segunda-feira, 31 de maio de 2010

SAL SOL SOLIDÃO

ELMAR CARVALHO


está tão frio
e eu estou tão triste
um homem segue
pela rua gelada
e a sua alma está
mais gelada engelhada
que a rua deserta
as sombras tristes
espiam frias pelas
frestas das venezianas
nesgas de luz geladas
conspiram das caladas
dos calabouços
o homem triste
acende um cigarro
que não fuma
e segue só
e o homem
triste sou eu
e o homem
triste sofre
o sol e
o sal
de suas
dez desgraças
é triste como
o canto/pranto
do galo gago gogo
alçado dos alçapões
pelas madrugadas geladas
cheias de neves e geadas
é triste como
o ladrar de
um cão cãozinho de
um cão sozinho
nas noites negras
nas noites nada
e a neve cai
e a neve caia
os túmulos e os ciprestes
e a neve é nave
por onde trafega
a res/ins/piração
do homem só
do homem pó
mas a neve
não é nada
o que é tudo
é a tristeza
que perscruta
dos esgotos
que espia
dos desgostos
( a solidão é uma aranha
tecendo teias de saudade
onde ela própria se enleia)
e o homem
triste sou eu
e o homem
triste acende um cigarro
que sequer fuma
e segue em sua
grande solidão
de gênio e de cabotino
e de louco três vezes tresloucado
e nada não
e nada não denuncia
ou anuncia sua presença
apenas ele
contempla a solidão
do nada absoluto
do nada só luto
do nada soluço
e segue só
sobre as cinzas
do nada e do não
do apocalipse
do após calipso
e este homem
é um deus
que se construiu e se destruiu
à sua imagem e (des)semelhança
e o seu grande ne’gado
e o seu grande le’gado
será a certeza de sua morte
e este homem sou eu: poeta/profeta
e jeremias chorão
e hão de chorar
sobre o meu choro/coro
e hão de cantar
sobre o meu canto/pranto
mas apenas eu estarei
de pé sobre as cinzas
do caos/cão e do nada
e seguirei sempre só
sobre e sob o signo da solidão
que será o meu sinal
e eu serei
o suor e
o sal e
o sol de
minha própria
girasolidão

NOTÍCIA CULTURAL




LANÇAMENTO DE CAMPO MAIOR RECORDAÇÕES

No próximo sábado, dia 5, às 17 horas, na sede da Câmara Municipal de Campo Maior, na Praça Bona Primo, ocorrerá o lançamento do livro “Campo Maior Recordações”, da autoria de Sílvia Maria Melo de Sousa. Sílvia tem já longa experiência como professora da Universidade Federal do Piauí. É casada com o também professor Demerval Sousa. Não é nenhuma estreante na arte de escrever, pois em sua juventude foi colaboradora do jornal A Luta, que relevantes serviços prestou à cultura e à memória histórica de Campo Maior. Quem se desse ao trabalho de se debruçar sobre seu acervo certamente teria material para um belo livro sobre a história cultural e política do município. Nesse jornal, no qual também estreei, ao publicar contos e crônicas, aos 16 anos de idade, a autora publicou crônicas e notas sociais, que eram lidas com sofreguidão, sobretudo pelos jovens estudantes, quando vinham de férias. Alguns dos textos de Sílvia foram recolhidos pelo saudoso Reginaldo Gonçalves de Lima em seu livro “Geração Campo Maior – Anotações para uma Enciclopédia”, que tive a honra de prefaciar. Acredito, pela sugestão do título, que no livro estarão estampadas muitas reminiscências de Sílvia, obviamente referentes a sua cidade natal.

domingo, 30 de maio de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho


20 de maio

A CULPA QUE NÃO ME CABE

Estive ontem em Campo Maior, a velha Bitorocara, para fazer a saudação e louvação dos patronos da Academia Campomaiorense de Artes e Letras – ACALE. Louvei, com muita ênfase e entusiasmo, entre outros, Bernardo de Carvalho e Aguiar, Hilson Bona, Raimundinho Andrade, padre Mateus Cortez Rufino, Cláudio Melo, Bilé Carvalho e Chico Pereira da Silva. Com modéstia ou sem modéstia, devo dizer que fui aplaudido e cumprimentado entusiasticamente por todos. Por todos, exceto por um confrade, que alegou o meu discurso ter sido longo, já que fazia calor e as pessoas estavam em pé. Em minha defesa, devo dizer apenas que reduzi bastante o que tinha a dizer; que disse muito menos do que os patronos mereciam, e que nenhuma culpa tive pela circunstância de que as pessoas não estavam sentadas e de que fazia calor. Ao contrário, até sugeri ao dinâmico presidente João Alves Filho que a solenidade fosse realizada no prédio da Câmara Municipal (antigo Campo Maior Clube), que tem um grande e climatizado auditório, e que ficava bem perto. De lá, as pessoas poderiam se deslocar, ao final do panegírico, para a inauguração das galerias dos patronos e dos acadêmicos.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

SELETA PIAUIENSE


A SOMBRA DO DESTINO

Martins Napoleão

Sobre a minha cabeça dolorida
cai, de repente, a sombra do Destino
como uma noite sobre a minha vida:
morre, dentro de mim, quanto é divino

em meio do caminho da subida
por onde inutilmente peregrino.
Toda esperança desaparecida,
tropeço, pela treva, em desatino.

De certo, alguém me impele, alguém me arrasta,
qual uma pedra, na descida escura
desta montanha, cada vez mais vasta.

Eu sinto a sua mão, de quando em quando.
- Sísifo é o meu destino, ó criatura!
e eu sou a pedra que ele vai rolando.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

POEMITOS DA PARNAÍBA

Texto: Elmar Carvalho
Charge: Gervásio Castro



Assim como há
o espírito de porco
o espírito de gato há.
Xigaaaau... Xigaaaaaau...
Não articulava palavras,
apenas miados e miados
e a semiótica linguagem
de seus gestos de gato.

NOTÍCIA CULTURAL

Elmar Carvalho


ACALE EM FESTA CULTURAL - GALERIAS E HOMENAGENS

A Academia Campomaiorense de Artes e Letras – ACALE, presidida pelo escritor João Alves Filho, no próximo dia 29, sábado, às nove horas, em sua sede, na Praça Bona Primo, promoverá a solenidade de entrega do Diploma do Mérito de Benfeitor da Cultura Campomaiorense aos homenageados Venício Saraiva de Lima, Antônio de Pádua Portela Bona e João Alberto Alves Rodrigues, que serão saudados pelo prefeito João Félix de Andrade Filho. No mesmo evento, ocorrerá a instalação das Galerias dos Patronos e dos Acadêmicos, os quais serão louvados, respectivamente, por Elmar Carvalho e Ernane Napoleão Lima, membros da ACALE. A acadêmica Maria de Jesus Andrade Paz será a responsável pelo Momento Cultural, e declamará poema de sua autoria. Para o presidente João Alves Filho a ACALE “entra em caráter definitivo para a história. É a instituição mais abrangente, pois, preserva o patrimônio cultural material e imaterial da nossa Campo Maior e de toda a sua área geográfica”. A galeria dos acadêmicos falecidos é integrada por monsenhor Joaquim Chaves, Abdias Silva, Marlene Mourão Araújo Ibiapina e Cunha Neto, recentemente falecido. À frente do cerimonial, estará o acadêmico Domingos José de Carvalho. A atual gestão de João Alves Filho conseguiu que o prefeito Joãozinho Félix construísse o Memorial Histórico de Campo Maior e fizesse a doação do solar em que morou a professora Briolanja Oliveira para ser a sede do sodalício.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho


26 de maio

NOVO SESSENTÃO

No sábado, fui à festa de aniversário do Evangelista, casado com a Elza, amiga de minha mulher, e que conheço desde o início de minha vida profissional, quando ingressei na ECT, em setembro de 1975. Evangelista é um botafoguense afogueado e fogoso, de muito entusiasmo e vibração, e a sua festa teve detalhes decorativos, que lembravam essa sua condição de torcedor fervoroso. Muitos convidados, além de seus amigos, eram também adeptos do Botafogo. A festa aconteceu no salão nobre do Jockey Club. Encontrei vários amigos, como o coronel Bastos, que foi meu colega do curso de Direito, que não via há um bom tempo. À mesa dele estava o Antônio Luiz Medeiros, promotor de Justiça aposentado, que hoje reside em Santa Catarina. Muitos colegas do aniversariante usaram da palavra, e todos exaltaram as suas boas qualidades de cidadão e de pai de família, bem como enalteceram o bom amigo que ele é. O Antônio Luiz, que poderia ter sido juiz de Direito, mas optou em permanecer como membro do Ministério Público, perguntou-me se eu não desejaria também falar. Respondi-lhe que não, pois sendo flamenguista, não desejava botar fogo em festa botafoguense. Encontrei o meu xará Elmar Veras, que deixou de ser louro, para assumir com galhardia os cabelos grisalhos. Recordamos o tempo em que moramos na pensão de dona Teresinha Cardoso, que ficava perto da Casa Saló, portanto, nas imediações da Escola Sambão e da Baixa da Égua, de muita folia e tradição. Recordamos o Marcos, natural de Pedro II, que era o meu relógio despertador, pois todo dia me acordava para me perguntar as horas. Dona Teresinha ficava furiosa com a impertinência ingênua do Marcos. Para mim, teria sido mais proveitoso ter-lhe dado o meu relógio, ou comprar-lhe um, para não ser perturbado em horário tão matinal, pois ele acordava com as galinhas, na preocupação de não chegar atrasado ao trabalho. Demorei pouco tempo na hospedaria, pois voltei para Parnaíba, para cursar Administração de Empresas no campus local da UFPI. Também encontrei o Vila Nova, que por brincadeira chamo de grande Vilão, quando na verdade ele é um mocinho dos filmes de antigamente. É um artista na arte da dança. Com a sua mulher, praticou todo tipo de dança, tanto que eu lhe disse que ele não era apenas um “pé de valsa”, como se dizia outrora, mas era também um pé de samba, um pé de forró, um pé de tango, e, se alguém duvidasse, para não perder a viagem, dançaria até ao som de um hino. Vila Nova, irmão maçônico, contou-nos uns casos anedóticos e engraçados, de cunho autobiográfico. Como não poderia deixar de ser, cantamos a música Parabéns pra Você. E Evangelista bem fez por merecê-la, em seus sessenta anos bem vividos.

terça-feira, 25 de maio de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho


25 de maio

TRÁGICO DESENCONTRO

Nesta sexta-feira, estive na CEF, tratando de assuntos de meu interesse. Fui atendido pela Natália, servidora dinâmica e atenciosa. Estava presente uma senhora que não conhecia. Não sei por que motivo, começamos a falar sobre assuntos de Oeiras. Eu disse a essa senhora que eu era um quase oeirense, e me dava com quase todos os intelectuais da velhacap, que são muitos e de escol; que havia escrito poemas e crônicas, em que fiz a louvação da Terra Mater. Ela me perguntou se eu conhecera o saudoso escritor e médico Expedito Rêgo. Respondi-lhe que sim, e que ainda no final do ano passado eu tivera a honra de ser o apresentador de seu livro Crônicas Esquecidas, que também prefaciara. Disse-lhe que também havia sido, por indicação de Ferrer Freitas, o apresentador de Vidas em Contraste, em memorável noite de cultura, em que vi pela derradeira vez Balduíno Barbosa de Deus, que havia sido meu professor no curso de Direito da UFPI. A senhora terminou por me contar uma tragédia que se abatera sobre sua vida, quando era recém casada e estava na flor da idade. Manoel Felipe, seu marido, era irmão de Expedito Rêgo, que apesar da cara fechada e de poucos sorrisos, era um médico humanitário e um homem bom. Quando ela estava prestes a ganhar seu bebê, o Dr. Expedito recomendou-lhe que viesse tê-lo em Teresina, tendo ela seguido o conselho. Teve parto normal, sem nenhuma complicação, de sorte que dois dias depois pode retornar a Oeiras. Seu marido achou por bem ir a seu encontro, em um jeep, como uma forma de homenagear a mulher e a filha. Seguiram pela estrada que vai para o povoado Gaturiano, que na época era uma carroçável de piçarra. Em certo trecho, próximo do povoado São João da Varjota, hoje cidade, um caminhão emparelhou com o jeep, em que iam Manoel Felipe, um amigo deste, e o motorista, um jovem de aproximadamente 18 anos de idade, provavelmente com pouca experiência e talvez com o entusiasmo próprio da idade. Ao que parece seguiram em parelha durante algum tempo, com o pó da piçarra turbilhonando no ar, o que terminou fazendo com que o motorista do caminhão fizesse uma manobra, de modo que a traseira da carroceria atingisse o carro menor, que foi projetado para fora da estrada. Acredita-se que essa manobra tenha sido proposital, pois soube-se que ele se gabara de tal proeza, ao parar em um posto de combustível. Manoel Felipe foi conduzido para Teresina, enquanto seu amigo faleceu no local do acidente. Poucos dias depois veio a falecer, quando tirava um cochilo, em consequência de sequelas do desastre, com apenas 26 anos de vida. Acompanhei a narrativa atentamente, com poucas interrupções para duas ou três perguntas. Olhei para o rosto de Durcila Sá Rêgo, era este o nome de minha interlocutora. Seus olhos vertiam sentidas e copiosas lágrimas. O poeta Manuel Bandeira, em célebre e elegíaco poema, chorou pelo que não foi, mas que poderia ter sido. Ela parecia chorar pelo que fora, mas que poderia não ter sido, se em lugar do desencontro ocasionado pelo trágico desastre automobilístico houvera acontecido o encontro sonhado e buscado por Manoel Felipe. Perguntei-lhe se poderia contar o caso. Com voz firme, sem titubeios, respondeu-me que sim. Certamente, tem o consolo de ter tido uma boa filha, a competente médica Conceição Sá, casada com o seu colega Tupinambá Vasconcelos, de cujo consórcio lhe vieram os netos.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

SELETA NACIONAL


A FLOR DO MARACUJÁ

Fagundes Varela

Pelas rosas, pelos lírios,
Pelas abelhas, sinhá,
Pelas notas mais chorosas
Do canto do sabiá,
Pelo cálice de angústias
Da flor do maracujá!

Pelo jasmim, pelo goivo,
Pelo agreste manacá,
Pelas gotas de sereno
Nas folhas do gravatá,
Pela coroa de espinhos
Da flor do maracujá!

Pelas tranças de mãe-d’água
Que junto da fonte está,
Pelos colibris que brincam
Nas alvas plumas do ubá,
Pelos cravos desenhados
Na flor do maracujá!

Pelas azuis borboletas
Que descem do Panamá,
Pelos tesouros ocultos
Nas minas do Sincorá,
Pelas chagas roxeadas
Da flor do maracujá!

Pelo mar, pelo deserto,
Pelas montanhas, sinhá!
Pelas florestas imensas,
Que falam de Jeová!
Pela lança ensangüentada
Da flor do maracujá!

Por tudo o que o céu revela,
Por tudo o que a terra dá
Eu te juro que minh’alma
De tua alma escrava está!…
Guarda contigo este emblema
Da flor do maracujá!

Não se enojem teus ouvidos
De tantas rimas em – á -
Mas ouve meus juramentos,
Meus cantos, ouve, sinhá!
Te peço pelos mistérios
Da flor do maracujá!

sábado, 22 de maio de 2010

NOTÍCIA CULTURAL



ELEIÇÃO DE JESUALDO CAVALCANTI À APL

Foi eleito hoje para a cadeira nº 3 da Academia Piauiense de Letras o escritor e historiador Jesualdo Cavalcanti Barros. Dos 39 votantes, obteve 34 votos, sendo que 5 eleitores deixaram de votar. Não houve votos nulos e nem em branco. A Comissão da Mesa Receptora e Apuradora de Votos foi constituída pelo Des. Nildomar Silveira Soares, presidente, e pelos acadêmicos Elmar Carvalho e Altevir Alencar. Jesualdo substituirá o também historiador e geógrafo João Gabriel Baptista, que escreveu importantes livros a respeito da Geografia e da História do Piauí, mormente sobre a preservação e navegabilidade do Parnaíba e sobre a memória de nossos indígenas. Formado em Direito, fez pós-graduação em Administração de Empresas e em Direito Público. Jesualdo Cavalcanti foi operoso secretário da Cultura, sobretudo com a implantação do Projeto Petrônio Portella, que publicou importantes obras literárias e historiográficas, e com a criação de uma rede estatal de hoteis e pousadas, como incentivo ao turismo. Também foi exemplar como presidente da Assembleia Legislativa, tendo construído o 3º pavimento de sua sede, editado o Manual do Deputado e modernizado a sua administração, inclusive com a implantação do centro de informática. Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Piauí, exerceu a sua presidência, oportunidade em que construiu a sua sede própria. Foi vereador de Teresina, deputado estadual em várias legislaturas e exerceu o cargo de deputado federal, tendo sido também deputado federal constituinte. Após a sua aposentadoria como conselheiro do TCE, faltando ainda oito anos para ser alcançado pela aposentadoria compulsória, empreendeu um grande esforço de pesquisa histórica, que lhe possibilitou publicar importantes livros, bem como desenvolver novas interpretações, com as quais pretende demonstrar que o povoamento do nosso Estado teria começado pela região dos rios Gurguéia e Paraim, assim como procurou trazer novas e importantes contribuições à nossa História. Escreveu e publicou o livro Tempo de Contar, de caráter autobiográfico. Também dedica parte de seu esforço e inteligência à criação do Estado do Gurguéia, uma vez que entende que isso será melhor para o Piauí como um todo.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho


21 de maio

A CHARGE DO GERVÁSIO

Recebi e-mail do amigo Gervásio Castro, em que ele me manda, em anexo, uma belíssima charge. O texto do bilhete eletrônico diz: “No desenho uma tentativa de retratar meu amigo Elmar, flamenguista, blogueiro, juiz, poeta e, acima de tudo, um ser humano de primeira linha. Desses que enchem de orgulho o Criador”. Sobre a mensagem, embora desvanecido em tê-la recebido, tenho a dizer que de fato sou torcedor do glorioso Flamengo, sou blogueiro, magistrado e literato, mas estou longe, e não se trata de falsa modéstia, de pertencer à primeira linha da raça humana, em que a generosidade do Gervásio me colocou. Apenas, seguindo as lições e orientações da maçonaria, venho lutando para desbastar e polir a pedra bruta que sou eu mesmo. Mas considero as palavras amigas como um incentivo para continuar perseverando nessa difícil escalada. A charge enviada é mais uma demonstração da genialidade do Gervásio nessa seara da arte plástica. Não se trata de uma tentativa, mas realmente me retrata, com invulgar propriedade e talento, nas quatro situações referidas. Quando o livrinho PoeMitos da Parnaíba, cujas charges ilustrativas são de sua autoria, foi lançado, o poeta Alcenor Candeira Filho, na apresentação do opúsculo, observou que o amigo chargista tem o hábito antigo de se vestir de negro, o que poderia revelar uma personalidade sorumbática, melancólica, mas que é um saudável boêmio, com senso de humor, e tranquilo, sem nenhum tipo de pessimismo e negativismo. Apesar da indefectível roupa escura, o artista gosta de injetar em suas charges muitas cores, belas, vivas e harmônicas, perpassadas por desenhos curvilíneos, que muitas vezes lhe servem de fundo ou moldura. Quando aceitou, para honra minha, fazer as ilustrações dos poemas, achei que ele poderia ter grandes dificuldades, pois as informações sobre os retratados eram muito escassas, e nem sempre há um feliz casamento entre ilustrações e poemas, como também entre músicas e composições poéticas. Como autor, posso dizer que ele se houve bem demais, e reproduziu os “mitos” e o espírito dos poemas fielmente, com beleza e emoção, expressando a história e o seu cenário. Mesmo nos poemas mais satíricos e que poderiam ser considerados “impiedosos”, Gervásio Castro, através da inventividade, dos traços e das cores, encontrou maneira de lhes delinear de forma menos crua, menos rude e mais sutil, a mitigar o que eles poderiam ter de mais pejorativo e escatológico. Vou emoldurar a charge e, como uma homenagem ao chargista e à sua grande arte, vou entronizá-la em meu local de trabalho.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

POEMITOS DA PARNAÍBA

Texto: Elmar Carvalho
Charge: Gervásio Castro


Não o Dias da Silva,
mas o Long John da Parnaíba,
o terror da mulherada,
pé de cana e pé de mesa,
concorrente de jumento e garanhão.
Só pegava mulher novata,
desconhecedora da fama de seu
alopramento descomunal.
A cama se transformava
no altar do sacrifício da mundana,
segura a pulso como uma potra bravia.
Processado pela noiva descartada
após quarenta anos de noivado.
(A noiva não sabe a sina
de que terá escapado.)

quarta-feira, 19 de maio de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho


19 de maio

DUAS TIRADAS DE A. TITO FILHO

Pelos misteriosos mecanismos da memória, a lembrança de A. Tito Filho me acudiu hoje com muita insistência. Tinha com ele certa amizade, e ele me tinha consideração e respeito intelectual. Tanto que, espontaneamente, me pediu organizasse um livro para ele publicar. Entreguei-lhe o A Rosa dos Ventos Gerais, no início dos anos 1990, mas com a sua morte, em 1992, não pode cumprir a promessa. Falei desse caso ao professor M. Paulo Nunes, que assumira a presidência da APL, e ele submeteu o calhamaço ao Conselho Editorial da entidade, e, sob a relatoria do professor Wilson Andrade Brandão, a publicação foi aprovada e o livro terminou vindo a lume através da Editora da UFPI. Depois, esse livro foi reeditado com a supressão do artigo definido de seu título. Certa feita, encontrei A. Tito Filho perto dos elevadores do prédio da Delegacia do Ministério da Fazenda. Aproveitei para lhe perguntar sobre o modismo, que então começava, de não mais se chamar mulher de poetisa, mas de poeta. Ele disse não concordar com isso, e respondeu-me que, da mesma forma, não deveria existir a palavra mulher, mas “a homem”, nem princesa, porém “a príncipe”. Não foram exatamente essas as palavras, mas algo semelhante, no mesmo sentido. Isso foi dito com a sua saudável e bem-humorada ironia. Eu também não entendia essa mudança gramatical, contudo, para não ser tachado de antiquado e nem de machista, assimilei essa espécie de neologismo, vamos dizer assim. Noutra ocasião, estava eu na Academia, que já frequentava com relativa assiduidade, quando um intelectual, algo ingenuamente, perguntou ao mestre se a pronúncia de determinada palavra deveria ser "naiscimento" ou nascimento. O velho professor lhe respondeu com outra pergunta: - Fulano, existe um i entre o a e o s? O outro lhe respondeu, como não poderia ser diferente, que não. A. Tito Filho, incontinenti, arrematou: - Então, Fulano, a pronúncia é nascimento. A. Tito Filho, entre seus pares, foi o primeiro a me acenar com a imortalidade acadêmica. Certamente nesse aceno falou mais forte o seu coração generoso e a sua amizade, no intuito de estimular um ainda jovem poeta.

terça-feira, 18 de maio de 2010

PERIODIZAÇÃO DA LITERATURA PIAUIENSE


Da Costa e Silva


H. Dobal



PERIODIZAÇÃO DA LITERATURA PIAUIENSE

Elmar Carvalho

Neste despretensioso e sintético trabalho procurarei ser objetivo e tentarei evitar, o mais que puder, a emissão de juízo de valor, mesmo revestido de objetividade, atendo-me somente aos fatos e ao que os autores disseram.

Selecionei a periodização ou divisão feita pelos escritores e historiadores literários Alcenor Candeira Filho, Luiz Romero Lima, Adrião José Neto e Francisco Miguel de Moura, em virtude de que o primeiro e o segundo são considerados como dois dos principais professores de Literatura Brasileira, incluindo-se nesta a de expressão piauiense, o terceiro porque o seu livro Literatura Piauiense para Estudantes é o que mais vezes foi reeditado, já que ultrapassou a décima edição, e o último por ser o último dos polígrafos e um reconhecido erudito.

Não considerei as periodizações, feitas por outros pesquisadores, por vários motivos, entre os quais: a constante mudança de critério, a cada reedição da obra de historiografia literária; a minha profunda discordância com a nomenclatura adotada e com a inclusão e exclusão de certos autores; as controvérsias acirradas que provocam e para não alongar este artigo. Não coloco a carapuça na cabeça de ninguém; quem quiser que a coloque em si próprio, em autocoroação.

Dos autores abordados o mais módico na inclusão de literatos foi Alcenor, que incluiu apenas 24, mas devendo ser observado que o seu livro se chama Literatura Piauiense no Vestibular, e que, por conseguinte, registra apenas os escritores e poetas mais inseridos em questões de vestibular. O mais pródigo na listagem de literatos foi Francisco Miguel de Moura, que alcançou a casa dos 70, considerando-se a inclusão de oito teatrólogos. Adrião Neto e Luiz Romero listaram 40 e 34 prosadores e poetas piauienses, respectivamente.

A nomenclatura adotada para a designação dos períodos ou divisões da Literatura Piauiense foi muito semelhante entre Adrião e Romero, talvez porque trocaram idéias e informações, o que é sempre desejável. Levando-se em conta a pequena quantidade de autores, em face de sua destinação aos candidatos a vestibular, o opúsculo de Alcenor pouco destoa dos dois retromencionados. Já Francisco Miguel optou em dividir a LP em gerações, cabendo informar que a sua primeira geração se estendeu “dos anos 60 em diante (até final do século XIX)”.

Todos os autores mencionados por Alcenor aparecem em outra(s) lista(s), sendo que a metade desses autores, ou seja, doze, são referidos pelos outros três historiadores literários. Como dito, os nomes dos períodos literários são muito semelhantes, entre Adrião e Romero, assim como os autores inclusos na divisão pertinente. Vários autores mencionados por Francisco Miguel só aparecem em sua obra Literatura do Piauí, tendo sido o único autor a optar por incluir teatrólogos e outros escritores em sentido lato.

Os escritores e poetas Ovídio Saraiva, Da Costa e Silva, Abdias Neves, Renato Castelo Branco, Martins Napoleão, O. G. Rego de Carvalho, Fontes Ibiapina, Assis Brasil, H. Dobal, Torquato Neto, Magalhães da Costa e Hardi Filho são referidos na periodização dos quatro autores que tomamos por base para este texto.

Constam em três listas os literatos: Licurgo de Paiva, Francisco Gil Castelo Branco, Hermínio Castelo Branco, J. Coriolano, Lucídio Freitas, Celso Pinheiro, Félix Pacheco, Mário Faustino, Álvaro Pacheco, Francisco Miguel de Moura (quatro vezes, se considerarmos a inclusão em seu livro), Cineas Santos, Paulo Machado e Elmar Carvalho. Portanto, treze autores.

Alguns historiadores literários não incluem em seus estudos os autores (muitos falecidos há várias décadas), que não possuem obra disponível no mercado. No meu modo de entender esse posicionamento não é o mais correto, pois essa culpa não cabe ao literato, mas sim ao descaso das autoridades culturais, que não promovem uma política de reedição adequada, e mesmo ao atraso de nosso Estado, que não cultua os reais valores literários, seja por ignorância, falta de oportunidade ou de poder aquisitivo, etc.

Três dos autores objetos deste sucinto comentário incluíram escritores da Geração 70 (ou Geração pós 69). Adrião fez constar oito, Romero incluiu dez e Alcenor listou quatro. Francisco Miguel não considerou essa geração em seu livro, exceto em relação a três literatos mortos, em plena juventude, sob o argumento de que esses escritores estariam “em fase de experiência. Suas obras deverão ser lidas, apreciadas e comentadas convenientemente pelo historiador futuro. Por enquanto falta-lhes a sedimentação das diversas leituras críticas”. Não concordo com os argumentos do ilustre polígrafo, por vários motivos, entre os quais citarei apenas: vários dos maiores escritores do Brasil faleceram com menos de 30 anos de idade; muitos dos longevos escreveram suas principais obras com menos de 45 anos; o que importa não é a idade do literato, mas a qualidade de sua obra; grandes mestres da historiografia e da teoria literária deram importância aos autores vivos e ainda na idade madura ou mesmo jovens; muitos dos autores da Geração 70 (incluídos pelos outros três pesquisadores) já contam com razoável fortuna crítica, são incluídos nas principais antologias piauienses e são citados nas principais obras sobre literatura do Piauí, etc. E, ademais, feliz ou infelizmente, já estão com mais de 48 anos de idade. Poderia citar nomes e datas, mas não o farei, em decorrência da necessidade de concisão, mesmo porque não desejo polemizar, já que tratei o assunto de forma objetiva, calcado em fatos e na simples aritmética da estatística.

Até porque sei que sempre em amostragem alguns dirão que houve inclusão ou exclusão indevida. Cabe ao historiador literário verificar a qualidade e respeitabilidade da obra de cada autor, sopesá-las, verificar a fortuna crítica existente, cotejar outras obras, considerar as antologias lançadas, fazer estudos comparativos e agir com justiça, com imparcialidade, sem ciúmes e invejas, sem compadrio de amizades e de gerações, e, sobretudo, sem paixões de caráter pessoal.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

SELETA INTERNACIONAL


ELEGIAS DE DUÍNO
Primeira Elegia (fragmento)

Rainer Maria Rilke

Quem, se eu gritasse, entre as legiões dos Anjos
me ouviria? E mesmo que um deles me tomasse
inesperadamente em seu coração, aniquilar-me-ia
sua existência demasiado forte. Pois que é o Belo
senão o grau do Terrível que ainda suportamos
e que admiramos porque, impassível, desdenha
destruir-nos? Todo Anjo é terrível.
E eu me contenho, pois, e reprimo o apelo
do meu soluço obscuro. Ai, quem nos poderia
valer? Nem Anjos, nem homens
e o intuitivo animal logo adverte
que para nós não há amparo
neste mundo definido. Resta-nos, quem sabe,
a árvore de alguma colina, que podemos rever
cada dia; resta-nos a rua de ontem
e o apego cotidiano de algum hábito
que se afeiçoou a nós e permaneceu.
E a noite, a noite, quando o vento pleno dos espaços
desgasta-nos a face – a quem se furtaria ela,
a desejada, ternamente enganosa, sobressalto para o
coração solitário? Será mais leve para os que se amam?
Ai, apenas ocultam eles, um ao outro, seu destino.
Não o sabias? Arroja o vácuo aprisionado em teus braços
para os espaços que respiramos – talvez os pássaros
sentirão o ar mais dilatado, num voo mais comovido.
Sim, as primaveras precisavam de ti.
Muitas estrelas queriam ser percebidas.
Do passado profundo afluía uma vaga, ou
quando passavas sob uma janela aberta,
uma viola d' amore se abandonava. Tudo isso era missão.
Acaso a cumpriste? Não estavas sempre
distraído, à espera, como se tudo
anunciasse a amada? (Onde queres abrigá-la,
se grandes e estranhos pensamentos vão e vem
dentro de ti e, muitas vezes, se demoram nas noites?)
Se a nostalgia vier, porém, canta as amantes;
ainda não é bastante imortal sua celebrada ternura.
(...)

domingo, 16 de maio de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho


16 de maio

CASTELOS DE AREIA E DE CARTAS

Foi lançado ontem, na Academia Piauiense de Letras, o livro Castelos de Areia, do escritor e médico Marcus Sabry. O autor nasceu em Parnaíba, em 1970. É descendente das famílias Sabry, do Egito, e Azar, da Arábia Saudita, vindas para o Brasil no final do século XIX. Formado em medicina pela Universidade Federal do Piauí, da qual é hoje professor. Fez residência e doutorado na Universidade Federal de São Paulo. Na solenidade, houve interessante e agradável palestra do escritor, ilustrada com belas e elucidativas imagens e gráficos, exibidos através de data show. Em sua fala, de forma sucinta, ele expôs suas ideias, que, por via agradável, suave e sutil estão contidas no livro, por intermédio da ficção. Segundo a tese do conferencista, a humanidade terá menos problemas e, consequentemente, melhor qualidade de vida, quando, predominantemente, alcançar em percentuais mais elevados os estágios da racionalidade e da ciência, com a fase mágica ficando bastante reduzida. Nesta última etapa (mágica), as pessoas estão, em sua ótica, muito ligadas ao misticismo e a preconceitos. Na palestra, Marcus Sabry procurou demonstrar que certos traumas podem não ser bem equacionados e superados pelo ser humano, tornando-se a pessoa, muitas vezes, prejudicial a si mesma e aos outros, sobretudo mergulhando em situações de estresses e de depressões. Entretanto, se o indivíduo adotar a postura correta, poderá superar os seus problemas psicológicos, levando uma vida mais feliz e mais útil aos outros, inclusive à fauna e à flora, pois certamente a pessoa adotará atitudes mais construtivas, e não, destrutivas. E essas atitudes serão mais facilmente processadas por uma pessoa portadora de pensamentos mais racionais e mais científicos. Na narrativa, há um encontro entre um menino e um ancião. Um, no início da vida, com um mar a ser desbravado e conhecido; o outro, já tendo navegado o que lhe foi possível navegar, já tendo aproveitado ou desperdiçado as oportunidades que lhe surgiram na dinâmica muitas vezes imprevisível da vida. De qualquer sorte, o idoso terá, no mínimo, amealhado, se tiver um pouco de sabedoria, um patrimônio grandioso de experiências e lições, que poderá, egoisticamente, reservar apenas para si ou, generosamente, compartilhar com os outros. Só me resta acrescentar que o autor é, de fato, um escritor, pois além de ter imaginação e originalidade, o seu texto é vertido em linguagem correta, clara e elegante, sem rebuscamentos e torneios frasais artificiosos e forçados.

sábado, 15 de maio de 2010

MEU CORAÇÃO

Elmar Carvalho


Meu coração
é uma moeda
de várias faces
mas de um só
sentimento: o amor.
É uma moenda
por onde escorrem
sentimentos e emoções.
Meu coração
pedra mó
pedra moenda
pedra moendo
e remoendo
dores e angústias
em seu batuque
puro silêncio.
Meu coração
é uma catedral
cheia de colunas e fantasmas
onde os sinos repicam
sem sineiros
no triste chamado sem resposta.
É um saco de pancadas
das fatais mulheres que amei.
É um tapete persa
pisoteado pelas frívolas mulheres
às quais eu o dera.
Meu coração
é uma bomba incendiária
mas muitas vezes tem servido
de bobo da corte
para os fúteis e vulgares.
É um bumerangue
que partiu, partiu-se,
e retornou ao meu peito
de onde não mais partirá.
Ah, velho coração,
eras um frágil cofre de cristal,
mas o duro mundo
em blindado te transformou.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho


14 de maio

OS BONS COMBATES DE LADISLAU

Quando eu caminhava pelas calçadas da Frei Serafim, perto do HGV, deparei-me com o padre Ladislau João da Silva, meu conhecido há várias décadas. Assisti à sua ordenação, na vetusta catedral de N. S. das Graças. Foi ainda no tempo de Dom Paulo Hipólito de Sousa Libório, que foi professor do Colégio Diocesano, em Teresina, no tempo em que meu pai ali estudou, nos idos de 1940. Dom Paulo, com a sua mitra e seu báculo, dirigiu a ordenação. Lembro-me do momento em que padre Ladislau se prostrou e se estendeu no solo, como ordena o ritual católico. Pouco depois, no final de 1979 ou em 1980, foi ser o vigário de Esperantina, onde desenvolveu um grande trabalho de cunho social, de conscientização política e de estímulo à cidadania, o que terminou desagradando os poderosos e políticos conservadores do lugar. Talvez nos últimos meses do primeiro semestre de 1981, o referido sacerdote foi espancado por um latifundiário de Esperantina (ou por pessoa a mando deste). O proprietário se sentia, pelo visto, incomodado com as pregações e com as campanhas de conscientização política do padre, que inclusive organizara, por ocasião das comemorações do 7 de Setembro, uma passeata com trabalhadores a carregar seus instrumentos de trabalho, como foices, enxadas, machados, etc. Suponho que o latifundiário e outros graúdos de Esperantina se sentiram irracionalmente ameaçados, daí por que o vigário sofreu a agressão física, fato que obteve alguma repercussão na mídia estadual, embora não tanto como merecia. Por essa razão, embora o Jornal Inovação não dispusesse de estrutura, eu e o Reginaldo Costa resolvemos ir a Esperantina, bem distante de Parnaíba, para entrevistá-lo. No auge de nossa juventude e de nossa saudável boêmia e “irresponsabilidade”, seguimos pela manhã, em minha motocicleta, parando em quase todos os botecos de beira de estrada para tomarmos uma “calibrina” e batermos um papo. Chegando à cidade de Batalha, já nas proximidades de nosso destino, nos demoramos um pouco, em um bar, e entramos numa inconseqüente discussão sobre quem era maior: se Chico Buarque ou se Ivan Lins. Eu defendia o primeiro, ele, o segundo. Alguns anos atrás, o Reginaldo terminou me confessando haver revisto a sua opinião musical. Fizemos uma longa e bela entrevista, publicada com todo destaque na edição de nº 37, junho/julho de 1981, do Inovação, inclusive como Suplemento Especial, com direito a capa ilustrada e tudo mais. A viagem em si e a conversa com o entrevistado me renderam o poema “7 de Setembro”, que lhe dediquei; foi publicado na mesma edição da entrevista. Muitos anos depois, aproximadamente na virada do milênio, encontrei esse sacerdote como superintendente do INCRA no Piauí, quando estive nessa repartição para fazer uma consulta sobre questão fundiária. Hoje, padre Ladislau é o coordenador institucional do Programa Brasil Alfabetizado e EJA-PI.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

POEMITOS DA PARNAÍBA

Texto: Elmar Carvalho
Charge: Gervásio Castro


Mestre Ageu
mago das artes escultóricas,
novo rei Midas do antigo mito
a transformar em estátuas
troncos toscos de madeira
com os toques de suas mãos.
Mestre Ageu
Pigmalião dos mágicos toques
faz mais uma escultura:
ninguém se espantaria
se ela gesticulando
lhe desse “bom dia”.
Mestre Ageu
de arte tão exata
que lhe força fabricar
o seu cinzel de cortar.
Mestre Ageu
em sua agrura
agora chora ora e deplora
afagando/abraçando/agarrando
a escultura, sua cria/tura:
o compra/dor a veio buscar.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho


12 de maio

O CAVALO E O JUMENTO

A nota de ontem, deste diário, fez-me lembrar dois casos acontecidos em viagem. No primeiro, ia eu para Capitão de Campos, quando, chegando perto de Cocal de Telha, avistei um esbelto cavalo, que atravessava pachorrentamente a estrada. Para apressá-lo, e desse modo livrá-lo de eventual acidente, buzinei. O animal, que mais parecia um potro, apressou-se, mas num choto saltitante e requebrado, jogando a cabeça e as crinas para um lado e outro, de forma moleca e faceira, o que me deu a nítida impressão de que ele estava a zombar de minha buzina e preocupação, que evidentemente julgou impertinentes, em sua avaliação cavalar. Galantemente desceu a rampa da estrada e sumiu na verdejante moita de mufumbo que havia. O outro caso aconteceu com um taxista, meu conhecido. Vinha ele de uma longa viagem, em que fora buscar o carro, que lhe haviam furtado, quando, um pouco depois da cidade de Piracuruca, atropelou um jumento. Atordoado pelo susto e pelo sono, e talvez pelos “arrebites” que tomara, para se manter acordado, desceu para ver o estrago no veículo que recuperara do larápio. O prejuízo foi grande e o veículo ficou sem funcionar. Ele, então, dirigiu-se ao jumento morto. Disse-lhe, dedo em riste, que estava pensando em lhe dar uns tiros; que ele, se não fosse um grande filho de uma égua, poderia estar vivo, e comendo os verdes capins da campina que ali havia; que poderia estar com os seus colegas e irmãos; que poderia estar a namorar sua jumenta predileta, mas que, imprudentemente, jumento burro que era, preferira vir para o asfalto, para provocar aquela desgraça. Um motorista que parara, em solidariedade, o chamou à razão. Fez-lhe ver que o jumento já era defunto; que, mesmo que não estivesse morto, não entenderia aquela lengalenga. Por fim, concluiu dizendo que ele não poderia matar quem já estava morto. O taxista recobrou a razão, e encerrou sua verborrágica catilinária contra o jumento morto, réu e vítima da imputação que lhe foi feita, como se diz na linguagem forense.

terça-feira, 11 de maio de 2010

ARTE-FATOS ONÍRICOS E OUTROS


O PEQUENINO HÉRCULES

Elmar Carvalho


Após alguns anos em São Paulo, onde constituiu família e amealhou algum dinheiro, suficiente para instalar uma pequena mercearia, o pequenino Hércules, o antônimo personificado de seu nome, retornou ao seu povoado natal, que parecia entanguido, pois continuava praticamente do mesmo jeito que o deixara, duas décadas atrás. Com a pequena economia que trouxe, construiu sua casa e o estabelecimento comercial. Homem sério e trabalhador, apesar do porte pequeno e franzino, logo começou a prosperar, e a bodega se transformou na mais sortida mercearia da comunidade. Despertava admiração e colhia elogios dos que não invejavam a sorte alheia. Mas, certamente, o seu progresso alguma inveja despertava, senão ostensiva, ao menos dissimulada, que é talvez a forma mais venenosa e nefasta desse triste sentimento. Tornou-se seu cliente o Carlão, que era o homem mais alto e mais forte de Guaribas, um verdadeiro gigante, sobretudo se comparado ao pequenino Hércules, tão mirrado, tão franzino, tão parco de carnes e de músculos. Carlão era um tipo rude, grosseiro e muitas vezes debochado em suas brincadeiras de mau-gosto, não raras vezes impertinentes. Todas as vezes em que ia à mercearia de Hércules, tratava de fazer as suas gozações, com o seu riso tonitruante e sarcástico, a respeito do tamanho e peso de Hércules. Foi amiudando essas mangações e se tornando cada dia mais insolente. Já não respeitava a presença da mulher ou dos filhos do outro. Onde quer que o encontrasse, mesmo nas raras missas dominicais, quando o vigário de São Raimundo Nonato vinha em desobriga, não perdia a oportunidade de atormentá-lo. Algumas pessoas achavam que nessas irreverências havia uma ponta de inveja, pois Carlão, com todo o seu tamanho, não passava de um medíocre, de um pobre diabo, sustentado pelo sogro, que não tinha lá essas coisas. O sucesso do pequeno Hércules parecia incomodá-lo, e quanto mais este obtinha sucesso em seus negócios mais as caçoadas do gigante se avolumavam e se tornavam mais frequentes. Passou a chamar a sua vítima de Pingo de Gente, e depois, para diminuí-lo ainda mais, reduziu o apelido para Pingo, que pronunciava em alto volume e de forma gutural, para melhor ridicularizá-lo. Desde o início, Hércules demonstrou que não gostava dessas brincadeiras e intimidades, e pediu-lhe, repetidas vezes, parasse com essas molecagens. O pedido teve efeito contrário, e as brincadeiras recrudesceram e se tornaram mais agressivas. Mais de uma vez Carlão o ergueu da cadeira para girá-lo no ar, como uma hélice de helicóptero, ou o rodava em torno de seu corpanzil, como um carrossel. Sempre repetia que ele não tinha tamanho de gente, que era apenas um pingo ou projeto de gente. Em várias ocasiões, Hércules advertiu Carlão que aquelas brincadeiras poderiam não terminar bem. A essas ameaças o gigante ria estertorosamente, e repetia a toada: - “Olha, esse moleque pensa que é gente... Não passa de um pingo de gente, e fica com essas valentias. Respeita homem de verdade, moleque”. E caçoando, dava-lhe caçoletas e cocorotes. Uma tarde, quando menos se esperava, um forte estampido de tiro estrondou pelos quatro cantos do povoado. Dizem que algumas janelas estremeceram. Afirmam que o sino da minúscula ermida chegou a ressoar no campanário. O pequenino Hércules, com uma espingarda cartucheira, maior do que ele, desferiu um tiro na garganta do Carlão. O gigante caiu de costas, com as mãos na garganta, tentando segurar o sangue que jorrava pelos vários buracos de chumbo, com os olhos esbugalhados, aterrorizados pelo medo da morte iminente, sem acreditar no que acontecera.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

SELETA PIAUIENSE


MEU CORAÇÃO

Jonas Fontenele da Silva

Meu coração é um velho alpendre, em cuja
sombra se escuta, pela noite morta,
o som de um passo, o gonzo de uma porta
que a umidade dos tempos enferruja.

Quem vai passando pela estrada torta
que leva ao alpendre, desta estrada fuja.
Lá só se encontra a fúnebre coruja
e a Dor, que à prece o caminheiro exorta.

Se um dia, abrindo o casarão sombrio,
um abrigo buscasses contra o frio
e entrasses (doce criatura langue!),

fugirias, tremendo, ao ver de um lado
a Crença morta, o Sonho estrangulado
e o cadáver do Amor banhado em sangue.

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho




10 de maio

FLAGRANTES DA NATUREZA

Hoje cedo, perto da cidade de Demerval Lobão, avistei um pequeno vira-lata, atravessando a estrada, com muito esforço, em verdadeiro estoicismo, a que talvez tenha se habituado, diante do inelutável de sua tragédia individual. Não movimentava as patas traseiras, e tinha que arrastá-las na aspereza de lixa do asfalto. Diminuí a velocidade do carro, para que ele pudesse concluir a penosa travessia da melhor maneira possível. Muito provavelmente a sua deficiência foi provocada por algum veículo ou por alguma paulada ou pedrada de algum brutal representante da raça humana. Acostumado a correr e a saltar em sua canina agilidade, repentinamente sofreu o golpe que agora lhe obrigava a arrastar as patas inválidas, em esforço extraordinário dos membros anteriores, em sua luta solitária pela sobrevivência, em busca de alimentos ou na fuga de eventual e inesperado predador. Comovi-me profundamente com a cena e ainda estou triste. Como um contraponto alegre, narro dois outros flagrantes de minhas viagens. Outro dia, vi uma cobra coral atravessando o asfalto. Em lugar de acelerar, para esmagá-la, como muitos fariam, fiz exatamente o contrário. Desacelerei o carro, para melhor vê-la elegante e belamente mover-se, como viva, colorida e ondulante fita, filha das matas. Fiz isso porque uma cobra só ataca quando se sente ameaçada. Fiz isso porque ela não tem nenhuma culpa do veneno que tem. É uma arma natural que lhe foi dada, sem que ela tenha pedido. Mas, em contrapartida, o Criador não lhe deu asas nem pernas, e ela tem que se arrastar, sobre areias e pedregulhos, na luta pela vida. Vi também, outro dia, um arco-íris formar uma espécie de portal multicolorido sobre o crepe lutuoso do asfalto. Parecia, prenhe de lendas e mistérios, um estandarte a simbolizar a esperança de um mundo melhor, de um mundo mais justo e mais fraterno, onde os cães abandonados não mais precisem arrastar suas pernas paralíticas, por causa da insanidade do mundo dos homens.

sábado, 8 de maio de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho

O médico José da Rocha Furtado, na época em que foi governador
Auditório Monsenhor Uchoa, em Barras

8 de maio

ROCHA FURTADO E OS PADRES UCHOA E CIRILO

Lendo a excelente entrevista do ex-governador Rocha Furtado, concedida ao historiador Manuel Domingos Neto, contida no seu livro “O que os netos dos vaqueiros me contaram – o domínio oligárquico no Vale do Parnaíba”, admirei-me da severidade com que o entrevistado se referiu ao monsenhor Lindolfo Uchoa (Pedro II, 1884 – Teresina, 1966), que sempre foi considerado um dos grandes beneméritos da Educação no Piauí. Foi vigário de Barras nos períodos de 1925 a 1941 e 1942 a 1957. Nessa cidade, em 1954, com a ajuda de irmãs da Ordem Mercedária do Brasil, fundou a Escola São Pedro Nolasco e o Patronato Monsenhor Bozon, assim como em Floriano fundou e dirigiu o Colégio “24 de Fevereiro”. Vejamos o que sobre ele diz o historiador Wilson Carvalho Gonçalves: “Nele sobressaía também o educador, e nesta qualidade criou e dirigiu, por dez anos, o Colégio “24 de Fevereiro” – famoso em Floriano, e que preparou para a vida a juventude do tempo, dando-lhe estrutura moral, religiosa e intelectual. Gratíssima à notável obra, a Princesa do Sul nunca pode esquecer o gesto de benemerência de Monsenhor Uchoa – e lhe reverencia a memória com o nome aureolado em rua, em estádio, em grêmio escolar, em biblioteca, em estabelecimento de ensino, zelando a majestade de um patrimônio inesgotável de exemplos dignificantes”. Cotejemos agora o que diz Rocha Furtado, referindo-se ao monsenhor e a seu educandário de Floriano: “Aquele colégio era mais um campo de concentração do que um colégio. Nunca passei tanta fome e nunca pensei que um jovem adolescente pudesse ter tanta resistência para passar um ano comendo tão miseravelmente. Forçados pela fome, arrancávamos raízes de umbu e comíamos. O padre Lindolfo Uchoa, muito injustamente, é considerado um grande educador no Piauí. Ele não tinha a mínima noção do que fosse educador! (…) Várias vezes deixei de comer porque vinha bicho no prato e quem ia ser garçom tinha o direito de comer da comida do padre. Ele tinha uma mesa separada e comia as melhores iguarias. Os que iam servir-lhe tinham esse direito”. Na entrevista, Rocha Furtado conta que todo mês eram abertas inscrições para quem quisesse disputar o cobiçado lugar de garçom da mesa do padre Uchoa, mas que ele e seu irmão Antônio sempre se recusaram a participar dessa disputa, que consideravam coisa de escravo. No depoimento, afirma que no ano em que foi interno desse colégio, em Floriano, só comeu bem no dia 7 de setembro de 1922, quando foi convidado a almoçar na casa do doutor Fernando Marques, uma vez que, “durante o resto do ano, passamos fome, vendo nos servir paneladas podres e as coisas mais abjetas”. Entretanto, perguntado sobre se aproveitara alguma coisa no colégio do padre Uchoa, respondeu que os professores eram bons; que não tinha a menor ressalva quanto a isso; que ele e seus colegas aprenderam bastante e que foi um tempo muito útil para todos. Faz elogios rasgados ao padre Cirilo Chaves, em cujo colégio estudou no ano seguinte (1923), dizendo que este era o tipo do educador, “um homem profundamente humano, democrata, agradável, honesto e sóbrio”. De quebra, ainda acrescentou que a comida do padre Cirilo, então suspenso da ordem, era bem superior à fornecida por Uchoa, e que Cirilo comia da mesma comida que era dada aos discípulos, “numa atitude democrática, de educador”. Consultei o professor Roberto Freitas, nascido em 1929, e que estudou em Floriano, a respeito da comida do internato de monsenhor Uchoa, mas ele disse nada ter ouvido falar sobre o assunto, nem de bem nem de mal; aduziu apenas que o vigário foi uma figura ilustre da história da cidade, e que o colégio era respeitado e reconhecido como de boa qualidade, embora de disciplina rigorosa, como era comum na época. Encerro acrescentando que a História do Piauí tem sido severa com Rocha Furtado, que foi tão implacável com o velho educador. Seu governo é sempre considerado como de poucas realizações, e como um período conturbado e intranquilo, com funcionários públicos aterrorizados com o fantasma de demissões e remoções. Alega-se, em sua defesa, que ele não tinha maioria na Assembleia Legislativa, e que a oposição lhe criava dificuldades, mormente não aprovando seus projetos. Deixo a palavra final aos doutos e historiadores do Piauí.

DIA DAS MÃES


SAUDADE

Da Costa e Silva (Amarante-PI, 1885 - Rio de Janeiro-RJ, 1950)

Saudade! Olhar de minha mãe rezando,
e o pranto lento deslizando em fio...
Saudade! Amor da minha terra... O rio
cantigas de águas claras soluçando.

Noites de junho... O caboré com frio,
ao luar, sobre o arvoredo, piando, piando...
E, ao vento, as folhas lívidas cantando
a saudade imortal de um sol de estio.

Saudade! Asa de dor do Pensamento!
Gemidos vãos de canaviais ao vento...
As mortalhas de névoa sobre a serra...

Saudade! O Parnaíba - velho monge
as barbas brancas alongando... E, ao longe,
o mugido dos bois da minha terra...

sexta-feira, 7 de maio de 2010

ARTE-FATOS ONÍRICOS E OUTROS


O ASSALTANTE DISFARÇADO

Elmar Carvalho

Era um motorista experiente. Sabia que não se deve dar carona a ninguém, pois em nenhum desconhecido se deve confiar. Antigamente, gostava de dar carona, tanto para cumprir a sua cota de caridade, como também para quebrar a monotonia da viagem, com a companhia de alguém para conversar. Vinha devagar, já que estava feliz, descansado, e não tinha nenhum compromisso imediato, que exigisse uma maior velocidade. A uns duzentos metros avistou o caboclo, parado à sombra de uma árvore, perto da casa de taipa, à beira da estrada, com o seu chapéu de palha de matuto e um pequeno cofo, acompanhado de um menino de aproximadamente doze anos, que julgou ser seu filho. Pensou em não parar, como já era a sua rotina, ditada pelos perigosos tempos atuais, mas a sua bondade, o seu desejo de ajudar e a vontade de ter companhia fez com que impulsivamente parasse o veículo. Aberto o vidro da porta, deu bom dia, e convidou o carona a entrar. O homem, em voz baixa e mansa, despediu-se do garoto, e entrou no veículo. O motorista puxou conversa sobre as chuvas, as plantações, os animais e tudo que pudesse interessar a um lavrador. O homem era de poucas palavras, e só respondia monossilabicamente, em sua voz mansa e pausada. Perto da curva fechada, o motorista diminuiu a velocidade e prestou atenção exclusivamente ao ato de dirigir. Quando entrou na reta, ao se voltar para o carona, percebeu que este lhe apontava um revólver, e lhe ordenava que reduzisse a velocidade e entrasse na primeira estrada vicinal que surgisse. Ficou nervoso, claro, mas sabia que o melhor era obedecer docilmente. Assim, entrou na primeira estrada carroçável que encontrou. Um pouco adiante, o homem mandou que parasse o automóvel. Pediu-lhe que não o matasse, pois tinha mulher e filhos; que o amarrasse e o deixasse ali, que nada contaria à polícia, jurava-lhe. O assaltante mandou que saísse do carro e se deitasse de bruços. Teve morte instantânea com um disparo efetuado contra sua cabeça. A polícia investigou, fez perguntas nas circunvizinhanças e colheu a informação de um garoto, o qual disse haver visto um homem vestido com roupas simples, com um chapéu de palha e um cofo, com se fosse um lavrador, parado na porta de sua casa, como se estivesse esperando um ônibus ou uma carona; que não era pessoa da localidade. Afirmou que esse homem descera de um automóvel novo, a uns trezentos metros de sua casa. Vira o homem descer do carro quando estava no mato, na beira da estrada, a caçar passarinho, enquanto seus pais tinham ido para a roça. Acrescentou que depois chegou até onde o homem estava, quando ia de volta para sua casa; que o homem pediu que lhe fizesse companhia, em troca de algumas moedas, que lhe deu imediatamente; que viu quando esse homem pegou carona em outro automóvel, que chegou um pouco depois. Os investigadores concluíram que o assaltante, astuciosamente, se caracterizara de rurícola e se postara na frente do casebre de palha, na companhia do menino, que pareceria ser seu filho, para despertar o impulso da bondade de algum motorista, porquanto este jamais iria desconfiar que um lavrador, acompanhado do filho, ao pedir carona na frente de sua casa, poderia ser um assaltante. Quanto ao assaltante, nunca se soube quem era, e o inquérito policial foi inevitavelmente arquivado.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

POEMITOS DA PARNAÍBA

Texto: Elmar Carvalho
Charge: Gervásio Castro

Vai bola com Parassi.
Parassi pára. Parassi para
Moacir. Era o velho
Parnaíba de Parassi,
Irmãos & Futebol Clube.
Hoje é apenas Parnaíba Clube.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho


5 de maio

CORES, FLORES E DOLORES

Nesta manhã, a caminho do fórum, reparei num pé de lírio, nascido no pequeno jardim de uma casa simples, de esquina. A copa da pequena árvore se transformou em puras flores, de alvura imaculada. Flores níveas, pequenas, de quatro pétalas. Em seguida, perlonguei o muro da casa do advogado Gilberto Nunes, recentemente falecido. É quase uma chácara, em pleno centro comercial e histórico de Regeneração. A residência fica no centro do terreno, do tamanho de um quarteirão, rodeada de árvores diversas, várias frutíferas, entre as quais um pernalta e esgalhado jenipapeiro; algumas, grandes e copadas. Sobre o muro vetusto, de tijolos aparentes, se debruçam arbustos ornamentais, a derramar suas belas flores, de coloração e feitios diversos, como um presente aos transeuntes, que muitas vezes sequer reparam na beleza desse pequeno jardim botânico, no coração da cidade. Essa vivenda, referta de plantas ornamentais, como madressilvas, buganvílias, margaridas e flamboyants é uma catilinária florida e contundente ao poema de Cesáreo Verde, utilitarista, a cantar com entusiasmo as árvores exclusivamente frutíferas da quinta. Os lírios miúdos me fizeram lembrar os grandes lírios de São José, que conheci na minha meninice, em José de Freitas. De suas grandes taças era exalado um suave, porém embriagante perfume, que deixava siderados os poetas simbolistas, a cometerem seus versos melódicos, sugestivos, cheios de brancuras liriais, de níveas brancuras nebulosas, que lhes faziam sonhar com as peles alvas de monjas ciliciadas, e com castas donzelas inalcançáveis em suas torres ebúrneas, ou com fogosas damas, na consumição de desejos interditos. Os lírios me fizeram lembrar o caramanchão da casa do professor Lima Couto, em Parnaíba, com quem tantas vezes conversei sobre poesia, cultura e educação, em minha juventude sonhadora. O velho mestre era um poeta bissexto, admirador de Longfellow, cujos versos traduzira de forma admirável, pois fora professor de inglês. Fora também livreiro e diretor de colégio público. Admirava, creio, o ex-governador Chagas Rodrigues, sobretudo porque ele, numa administração avançada para os padrões da época, com a implantação do planejamento e da criação de empresas públicas, estadualizara o Ginásio Parnaibano. Os lírios, as flores e os cheiros me fizeram viajar no tempo e no espaço, e eu retornei ao país de minha infância, e senti o cheiro forte dos alecrins pisados na procissão do Senhor dos Passos, em que eu me comovi demasiadamente com o seu sofrimento, com o sofrimento de sua mãe, na cerimônia do encontro, em que a púrpura e o roxo das vestes era a própria exteriorização dos corações lacerados, das chagas vivas das lanças e dos cravos.

terça-feira, 4 de maio de 2010

OLHOS

Elmar Carvalho


Olhos de lã
e de lâminas.
Olhos de punhos de seda
e de punhais de aço.
Olhos de ver
e de verruma.
Olhos de amar
e de amargor.
Olhos de fada cruel
e de fado terno.
Olhos que me deram o céu
e o inferno.
Olhos de antítese:
eram bálsamo
e me fizeram mal.

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho

Manuel Domingos Neto e Cineas Santos, através das lentes de Luíza Meireles
A "caçadora de imagens" Luíza flagra Elmar e Socorro Meireles na fila de autógrafos

4 de maio

LUÍZA, UMA CAÇADORA DE IMAGENS

Por e-mail, recebi da Luíza Meireles, amiga dos tempos parnaibanos, várias fotos do lançamento do livro “O que os netos dos vaqueiros me contaram – o domínio oligárquico no Vale do Parnaíba”, de Manuel Domingos Neto, a que já me referi, na nota anterior. Ela, mercê de seu esforço e através de concurso público, é auditora-fiscal da Receita Federal. Cultiva o hobby da fotografia, assim como seu irmão Meireles, chamado pelo Reginaldo Costa de “santo”, exatamente pela sua quase beatitude e mansidão. Na fila dos autógrafos, fiquei imediatamente atrás de sua irmã Socorro, que ocupa uma das diretorias da Secretaria Estadual da Educação. Tanto o Meireles como a Socorro ajudaram o jornal Inovação em sua luta quixotesca por um mundo mais justo e mais fraterno. Numa das vezes em que a Luíza me fotografava, um amigo atravessou-se na frente da mira para me cumprimentar. Este fato me fez lembrar das lendas dos caçadores, muitos deles versados em mistificações hiperbólicas, que muitas vezes, quando estão concentrados na pontaria, são atrapalhados por alguma circunstância fortuita ou por alguma assombração protetora dos animais. Encontrei na solenidade o teatrólogo e intelectual Tarciso Prado, quase totalmente recuperado de um grande susto que levou, quando um infarto lhe pregou uma peça – sem trocadilho dramatúrgico nenhum – da qual saiu ileso. Quando cheguei, conversava ele com o arquiteto Olavo Pereira, cujo livro sobre arquitetura piauiense o Tarciso considera como um dos melhores no gênero. Olavo é parente de vários amigos meus e do saudoso Francisco Pereira da Silva, natural de Campo Maior, um dos maiores teatrólogos do Brasil, cuja obra completa foi recentemente editada pela FUNARTE, órgão do Ministério da Cultura. Há cinco anos existe uma lei estadual prevendo a criação de um memorial em homenagem ao Chico, mas, por mistérios insondáveis, que nem uma sibila seria capaz de explicar, não construído até hoje.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

SELETA NACIONAL


NAVIO PIRATA

Ribeiro Couto

Navio pirata
De um mar confidente,
Levando ouro e prata,
.
Percorre caminhos
Sabidos somente
Dos gênios marinhos.
.
Pela madrugada,
Olha nas vigias
Uma luz cansada
.
E outra luz responde
Nas águas vazias
- Não se sabe de onde.

domingo, 2 de maio de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Elmar Carvalho


2 de maio

MANUEL DOMINGOS E OS CORONÉIS DO PIAUÍ

Fui ao lançamento do livro “O que os netos dos vaqueiros me contaram – o domínio oligárquico no Vale do Parnaíba”, de Manuel Domingos Neto, ocorrido na sexta-feira, no pátio interno do Arquivo Público do Piauí. Conheço-o faz alguns anos, sobretudo quando, na qualidade de editor adjunto, o ajudei a organizar 60ª edição (1985) do anuário Almanaque da Parnaíba, fundado por Benjamim dos Santos Lima, o Bembém, em 1924, que passou a ser editado por seu avô, o comerciante Ranulfo Torres Raposo, de 1942 a 1982; este empresário também presidiu o sistema FECOMÉRCIO no Piauí. Devido a essa aproximação, expus-lhe, na época, a importância de os direitos autorais do periódico passarem para a Academia Parnaibana de Letras – APAL, que seria a sua editora, tendo ele concordado. Transmiti sua anuência ao Dr. Lauro Correia, então presidente da entidade. De lá para cá, o Almanaque da Parnaíba passou a ser editado como revista da APAL, embora sem a conservação rigorosa da anualidade. Posteriormente, Manuel Domingos foi deputado federal constituinte, tendo, portanto, assinado a Carta Magna de 1988. Voltou a Fortaleza, onde passou a lecionar na Universidade Federal do Ceará. O autor foi decisivo para a implantação, na Fundação CEPRO, do Núcleo de História Oral, com modernas técnicas de historiografia, que terminou produzindo importantes entrevistas com figuras notáveis em diferentes campos da atividade humana. Eu mesmo sugeri fosse entrevistado o senhor Antônio Sales, na época com mais de noventa anos, que fora líder laboral, desportista, funcionário público federal e amigo de figuras ilustres da política piauiense, cujo entrevistador foi o professor Alcides Nascimento. O livro de Manuel Domingos enfeixa três belas entrevistas com Pedro de Almendra Freitas, comerciante e ex-governador do Piauí, José da Rocha Furtado, médico e ex-governador, e Luís Mendes Ribeiro Gonçalves, engenheiro, escritor e responsável pela construção de várias obras importantes do governo estadual. Pelas entrevistas, ficamos sabendo de muitos fatos notáveis da administração pública, de fatos curiosos e interessantes da biografia dos entrevistados, de peculiaridades da vida cotidiana e econômica do Piauí, bem como tomamos conhecimento de como era a vida nas pequenas cidades interioranas, sobretudo nos aspectos dos costumes, genealogia, cultura e economia. Passamos a conhecer como se desenvolvia o comércio, a agricultura e a pecuária. No entendimento do autor, o chamado coronelismo no nosso estado não teve as mesmas caraterísticas e peculiaridades do coronelismo de outras plagas, principalmente sulistas. O livro deixa entrever que os nossos “coronéis” não merecem, ao menos de forma intensa, os estigmas que lhes foram impingidos por muitos estudiosos do Brasil. Vejamos o que comenta, na “orelha”, a professora Linda M. P. Gondim: “Desde Nunes Leal, estudiosos viram no 'coronel' um arcaísmo que seria liquidado com a urbanização e modernização. Mas os políticos estudados neste livro destoam desse estereótipo: aceitaram a Revolução de 1930 e as transformações promovidas desde então, inclusive pela ditadura militar, como a institucionalização do planejamento e a criação de empresas e órgão estatais 'modernos'”. Ao ler esse livro, o leitor fará um mergulho profundo na história social e política mais recente do Piauí, e conhecerá de forma mais íntima, mais humana, figuras de destaque do proscênio político estadual.

sábado, 1 de maio de 2010

SOBRE POEMITOS E OUTROS MITOS

Osvaldo Monteiro




Dois livros me fizeram a cabeça neste feriadão do meu colega Tiradentes. Um apocaliptico o outro apologético de tipos da velha Parnaíba.

No primeiro, sustenta o seu autor John Gray, professor do pensamento europeu, na sua obra “Cachorros de Palha” que o planeta Terra não suportará a carga de seis bilhões de humanos lá pelos anos 2040. Conclui que a Biosfera é muito mais antiga que o homem e portanto mais poderosa que este e que certamente livrar-se-á dessa carga nefasta e parasitária com seus artifícios bastante previsíveis como por exemplo maremotos, terremotos, pestes virulentas, etc.etc. Essa gripe suína, aqui já acrescenta eu, foi como que uma pequena amostra e atentem a predileção por fêmeas grávidas: esse pessoal está fazendo menino muito ligeiro, quase como uma progressão geométrica! E aí entra as pesquisas de Maltus. Não é uma pequena amostra? Outra, aquela bufa de um velho vulcão lá nos confins da Islândia fez paralisar o sofistica do trânsito aéreo europeu quiça do mundo! Fiquemos por aqui na corda bamba e vamos que vamos de rapel.

O segundo livro muito mais interessante. “Poemitos da Parnaíba” de Elmar Carvalho, bem mais ameno, uma poesia solta de amarras, agradável, moleque, desentoxicante e quase diria se fosse um “expert”, cordélica.

Enquanto lia Elmar Carvalho, ouvia Zé Ramalho, um outro poeta e cantador e encantador. Já meio bebum, moderação nos prazeres da mesa me parece hipocrisia, baralha-me as palavras sonoras do Zé com as rimas do Elmar , e, se permitisse o acaso neste ocaso de tarde diria com paideguíssimo prazer que a labuta do Elmar surtiu efeito: - o poeta continua a superar-se, atracado nas musas como político no cargo, surpreende e instiga como todo bom poeta.

Então a “coisa” foi mais bela que cú de gia e bem mais formosa que um hipopótamo insone. Louvores ao poeta e ao chargista, louvores a asa da barata torta, louvores á transposição do chifre da cabra na perseguida da Maria das Cabras!

Junto-me sentimentalmente aos moleques com as c abeças cheias de idéias e fantasias, aos excercícios universais daquele prazer solitário próprio da juventude... e então ela surgia mesmo como uma fada encantada entre véus diáfanos...