “A crônica não é um ‘gênero maior’. Não se
         imagina uma literatura feita de grandes cronistas, que
         dessem  o brilho universal dos grandes romancistas,
         dramaturgos e poetas. Nem se pensaria em atribuir
         o Prêmio Nobel a um cronista, por melhor que fosse.
         Portanto, parece mesmo que a crônica é um gênero
         menor”.

     Observe-se que o consagrado crítico e professor emprega a forma verbal “parece” (“... parece mesmo que a crônica é um gênero menor”). Ora, “nem tudo o que parece é”, ensina a sabedoria popular. Ciente e consciente disso, acrescenta o crítico:

         “Graças a Deus -  seria o caso de dizer,
         porque sendo assim ela (a crônica) ficou perto    de
         de nós. E para muitos pode servir de caminho não
         apenas para a vida, que ela serve de perto, mas para
         a literatura”.

          No premiado livro, o tema é voltado para “vidas vadias” na Parnaíba de diferentes épocas. Vários escritores do mundo inteiro (poetas, contistas, romancistas, dramaturgos, cronistas) escreveram sobre lupanares e prostitutas. Nenhum (ex) frequentador de lugares ou becos em que vivem ou viveram “mulheres de vida fácil” (“difícil” seria o adjetivo mais apropriado) pode ou deve se envergonhar. Beco de mulheres? A resposta com Manuel Bandeira, no poema “Última Canção do Beco”:

         “Todas são filhas de Deus!
         Dantes foram carmelitas...”

     CRÔNICAS VADIAS é um livro fascinante. Sinto-me um privilegiado por tê-lo conhecido antes de publicado. Mais do que estórias de cabarés, encontrei nele uma faceta pouco lembrada da história da cidade, narrada num estilo sóbrio, conciso.
     Nas páginas do livro, não desfilam propriamente “personagens”, isto é, atores e atrizes que se insinuam, deixando impressa a sua silhueta marcante. Depara-se, isso sim, com “tipos”, definidos com poucas palavras, sem o propósito de aprofundar a análise comportamental. Mas são tipos inesquecíveis: o perdulário que se trajava com “larga camisa que mandava confeccionar do tecido de que eram feitos os sacos que continham açúcar da época”; a filha do vaqueiro, “feia e desengonçada” que deixa o “seco sertão ensolarado e dos bodes” para assumir o papel de “Paraense” da cidade pecadora e ensombrada pelo deboche; a senhora da alta sociedade que manda danificar a casa da amante de seu marido, “quebrando a casa errada”; “o cego de visão, e também de bom olfato”, induzido por amigo galhofeiro a confundir, diante de cheiro de vela, funerária em noite de velório com cabaré  em noite sem energia elétrica...

     Com este livro, o grande contista Pádua Santos assume também a condição de grande cronista. Se alguém duvidar, respondo tal qual o velho timbira do poema famoso de Gonçalves Dias: - “Meninos, eu vi”.                           

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Prof.ª Iracema Miranda


Prof.ª Iracema Miranda *

Reginaldo Miranda **

A cidade de Floriano, no centro-sul do Piauí, foi o cenário em que viveu desde a idade de 12 anos incompletos até o fim de sua existência, já na maturidade, a professora Iracema Gomes de Miranda. Ali fez sua formação escolar e, posteriormente, em intensa atividade profissional formou gerações e mais gerações de alunos que foram vencer na vida, na própria região e alhures.

Nasceu a professora Iracema Miranda, em 22 de dezembro de 1915, no lugar Barra do Correia, da fazenda Santa Rosa, do antigo Município de Bom Jesus do Gurgueia, depois de Cristino Castro, hoje de Alvorada do Gurgueia. Era filha do fazendeiro e poeta Luiz Francisco de Miranda (Cheiro Miranda) e de sua esposa Coleta Gomes de Miranda. Foram avós maternos os criadores Antônio Martins Gomes de Santana e Ornelinda Gomes Ferreira, naturais da cidade da Barra, na Bahia, mas desde cedo radicados no Gurgueia; pelo lado paterno a família tem longa tradição no Piauí, fincando suas raízes no tempo da colonização portuguesa, remontando aos Miranda, Rodrigues da Silva, Pereira da Silva, Ribeiro Soares, Vieira de Carvalho e Rego Monteiro que colonizaram vastas regiões do Estado.

Em busca de novas perspectivas, em agosto de 1927, mudou-se com os genitores e irmãos para a próspera cidade de Floriano, que então se impunha como principal centro comercial do sul do Piauí e Maranhão. Por esse tempo é bom se dizer que desde o início do século, Floriano vinha ascendendo na liderança comercial e política daqueles sertões, tomando uma primazia que até então era de Amarante. Foi quando diversas famílias da região, entre as quais vieram muitos comerciantes, jornalistas, médicos, advogados recém-formados, enfim, uma variada gama de pessoas veio estabelecer domicílio na cidade. Entre esses, veio o cidadão Cheiro Miranda com sua família. Desta data até o final do ano de 1929, a jovem Iracema frequentou as Escolas Particulares das dedicadas mestras Gení Barbosa e Iracema Abreu, suas parentas que ali lecionavam.

No entanto, em princípio do ano de 1930 teve de abandonar os estudos para acompanhar os genitores em retorno ao vale do Gurgueia, em virtude de moléstia que padecia seu avô paterno, o velho capitão Raimundo Francisco de Miranda (Doca Miranda), que residia na Barra do Correia. Foi somente com o óbito deste venerável parente, em 20 de março de 1931, depois das cerimônias fúnebres e de tomadas as medidas legais cabíveis, que pôde retornar a Floriano com seus genitores e retomar seus estudos regulares.

Então, no ano letivo de 1932, matricula-se na segunda série do ensino ginasial no Grupo Escolar “Agrônomo Parentes”, onde permanece até o final do ano seguinte.

Em 1934, foi aprovada no exame de admissão ingressando no curso pedagógico da Escola Normal Municipal de Floriano, onde cursou até a terceira série. Posteriormente, em princípio do ano de 1937, rumou para a cidade de Teresina, matriculando-se na Escola Normal Oficial “Antonino Freire”, onde cursou as duas últimas séries, concluindo o Curso Normal em dezembro de 1938.

De regresso a Floriano pouco se demorou na companhia dos genitores e irmãos, porque em 18 de abril de 1939, toma posse no cargo de Professora do Estado e se inicia no magistério no Grupo Escolar “Antonino Freire”, da cidade de Canto do Buriti, em meio a extensa parentela que ali residia, permanecendo nessa escola até o ano de 1943.

Por fim, ao final deste ano está de volta à cidade de Floriano, passando a trabalhar como professora no Grupo Escolar “Odorico Castelo Branco”, depois de vencer a concorrência de uma cadeira, em cujo exercício permanece por vinte anos. No período de 1955 a 1959, assume o cargo de diretora do mesmo estabelecimento de ensino.

Em 1964, foi removida para o Grupo Escolar “Ribeiro Gonçalves”, onde permanece lecionando por três anos.

Em 1967, foi posta à disposição do Ginásio Pedagógico Municipal de Floriano, hoje Unidade Escolar “Monsenhor Lindolfo Uchoa”, permanecendo até o ano de 1974. Porém, de 1967 a 1971, exerceu a função de diretora desse estabelecimento de ensino. Possui registro de Diretora do Departamento de Ensino Médio, de n.º 5, expedido pela Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Piauí, em fevereiro de 1971.

Por esse tempo, participou de diversos cursos de qualificação profissional, entre os quais: Curso de Férias – Administração Escolar (Teresina, 1958), Encontro de Diretores (Teresina, 1967 e 1968), Curso de Atualização de Diretores (Teresina, 1970), Curso de Treinamento de Professores do 1º Grau (Floriano, 1974).

Em princípio do ano letivo de 1974, por disposição do Estado, passou a lecionar as disciplinas de Práticas Escolares, Estrutura do Ensino de Primeiro e Segundo Grau, Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e Estudos Regionais, no conceituado Colégio Industrial “São Francisco de Assis”, de Floriano, onde permaneceu até a sua aposentadoria, em 1982, depois de mais de 43 anos de exercício do magistério, formando várias gerações de alunos.

A Prof.ª Iracema Miranda permaneceu solteira, morando em companhia dos genitores e depois de outros parentes, ajudando a orientar e conduzir a extensa família, constituída por mais cinco irmãos, sobrinhos e outros parentes. Em 2005, reuniu esses parentes, alguns amigos, colegas de magistério e ex-alunos numa bela recepção em clube social da cidade de Floriano, onde recebeu justas homenagens comemorativas de seu aniversário de noventa anos de vida. Faleceu cristãmente, na cidade de Floriano, sua terra adotiva, em 5 de novembro de 2012, com 97 anos de idade, sendo aí sepultada. Em sua homenagem foi denominada uma escola municipal no bairro Alto da Cruz, cidade de Floriano, a mais bela homenagem póstuma que pode receber uma professora, cuja vida foi toda a serviço do magistério.

Com essas notas, feitas sobre um velho curriculum por ela elaborado, resgatamos-lhe a memória honrada e fazemos justiça a quem tanto serviu à sua comunidade e a toda a região, porque educar a juventude é preparar um futuro melhor para cada um e para o conjunto da sociedade. “Um país se faz com homens e livros”. E “fora da educação não há salvação”, já disseram outros pensadores que me antecederam. Portanto, a professora Iracema Miranda, merece figurar na galeria de grandes florianenses, em face do eficiente trabalho educativo que prestou por quase meio século, hoje frutificado em diversas gerações.

A Prof.ª Iracema Gomes de Miranda era a segunda filha de Luiz Francisco de Miranda e Coleta Gomes de Miranda, de um total de seis, sendo seus irmãos os seguintes:

Eldinê Gomes de Miranda, foi gerente da Rojac Veículos – Grupo Marc Jacob, concessionária da Mercedes Benz, em Floriano, por quarenta anos, até aposentar-se, sendo hoje nome de rua em Floriano;

Otoniel Gomes de Miranda, Juiz de Direito na Bahia(aposentado), residente em Valença(BA);

Onélia Gomes de Miranda, professora em Floriano.

Walter Gomes de Miranda, servidor público, diretor do Departamento Administrativo da Companhia de Água e Esgoto do Ceará e do Departamento de Estradas de Rodagem do Ceará, especialista em cálculos trabalhistas, residente em Fortaleza;
  
Ariovaldo Gomes de Miranda, técnico em Contabilidade, residiu por muito tempo em Floriano, depois passando a residir em Teresina.

* O presente texto foi escrito para a Coleção Florianense, uma importante publicação que se edita na cidade de Floriano(PI).


** REGINALDO MIRANDA, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI.