domingo, 30 de setembro de 2012

Seleta Piauiense - Alcides Freitas



O BAMBU

Alcides Freitas (1890 - 1913)


Exposto ao dia, à noite, à beira da lagoa,
Onde se miram, rindo, as boninas do prado,
Vive um velho bambu, velho, curvo e delgado,
A escutar a canção que o triste vento entoa ...

Jamais os leves pés de um trovador alado,
Desses que pela mata andam cantando à toa,
Pousara-lhe num ramo! Apenas o povoa
Alta noite, agourento, um corujão rajado ...

E vive, — arcaico monge a gemer solitário, —
A sua dor sem fim, o seu viver mortuário,
Tristonho a refletir no fundo azul das águas ...

Como o bambu da mata, exposto ao sol e ao vento,
Do deserto sem fim de meu padecimento,
Triste nos olhos teus reflito as minhas mágoas!...

(Alexandrinos, 1912)

sábado, 29 de setembro de 2012

Oração, um disparo eletromagnético ao cosmo



José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com


Pela Física, somos pura energia. Toda matéria é pura energia. O universo é pura energia. A energia move o mundo. Até o pensamento é constituído de energia. Estamos constantemente interagindo com o cosmo, recebendo e emanando vibrações, por campos eletromagnéticos. Como a eletricidade, o pensamento produz resultados de acordo com o uso que fazemos dele. Se soubermos usar as forças eletromagnéticas do pensamento, conquistamos a chave de nossos desejos. Inclusive para o mal. Cuidado com olho mal. Contemple o olhar da criança e de pessoas do bem.

A ciência já foi longe na conquista do uso da eletricidade e dos campos magnéticos, mas falta muito para decifrar certos mistérios. Depois de Albert Einstein, já podemos conferir eletromagnetismo com espiritualidade. Cientistas, geralmente, só aceitam fenômenos se passarem pelo laboratório experimental. Em email enviado por A. Carlos Machado, professor de Teologia em Fortaleza, referindo-se à crônica, "FÍSICA QUÂNTICA, PENSAMENTO POSITIVO E FÉ", da última sexta-feira, afirma: "Talvez você saiba que Einstein foi várias vezes expulso de colégios, porque não conseguia aprender nada, não se adaptava ao sistema de ensino. A sua genialidade não suportava aquela burocracia irritante, ele era um rebelde. Assim foi até o fim da vida, depois de provocar a maior revolução científica de que se tem notícia, desde Galileu. Muitas teorias dele ainda estão por serem confirmadas, tal a elasticidade do seu pensamento. Ele dizia que uma teoria científica não precisa ser experimentada, ela pode apenas se apresentar como possível. No começo, os ícones da velha ciência teimaram em resistir, mas aos poucos foram vendo que ele estava certo. A união de matéria e espírito, proposta por ele, através do que ficou conhecido como física quântica, significa que não há incompatibilidade entre o físico e o espiritual, são apenas dois estados diferentes da mesma realidade. Por isso, a energia pode virar matéria e a matéria pode se transformar em energia.

Ora, meu amigo, isso já fora dito por Cristo há muitos séculos, na Galileia, com outras palavras: "Se a tua fé for do tamanho de um grão de mostarda, tu podes dizer a este monte - "lança-te ao mar" - e o monte te obedecerá." Então, o que Einstein está propondo é um novo nome para a fé. O que você sabe sobre a neurolinguística, idem. Existe um certo preconceito sobre o significado da fé, mas esta é a mesma coisa do que a ciência chama com outros nomes. Você já leu o livro "O Segredo"? Pois é isso."

Outros leitores opinaram sobre o importante tema: Paulo Machado, Secretário de Educação de Teresina: "Parabéns pelo belo texto"; Carlos Eduardo, representante do vinho Dalpizzol: "Bela matéria"; Pimentel, de Brasília: "Bela interação de arte e ciência, fé e vida em Albert Einstein, em crônica de nossos dias"; Marcos Sávio, da FACID: "Gostei do texto"; Fernando Meneses, de Piracuruca: "Legal. A propósito, estou lendo um enxerto da obra, "Como Tirar Proveito de Seus Inimigos", de Plutarco: "Como distinguir o amigo do bajulador." Sua crônica será afixada aos meus arquivos. Você acha que Frei Higino(citado na crônica, conseguiu enganá-lo com comprimidos falsos de vitamina... e você engordou!") procedeu corretamente?" Acho que sim, Fernando, curou pela sugestão do Efeito Placebo, isto é, sugestão prazerosa. O mal fez bem. Sacerdote, major e professor universitário, em off e CCO: "Tuas matérias provocam mudanças de mentalidade em certos padres bitolados..." Gilberto Arivielo, membro do judiciário do Amapá, em telefone, contou que, graças a técnicas neurolinguísticas, usando toques e vibrações, curou seu filho, livrando-o de uma cirurgia do apêndice: "Nada de milagre, só efeito eletromagnético", confirmado por exames médicos repetidos. Desde milenares tempos, essas técnicas são de conhecimento de culturas e religiões, especialmente orientais. Basta conhecê-las e fugir a aventureiros do milagre fácil e comercial, porquanto são energias negativas.

Unidade na pluralidade do universo, perfeita conjugação dos astros, seres vivos, estações, ciclos e círculos perfeitos. Imensurável eletromagnetismo, o Criador, ordem e interação universal, átomo e estrelas de primeira grandeza, insetos e elefantes, orquestra da vida, bioma perfeito, ação panteísta, impressionante mistério. Francisco de Assis, pensando assim, criou o lindo poema "Irmão Sol, Lua, Natureza". Panteísmo não é tudo Deus, mas Deus em tudo.

Ergo as antenas dos braços e da mente, comunico-me com Ele, sinto as vibrações da sua presença. Converso com o dono do mundo. Sou filho do dono do mundo. A quem temerei?

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

BATISTA COSTA – MÚSICA E DESTINO (*)




BATISTA COSTA – MÚSICA E DESTINO (*)

Elmar Carvalho

Conheci-o nos idos de 75, quando fui morar em Parnaíba, em virtude de meu pai, Miguel Carvalho, ter ido gerenciar a agência local da ECT. Ele era um servidor aposentado do antigo DCT, e nesta condição sempre aparecia na agência, tanto para rever os colegas, como para receber umas cartas destinadas a Morros da Mariana, onde nascera, e entregá-las aos seus destinatários.

Posteriormente, em várias ocasiões, o reencontrei na casa paroquial dos padres Redentoristas, aonde costumava ir, nesta época, em companhia de meu pai, que sempre foi um católico “praticante”. Tivemos, então, memoráveis debates e discussões amistosas, com a intermediação dos padres, acerca da existência ou não do destino humano. Eu sustentava, na época, como ainda hoje, que não existia o chamado destino, pois se assim o fora perdia todo sentido o livre arbítrio e o conceito de pecado; ora, como existiria este se o indivíduo já nascera predestinado a cometê-lo? A não ser que se acreditasse em um Deus injusto, a punir uma pessoa por praticar aquilo que lhe fora de antemão traçado e a premiar outras, por levarem uma vida virtuosa, sem mérito algum, já que nascidas com esse bom desígnio.

Batista Costa defendia a existência do destino, com muita força e entusiasmo, e até mesmo com respeitáveis, conquanto refutáveis, argumentos, sempre com um sorriso nos lábios e sem nunca se agastar com a minha quase arrogância, que a juventude quase sempre traz, no afã da afirmação pessoal, e às vezes, paradoxalmente, produzida pela insegurança própria da adolescência. Como trago bem viva a recordação desses velhos tempos de descobertas e emoções, em que percorria, a pé, a avenida Álvaro Mendes, do apartamento dos Correios, onde morávamos, eu e minha família, até a igreja N. Sra. de Fátima, dos padres redentoristas...

Batista Costa, com eu, gostava de músicas instrumentais, executadas pelas grandes orquestras, e também de músicas eruditas, as chamadas músicas clássicas. Tínhamos vários longs plays, os velhos discos de vinil, hoje afetivamente e às vezes pejorativamente chamados de “bolachas”, e costumávamos nos emprestar reciprocamente esses discos. Lembro-me, como se fosse hoje, de ele chegar até o recinto onde eu trabalhava, me chamando de professor e cantarolando essas músicas divinas, de sua predileção, imitando um instrumento musical e até mesmo uma orquestra, sobraçando alguns discos, que me emprestava, ao tempo em que eu lhe emprestava vários outros.

Ele era, quando o conheci, vice-prefeito de Parnaíba, mas, segundo soube, nunca lhe foi dada a oportunidade de assumir a titularidade, por ocasião dos afastamentos temporários do prefeito. Contudo, Batista Costa nunca se revoltou ou se tornou amargurado por causa disso. Nunca o ouvi queixar-se de nada. Tinha um amor filial muito grande por sua mãe, pois mulher poder-se-ia ter várias, mas mãe só se tinha uma. Dizia isso brincando, claro, porquanto sempre foi um extremado pai de família, um herói do cotidiano, a fazer diariamente a multiplicação de peixes e de pães, vez que sempre foi muito difícil e árduo sustentar-se uma família com uma parca remuneração.

Morreu ainda relativamente novo, cheio de alegria, entusiasmo e vitalidade, quando muito ainda tinha a oferecer a seus amigos, em termos de estímulo e energia positiva, e quando muito poderia continuar oferecendo à sociedade, através do seu labor, experiência, boa-vontade e vontade de servir.

Certamente recordava o meu saudoso amigo Batista Costa, pessoa humilde, afável e boa, quando escrevi os versos:

recordações (...)
de amigos mortos
que nos acompanham
cada vez mais vivos

Ainda hoje, de vez em quando, relembro esse velho amigo, e o vejo, através das lentes da saudade, como se estivesse vivo, com os seus óculos de lentes grossas, feio, mas quase bonito, pela sua simpatia, com um sorriso contagiante estampado nos lábios, transmitindo fé, esperança, bondade e entusiasmo, adentrando a sala da velha agência dos Correios, a me dizer, com a sua voz vibrante, modulada, quase um verdadeiro instrumento musical, de alta sonoridade:

– Bom dia, professor Elmar!

O professor que nunca fui, mas que sempre almejei ser, em minha vida de eterno aluno dos bons, dos humildes e dos sábios, dos sábios que são tão mais sábios quanto mais simples, humildes e bons.

(*) Hoje, mais de três décadas depois, continuo acreditando no livre arbítrio, mas num livre arbítrio relativo, por assim dizer dizer, pois as injunções da vida, as circunstâncias em que não tivemos influência determinante, os casos aparentemente fortuitos, a genética, tudo e todos enfim, exercem influência sobre todos nós.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

HISTÓRIAS DE CORONÉIS E OUTRAS HISTÓRIAS




26 de setembro

HISTÓRIAS DE CORONÉIS E OUTRAS HISTÓRIAS

Elmar Carvalho

Em virtude de estar sentindo dor de cabeça há algumas semanas, fui me consultar com o neurologista Antônio de Pádua Rego Júnior, com quem entretive rápida conversa, nos breves momentos em que isso foi possível. Já sabia que ele era dos Rocha de Bertolínia e Jerumenha, informação que ele me confirmou. Disse-lhe que passei várias vezes por essas duas cidades, nos quase quatro anos em que fui titular da Comarca de Ribeiro Gonçalves.

Em muitas oportunidades, fiz essa viagem a bordo de velho ônibus da Princesa do Sul, em companhia do colega João Batista Rios, digno magistrado de Bertolínia, no mesmo período em que servi em plagas ribeirenses. Sobre essa circunstância, me reportei no meu trabalho Tempos Ribeirenses, publicado na internet e em formato impresso.

Alta madrugada, chegávamos à urbe bertolinense, fundada por Bertolínio Rocha, avoengo do Dr. Antônio de Pádua, onde o Dr. Batista Rios continuaria o seu sono de forma mais tranquila e confortável. Eu ainda enfrentaria centenas de quilômetros, em esburacada rodovia de piçarra, por várias horas. Rios, que chamo de reverendo, por ser ele católico fervoroso, fez algumas pregações importantes em Bertolínia, de sorte que, sem ser padre nem pastor, está se tornando um dos maiores oradores sacros do Piauí.

O médico Antônio de Pádua me contou alguns casos e fatos interessantes de Bertolínia e de seus ancestrais. Numa de suas histórias, uma mulher desse município ficou viúva, quando tinha apenas 18 anos de idade. Era muito bonita. Um viajante, natural de pernambuco, se encantou com sua beleza, e também, quiçá, com os seus cabedais.

O velho coronel e seus filhos não aprovaram o namoro, e o fato é que o moço terminou sendo morto. Vários parentes pernambucanos do rapaz tentaram vingar-lhe a morte. Disso resultou que morreram aproximadamente nove pessoas, de ambas as partes. O processo penal tramitou na comarca de Floriano, salvo engano, ou na de Jerumenha.

Em outro antigo caso, que o Dr. Antônio de Pádua me relatou, uma jovem da localidade apareceu grávida, sem o devido casamento, o que era raro naqueles tempos e naqueles confins. O coronel, patriarca do clã, quase um senhor feudal, não gostou que sua filha engravidasse sem o recomendável casório, que ademais deveria passar pelo seu crivo e aprovação. Aliás, consta que já mandara castrar mais de um deflorador de filhas de seus agregados, quanto mais de uma filha sua. Colocou a moça sob confissão, mas ela nada revelou. Com o seu prestígio político, exigiu fosse feita rigorosa investigação.

Depois de muito trabalho, soube-se que a jovem teria engravidado na igreja. O delegado, usando naturalmente dos métodos truculentos da época, inquiriu o sacristão, posto que o padre já tinha dado, há algum tempo, às de Vila-Diogo, parece que com destino ao Vaticano, onde fora estudar. Como o sacristão não revelasse o nome do autor da proeza, que tanto ofendera o orgulho do coronel, foi trancafiado na cadeia, até que abrisse o bico, e declinasse o nome do ofensor. Depois de muitas idas e vindas procedimentais, chegou-se à conclusão de que a donzela teria concebido com o auxílio do Espírito Santo.

Não vai nisso nenhum sacrilégio, já que toda gravidez é, em si mesma, um verdadeiro milagre. Afinal, como dizem os islamitas, como é que de uma água vil pode ser gerada uma pessoa? O certo é que o ícone, que representa a pomba do divino, foi retirado do altar da igreja local, e ficou detido por algum tempo. Pelo menos é isso que que rezam a crônica e a lenda da família.

Contudo, essa história não teve um final trágico, como era de se esperar, com morte ou castração do ofensor da honra da moça. O padre retornou de Roma e assumiu a paternidade, tendo antes pedido a devida licença à Igreja Católica Apostólica Romana para contrair matrimônio. Esse sacerdote foi figura eminente e respeitável da história do Piauí. Era um homem digno, e jamais poderia ser comparado, mesmo por remota associação de ideias, ao padre Amaro do extraordinário romance eciano.

Essas narrativas do Dr. Pádua me fizeram lembrar uma passagem do importante livro “H. Dobal – as formas incompletas”, da autoria de Halan Silva, que a seguir transcrevo: “Do lado paterno, em linha vertical, H. Dobal descende de José Alexandre Teixeira, que veio do Ceará para o Piauí, acompanhado de um irmão, na segunda metade do século XIX, provavelmente de Icó ou Missão Velha, onde assassinaram o padre da cidade que havia agravado a honra da matriarca da família, havia poucos meses viúva”. 

Nesse mesmo livro, na entrevista concedida a Halan Silva e a João Kennedy Eugênio, o poeta, com a sua verve contida, informa, ao falar de sua família, que o “Teixeira veio do Ceará. O Dobal veio da cabeça do meu avô”. Esse avô era filho de José Alexandre, um dos autores do desagravo, acima relatado.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

SENTIMENTO PRESO



SENTIMENTO PRESO


Francisco Miguel de Moura


Um sentir puro e preso - tortura
Marcada nos primeiros dias
De alguém que apenas nascia
Entre trancos e barrancos, o futuro
De olhos fixos nos braços,
Pedindo calor de peito e mãos,
Desgarrado dos primeiros tatos
Olhos feridos no segundo teto,
Em novas mãos e outros braços...


Calar pra sempre, quem condenaria?


Mas se um ferrão plantou-se noite e dia,
No fundo de dois corações?


E o que dizer, então? Num poema
Que ninguém vai ler nem ver?
Numa palavra só, balbuciada
Em vão, que ninguém quer saber?


Há culpa sem perdão? Não há.
Mas dúvida e covardia, sim.
E a indecisão imprecisa, fria
Da paixão a rolar e morder-se,
A-mor-da(n)çando sem guia?


Um sentir puro e preso tortura
Dois entes: o ser e a criatura.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O Brasil está agindo mal




Cunha e Silva Filho

Na questão tumultuada e sobretudo trágica da Síria, fico estarrecido com a posição da diplomacia brasileira que vem se comportando com tibieza, em cima do muro, e, para piorar este estado de indecisão, mostra-se agora abertamente favorável ao governo do ditador Bashar al-Assad. Isso não é bom para a imagem de nosso país diante das nações mais adiantadas. Ou melhor, o Itamaraty, que deve naturalmente refletir o pensamento e as recomendações do governo da presidente Dilma, recomendações que devem ser cumpridas pelo Ministro das Relações Exteriores, pode sair bem arranhado na esfera da diplomacia internacional, mormente junto à ONU, ao Conselho de Segurança e a outras instâncias internacionais que lutam pela paz, pelos direitos humanos e contra os crimes cometidos por qualquer pais .

Uma postura desse jaez deixa o nosso país numa situação no mínimo constrangedora se atentarmos para a circunstância de que o governo se gaba, tanto quanto outros setores da estrutura do Estado brasileiro, o Judiciário e o Legislativo, e mesmo setores privados da indústria e do comércio, da comunicação, de que vivemos um momento de plena democracia. Ora, se prezamos esta democracia não fica confortável para nós cooptarmos ações criminosas de um governo reconhecidamente ditatorial como a Síria.

Na tevê hoje de manhã, num flash de reportagem, uma embaixadora brasileira não conteve sua indignação e seu sentimento de humanidade reclamando contra a atitude de nossa diplomacia frente aos massacres que vem há uns doze meses sofrendo a sociedade civil síria – vítima de uma das mais repugnantes ações bélicas de que se tem notícia dirigidas contra sua população.

Ao mostrar-se inclinada à cumplicidade de visão política com o ditador, pessoa reconhecidamente truculenta e com tendência a comportamento genocida, a diplomacia brasileira está agindo mal e, assim, não reflete um milímetro do que os brasileiros de bem pensam sobre o ditador e suas selvagerias perpetradas contra os próprios compatriotas.

Assad é maquiavélico, bifronte. A um tempo que, com leve sorriso dissimulado, recebe delegações ou autoridades diplomáticas que com ele vão discutir os impasses da situação da Síria diante de seus gravíssimos problemas, forças do exercito sírio estão diariamente sacrificando a população indefesa. Como um Nero enraivecido e incendiário de Roma pondo a culpa nos cristãos pelo seu ato ignóbil, o ditador culpa grupos terroristas e mercenários, segundo ele, a soldo de outros governos de oposição, pelo que está acontecendo no país, quando é evidente que são suas tropas do exército que estão ceifando inocentes civis de todas as idades, transformando o país num palco gigantesco de escombros e de ruínas, além de estar deixando o país estagnado na dinâmica de sua vida social e de seu cotidiano. A nação Síria não pode mais se definir politicamente como um país com suas instituições funcionando normalmente, de vez que ali se estabeleceu o caos da guerra civil com todas as sequelas de um vazio de ordenamento jurídico necessário a uma sociedade.

Até hoje, desde as diversas tentativas de alcançar solução para o conflito sírio entre a ditadura e os rebeldes, como fez a ONU enviando representantes seus e de outros países desejosos de uma solução conclusiva para um diálogo com o ditador, nenhuma solução foi conseguida. Chegou-se a um ponto de exaustão pelos canais pacíficos da diplomacia através dos organismos internacionais responsáveis pela segurança da paz mundial.

Não é possível que um único papel caiba só à gloriosa Cruz Vermelha Internacional, sempre cumprindo o seu admirável e corajoso dever humanitário de socorrer feridos, de propiciar alimentos, remédios e assistência geral, de olhar pelos refugiados e de amenizar a fome e o sofrimento do povo sírio.

Já estou descrente da capacidade e competência da ONU como instrumento de defesa e de assegurar o mínimo de paz às nações mundialmente. Estou ciente de que outros países estão também sofrendo injustiças internas, massacres, guerrilhas, terrorismo que, parece, não acabarem nunca. Conflitos religiosos, ideológicos, econômicos e de outra natureza se espalham por outras partes do planeta. O mapa-múndi está doente em muitos aspectos, pois nos dá a impressão de que os homens não querem viver sob o domínio da paz e da concórdia. É hora de pensarmos globalmente, em defesa dos ofendidos e violados. A barbárie não pode sobrepujar os valores da justiça e da união entre as nações..

As cidade sírias, sua capital, por toda a parte que dirijamos um olhar através da tela da tevê, estão praticamente na condição de terra arrasada. Alguém, em sã consciência, pode chamar de país, de nação organizada a um lugar no qual só vemos destroços de casas, prédios, monumentos e ruas? Não, isso não é mais um governo, uma estrutura, uma organização político-institucional. É, antes, um mar encapelado de mortos, de mutilados, de inocentes que sucumbiram, muitas vezes, de forma abrupta, como se fosse uma explosão atômica, um terremoto. A Síria, há quase um ano, amanhece sempre, ao olhar dos sobreviventes e do mundo, como uma visão aterradora de um espaço geográfico estéril, acabado, sem esperança. Essa a visão que tenho dessa sofrida parte do Oriente.

Quando uma diplomata brasileira chega ao ponto de declarar publicamente o estado de profunda calamidade física e humana de um povo é porque sob os céus da Síria, de Damasco, de Allepo e de outras cidades se implantou o terror contra seu povo e a Humanidade. Tenham dó desse país!

domingo, 23 de setembro de 2012

Seleta Piauiense - Celso Pinheiro



SEIOS

Celso Pinheiro (1887 – 1950)

Seios cheirosos! Algas em marulho,
Torres ebúrneas de lascivas ondas.
Casa de rolas no gemente arrulho,
Tentando os anjos nas eternas rondas.

Seios que embora feiticeira escondas,
São a graça, o perfume, a força, o orgulho
Das plagas ideais dessas redondas
Formas ardentes num verão de julho.

Seios! Ó frutos de vermelhos bicos,
De pecados nas árvores umbrosas,
Sob as rendas de neve, tão pudicos!

Seios lindos! Tirai-me de um tormento!
Só vos vejo através das poderosas
Grades doiradas do meu pensamento.

sábado, 22 de setembro de 2012

Física Quântica, pensamento positivo, fé



José Maria Vasconcelos

Minha amiga, desde início da adolescência, nutria pavor de, um dia, gerar filho. Só depois dos 35 anos, divorciada, despertou-lhe o sentimento, submetendo-se a terapias de neurolinguística. Desejava não só um filho, mas dois ou três, a qualquer custo, com qualquer parceiro. Minha amiga é mãe de dois.
No meu tempo de seminário, via nas vitaminas o milagre para aumentar-me o peso. "Peso de bode" - gozava Frei Timóteo. Olhava-me no espelho, angustiava-me a pele chupada. Um dia, frei Higino, padre de ideias avançadas e benquisto, montou uma brincadeira, sem eu saber: preparou pílulas de trigo, pintadas de vermelho, secou-as no forno, colocou-as em um pequeno frasco com orientações em inglês. "Tome estas vitaminas, mandaram-me dos EUA, são milagrosas." Em poucos dias, procurei o padre: "Estou me sentido forte e rosado". Meus companheiros sabiam da tramoia e, por muito tempo gozaram-me no recreio. Até hoje, tenho horror a vitamina. O bode de 52 quilos pesa 74.
Nos dois exemplos de cura, ocorreu o fenômeno Efeito Placebo(placebo, do latim, significa prazeroso), uma mistura de conceitos científicos(neurolinguística, física quântica, bioquímica), sugestão e religiosidade. O difícil é eliminar as incertezas, o "achar que não vai dar certo" ou "achar que foi milagre", além de uma modesta reação do organismo ou mente. Em certos cultos religiosos, banais "curas" são produtos de sugestões, discursos inflamados, falsas interferências do divino ou de satanás. Menos de milagre. Uma indústria de seduzir incautos. Pior, sob a mira da ambição financeira.
Física Quântica estuda, desde o século XIX, as ondas eletromagnéticas emanadas por qualquer organismo emissor de calor. Do latim QUANTUM, Albert Einstein, a partir de 1905, desenvolveu a Teoria da Relatividade, em que se misturam conceitos de fótons, prótons e tempo. O físico inspirou-se no versículo 4 do salmo 89 (90) para definir a relatividade do tempo: “Mil anos diante de Vós são como o dia de ontem que se foi ou como uma vigília da noite.”
Depois de Einstein,desenvolveram-se estudos sobre energias eletromagnéticas, evoluindo para descobertas fantásticas, como computador,tomografia computadorizada,controle remoto,viagens e pesquisas espaciais, além dos fenômenos mentais sobre efeitos dos pensamentos positivos e negativos (neurolinguística).Sobre este último conceito,o escritor Paulo Coelho criou famoso bordão:"Quando penso(positivo), o universo conspira a meu favor."
Pela Física Quântica e demais ciências correlatas, sabe-se que somos essência, energia, que se consubstancia e vira matéria,emoção e mente. Estamos constantemente interagindo com o cosmo, temos imenso poder dentro de nós, o pensamento. Jesus antecipou:"O reino dos céus está dentro de vós".Somos produtos do que pensamos. O Mestre adianta: "Se tiverdes fé, sereis capazes de deslocar uma montanha".
Neurolinguística é a ciência que estuda a elaboração da linguagem cerebral. Há muita gente vendendo livros e conferências de autoajuda, estimulando e ensinando técnicas do pensamento positivo e guerra às mentes negativas. Seitas religiosas operando milagres pela fé. Até pela malandragem, condenada por Cristo: "Eles farão coisas fantásticas". De qualquer maneira, Einstein tinha razão: ciência e espiritualidade podem andar abraçadas.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Considerações em torno do poema "(Re)presa", de Dílson Lages



Cunha e Silva Filho

(Re)presa

Dílson Lages

A água debaixo da ponte
agita-se com o reflexo do céu
e devora a noite
tecendo o rio de estrelas

Debaixo da ponte
os lábios das margens
molham-se de delírios
e os lírios olham a imensidão.

Debaixo da ponte
o corpo da água escorre
entre os dedos de concreto
e esbarra no beijo da vegetação.(1)

O poema faz parte de um tipo de leitura: a releitura, a volta ao princípio do poema, tantas vezes quanto necessárias - condição primordial de o leitor ou receptor fruir sua validade de arte e de beleza. Um poema, e aqui falo daqueles nos quais sentimos o dedo da consciência da composição, das exigências do ofício de produzir a emoção estética, de comover e também de fazer refletir tanto ao nível de suas imagens provocadoras quanto de apreendermos o que delas possamos extrair como sentido da vida, da natureza, dos homens e dos objetos que constituem a materialidade e a espiritualidade do universo.

A realidade do poema se contém nele mesmo. Vale por si mesma, graças ao caráter poético de sua função básica e imprescindível, de jogar com os artifícios da linguagem elevada ao nível criativo, à vontade firme de não se repetir como invenção, mas de se realizar com novos sentidos, se possível, de forma original, que é o objetivo principal da literatura, seja na ficção, seja na poesia, na peça teatral considerada na sua forma escrita.

O poema “Re(presa)”(2) de Dílson Lages como peça literária se comporta segundo os pressupostos assinalados nos parágrafos anteriores. O poeta, como qualquer artista, seleciona aquilo que, de repente, logra captar como matéria de poesia, como motivação inescapável do que lhe vem consciente ou inconscientemente através da sua percepção visual ou intelectiva ou mesmo por associações de ideias que vão formando, pela linguagem, estruturas imagéticas naquele instante apreendidas e formalizadas segundo um tema, uma provocação externa que o impressiona e o mobiliza para o ato da escrita. Ou seja, a poesia se instaura no seu espaço específico através da passagem da matéria prima, a vida, a paisagem, o rio, para o estado modificado pela injeção do componente lírico, universo dos sentimentos, locus da linguagem como invenção, não mais como reprodução mimética. Aí se instala o poético na sua virtualidade e na sua materialidade gráfica. O poema se corporifica e assume sua independência de fôrma literária.Está pronto para ser lido e no leitor despertar a emoção, um sentido, um dado existencial.

No caso particular do poema comentado, o objeto visual, concreto é uma “represa” lexema manipulado quanto à sua morfologia e sua semântica. Para alcançar este  objetivo estético-composicional, o poeta desarticula aquele lexema, e o divide em dois sentidos, no que tange ao elemento "água:" a) o do elemento liquido preso às margens, i.e., à lateralidade e sua fluidez contínua, horizontal  ou, por vezes, irregular em direção ao mar; b) o mesmo elemento, visualizado, no seu fluir descontínuo, levado pela mão do homem e dos recursos da ciência, a uma espécie de vida líquida dependente e limitada nos seus movimentos e na forma que assume seu curso artificial, o qual só existe pela necessidade de ser repositório d’água. O rio torna-se símbolo da liberdade, enquanto a represa é um estado líquido em estado de escravidão, dependente sempre da potência da decisão humana.

O poema se compõe  de doze versos, distribuídos em três estrofes, de quatro versos cada uma. No primeiro verso,  o poema apenas descreve o espaço de seu todo, no qual o lirismo ainda não se faz presente; já no segundo verso, o elemento-núcleo do poema, "água,"metonicamente, equivalente a "rio" já principia seu movimento em direção às alturas, em cujo limite está um céu noturno e estrelado, pronto, assim, a gerar metáforas, comparações e,  por conseguinte, lirismo subjetividades, desvios semânticos. Ou seja, o poema vai adquirindo sua energia interna, sua potencialidade lírica, sua opacidade formal de construção no campo sintagmático.

O fluir da água, na sua aparência visual noturna de calmaria, sofre uma transformação, “agita-se," forma verbal que de certa maneira concede ao líquido um espaço de visibilidade provocada pela claridade das estrelas. Esse agitar-se da água tem algo já de características humanas,tanto assim que se comporta antropofagicamente, “devora” a “noite”(ausência de iluminação, que na dicção simbolista, exprime “dor”, “luto” (3) a fim de, pelo reflexo da luz das estrela, formar um novo rio, nessa bela imagem aliterante e ao mesmo tempo humanizada constituída pelo quarto verso da estrofe inicial: “tecendo o rio de estrelas.”. Veja-se que o lexema “estrelas”, reportando-se ainda na linguagem do Simbolismo, à cor, remetendo à luminosidade, claridade, brancura e, portanto, “pureza”, “virgindade”(4) .
 Anote-se a presença da vogal anterior “e”,  vogal  recorrente na primeira  estrofe e, além disso,  com força aliterante reforçada pelo fonema fricativo, alveolar surdo, graficamente figurado pelas sílabas -cen-, as-, es- e -as. Esta camada fônica é expressiva à medida em que o verso adquire conotações ligadas às ideias de suavidade, de ação espontânea, feita com o requinte e a habilidade artesanal, que muito bem poderia equiparar-se ao trabalho intelectual do fazer poético, ato de metamorfose, de desvio de formas, de recriar sentidos, de mostrar perspectivas, de indicar planos diferentes visuais, tácteis, sonoras, enfim, sinestésicos.

A expressão adverbial locativa, à maneira de uma anáfora,, “debaixo da ponte”, que aparece quatro vezes, simboliza o lugar de passagem, assim como conota uma ideia de obstáculo, ponto intermediário entre duas situações distintas que, no caso das águas de uma represa, o curso do rio vai sofrer alterações de volume e de mudança da natureza e ambiente.O rio que se desvia para a construção de uma represa, uma barragem, é um rio que perde parte de seu curso d’água, do seu movimento normal.

Na segunda estrofe, a imagem surgida compõe-se de um lexema pertencente ao homem , “lábios,” integrando uma outra metáfora relativa ao núcleo temático, o rio, desdobrado em todos as suas partes materiais e naturais, como  "margens",  "vegetação". Neste ponto, as metáforas aí estão   representadas pela segundo e terceiro versos, formando um cavalgamento (enjambement) perfeito e ainda, sinestesicamente, corroboram a natureza humanizante que sustenta a significação geral do poema.

Observe, atentamente, uma série de consoantes laterais, o “l” e o “lh”, respectivamente, fonemas alveolares e palatais. De resto, nesta estrofe há uma espécie de combinação de uma série  dos  mesmos fonemas que resultam num efeito gualmente aliterante, revigorando a dimensão fônico-expressiva entre o tema e a forma. Os lexemas relativos ao corpo humano se acumulam até ao desfecho do poema.

Para os parnasianos,(5) a consoante “l” e o grupo consonantal “lh” designam sonoramente estados “brandos e melífluos.” A consoante “l” já se classificou outrora como líquida, assim como “r” e “m.”O grupo consonantal “lh”, igualmente já teve a classificação de lingual-palatal molhada. Tais fonemas podemos considerar associado ao conceito de “fluidez das palavras”. Segundo Bachelard (1884-1962) (6) “a fluidez da palavra é, para nós, o desejo mesmo da linguagem.” Mais adiante, Bachelard assinala: “A linguagem quer fluir. Ela flui naturalmente. Seus sobressaltos, suas pedras, suas durezas, são ensaios mais factíveis, mais difíceis de naturalizar.” Da mesma forma, esse filósofo falando da “imaginação criadora”, acentua: “Ora, a imaginação reprodutora mascara e impede a imaginação criadora. Finalmente, o verdadeiro campo para estudar a imaginação não é a pintura, é a obra literária é a palavra, é a frase.” Neste caso como a forma é pouco! Como a matéria comanda. Que grande mestre é o rio!” (7)

Ocorre, ademais, aí o seguinte:  partes do corpo humano(como "lábios") se aliam a elementos inanimados, concretos ou mesmo abstratos, por exemplo, "lírios"  “margens, "ponte", "imensidão"(segundo verso, segunda estrofe). O terceiro verso da mesma estrofe, “molham-se de delírios” reitera o aspecto humanizante através do lexema “delírios”, termo da mesma forma,  abstrato,  o qual remete a um estado de sensualismo da linguagem. Novamente ai o dado do corpo e dos sentidos se associa ao inanimado:   "margens",  "vegetação".
Como se fora num olhar partindo das margens, o quarto verso final da estrofe reforçaessa presença do corpo através do verbo “olhar”, i.e., agora parte da perspectiva das margens, por intermédio de um elemento inanimado, concreto,  “lírios, ” mediante a estratégia da consciência técnica do poeta em desarticular do lexema “delírio”, outro lexema “lírio,” num expediente de palavra puxa—palavra através do recurso da contiguidade dos lexemas e sobretudo pela carga rimático-sonoro-estilística que daí advém e , de outra parte, pelo esvaziamento do sentido de estado de desequilíbrio em troca de uma imagem positiva , harmoniosa e visual e tactilmente bela, senão pura, expressa pelo lexema “lírios em verso lapidar: “E os lírios olham a imensidão”( quarto verso da segunda estrofe. De resto, o lexema “imensidão” aponta para dois lados: para o espelho d’água , o “rio” e para um outro “rio” metaforizado no último verso da primeira estrofe.

Na terceira e última estrofe, completa-se o desdobramento do poema, tornando-o uma unidade de sentido e de peça literária acabada nos seus recursos poéticos e linguístico-semânticos. Empregando os mesmos instrumentos retóricos, quer dizer, a formação de imagens ou metáforas fundindo partes que formam o ser fisco do homem, em imagens, como pudemos ver, que antropomorfizam o inanimado, presentes elas em todo o poema e, agora, culminando com o todo, sinalizado pelo lexema “corpo”, “dedos” e “beijos”, já mencionado este último na segunda estrofe, os versos finais atestam a capacidade descritiva do da voz lírica no desenho físico e humano, na sua beleza e nos seus óbices, aqui imageticamente figurado pelas águas “escorrendo” entre as pilastras da ponte (“os dedos de concreto”) em direção limitada pela vontade do homem e da técnica da engenharia, na transformação de elementos naturais – o rio, a vegetação, as matas, o meio ambiente em si por imposição de novas necessidades de satisfazer o homem, predador e vítima a um só tempo. Sinal do crescimento urbano, demográfico, gerando mais energia e desfigurando ou arrasando a ecologia com todas as sequelas civilizatórias.

O poema “(Re)presa” se insere literariamente naquela tendência ou vertente da poesia brasileira contemporânea em que ao poeta cabe a escolha livre e independente de sua criação, fora já dos "ismos" datados, mas ancorada na modernidade e na ousadia da imagens que,  renovadas e aprendidas nas fontes dos que lhe antecederam consegue fazer poesia optando pela linha que vem sendo perseguida desde os  tempos mais recuados da tradição literária. Num capítulo de título “Futuro da poesia”, de um livro que agora estou lendo, O que é literatura?, de José Veríssimo (1857-1916), não hesito em afirmar que o velho crítico adversário de Sílvio Romero (1851-1914), tem realmente uma visão certa e profética da perenidade da poesia como genro,  conforme o leitor pode ver de suas palavras finais: "É o que creio também, e nos meus escritos, tenho sempre sustentado. Escolas, tendências, modas, passam; ela[a poesia]fica, invariável na suaessência, não obstante a diversidade da sua forma...”(grifo meu). (8)

Notas bibliográficas:

(1)Poema postado no site Entretexto. Acesso : www.portlaentretextos.com.br

(2Na análise proposta farei a leitura do poema no sentido de ‘represa”, conquanto não disponha de uma informação factual mediante  a qual provavelmente o poeta tencionou realizá-lo. A desarticulação do vocábulo, entretanto, abre espaço para esta possibilidade. Questão de visão do ensaísta, sobretudo no domínio da “imaginação poética."

(3)LIMA, Rocha. Gramática normativa da língua portuguesa. 27 ed. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1986, p. 464-465.

4)Idem ,.ibidem.

(5)WEY,Válter. Lingua portuguesa. Terceira série. Curso colegial. 6 ed. São Paulo: Editora do Brasil S/A, 1963, p. 159.

(6)In: QUILET, Pierre (org.). Introdução ao pensamento de Bachelard. Rio de Janeiro: Zahar Editores. . Trad. de César Augusto Chaves Fernandes, 1977, p. 191. Remeto o leitor desejoso de dispor de uma síntese excelente sobre o pensamento de Gastón Bachelard, consultando  MELO E SOUSA, Ronaldes de. Epistemologia e hermenêutica em Bachelard. In: 90 Reflexão e participação/2 , 25 anos. Tempo Brasileiro, julho – setembro de 1987, p. 47-93.

(7) idem, ibidem, p. 192.

(8)VERÍSSIMO, JOSÉ. O que é literatura? e outros ensaios.. Introdução de João Alexandre Barbosa.  São Paulo: LANDY Editora, 2001, p. 51.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

RODRIGO M. LEITE E A MUSA ESQUECIDA





19 de setembro   Diário Esquecido

RODRIGO M. LEITE E A MUSA ESQUECIDA

Elmar Carvalho


Tempos atrás, através de e-mail, mantive contato com o poeta Rodrigo M. Leite. Chamou-me a atenção o fato de que ele selecionou os meus poemas, publicados no A Musa Esquecida, da coletânea Poemágico – a nova alquimia. Por essa razão, mandei-lhe alguns de meus livros, cujo recebimento ele acusou. Elogiei os poemas que dele conhecia. Pediu-me escrevesse algo a respeito, pois pretendia publicá-los. Por causa de alguns contratempos, sobretudo relacionados com o assoberbamento de serviços em minha Comarca, mas também por causa de alguns compromissos de ordem pessoal, demorei a cumprir o prometido. Tento fazê-lo aqui e agora.

Tomei conhecimento da existência e do trabalho do poeta por intermédio de seu importante blog A Musa Esquecida, para o qual chamo a atenção de meus poucos e seletos leitores. Nesse espaço literário virtual, Rodrigo vem estampando belos poemas de autores piauienses, quase todos imersos em injusto esquecimento – daí o nome do sítio internético. Apesar do título – A Musa Esquecida – o blog não é nada esquecido, e tem retirado do olvido poetas valorosos. Desejo apenas que essa Musa continue a se lembrar dos poetas esquecidos.

Pedi, por bilhete virtual, que o poeta me mandasse sua síntese biográfica. Ele, demonstrando ser uma pessoa desprovida de empáfia e empavonamento, me mandou uma verdadeira “mini-síntese”, se é que se pode usar a expressão, de apenas duas linhas. Foi então que fiquei sabendo a sua idade. Tem ele apenas vinte e pouquíssimos anos. Nessa idade, eu praticamente não tinha biografia, exceto a que todos temos, mas tinha o coração cheio de sonhos e a alma repleta de ilusões. Pude realizar alguns de meus sonhos; de outros, me despojei, e alguns, perdi pelo caminho de minha vida. Algumas ilusões apegaram-se a mim, e ainda, teimosamente, me acompanham; outras, feneceram; aqueloutras, morreram, por mais que eu as aguasse.

Espero que o poeta tenha um grande baú cheio de sonhos, e que todos se realizem. Na sua idade, é proibido não sonhar. Tenho observado que alguns jovens literatos, para se sobressaírem ou para chamarem a atenção, gostam de aplicar bordoadas nos mais velhos. Não foi o método que escolhi. Não foi o caminho escolhido por Rodrigo M. Leite. Ao contrário, seu notável blog tem distinguido poetas bem mais velhos que ele. Isso parece demonstrar que é ele infenso à inveja e à provocação de escândalos e tumultos literários, que invariavelmente levam de nada a coisa nenhuma, posto que o eventual brilho não passa de efêmero fogo fátuo.

Sem dificuldade percebi que os seus poemas, embora inseridos no que existe de mais atual, não se perdem em vãs vanguardas, em superados formalismos. Também não enveredam em pretensiosos hermetismos, com que muitos pretendem adquirir a glórias de poeta sábio, filósofo, profundo, ou sibilino, quando muitas vezes não passam de mistificadores, inflados de presunção e bazófia. Igualmente não desejou seguir a trilha dos chamados poemas visuais, que nunca foram novidade, uma vez que em épocas remotas já se urdia o carmen figuratum, e já, faz várias décadas, que se comete o poema concretista.

Fiquei sabendo que ele só publicou até hoje uma plaqueta com seus versos. Isso denota que não é preocupado com quantidade, mas com qualidade. Pude sentir que seus poemas, embora sejam produtos da contemporaneidade, são impregnados das eternas lições da lírica de todas as épocas, da tradição que se mantém viva, porque amálgama da própria vida, porquanto embebida dos sentimentos que sempre existiram em todos os homens, a despeito de épocas, “ismos” e rincões.

Os seus versos cantam a vida, com seus encantos e vicissitudes. Suas metáforas são assimiláveis, e harmônicas ao conteúdo a que se referem. Por outro lado, não contêm imagens gastas, repisadas, inócuas, como comprimidos que já perderam o efeito. São límpidas e vívidas, e revestidas de novas substâncias, mesmo quando se reportam aos eternos temas da lírica de ontem e de sempre. Como Drummond, Rodrigo canta o tempo presente, as coisas e os homens presentes; mas como bom poeta, trata também de todos os tempos, até do des-tempo de um tempo sem tempo, “de um tempo sem medida, fugitivo / de ampulhetas e relógios”, como assinalei no meu Noturno de Oeiras.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Secas tórridas e negligências, desde 1559


Caldeirão, em Piripiri
Barragem Corredores, em Campo Maior
Barragem do rio Longá, em Barras
Barragem do rio Piracuruca



José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com


Nada de chorar ou resmungar por falta de chuva ou secura prolongada, como punições dos céus ou sinais apocalípticos. Fenômenos climáticos obedecem, quase rigorosamente, a ciclos de chuvas generosas e secas tórridas. É só tirar proveito, como saborosa a carne de sol, cultura da seca. Várias regiões do planeta já se adaptaram a ciclos climáticos, de lascar, como Oriente Médio e parte dos EUA. No tempo de Abraão e dos faraós ocorriam secas.

Pior que fenômenos climáticos é ignorância da população, queimadas criminosas, incompetência e interesses espúrios de políticos e gestores.
Desde a infância, acostumei-me contemplar a natureza, a exemplo de meu pai: fases lunares e seus efeitos na floração das plantas e no parto dos bichos, a neblina indesejável, presságio de pouca chuva. Em setembro e outubro de 2011, caíram chuvas torrenciais, destruindo a floração de caju e manga. Em crônica, eu advertia que o fenômeno anunciava inverno fraco a partir de janeiro. Em 2009, escrevi "APROXIMA-SE GRANDE SECA", que ocorre no final ou começo de cada década, especialmente nos anos terminados em 7, 8 e 9, ou em 1, 2 e 3. O ciclo de invernos generosos prevalece nos anos terminados em 4, 5 e 6. Lembra-se da crônica, "SHOPPINGS SERÃO INUNDADOS"? Não deu outra: meses depois, as águas do Poti adentraram a Av. Raul Lopes e saudaram o Shopping Riverside. A leitora, Cláudia, de Timon, lembrou-se da matéria, telefonou, gracejando-me de profeta.

O primeiro registro de seca, no Nordeste, data de 1559(final de década). No século XVIII, autoridades começaram a se preocupar com os efeitos das secas, porém sem obras estruturantes. Em 1877(final de década), a seca matou mais de 550 mil pessoas. D. Pedro II enviou técnicos franceses e portugueses a Quixadá-CE, para construção do açude Cedro, aproveitando a mão de obra dos fragelados. Só em 1909(final de década) foi inaugurado, com grades e cerâmicas da Europa. Gigante, mas me entristeci vê-lo transformado em bonito balneário e raquítica agricultura. Açude Orós-CE, projeto do século XIX, e de estudos técnicos na seca de 1912(começo de década). Foi lembrado nas secas de 1931, 32, 51 e 52(começo de década), porém a construção somente na grande seca de 1958(final de década). Antes da conclusão, em 1961, chuvas torrenciais encheram-no, provocando enorme ruptura e tragédia. No final da década de 1920, plena seca, o DNOCS construiu o açude do Forquilha, que beneficiou centenas de agricultores. Transformou-se em vila, hoje cidade. Lá, nasci.

No Piauí, construiu-se açude em Piripiri(Caldeirão: há mais funcios do DENOCS do que peixes), Cocal (Arrombado pela enchente de irresponsabilidades), Beneditinos, Campo Maior, que servem mais para balneários e se esbaldarem em farras); barragem em Piracuruca(projetada para culturas agrícolas; virou invasão e recreio de ricos). A cidade às margens do rio perenizado não produz um pé de tomate, só baladas e comilanças na Prainha. Em Barras, em vez de agricultura, plantaram-se botecos, chamegos e sacolejos nos arredores da barragem. Lagoas, a maioria perenes, espalham-se pelo Piauí para quase nada de cultivo: Parnaguá (a mais bela e borbulhante), Cajueiro, Joaquim Pires, Luzilândia. Poços jorrantes para cachaçadas e prazeres. 1.500 km de rio Parnaíba e afluentes - vários órgãos públicos cheinhos de funcionários, enquanto o tomate e produção agrícola vêm de outros estados, inclusive de regiões mais secas, como Ceará e Pernambuco. Que falta de vergonha! Açude Jaburu, Serra da Ibiapaba, exemplo de cultura produtiva e comercial. Barragem do Jenipapo(São João do Piauí), Petrônio Portela(São Raimundo Nonato), Bezerro (José de Freitas), Nazaré do Piauí, todos só atraem festeiros e farofeiros. A lagoa de Buriti dos Lopes é aproveitada para modesta cultura de arroz.

Grandes latifundiários e aliados políticos interferem nas decisões, em escala federal, em proveito próprio. Beneficiam-se da divulgação dramática das secas para não pagarem dívidas contraídas. Desse jeito, podem inventar SUDENE, PROTERRA, EMATER, DENOCS, CODEVASF.

Seca não é castigo dos céus. As ambições é que ressecam corações. Mirem-se no empreendedorismo de Israel e países vizinhos. Secura produtiva é com eles.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Estamos em pleno gozo da democracia no país?




Cunha e Silva Filho

A censura à obra de Arte literária está dando sinais de perigosa atitude de intolerância com obras ficcionais de autores brasileiros. Foi reaberto o debate, iniciado em 2010, sobre a censura a uma obra de Monteiro Lobato (1882-1948)de título Caçadas de Pedrinho, editada nos idos de 1933. A polêmica se originou em razão de que a obra faria parte de um grupo de livros a serem distribuídos pelo MEC às escolas públicas. Alguém ligado a uma instituição de defesa da igualdade de negros e de combate contra o preconceito racista interferiu, junto ao MEC, para que o livro de Lobato fosse impugnando, já que, na visão dessa pessoa, a narrativa de Lobato continhas referências negativas que a comprometiam como obra racista.

O imbróglio já passou por dois pareceres do Conselho Nacional de Educação e encaminhados ao MEC. Além disso, foi objeto de dois processos movidos junto ao Supremo Tribunal Federal. Só está aguardando agora uma audiência de conciliação com o ministro Luiz Fux para terça-feira, da próxima semana. A grande questão que abre agora, a partir do resultado dessa reunião, é a dúvida do que será estabelecido pela Justiça no tocante ao que possa vir a se caracterizar como uma forma de censura ou proibição, com a possibilidade de o livro de Lobato ser distribuído com ressalvas de teor de natureza censória., i.e., permitir a distribuição pelo MEC mas tendo como condição prévia, segundo diz a reportagem hoje, publicada no caderno Prosa, de O Globo. “promover a capacitação de professores a fim de sistematizar a abordagem ..” pelos docentes da questão do preconceito contra negros na educação básica. Ora, reduzir a complexidade interpretativa de uma obra a uma abordagem imposta e didaticamente unificadora quanto à sua ideologia, a meu ver, se constitui em grave retrocesso da liberdade de pensamento e de expressão criativa de um autor. Este é o busílis da questão que cumpre ser discutido sem os interditos do poder público.

Por conseguinte, obscurantista e cerceadora da criatividade de um escritor passa a ser a denúncia feita pelo Sr. Antônio Gomes Costa Neto, segundo a reportagem de Mariana Moreira, técnico em gestão educacional. A denúncia, formada de citação de passagens da obra lobatiana, foi encaminhada à ouvidoria da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Sppir). Na visão desprovida de conhecimentos no campo da narratividade e do que sejam os protocolos que norteiam a composição de uma obra de imaginação, o mencionado técnico alega que Monteiro Lobato promove o preconceito racial a partir do tratamento que o escritor dá a personagens como a tia Anastácia. Ora, o técnico, naturalmente como lhe é inerente à função, se atém à literalidade (não confundir com literariedade do formalismo russo) da leitura, e, portanto, faz uma leitura do texto de Lobato sem nenhuma base crítico-teórica. Destarte,, provavelmente até por desconhecimento, comete um ato falho, dando ensejo a que o associemos aos tempos sombrios da ditadura militar, ou, muito longe no tempo, à época dos livros listados pelo “Índex,” tenebroso tribunal romano do século XVI, que, em obediência a um cânon do Concílio de Trento, tinha o encargo de analisar obras que lhe eram  encaminhadas pelo poder eclesiástico para aprovação (“Nihil obstat”) ou para a sua proibição.

O Brasil, que já dá grandes passos para ser um país maduro, não pode retroceder em práticas terroristas e totalitárias dos tempos da Revolução cultural chinesa e dos Gulags comunistas. A obra de arte literária, e aqui estou, com todas as letras, incluindo Monteiro Lobato, é um produto construído pela linguagem, tendo seu mundo próprio, que não pode ser confundida com a factualidade da existência. Sua base é a mímesis, ou seja, uma possibilidade de construção de vidas e de realidades sociais respeitando procedimentos técnicos próprios parecidos (mera coincidência) ou não com a chamada realidade empírica, mas que, conforme preceitua Aristóteles, não copia a vida tal qual é dentro de nossas percepções. No momento em que vida se fecha como referencialidades e diferenças ideológicas, a ficção passa a existir por si própria, graças à linguagem adequada   a cada  gênero literário. O mesmo se pode afirmar das artes em geral. A censura é do universo da realidade pálida e cinza; a ficção, a poesia, o drama, são criações do espírito artísitco, da capacidade de inventar “realidades” que emocionam e o fazem tanto quanto  ou mais em maior potência do que na vida pura e simples do cotidiano estéril.

Segundo um estudioso da literatura infantil Ilan Brenman, autor de A condenação de Emília: o politicamente correto na literatura infantil (Aletria) citado na reportagem, o que está acontecendo com Lobato poderia abrir um precedente para que obras de outros autores brasileiros, como Aluísio de Azevedo e Castro Alves. Daqui a pouco, serão Graciliano Ramos, Jorge Amado e outros mais. Uma vez, quiseram também  censurar a fala de um personagem de uma obra de Darcy Ribeiro. Tal fato, embora de modo diferente, já está ocorrendo, conforme relata em breve artigo Suzana Velasco, na mesma página do caderno Prosa.Somos informados que o escritor Dalton Trevisan teve um livro seu, Violetas e pavões (Record, 2009) retirado da relação de obras que fariam parte do concurso de seleção do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

A alegação de tal retirada se deve a reclamações de pais e professores (sic!) de escolas e de cursinhos preparatórios para ingresso naquela instituição federal. Não sabia que a esta altura do campeonato, a família brasileira e educadores estejam dando demonstração de moralismo anacrônico e de hipocrisia social quando sabemos em que direção dever-se-iam dirigir as nossas reivindicações contra a atual imoralidade galopante, o devastador festival de filmes violentos e pornográficos  mostrados tanto em programas emburrecedores na tevê brasileira (tipo Big Brother et caterva) quanto nas chamada novelas, onde a ética e os chamados “bons costumes” burgueses da “Família, Pátria e Liberdade” há muito viraram letra morta, de tanto serem exibidos em todos os cantos do país.

Onde estão os processos encaminhados aos tribunais de Justiça do país para tanta bandalheira, corrupção, hedonismo e “malfeitos” de nossos políticos e homens públicos? Qual vai ser o desfecho dos condenados do Mensalão, ou seja, quem irá mesmo para a cadeia sem as brechas e subterfúgios de amplos e recorrentes recursos legais, por seus crimes contra o Erário Público?

Jamais achei correta uma lei brasileira que decreta, que impõe de cima pra baixo, o crime do preconceito racial e, neste ponto discordo de uma velha crônica de Rachel de Queiroz (1910-2003), ao ficar emocionada no exterior quando alguém, dirigindo-se a ela, elogiava o país que criara uma lei contra o preconceito racial. O estrangeiro referia-se à lei Afonso Arinos.

O combate ao preconceito racial – que é um sentimento abominável - deveria ter sido uma conquista natural na cultura brasileira, nascido de um combate constante na formação e educação de nosso povo, uma lição sincera, espontânea, sem hipocrisia, destinada a vencê-lo , como disse, através da mudança de mentalidade de um povo, do resgate do elemento negro pela via de condições de melhoria na saúde, na escola, nos aspectos éticos e no respeito às diferenças de cor, de nível social e de igualdade de oportunidades no emprego, na universidade e no direito de alguém poder assumir qualquer função sem os crônicos reflexos oriundos do nosso passado escravagista.

A verdadeira lei em defesa dos negros , sem laivos coercitivos, seria a que parte do interior do ser humano, da compreensão lúcida de que a pigmentação diferente nada comprova qualquer atitude irracional racista. Como cidadão, acato, sim, a lei contra o preconceito, mas no íntimo sei que ela não passou de uma imposição, de algo artificial, por vezes mais provocador de racismo do que de harmonia entre brancos, pretos e mestiços. A harmonia entre pretos e brancos, que deveria existir, esconde, pela hipocrisia, o racismo que deve ser extirpado na consciência e dignidade da sociedade brasileira. Enquanto houver hipocrisia, convencionalismo legal, o estigma persistirá na nossa vida social.