segunda-feira, 31 de julho de 2017

AS BIBLIOTECAS E A INTERNET

Fonte: Google
          
AS BIBLIOTECAS E A INTERNET

Valério Chaves
Desembargador e escritor 
  
         Para os amantes da literatura, as bibliotecas representam verdadeiras fontes de cultivo da arte e do conhecimento, apesar de que na era digital dos dias atuais, elas não despertem mais tanto interesse dos estudiosos e pesquisadores para leitura de livros, principalmente depois que a internet entrou em cena possibilitando o acesso e o contato com obras de diversos gêneros literários e informações sobre o que acontece no mundo, gratuitamente e em tempo real.
         Os historiadores acreditam que o homem moderno haverá de chegar um tempo em que não existirá mais leitura de livros impressos, e que todo o conhecimento chegará através dos computadores, ou outros mecanismos de armazenamento de dados eletrônicos.
         Dessa espécie de hipertexto faz surgir um questionamento que não quer calar: o acesso ao conhecimento com a leitura dos acervos das bibliotecas vai deixar de existir? O livro escrito está ameaçado? Calma. Porque a história das comunicações já provou que a televisão, até hoje, não conseguiu substituir o rádio. Por isso, uma nova maneira de escrever haverá de aparecer para ler livros e interagir com as bibliotecas.
         Com efeito, como sempre aconteceu com os livros  e os homens  ao longo da História da humanidade, as bibliotecas têm sido alvo do contraditório e de perseguição, sendo poucas vezes reconhecidas pelos seus contemporâneos.
         Na Idade Média, por exemplo, as bibliotecas quase foram extintas, vítimas da censura da Igreja Católica, com seus Autos de Fé no tempo da Inquisição, com o objetivo de impedir a divulgação das ideias contrárias aos seus cânones, paradoxalmente, salvas em abrigos dos mosteiros, conforme registra o escritor Humberto Eco no seu aplaudido romance “O nome da Rosa”.
         Outro exemplo, foi a destruição da Biblioteca de Alexandria, no Egito, – uma das mais famosas do mundo antigo - que sobreviveu a muitos saques e incêndios ordenados pelo imperador e intelectual Caio Júlio César. Na época, era uma espécie de nascedouro das ciências ou comunidade de eruditos explorando a literatura, a história, a filosofia, a geografia, a medicina, a engenharia e a astronomia, status que a civilização greco-romana deu continuidade, apesar de haver esquecido o seu espírito especulativo.
         Só muito tempo depois, no século XVII, quando a comunicação científica se dava apenas por meio da troca de correspondência entre pesquisadores e de publicação de panfletos e livros, surgiu a Academia Francesa de Letras por iniciativa do Cardeal Richelieu – tornando-se assim uma referência e modelo das nossas atuais Academias de Letras que, diga-se de passagem, são somatórios de cada um desses instantes da História recolhidos pelos cultivadores da sensibilidade humana.
         Ainda no final deste mesmo século, influenciada pelos parâmetros franceses, foi criada a Academia Brasileira de Letras, reunindo intelectuais com interesses comuns e ponto de referência da inteligência nacional, apesar dos distúrbios e instabilidades provocados pela liquidez do novo regime republicano, instalado antes de sua criação, em 1896.
         Neste contexto, vale a pena destacar que o Piauí não deixou de dar sua contribuição ao espaço de vanguarda e liderança que marcou a vida da ABL “iniciada por moço e completada por moços” como afirmou o seu primeiro presidente Machado de Assis, durante sua posse. Nomes de piauienses como o poeta Félix Pacheco, tiveram influência dos mestres daquele cenário renovador, notadamente pela coerência e convicção de suas ideias cantadas em prosa e versos desde Da Costa e Silva, que eternizou o Parnaíba no verso do “Velho Monge de Barbas Brancas Alongadas”.
         Embora, não tenham nascido em solo mafrense, outros três imortais vivenciaram o Piauí na ABL, como Humberto de Campos, Odylo Costa, filho e Alberto da Costa e Silva, que não deixaram sair da sagrada existência da imortalidade aquele sentimento expressado por Odylo Costa, filho, que ao escrever “A Faca e o Rio” disse ser maranhense, mas ter um lado do coração no Piauí.

         Teresina/ julho/2017   

domingo, 30 de julho de 2017

Seleta Piauiense - J. Coriolano

Fonte: Google

Só um Anjo Será

J. Coriolano (1829 - 1869)

A flor que melindrosa se baloiça
No melindroso, delicado pé,
Não é como o meu bem tão melindrosa,
Não é, não é, não é!

A aurora que o levante purpureia,
Que os horizontes colorindo vem,
Não tem aquelas lindas, róseas faces,
Não tem, não tem, não tem!

A brisa que sussurra nas palmeiras
É doce quando a tarde em calma está;
Mas voz tão maviosa como a dela
Não há, não há, não há!

A flauta  que desoras  suspirando
Quebra da noite a plácida soidão,
Não é como o seu canto – direi sempre
Que não, que não, que não!

Se alguma virgem bela ataviou-se
Para mais realçar o todo seu,
Esse todo o meu bem – sem atavios –
Venceu, venceu, venceu!

Su’alma e coração são compassivos,
Ela tem o candor de um serafim,
É, sim, a minha amada um tipo d’anjo;
É, sim, é sim, é sim!

Só um anjo de Deus, dos céus baixado,
Que à celeste mansão remontará,
Será como o meu bem perfeito e puro,
Será, será, será!    

sábado, 29 de julho de 2017

A leitura constrói inteligências mágicas

Fonte: Google
A leitura constrói inteligências mágicas

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com
  
         Paulo Vítor Prudêncio, 7 aninhos, reside frente à minha residência. Vítor ganhou uma bicicleta da mãe, mérito das boas notas no primeiro semestre. Em férias, Vítor diverte-se pedalando: “Mãe, a corrente está desconectada e a bicicleta não me permite circular!”

         Hum! Bonito português: DESCONECTADA, NÃO ME PERMITE CIRCULAR, vocabulário de adulto. “Vítor gosta de ler”, diz mamãe, de olho nos carros que passam raspando o garoto. Zelosa, também, com a evolução da inteligência emocional de Vítor, estimulando-o à leitura: “Ele adora ler”, envaidece-se.

         Eis a fórmula de se adquirirem bonitas e raras palavras, desde cedo. Com o passar do tempo, dedicando-se à leitura de selecionados textos de jornais, revistas e livros, ninguém segurará Vítor, no universo das conquiatas. Por enquanto, importa a leitura compartilhada com os pais e com professores e colegas de escola. Leituras construtivas, exemplos de virtudes cristãs, sem ranços de ideologia política, espasmos genéricos e descontrução da família. O hábito de ler que liberta as frases surradas, mesmices, sem criatividade . Arte não é só fazer, mas criar.

         O idioma português possui mais de duzentos mil verbetes. Milhões de brasileiros sem leitura dominam somente cinco a dez mil palavras, uma fortuna para entender certos programas televisivos de entretenimento, comentários esportivos, colunas sociais e policiais, forrozeiras safadinhas e refrões fuleros. Com tamanho repertório vocabular, em inglês, qualquer brasileiro não passaria fome no exterior. Também aqui, se vira, se come, se embebeda com as mesmices do cotidiano. Voar, nunca. Infelizmente, expressiva camada social anda tão miserável e rasteira, no falar, ler e escrever quanto políticos que elegem. Estudantes de nível superior incapazes de entender e interpretar uma música da MPB. Permanecem iludidos com balacubacos de pura mediocridade. A Rádio Senado apresenta repertório de primeira. Só filé mignon da MPB, nomes consagrados e populares. Ligue 104.5 e me diga depois.

         Machado de Assis, neto de escravoss, feio, epiléptico, negro, paupérrimo, gago, oriundo de favela. Frequentou pouco a escola, barrado pela cor. Quase não saía de casa, temendo crise de epilepsia na rua. Qual o segredo da genialidade de Machado? O hábito de ler textos nas gráficas (tipografias), onde trabalhava desde a adolescência, visitas a bibliotecas. Autodidata, aprofundou-se em francês e literatura, conquistou emprego público e elevação social como escritor. Machado lembra outro herói, Joaquim Barbosa,  também negro, pobre,  filho de pedreiro e empregada doméstica, na periferia de Brasília, engraxate, estudante de escola pública. Cursou Direito, doutorou-se na França. Jurista, ex-magistrado, ministro do Supremo Tribunal Federal, por indicação do presidente Lula. Não se dobrou aos caprichos do presidente no rumoroso caso do Mensalão, ao enfrentar desafetos do PT.


         O exercício da leitura produz e consagra talentos. Nicolau Maquiavel, político perseguido, torturado, preso em calabouço, em 1513.  Na prisão, aprofundou-se nos estudos, escreveu a famosa obra O Príncipe. Também, por perseguição política, Graciliano Ramos sofreu em presídios, onde escreveu romances imortais. Porque leitura é um dos prazeres que ganhamos, embora nas agruras. Vítor percebeu cedo quanto é bom estudar, mesmo com a bicicleta desconectada

sexta-feira, 28 de julho de 2017

UMA CONVERSA INTERESSANTE



UMA CONVERSA INTERESSANTE

Elmar Carvalho

Estive, na parte da manhã, com o professor Paulo Nunes. Fui conhecer as novas instalações do Conselho Cultural do Estado, que ele preside com muita dedicação e competência. Foi ele um dinâmico e profícuo presidente da Academia Piauiense de Letras. Mostrou-me o amplo e bem dividido prédio, inclusive a sala de reunião do Conselho, o auditório/teatro e uma sala que está destinada às aulas de computador. Falou-me de seus projetos e metas.

Aproveitei para lhe dar duas sugestões: que as aulas de informática não sejam apenas sobre o básico, mas que ensinem também computação gráfica, editoração de livro, manejo de fotografia, criação de blog etc., e reivindiquei a promoção de um sarau, talvez poético e musical, nas noites de plenilúnio, para usar uma palavra tão do gosto dos simbolistas, no amplo espaço aberto do prédio, que bem se presta a essa finalidade. Nessa visita revi o poeta Jonas Piauí, que me deu o mais recente número da revista Presença, editada pelo Conselho, que por sinal foi criada pelo professor Paulo, em sua curta, porém profícua gestão de secretário de Cultura do Estado.

Disse ao poeta, em tom de blague, que ele era o mais piauiense dos piauienses, pois trazia o nome do Estado em seu próprio nome. Quando estávamos em meio à conversa, chegou meu velho conhecido e amigo Fonseca Neto, meu futuro confrade na APL. Na agradável conversa, o mestre Paulo nos contou que o seu pai, Francisco de Paulo Teixeira Nunes, era um verdadeiro ecologista, pois, como prefeito de Regeneração, combatia a prática das queimadas, tão praticada pelos nossos rurícolas. Só que, para minha tristeza, vejo hoje grandes empresários da chamada agroindústria destruindo vastas glebas de floresta, da noite para o dia, para transformar tudo em carvão, na ganância desmedida do lucro fácil e imediato, sem nenhuma criatividade e empreendedorismo.

Contou-nos Paulo Nunes que um caboclo, de nome Mariano, um pernóstico inocente e bisonho, dissera ao alcaide que, por não conhecer a ordem do prefeito, fizera uma grande queimada “aritmética portuguesa areoplana”, o que nos provocou boas gargalhadas. Dina, mulher desse homem simplório, foi convidada para a inauguração do campo de aviação, construído pelo pai do professor Paulo, oportunidade em que um avião pousou e decolou. Perguntada sobre o que achara da operação aeronáutica, disse que não achara vantagem alguma, pois o avião descera e subira inteiriço, sem bater as asas. Sem dúvida, essa mulher simples tinha um olhar de poeta, e viu o aeroplano como uma grande ave metálica e de asas duras. Novamente, gargalhamos a valer.

Na conversa, o professor Fonseca Neto contou-nos que ontem, domingo, em Parnaíba, o secretário estadual da Educação, Antônio José Medeiros, disse para o ex-ministro José Dirceu que em 1979 o presidente Lula estivera naquela cidade, em sua luta para criação do Partido dos Trabalhadores, hóspede do Reginaldo Costa, que juntamente com Franzé Ribeiro, fundara o combativo jornal Inovação, de que fizemos parte Canindé Correia, Vicente de Paula (o Potência), Bernardo Silva, Danilo Melo, Mário Carvalho, Jonas Carvalho, Ednólia Fontenele, este escriba e vários outros intelectuais.

Aliás, foi o grupo desse jornal, mormente o Reginaldo e o Canindé, que organizou o  comício, realizado no bairro Guarita, na carroceria de um caminhão, no qual discursei, na qualidade de presidente do Diretório Acadêmico “3 de Março”, Campus Ministro Reis Velloso, Universidade Federal do Piauí. Naqueles idos, tirar fotografia não tinha a facilidade oferecida pelas máquinas digitais de hoje, cujas imagens logo podem ser transmitidas pela internet e até mesmo por telefone celular. Por esse motivo e também porque não  soubemos adivinhar que o Lula, um torneiro mecânico, iria chegar à presidência da República, não registramos o comício em fotografia.

Assim também não ficou registrada fotograficamente a minha participação no grande comício do retorno de Chagas Rodrigues ao Piauí e à política, após dez anos de ausência no Distrito Federal, que acontecera um pouco antes, no coreto da bela Praça da Graça, onde morei por vários anos. Fui convidado igualmente pelo fato de ser o presidente do diretório acadêmico, pois nunca fui filiado a nenhum partido político, porquanto sempre achei que um poeta não deveria pertencer a nenhuma agremiação política, devendo ser um franco atirador, a fustigar as mazelas da sociedade e da política, sem tomar partido de nenhum partido, para fazer um trocadilho cretino. 

Contou-nos Fonseca Neto que o Lula visitou oito cidades nessa viagem ao Piauí, e que pernoitou, numa dessas visitas, em Campo Maior. Por essa razão, ele foi, juntamente com o Antônio José Medeiros e Altino Dantas, vereador de São Paulo, buscá-lo nessa cidade, para ele embarcar no aeroporto de Teresina, de volta à paulicéia. Quando o fusquinha estava a 20 quilômetros de Teresina, já se aproximando do posto da Polícia Rodoviária Federal, um dos pneus estourou, terminando o veículo por fazer o chamado “cavalo de pau”, ao girar sobre si mesmo.


Lula se propôs a trocá-lo e foi retirar o estepe. Lamentavelmente, para surpresa dos passageiros, o pneu estava vazio. Mas o professor Fonseca Neto foi reconhecido por um seu aluno, que ia passando, e deu carona ao Lula. Ironicamente, esse aluno foi repreendido severamente por seu pai, por ter dado carona a um estranho. Um estranho que hoje é o presidente da República Federativa do Brasil.

1º de fevereiro de 2010

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Academia Parnaibana de Letras realiza sábado eleições da diretoria.


Academia Parnaibana de Letras realiza sábado eleições da diretoria.

Antônio de Pádua Marques
Escritor e membro da APAL

A Academia Parnaibana de Letras promove nesse sábado dia 29 a partir das 16h na sua sede da rua Alcenor Candeira, no centro de Parnaíba, assembleia geral para a realização da eleição de sua nova diretoria com início do mandato em 1º de agosto.



O anúncio da assembleia geral para a eleição da diretoria foi feito nessa quinta-feira dia 27 pela secretária-geral da entidade, a escritora Maria Dilma Ponte de Brito.




Na sexta-feira dia 28 a partir das 19h30 a Academia Parnaibana de Letras estará comemorando no Espaço de Eventos da praça Mandu Ladino, no bairro de Fátima seus 34 anos de fundação e lançando a 70ª edição do Almanaque da Parnaíba. Fonte: APL. Fotos: web. Edição: APM Notícias. 

quarta-feira, 26 de julho de 2017

DEPOIMENTO SOBRE JEFFERSON RODRIGUES MOREIRA

Foto meramente ilustrativa. Fonte: Google

DEPOIMENTO SOBRE JEFFERSON RODRIGUES MOREIRA

Alcenor Candeira Filho

     Ao iniciar este depoimento sobre Jefferson Rodrigues Moreira logo me vem à memória a imagem  do cidadão exemplar, oficial do Exército brasileiro que integrou a Força Expedicionária Brasileira na Itália durante a Segunda Guerra Mundial.
     Médico psiquiatra, bacharel em direito, professor de Medicina Legal na Universidade de Brasília, membro do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Parnaíba, Jefferson Moreira nasceu em Santa Quitéria-MA em 1912 e faleceu em Brasília em 2000.
     É sabido que todos os homens, inclusive os que se destacaram em sua época, estão predestinados ao esquecimento, cabendo ao escritor ou historiador difundir-lhes os feitos e as virtudes aos mais jovens, aos que ainda têm o ideal de um destino a ser cumprido.
     Na década de 1950  Jefferson Moreira foi em duas legislaturas deputado estadual no Maranhão, fazendo oposição aos caciques políticos Vitorino Freire e José Sarney.
     No início dos anos 60 fixou residência em Parnaíba para dar apoio à minha família, profundamente traumatizada com o assassinato de seu cunhado e meu  pai Alcenor Rodrigues Candeira, na praça da Graça, em 11 de outubro de 1959, dia da padroeira de Parnaíba – Nossa Senhora da Graça -, antecipado inexplicavelmente, em 1992, pelas autoridades eclesiásticas e legislativas para o dia 8 de setembro.
     Jefferson Moreira e sua esposa Aldenora Moreira foram incansáveis na luta para que a justiça fosse feita com a condenação dos quatro assassinos, o que acabou não acontecendo na forma esperada: Clodoveu Cavalcante foi absolvido em julgamento realizado em Piripiri-PI, em 1964, enquanto seu filho caçula Veudacy Cavalcante foi condenado em Teresina, em 1966, a apenas seis anos de reclusão. Os outros dois réus – Jamacy e Clodoveu Filho – nunca foram julgados.
     Na página inicial de meu livro O CRIME DA PRAÇA DA GRAÇA, publicado em 2008, fiz a seguinte dedicatória:

       “Para minha mãe e tios
       Maria de Lourdes Castelo Branco Candeira
       Aldenora Candeira Rodrigues Moreira
       Jefferson Rodrigues Moreira
       - que em momentos difíceis tiveram a coragem de lutar por justiça e a grandeza de perdoar.

       Para meus irmãos
       Carlos José Castelo Branco Candeira
       Ana Maria Candeira Alencar
       Tânia Maria Candeira Correia
       - que também souberam perdoar.

     Durante o tempo em que residiu em Parnaíba, entre início e fins da década de 1960, Jefferson Moreira exerceu a profissão de médico e foi secretário de planejamento na administração de Lauro Andrade Correia (1963-1966).
     De junho a dezembro  de 1965 trabalhei sob seu comando na secretaria de planejamento. Recordação inesquecível: numa sexta-feira do mês de julho, época de férias escolares, eu não conseguia datilografar corretamente expedientes de rotina administrativa por ele ditados e com a sensibilidade de quem era capaz de aprofundar-se nos segredos da alma humana bateu no meu ombro e disse: “Vá embora. Seu pensamento está na Pedra do  Sal. Corra para lá, que na segunda-feira prosseguiremos nos trabalhos!”
    Nesse período manteve permanente colaboração no jornal FOLHA DO LITORAL (cujo arquivo lamentavelmente não foi conservado), no qual publicou dezenas de textos sobre a segunda guerra mundial, de que participou ao  lado dos Aliados como oficial-médico do Exército e integrante da Força Expedicionária Brasileira, força militar aero-terrestre constituída por 25.834 homens e mulheres sob o comando do General João Batista Mascarenhas de Morais. Jefferson Rodrigues Moreira foi, assim, testemunha presencial da participação do Brasil na Campanha da Itália em suas duas últimas fases – o rompimento da Linha Gótica e a Ofensiva Aliada final.
     Segundo a enciclopédia Wikipédia, “o Brasil perdeu nesta campanha, mortos em ação, quatrocentos e cinquenta e quatro homens do Exército, e cinco pilotos da força aérea. A divisão brasileira ainda teve cerca de duas mil mortes decorrentes dos ferimentos de combate, e mais de doze mil baixas em campanha por mutilação ou outras diversas causa incapacitantes para a continuidade no campo de batalha”.
     Durante todo o tempo em que residiu em Brasília Jefferson Moreira participou com muito orgulho dos desfiles militares do dia 7 de Setembro no pelotão dos Veteranos da FEB.
     Concluindo: este testemunho é a homenagem que devo ao meu tio e padrinho de batismo Jefferson Rodrigues Moreira, chamado pelos familiares de Detinho. São palavras de quem muito admirava e estimava o tio que sempre ensinou que o estudo e o trabalho são o maior legado que se pode deixar às gerações mais novas.
     Era casado com a única irmã de meu pai – professora universitária Aldenora Candeira Rodrigues Moreira – com quem teve quatro filhos: Jefferson Júnior (falecidos poucos dias depois do nascimento), Liana, Sônia e Maria de Jesus, todas profissionais de nível superior e residentes em Brasília.   

terça-feira, 25 de julho de 2017

GOSTO NÃO SE DISCUTE? DISCUTE-SE, SIM

Fonte: Google

GOSTO NÃO SE DISCUTE? DISCUTE-SE, SIM

Cunha e Silva Filho

        Leitor, não vou,  é óbvio, mencionar conversas  íntimas sobre  o que me dizem  acerca de autores, nacionais ou estrangeiros. Principalmente, hoje, um  domingo de sol  ameno que dá vontade de sair de casa a   esmo  até procurar, em vão, encontrar aquilo que chamam de felicidade na terra.
       Já vi  muita gente culta que acha chato  até Machado de Assis. Encontra erros  em passagens de grandes autores europeus,  por exemplo, Honoré de  Balsac, e além disso, não gosta de poesia moderna. Prefere os românticos,  os parnasianos, os clássicos antigos,  latinos ou gregos. Enquanto outros me dizem que Paulo Coelho tem algum mérito. Fico confuso, embaraçado e nem me dou ao trabalho de lhes fazer um censura e mostrar-lhes que  estão errados e que nada entendem da grande  literatura.
       Uma vez, uma colega, estudante de mestrado,  me confessou que já estava cansada de analisar  Carlos Drummond de Andrade. “Chega de Drummond” – resmungou ela. Outros ainda reclamam de um escritor porque, segundo eles, só escrevem  cenas indecentes,  coprológicas. Outros há que detestam um autor por motivos religiosos. De James  Joyce dizem que nada entendem. Atacam  Tolstói, Gorki, Dostoiévski por uma ou outra razão. Outros tampouco  gostam  de Casanova, de André Villon,  de Rabelais. Mas é difícil falarem mal de Cervantes, de Shakespeare. Também seria demais. Enfatizo, leitor,  que estou aqui  falando de opiniões subjetivas de escritores  e de intelectuais.
       Um professor universitário desdenhou do grande  contista João Antônio e soltou  essa bobagem: “Por que não escolheu  um tema de Machado de Assis? Ele, sim, é escritor.” Esse professor era o mesmo  que nunca  leu  Graça Aranha e seguramente não iria ler. O motivo? Não sei.
        Como vê, leitor,  gosto, a princípio,   não se discute em matéria de tudo, inclusive  de literatura. Assim, se fica sabendo de que, em conversas informais,  não faltam   subjetividades  grosserias dirigidas a uma grande autor e a uma grande obra. De uma tacada só, lá se vai  a reputação  de um escritor  famoso, cuja avaliação, movida pela irracionalidade, mera ignorância ou soberba   pretende (não o conseguirá jamais) destruir  um gigante da literatura universal. Desprestigiar um autor é fácil e é covardia,  particularmente quando  já é falecido.
        O pior ainda é que falam até mal de escritores que nunca leram! É verdade. Nunca leram nem  lerão. E não falo de leitor comum, mas de leitor letrado, especializado em literatura.
       Digo e repito  incansavelmente que a literatura, por ser arte maior,  é coisa séria, que merece respeito e não algo que, subjetivamente,  imbecilmente, se possa  discutir  ferindo injustamente  nomes  de méritos da produção literária em todos os gêneros.
      Eis por que se deve ser cauteloso e prudente quando expressamos alguma ideia  envolvendo  juízos críticos apressados ou sem  embasamento  sólido  no que tange ao valor maior ou menor de um escritor.
      De improvisação não se faz crítica nem  se produz  uma obra  literária, uma vez que toda  obra de arte pressupõe um conhecimento  prévio  que se situaria no que se denomina  tradição literária, na formação dos grandes cânones do Ocidente  –  base e até, de certo modo, inspiração responsável por aquele princípio  formulado por Harold Bloom, que é “a angústia da influência,”  angústia sofrida por  um poeta novo em relação a um poeta predecessor.
        Imaginar um escritor,  poeta ou ficcionista,  que não se tenha mais nada a escrever em literatura  é doloroso, sim,  mas  é também fator, segundo Bloom, de renovação, ou como ele afirma, sem esse voluntário  revisionismo,”  “desleituras,”  “desaprisionamentos,” reação "deliberada" e  “perversa,” “distorcida,” de “caricatura de auto-salvação” não se teria   o surgimento  da poesia moderna (apud GRAY, Martin, Dictionary  of literary terms.  London: Longmans York Press,  2nd revised edition, third impression, 1994, p.28).
    Por conseguinte,  deve-se pensar, pelo menos, duas vezes antes de se  julgar aleatoriamente  um autor, uma obra. E a advertência serve para nós todos que lidamos  com  o fenômeno literário e com estudos literários. Não ser leviano  e ligeiro nos julgamentos  inconsistentes de obras alheias é um desserviço  palmar  que se comete  com o criador e a criação literária.
      Ao contrário,  deve-se ter, como em qualquer  campo de estudos,  uma espécie de “educação para a literatura,”  i.e.,  ser elemento  agregador,  responsável,  ético e não se esquecendo de que até pelos escritores que, em língua inglesa, são chamados de minor writers,  devemos ter nosso apreço. 
      Já disse alguém que a literatura  não se constrói apenas de gênios, mas de pequenos e medianos  autores, e é essa mediania  que  consegue levar adiante  a permanência,  no presente e no futuro, da história literária  de qualquer  país.
     E, finalmente,  ainda tenho algo a considerar. Por razões ideológicos ou políticas, autores há que descartam  algumas obras por elas não  se afinarem com a sua posição religiosa  ou filosófica ou porque não são obras edificantes. Recordo-me de uma artigo de Tristão de Athayde que ponderava  que a literatura não é moral, nem imoral, mas amoral. A obra  literária, assim como as artes em geral,  não têm  compromisso com a realidade  empírica. Ela é construção da imaginação, da linguagem, de um estilo,  de um objeto criado pelo artista  livre e esteticamente concebido,  de um  mundo possível, não  um  arremedo  da vida em si.
     O que um personagem, num romance,  por exemplo, declara pensa ou faz,   não deve se confundir  com uma pessoa de carne e osso. Ele é uma construção discursiva da linguagem com o seu mundo próprio, específico,  sua autonomia estética, autotélica,  um mundo à parte.
    Patrulhar as concepções de um personagem não passa de uma perspectiva  distorcida  e ignorante do leitor e das instituições  sociais. Vários escritores, no pais e  no exterior,  foram injustamente  processados pela Justiça porque  se confundiu e ainda se confunde muitas vezes persona, personagem  inventado, ser fictício, “criação de papel,” com  indivíduos da sociedade que se viram retratados ou criticados no imaginário de uma obra  literária.Nada tão longe da verdade.           

domingo, 23 de julho de 2017

MUSA MEDUSA


MUSA MEDUSA

Elmar Carvalho

Sem arautos
sem pajens e sem bagagens
inesperadamente chegaste
sem anúncios e sem presságios
egressa de sonhos e miragens
e tão inesperadamente te foste
no mesmo sonho que te trouxe.
E na dor
intrusa que me restou
a Musa se fez Medusa.  

sábado, 22 de julho de 2017

UM REI SONHADOR


UM REI SONHADOR

Valério Chaves
Desembargador e escritor

Passados mais de 600 anos de sua morte, a vida de Dom Dinis I  (1261-1325) – sexto rei de Portugal e Algarves – continua servindo de inspiração para a realização de coisas incríveis, sinônimo de ambição, obstinação e muitos mitos por esclarecer. De uma coisa, ao menos não há dúvida: sua imensa capacidade para sonhar com o improvável e pela composição de poesias trovadorescas que enriqueceram a literatura portuguesa no final do século XIII. Talvez por isso tenham lhe atribuído o cognome de “Rei Poeta”.

Não seria exagero concluir que foram os sonhos e pensamentos de Dom Dinis que levaram a concretizar, em 1421, aquela cena entre cores azuis das águas do atlântico e brancas espumas dos sulcos formados pelas caravelas aventureiras, iniciada há mais de um século antes, mais tarde conhecida como a “era dos descobrimentos”.

Muitas coisas nascem dos sonhos.

Diz-se que, se não houvera os sonhos do Rei Poeta, não teríamos o prazer de saborear os versos de “Os Lusíadas”, considerando-se que nesse poema de Camões o autor utilizou todas as variáveis semânticas de linguagem. Igualmente, não teríamos “Mensagem”, com os versos comoventes de Fernando Pessoa indagando ao mar salgado (…) quanto do teu sal / São lágrimas de Portugal! /Por te cruzarmos, quantas mães choraram! / Quantos filhos em vão rezaram! / Quantas noivas ficaram sem casar”.

Não teríamos, enfim, as caravelas, as terras de Leiria cheias de pinhais para a feitura das caravelas lançadas ao mar rumo à ousada tentativa de ultrapassar o Cabo Bojador, na costa do Saara Ocidental - considerado intransponível e fim do mundo conhecido da época.

Foi graças aos sonhos e a ousadia desse monarca, conhecido como “ O Rei Poeta”, que as esquadras portuguesas descobriram o mundo que hoje conhecemos.

Não foi à toa que Shakespeare nos alertou para o fato de que somos da mesma matéria da qual são feitos os sonhos

         Teresina-PI/julho/2017            

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Comentário de Sílvia Melo sobre Histórias de Évora


Histórias de Évora de Elmar Carvalho

Comentário enviado por Sílvia Melo, através de e-mail, que tomei a liberdade de publicar neste blog, sem lhe pedir autorização prévia, mas crente de que ela não se oporia.

O desejo de Elmar é que o leitor compreenda os enredos, entrechos e narrativas do: Histórias de Évora sem o menor embaraço. Por isso atrevo-me a expressar-me sobre o Livro que o seu riquíssimo prefácio considera uma obra da pós modernidade.

Histórias sempre encantam o leitor e as Histórias de Évora  fascinam pois “brincam” com o sagrado e o profano e põem  “anjos” para perdoar caso surja no leitor (pecados) recordações, identificações ou curiosidades sensuais. A sensualidade é marcante no ser humano e o autor dá um “colorido” um quê para instigar a imaginação e provocar reflexão ... e essa dinâmica é muito interessante e poucos sabem fazer com tanto sucesso.

Como negar que o consagrado poeta Elmar na sua simplicidade, na cotidianidade é um “gigante”? Tem a sensibilidade daqueles mais espiritualizados que abordam com sabedoria muitos assuntos: sentimentos, segredos, fé, mitologia, escatologia, passado... num horizonte de realidade e “ficção do erotismo, amor e saudade”,  nesta obra que ensina a ser leitor.

Precisa mais?

Teresina, 19 de julho de 2017


Sílvia Maria Melo de Sousa
Academia de Artes e Letras de Campo Maior (Pi)                                                                                        ACALE

terça-feira, 18 de julho de 2017

Histórias de Histórias de Évora

Excelente e antiga fotomontagem de João de Deus Netto, formidável artista plástico de Campo Maior

Histórias de Histórias de Évora

Elmar Carvalho

Na sexta-feira passada, cumprindo um antigo desejo meu, resolvi ir à APPM – Associação Piauiense de Municípios, para entregar meu livro Confissões de um juiz a seu presidente, o médico Gil Carlos, prefeito de São João do Piauí. É que nesse livro memorialístico faço referência a ele, em virtude de ter sido o cirurgião que me operou de meu primeiro CA, quinze anos atrás. Como ele estivesse em Brasília, tratando de interesses da entidade, dediquei-lhe um exemplar desse livro confessional e de meu romance Histórias de Évora, e os deixei com a sua secretária.

Em seguida, dirigi-me ao TCE-PI, que fica perto. Pretendia cumprir promessa feita ao Olavo Rebelo, atual presidente desse Tribunal de Contas, quando me encontrei com ele num dos shoppings locais, no sentido de lhe entregar, bem como ao Paulo Machado, seu assessor há mais de duas décadas, e ao Conselheiro Kennedy Barros, que também já o presidiu, um volume de Histórias de Évora.

Conheci Olavo em Parnaíba, ainda na década de 1970, quando éramos colaboradores do jornal Inovação e cursávamos Administração de Empresas, no Campus Ministro Reis Velloso da Universidade Federal do Piauí, sendo ele um ou dois anos mais adiantado do que eu. Ambos presidimos o Diretório Acadêmico “3 de Março” desse campus universitário.

Também nessa época conheci o poeta e escritor Paulo Henrique Couto Machado, primo do amigo e colega Paulo de Athayde Couto, também beletrista. Sempre admirei a poesia e a prosa de Paulo Machado, exemplar servidor público, e correto e honesto intelectual, que sempre reconheceu os méritos de quem os tem, desprovido que o é de inveja e mesquinhez. É ainda um notável historiador, sobretudo da saga indígena no Piauí, e talvez seja o mais importante literato de nossa geração.

Em seguida, me dirigi ao plenário, para cumprimentar o conselheiro Kennedy Barros. Não pude fazê-lo, pois ele presidia a sessão, e, cioso de suas obrigações, se mantinha atento aos processos em pauta e em discussão. Entretanto, vi na assistência o promotor de Justiça aposentado José Gomes de Moura, que me acenou.

Fui cumprimentá-lo, uma vez que desfruto de sua amizade há algumas décadas, logo que ele veio assumir seu cargo no Ministério Público do Estado do Piauí, em que teve brilhante e profícua atuação. Sendo ele escritor e romancista, não me pude escusar a lhe oferecer minha obra romanesca, após a dedicatória de praxe. De praxe não deveria dizer, porquanto o seu autógrafo foi especial, em virtude de nossa amizade e respeito mútuo.

Retirei-me logo em seguida, para resolver uns assuntos particulares no Riverside. Mal estacionei meu carro nesse shopping, avistei o escritor e professor universitário Fernando Dib Tajra. Cumprimentei-o e parei para uma rápida conversa. Logo notei o seu olhar interessado para um exemplar de meu romance, que eu conduzia. Expliquei-lhe em palavras breves de que se tratava, tendo ele me indagado sobre onde poderia adquiri-lo.

Sempre tenho dito que prefiro dar um livro de minha autoria a quem de fato vai lê-lo, do que tê-lo comprado por quem sequer vai folheá-lo. Assim, não hesitei. Saquei da caneta e lhe desferi um autógrafo à queima-roupa, sem lhe dar a menor chance de defesa. E dei o meu dia como muito bem ganho.

Porém, ao chegar a minha residência, e abrir minha página no facebook, vi alguns comentários, entre os quais um do helênico Helano Lopes, o Poeta da Estação, em que este vate conterrâneo me cognominava “poeta mor de Campo Maior”. Apesar de imerecida, não posso dizer que não gostei da homenagem do confrade; por isso mesmo, incontinenti, lhe enviei a seguinte resposta: “Embora não o mereça, gostei do título e da rima: ‘poeta mor de Campo Maior’, apenas devendo ser trocado o mor por menor”. A seguir, em outro comentário, acrescentei: “De qualquer modo, caro Helano, estaremos em mui boa companhia, pois Manuel Bandeira, que era Manuel Bandeira, disse em verso: "Sou poeta menor, perdoai!"

Mas como se tudo isso não fosse o bastante, ao cair da tarde de sábado o meu telefone fixo tocou. Sim, eu ainda sou do tempo em que não existiam celulares. Atendi. Era o meu amigo Francisco Costa, freitense de quatro costados e auditor-fiscal do estado, amante da boa música (da Jovem Guarda em especial) e da boa literatura, que me telefonava para dizer que havia terminado de ler, naquele exato instante, ao cair da tarde daquele sábado, o meu romance.


Disse, após vários comentários argutos e pertinentes, que, ao recebê-lo de minhas mãos, pressentia que iria gostar de sua leitura. Apenas não sabia, acrescentou, para gáudio meu, que iria gostar tanto. E como fecho glorioso do telefonema, leu as frases finais, evocativas e melancólicas de Histórias de Évora.    

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Manuel Antônio da Silva Henriques


Manuel Antônio da Silva Henriques

Reginaldo Miranda

Foi um abastado comerciante, fazendeiro e militar piauiense, nascido na vila de São João da Parnaíba, hoje cidade de Parnaíba, por volta de 1773, filho do comerciante português, natural da freguesia de Padornelos, Concelho de Montalegre, no extremo-norte de Portugal, radicado no Piauí, João Dias da Silva e de sua esposa. Era sobrinho paterno do negociante Domingos Dias da Silva, irmão de seu pai, falecido na vila de São João da Parnaíba, em 17 de dezembro de 1793, deixando avultados cabedais e tendo o sobrinho Manuel Antônio da Silva Henriques, por testamenteiro. Por curiosidade, o falecido tio paterno deixou duas partes de seus bens aos pardos Simplício Dias da Silva e Raimundo Dias da Silva, filhos ilegítimos e órfãos; e de sua terça, legou uma parte aos parentes no Reino e outra a algumas corporações de Pernambuco e do Reino, bem como para pessoas pobres, viúvas e órfãos. Foi seu avô paterno José Dias da Silva, vereador e juiz ordinário na freguesia de Padornelos, onde sempre viveu e faleceu, e sua esposa dona Maria Gonçalves, também falecida no Reino; e bisavô Manuel da Silva e dona Ana de Oliveira, todos naturais e radicados em Portugal.

Foi casado com dona Maria Victória Thomazia Clara, filha do sargento-mor Manoel Pinheiro Osório, português de Valongo, radicado em Oeiras, e de sua esposa Joana Thomazia Clara. Entre as irmãs de sua esposa consta Maria Bárbara da Anunciação, que foi casada com o militar maranhense de ascendência portuguesa Francisco Xavier de Miranda Machado, pais do tenente-coronel Manoel Pinheiro de Miranda Osório e do coronel José Francisco de Miranda Osório, este último seu genro, daí dizer-se ter sido ele seu tio e orientador. De fato, era tio por afinidade.

Do referido consórcio deixou o capitão Manuel Antônio da Silva Henriques, os seguintes filhos: 1. D. Mathildes Nonata Angélica da Silva, nascida em 1795, que com apenas 9 anos de idade, em 27 de dezembro de 1803, conforme contrato de doação esponsalícia, foi prometida e contratada em casamento com o rico comerciante Manuel José da Cunha, de 45 anos de idade, radicado em Parnaíba, mas natural da freguesia de Lamedo, Arcebispado de Braga, Portugal, filho de Antônio da Cunha e Dona Perpétua da Cunha; 2. D. Angélica Rosa Umbelina da Silva, que fora casada com o referido primo materno, José Francisco de Miranda Osório, também biografado nesta obra; 3. D. Leonor Sebastiana Henriques da Silva, prematuramente falecida, solteira, antes do genitor; 4. Domingos Dias da Silva Henriques, cujo nome foi uma homenagem ao tio-avô; e, 5. Ricardo Henriques da Silva, que em 1804, recebeu em doação, duas partes dos bens de Manuel José Vieira de Abreu.

Manuel Antônio da Silva Henriques, desde cedo, ingressou no comércio, ao lado do genitor e do tio, respectivamente, João Dias da Silva e Domingos Dias da Silva, empresários de iniciativa e pioneiros no comércio parnaibano, onde chegaram em 28 de março de 1772, ao que se supõe. Porém, o pai faleceu muito cedo, tendo recebido do tio importantes orientações no início de sua vida comercial.

Herdando grandes cabedais e sabendo multiplicá-los, graças ao tino comercial, tornou-se um dos homens mais ricos do Piauí, ao lado dos referidos primos, Simplício e Raimundo Dias da Silva. Foram eles grandes comerciantes em Parnaíba. A casa comercial do capitão Manuel Antônio da Silva Henriques foi uma das mais respeitadas do Nordeste.

Diversificando suas atividades empresariais, investiu também em fazendas com grande rebanho de gado vacum espalhado pelas capitanias/províncias do Piauí, Maranhão e Rio Grande do Norte.

Ingressando na carreira militar, sentou praça de soldado na 5ª Companhia do Regimento de Cavalaria Auxiliar da Capitania, sediado na vila de Campo Maior, em 1º de janeiro de 1793. Em 11 de setembro do ano seguinte foi promovido ao posto de Porta-Estandarte do mesmo Regimento.

Entre os anos de 1794 para o de 1795, foi eleito para o cargo de Juiz da irmandade de Nossa Senhora da Graça da vila de Parnaíba, onde morava, e sua mulher em Juíza, onde, juntamente com o procurador Antônio Joaquim Simões da Veiga, fizeram um novo estatuto para melhor administração. Nos festejos de Nossa Senhora da Graça, relativa ao último ano indicado, o procurador da dita entidade distribuiu três medidas da mesma senhora, com o epíteto e franjas de ouro, patrocinados pelo dito casal, com a colaboração do parente Simplício Dias da Silva. Nesse tempo saiu ele, juntamente com o indicado primo, em grande campanha de arrecadação de donativos pelos moradores da vila e sócios da irmandade, conseguindo a importância de 751$480 réis, com que douraram e pintaram o teto da capela maior.

Progredindo na carreira das armas, em 5 de fevereiro de 1795, por ato do capitão-general Fernando Antônio de Noronha, foi promovido ao posto de capitão da mesma Companhia, na vaga aberta com a reforma de Vicente Torres da Costa. Era coronel desta Companhia o Sargento-mor Manoel Pinheiro Osório, seu sogro. Este ato de nomeação foi confirmado por Ato Real datado de 13 de maio do mesmo ano.

No ano de 1796, estando em São Luiz do Maranhão com uma sumaca sua e de seu primo, capitão Simplício Dias da Silva, a pedido do governo, aprontou-a à sua custa, para guarda da costa e dos comboios aos navios daquela praça, prestando assim relevante serviço.

Em 1800, servia na Guarnição de que era coronel Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar. Nesse mesmo tempo assumira o posto de Comandante da vila de Parnaíba e da fortificação da sua respectiva barra e costa. Então, com zelo e prontidão edificou e municiou, à sua custa, o reduto daquela barra do Parnaíba, fazendo disciplina e sustentando os soldados, de forma a garantir o bom e pronto cruzamento dos navios e fragatas de guerra.

Esse cidadão benemérito tinha também sonho de grandeza, tendo pleiteado em 1800, a mercê do hábito da Ordem de Cristo e o foro de Cavaleiro Fidalgo da Casa Real.



Foi, porém, um grande piauiense com larga folha de serviços prestados à sua terra, merecendo o respeito e a consideração das gerações vindouras. Faleceu em Parnaíba, dia 8 de março de 1827, onde foi sepultado. Deixou grande fortuna e um exemplo de trabalho e capacidade empreendedora.

domingo, 16 de julho de 2017

Seleta Piauiense - Ovídio Saraiva


HINO AO SETE DE ABRIL

Ovídio Saraiva (1787 – 1852)

Os bronzes da tirania
já no Brasil não rouquejam.
Os monstros que os escravizam
já entre nós não vicejam.

            Da Pátria o grito,
            eis se desata,
            desde o Amazonas
            até o Prata.

Ferro e grilhões e forças
de antemão se pregaram;
mil planos de proscrição
as mãos dos monstros gizavam.

            Da Pátria o grito...

Amanheceu finalmente
a liberdade no Brasil;
Ah! não desça à sepultura
o dia sete de abril.

            Da Pátria o grito...

Este dia portentoso
dos dias seja primeiro,
chamemos rio de abril
o que é Rio de Janeiro.

            Da Pátria o grito...

Arranquem os nossos filhos,
nomes e ideias dos lusos,
monstros que sempre em traições
nos envolveram, confusos.

            Da Pátria o grito...

Ingratos à bizarria,
invejosos de talento,
nossas virtudes, nosso ouro
foi seu diário alimento.

            Da Pátria o grito...

Homens bárbaros, gerados
do sangue judaico e mouro,
desenganai-vos, a Pátria
já não é vosso tesouro.

            Da Pátria o grito...

Neste solo não viceja
o tronco da escravidão;
a quarta parte do mundo,
as três de melhor porção.

            Da Pátria o grito...

Avante, honrados patrícios,
não há momento a perder,
se já tendes muito feito,
idem mais resta a fazer.

            Da Pátria o grito...

Uma prudente regência,
um monarca brasileiro
nos prometiam, venturosos,
o porvir mais lisonjeiro.

            Da Pátria o grito...

E vós, donzelas brasileiras,
chegando de mães ao Estado
dai ao Brasil tão bons filhos
como vossas mães têm dado.

            Da Pátria o grito...

Novas gerações sustentem
do povo a soberania,
seja isso a divisa delas,
como foi de abril um dia.

            Da Pátria o grito,
            eis se desata,
            desde o Amazonas
            até o Prata.


(*) Consta ser a letra de um primeiro Hino da Independência do Brasil, com música de Francisco Manoel da Silva, em homenagem a Dom Pedro I.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Histórias de Évora e as formas dos prazeres do tempo (*)

Dra. Liege Cavalcante, vice-prefeita de Campo Maior, Dr. Raimundo Lima, autor de A Menina do Bico de Ouro, Elmar Carvalho, autor de Histórias de Évora, e Daniele, representante do SENAC
Domingos José de Carvalho, Dílson Lages Monteiro, Lara Larissa e João Alves Filho, presidente da ACALE
Dílson Lages Monteiro


Histórias de Évora e as formas dos prazeres do tempo (*)

Dílson Lages Monteiro

O que esperamos de uma obra literária? Há leitores de todos os tipos, e leituras que se prestam a muitos fins; mas quem parte para os oceanos da literatura não consegue precisar aonde as palavras conduzirão. A identificação com o tema, o maior ou o menor grau de abstração simbólica do texto, a linearidade ou alinearidade dos núcleos narrativos, os efeitos de sentido do vocabulário e da imprevisibilidade do intertextos, as vozes que se enunciam – e, claro, as experiências do próprio comandante da embarcação – conduzem a caminhos que nem sempre se consegue controlar, principalmente quando a carga associativa de percepções e representações mentais possibilitadas pelo texto é multiforme, e se insere como elemento intrínseco à própria escritura.

O que encontra ou reencontra, pois, o leitor em Histórias de Évora?

Para situar o leitor, reproduzem-se aqui duas breves passagens:

“Afagou-lhe os cabelos e as têmporas. Em seguida, seus dedos percorreram-lhe as sinuosas e bem delineadas sobrancelhas. Seguiram o contorno da boca. Pousou o côncavo das mãos sobre as maçãs do rosto em inefável massagem. Após fixá-la em profundidade, olhos nos olhos, como se quisesse lhe devassar os mais recônditos pensamentos, colheu-lhe os lábios entreabertos, ansiosos” (p.59).

“Muito vivo ainda sinto o cheiro da cera de carnaúba, amontoada num grande depósito da Casa Machado e outros armazéns. Havia as pardas, escuras, de menor valor comercial, e a cera flor, mais clara, amarelada, de bem mais alta cotação. Recordo o cheiro acre das amêndoas de babaçu e tucum, que eram revendidas para Fortaleza, Recife e outros centros exportadores” (p.75).

A adolescência viva e revivida, sobretudo. As pequenas cidades piauienses que foram expressão do extrativismo nas décadas de 1970 e 1980, personificadas em sua decadência econômica. São essas as motivações para que o juiz e integrante da Academia Piauiense de Letras, José Elmar de Melo Carvalho, o poeta de Rosa dos Ventos Gerais, no auge de sua maturidade literária, descortine as veredas da prosa romanesca, em narrativa que, fixando-se como documento vivencial de um tempo que sucumbiu, leve os leitores para além do retrato social de costumes e valores de um tempo, à curiosidade saltitante que os sentidos da imaginação instauram.

Duas palavras em síntese definiriam o projeto literário de Elmar Carvalho, em Histórias de Évora: documento e imaginação. Caberia a esta, porém, pincelar, por meio do gosto pelos detalhes, em ações reiteradas insistentemente, por meio de episódios pitorescos, dramáticos ou cômicos que, desse modo, reproduziriam subjetivamente o próprio êxtase do prazer, o tema central do romance, a aprendizagem do amor, o que com maior grau de exatidão definiria seu estilo do ponto de vista temático-discursivo.

A isso se acrescentaria o viés memorialístico que salta aos olhos, a tal ponto que acertadamente escreveu em prefácio o crítico literário Cunha e Silva Filho. Resumindo Histórias de Évora, afirmou tratar-se de seu “reencontro proustiano pela memória voluntária com seus correspondentes lugares nos quais fez o seu aprendizado sexual – e por que não? – amoroso, espaço irremovível das suas mil lembranças de situações vividas, sonhadas, de fatos pitorescos, decepcionantes, constrangedores, humorísticos, melodramáticos e tragicômicos” (P.19).

Cabe, assim, lembrar o que disse Donaldo Schiler sobre o trabalho imaginativo dos romancistas:

“Primeiro há fragmentos, lembranças, experiências, textos. Quando estes se organizam, desencadeia-se o trabalho da imaginação, e desponta o autor como fundador do universo imaginário. Não favoreceríamos a compreensão do romance, se equiparássemos o imaginário a um supermercado de pensamentos, frases buriladas, paixões. A imaginação ordena as partes num todo móvel, aberto, repleto de indeterminações: o imaginário.” (p.73)

É essa dimensão perceptual e cognitiva, alicerçada na liberdade, que as associações mentais constroem. Por isso,  apresentam-se expressivas as palavras de Schiller ao esclarecer:

 “Todos os sistemas de palavras e símbolos constroem o universo imaginário. Fora do imaginário fica o real, ao qual não temos acesso direto. O imaginário nos permite que dele nos apropriemos e com ele convivamos. A diferença do imaginário artístico reside na liberdade resoluta, visto que não está sujeito ao rigor da verificabilidade”. (p.73)

Em Histórias de Évora, a imaginação é ditada pela enunciação do universo do desejo masculino em criar a ambiência para que a libido seja tematizada. Seguindo esse raciocínio, são abundantes as alusões a coxas, a seios, a lábios em cenas de aberto erotismo, quando não a narração do ato sexual em si em sentenças de léxico despojado. Também frequentes as referências ao funcionamento dos cabarés e aos costumes que lhe eram comuns.

Do ponto de vista formal, Histórias de Évora é um texto comportado. O próprio autor faz questão de enfatizar: “Deixo logo bem claro que não desejei fazer obra de vanguarda. Quis apenas contar umas histórias, pois sempre entendi que um romance ou conto deve narrar algo. Contudo, não quis apenas ser um simplório contador de histórias ou “causos”. De fato, embora não se predisponha a romper com a tradição literária, não lhe faltou inventividade, considerando-se a estratégia empregada para um maior ou menor distanciamento do objeto discursivo.

Assim é que Marcos Azevedo, o protagonista, estudante secundarista, amante dos livros e da arte, que ao longo do livro se transforma em um septuagenário, declaradamente um “alter ego” do autor, propõe-se a narrar suas descobertas amorosas e a ação do tempo sobre hábitos e espaços, a partir de duas instâncias enunciativas, com foco narrativo em primeira e terceira pessoa. Demarcam-se, pelo rompimento com a linearidade do ponto de vista, não apenas duas idades cronológicas, mas também um distanciamento em relação aos acontecimentos que os tornam presentes, cristalizados pela marca da lembrança.

Para enfatizar que o tempo emergente na literatura é um tempo social, um sentido coletivo, Luis Alberto Brandão e Silvana Pessoa, em clássico estudo sobre o sujeito, o tempo e o espaço ficcionais lembram que se costuma pensar no tempo em duas perspectivas. “Uma perspectiva objetiva que associa, ao tempo, aspectos cosmológicos, físicos (o tempo como parâmetro dos movimentos descritos pelos astros celestes ou como medida do envelhecimento dos seres). E uma outra perspectiva que sugere que há, sempre, uma percepção, uma consciência do tempo – perspectiva que torna possível se falar de tempo psicológico, subjetivo, ou de tempo imaginário”(p.52). Estariam as duas perspectivas inter-relacionadas, porque são modelos de percepções, exteriores a elas, criando, dessa maneira, a referência e a interpretação.

Cria Elmar Carvalho a dimensão de um tempo imaginário, assinalado pela imprecisão (não seria inexata a linguagem do corpo?) de uma forma particular de entretenimento, ao se remeter à idade cronológica do personagem-protagonista Marcos e às ações que se relacionam de modo individual à cada fase das vivências desse  personagem. Cria um movimento que traduz as transformações do corpo físico e da geografia social e humana. Nessa tarefa, cada capítulo funciona como uma digressão a aspectos particulares da memória, que, não obstante pareçam desconectados em algumas passagens, vão gradativamente estabelecendo o vínculo causal, responsável não somente pela unidade temático-discursiva, mas também, e sobretudo, pela dimensão estética do texto. Ela é alcançada pelas descrições, em detalhes, de aspectos culturais sobre um “modos vivendi” específico como elemento de sociabilidade, o mundo dos antigos cabarés. Para atingi-lo, emprega a repetição intensa de episódios relacionados à descoberta do sexo, realçando-lhe os significados.

Nesse processo, o narrador leva o leitor, independente do foco que escolhe para contar, a questionar o que é o belo, a sentir as pulsações da adolescência sobre o corpo, a vasculhar a ousadia e os temores da frequência às casas de sexo, a conhecer e relembrar os rituais de comportamento que antecediam ao ato sexual, a mergulhar nas curiosidades, satisfações e decepções despertadas pelo amor. Conduz, ainda, o que é enfatizado pela voz que conta como fundamental para a narrativa, ao universo de Évora, uma fusão de Parnaíba e Campo Maior, conforme diz o autor, em nota de advertência.

Aqui está retratado o perímetro central de ambas as urbes, em sua atmosfera de encanto arquitetônico:

“Na Rua Grande, (...) havia os sobrados mais antigos e os luxuosos chalés e palacetes de seu apogeu comercial, da época áurea do extrativismo, da industrialização do pó da carnaúba, da maniçoba, do jaborandi, da oiticica, do algodão e do óleo de babaçu” (P.75)

“Velhas casas solarengas, vetustos sobrados, antigos casarões em estilo colonial (...) a 150 metros da matriz (...) a Zona Planetária” (p.76)

E assim se constroem as Histórias de Évora. Histórias de prazer, ruínas e sonhos, que a marca indelével do tempo e da oralidade vai tratando de passar adiante, pelo ouvido das portas e janelas e de textos que procuram traduzir a alma e a essência do que permanece para sempre. A alma e a essência de uma gente. Ouçamos o que portas, janelas e desejos têm a dizer...

(*) Palestra pronunciada pelo professor, escritor e poeta Dílson Lages Monteiro, membro da Academia Piauiense de Letras, no auditório do SENAC, em Campo Maior, no dia 07/07/2017, por ocasião do lançamento de Histórias de Évora, em cuja solenidade também foi lançada a obra A Menina do Bico de Ouro, da autoria de Raimundo Lima.