quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

JAIME DA PAZ, UM VARÃO DE PLUTARCO

Profa. Mariema, Tenente Jaime, rodeados pelos filhos. Fonte: Google


JAIME DA PAZ, UM VARÃO DE PLUTARCO

Elmar Carvalho

Nasceu no lugar São Domingos, zona rural de Campo Maior, em 22 de abril de 1922. De uma prole de onze irmãos, da qual era o antepenúltimo. Filho de José Gregório da Paz e Francisca de Sousa Frota. Aos seis anos de idade já era órfão de pai e mãe, quando passou a morar com seus pais adotivos: José de Deus e Silva (Cazeba) e Cândida Paz (Sicândida), sua tia.

Concluiu o primário no Grupo Escolar Valdivino Tito. Teve como primeira professora Mulata Lima que (juntamente com as suas irmãs) relevantes serviços prestou à Educação em Campo, sobretudo como professora do Ginásio Santo Antônio e de seu estabelecimento particular, denominado Escola Maria Auxiliadora, que funcionava em seu casarão residencial.

Aos dezoito anos, foi morar em Fortaleza, onde estudou e trabalhou. Na capital alencarina chegou a fazer o primeiro ano de contabilidade. Em 1942, com a 2ª Guerra Mundial no auge, foi convocado para integrar a Força Expedicionária Brasileira, quando teve a oportunidade, como Sargento, de fazer um curso na Escola Técnica de Aviação, em São Paulo.

Ao terminar esse curso, foi servir como técnico na 2ª Companhia Especial de Manutenção, no Rio de Janeiro. Nessa capital terminou o curso de Contador, pela Escola Superior de Comércio do Rio de Janeiro. Licenciou-se, a pedido, das fileiras do Exército no posto de 2º Tenente. Em 1948 regressou a Campo Maior, onde passou a lecionar Contabilidade no Ginásio Santo Antônio, do qual foi um dos fundadores o pároco Mateus Cortez Rufino, um dos notáveis beneméritos de Campo Maior.

Em sua terra natal, fundou um comércio de miudezas, tecidos e compra de gêneros de exportação, inicialmente estabelecido na casa de seus pais adotivos. Essa firma veio a prosperar e se tornou uma das mais importantes de Campo Maior, inclusive com a sua instalação em digno e assobradado prédio próprio, situado perto do Grupo Escolar Valdivino Tito, no centro comercial da velha urbe.

Talvez a sua precoce orfandade e a necessidade de começar a trabalhar ainda bem jovem, bem como o seu posterior ingresso no Exército, em que a hierarquia e o respeito à ordem são preponderantes, tenham contribuído para moldar o seu caráter e a sua personalidade. Foi um homem votado ao dever e ao cumprimento de suas obrigações funcionais e compromissos. Certamente a sua experiência militar e a da criação e administração de sua firma comercial contribuíram para que ele viesse a ser um eficaz gestor de seu município natal.

Apesar de seu semblante quase sempre sério (mas não carrancudo), era um cidadão afável, cordato, um perfeito cavalheiro no trato com todas as pessoas, sempre respeitoso e educado. Pelos depoimentos que ouvi ao longo de minha vida, gostava de cumprir o que prometia. Por isso mesmo, não obstante haver sido político, primava em cumprir as suas promessas, e por esse motivo não as fazia de forma leviana, nem eleitoreira. Com efeito, prometia apenas o que tinha a intenção de cumprir e realizar, tanto em sua vida particular, como nos cargos e encargos que exerceu, tais como venerável de sua loja maçônica e dirigente do Rotary.

Campo Maior, no período que vai de 1967 a 1977, teve uma sequência de três paradigmáticos prefeitos: Raimundo Nonato Andrade (Professor Raimundinho Andrade), Jaime da Paz e Dácio Bona. O primeiro, hoje, dá seu nome ao Colégio Estadual, em que fiz o terceiro e quarto ano do antigo curso ginasial; o terceiro foi meu professor de Ciências no primeiro ano desse curso e o segundo (Jaime), juntamente com sua esposa, a professora Mariema, participou de alguns eventos culturais de que fiz parte, quando tive o ensejo de lhe reconhecer a profícua administração de nosso município. Dele e de sua consorte recebi o incentivo e o aplauso sincero e entusiasmado em minha vocação literária. Meu pai, quando a ocasião era propícia, não se cansava de exaltar essas três emblemáticas gestões municipais.

Eu e minha família morávamos ainda em Campo Maior quando o Tenente Jaime assumiu a sua administração. Numa época de poucos recursos financeiros, em que escassas verbas eram repassadas pelo Estado do Piauí e pela União, em seu curto governo de apenas dois anos (1971 a 1973), realizou uma administração exemplar, diria mesmo excelente.

Tendo eu, ainda em plena adolescência, acompanhado o seu governo, e sendo, portanto, testemunha ocular de muitas de suas obras na cidade, tenho dado o meu testemunho de sua probidade e eficiência administrativa. Aliás, o dever da eficiência, embora pouco observado pelos gestores atuais, é previsto em nossa Carta Magna.

Segundo informação da professora da Universidade Federal do Piauí, Sílvia Melo, autora do importante livro “Educação e Educadores de Campo Maior”, “a zona rural foi muito beneficiada [na gestão de Jaime da Paz], destacando-se a implantação de 17 (dezessete) Escolas Rurais e diversos Postos do Movimento Brasileiro de Alfabetização de Adultos - MOBRAL que teve grande importância para reverter o elevado índice existente de adultos analfabetos”. Sem dúvida isso se deveu a seu senso de justiça e sensibilidade, e ao conhecimento que tinha do estado de quase abandono em que viviam os rurícolas na época.

Reginaldo Gonçalves de Lima, de saudosa memória, nascido em Jaboatão dos Guararapes (PE), mas campomaiorense como os que mais o sejam, inclusive por título de cidadania, pelos relevantes serviços que prestou ao nosso município, em suas funções públicas, mas sobretudo no resgate de sua rica história cultural e administrativa, no seu notável livro “Geração Campo Maior – anotações para uma enciclopédia”, que tive a honra e a satisfação de apresentar, disse sobre o governo de Jaime da Paz:

Destaques em sua administração:

Construção do mercado público, inaugurado em 07-09-1972, localizado na Av. Demerval Lobão, e o início da construção do Terminal Rodoviário Zezé Paz. Concluiu e inaugurou o cemitério do bairro São João. Construiu o edifício comercial Prof. Raimundinho Andrade, na Av. Demerval Lobão e casas populares (...).   

Tendo se convertido à religião de sua esposa, a professora Mariema (da estirpe Nogueira Paranaguá, irmã de dona Magnólia, falecida esposa do professor R. N. Monteiro de Santana, que também foi prefeito de Campo Maior), passou a frequentar os cultos da Igreja Batista de Campo Maior. Os dois conseguiram formar uma bela família, em que predomina o amor a Deus, a Jesus Cristo e ao nosso semelhante. Sem demagogia e muito menos hipocrisia de falsa caridade (até porque só exerceu o cargo de prefeito em apenas um mandato), mas por sincero amor fraterno, nas comemorações de seu aniversário, convidava pessoas humildes, que, além das iguarias degustadas, recebiam presentes.

Das pessoas proeminentes de Campo Maior, foi um dos primeiros a morar na orla do belo e pequeno Açude Grande, no qual se reflete, quando as águas estão serenas, a silhueta de nossa Serra Azul, também chamada Serra Grande ou Serra de Santo Antônio, sobre o qual tive a oportunidade de dizer:

Açude Grande
apenas no nome, mas pequeno
na paisagem ampla dos descampados.
Tuas águas cinzentas
azularam-se em minha saudade.
Tuas águas barrentas
são tingidas de azul pelo
azul do céu que se espelha
em tuas águas de chumbo.

Como eu dizia, o Tenente Jaime da Paz, há muitos anos, construiu uma bela vivenda, à margem do açude, com largos alpendres e vasto quintal, no qual plantou inúmeros coqueiros e outras fruteiras. Em sua entrada foi afixada a data 11 de julho, que lhe serve de nome. Foi nesse dia, no ano de 1954, que o tenente Jaime e a professora Mariema se conheceram. Essa data é como se fosse um símbolo ou emblema desse amor perene. Entre o muro da vivenda e o açude, no qual banhei muitas vezes, quando ele não era poluído, existia um belo campinho de futebol, de fina e branca areia, quase uma praia, no qual joguei em minha adolescência, como ressalto neste trecho de meu livro “O Pé e a Bola”:

Havia uma praia, no início da década de 1970, de brancas e finas areias, à margem do pequenino Açude Grande, em que tomávamos deliciosos banhos, pois este ainda não fora profanado pela poluição, nas proximidades da casa do tenente Jaime, cujo quintal era cheio de graciosos, elegantes e ondulantes coqueiros, cujo conjunto me dá hoje a impressão de uma pequena nesga de paisagem arrancada do Caribe.

(...)

Nesse tempo o açude possuía, nas imediações da casa do tenente Jaime da Paz, em cujo quintal se erguiam e oscilavam e dançavam verdejantes coqueiros, que mais evocavam uma paisagem marinha, uma bela praia, de areias brancas, finíssimas, onde, na posição de goleiro, fiz ótimas e acrobáticas defesas, a planar, quase levitando, em verdadeiros saltos ornamentais.

Após a construção da avenida de contorno do açude, esse campinho-praia desapareceu, ficando em minha memória, para sempre, a lembrança desse tempo ditoso. Na proximidade da vivenda, como um pontual alargamento do logradouro, o tenente construiu um pequeno recanto florido e ajardinado, bem perto das águas plúmbeas, de onde certamente vislumbrava a beleza da laguna, o voo majestoso e esbranquiçado das garças, as aves aquáticas e a graciosidade distante da serra encantada.

Nesses momentos contemplativos, sem dúvida ele pensava em sua vida bem construída, sem vaidades e sem ostentações, de suas lutas em prol do bem comum e do próximo, sobretudo dos mais humildes. E viu que tudo valeu pena, até porque, parafraseando Fernando Pessoa, a sua alma não era pequena. Teve a alegria de ter todos os seus seis filhos, três homens e três mulheres, formados em curso superior. Fiz amizade com o Gregório, um dos diretores da CEPISA, hoje Eletrobras/Piauí, e o Jaime Filho, engenheiro da Comdepi. Vários de seus netos também são graduados, a maioria em medicina. Portanto, foi um vencedor, no bom e legítimo sentido da palavra.

Se a nossa Campo Maior tivesse o seu Plutarco, certamente no panteão de suas ilustres “Vidas Paralelas”, Jaime da Paz seria um dos mais eminentes varões plutarquianos.   

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

CRÔNICA da semana

Fonte: Google

SR. CARLOS.

Teresina é angustiada. Toda cidade grande. E por ‘’cidade grande’’ tomo como parâmetros a diversidade comum dos tons de cabelo (do rosa ao azul), a presença do Uber e do McDonald’s, a massa que reclama da violência, os engarrafamentos e, sem dúvida, esse semblante angustiado das pessoas.

Um curioso teatro de ocupações: a testa franzida que o costume do sol lapidou; a atenção constante aos homens que passam uma segunda vez em suas motos e às curvas das esquinas; o que gesticula ao celular na fala rápida; a secura dos passos e a velocidade na calçada – como se houvesse um objetivo primordial a ser alcançado na existência e não houvesse mais tempo.

Tenho comigo a comodidade de um carro e seu ar-condicionado. Não se reproduz Adriana Calcanhoto na rádio sintonizada, mas ouço ‘’Esquadros’’ como um conveniente vestígio de memória. A letra da canção é uma tela do que passo. Sou o personagem que observa pela janela as cores avulsas da cidade e as pichações.

Faixa direita. O carro se articula dentre os tantos na av. Jockey Club. Visto o engarrafamento, vamos vagarosos em uma volta de rodas por vez. Surge a Faculdade Maurício de Nassau, uma moderna estrutura com vidraçarias azuladas. Do outro lado da avenida, uma simpática praça com árvores frondosas e uma banca de revistas. Nesta praça, ao lado da banca, há uma elevação de cimento, como um piso, acessível por dois ou três degraus. Alguns bancos de madeira com recosto e um cercado de pequenas e enfileiradas pilastras greco-romanas.

Em um dos bancos vejo um magro senhor trajado de funcionário público aposentado, branco, levemente calvo, esbelto e com o aspecto calmo de quem cansou, descansou e tem colhido frutos de uma doce solidão nas veredas últimas do tempo. Amenizava o ambiente de aflição que o cercava. Observava o movimento. O assisti com uma impressão peculiar de conforto; como se aquele senhor fosse eu mesmo depois de viver tanta vida, tanto sacrificar e tudo conquistar do que não me era sabido. Olhei-o com o afeto de um Narciso que vê seu reflexo futuro – sem mergulhar. Tínhamos olhos de poeta. Pareceu-me atento a algo que fugia. Uma atenção despretensiosa como a minha a ele pretendida. Seu aspecto e as pernas cruzadas lembraram-me a foto de Drummond em Copacabana. O nomeei Carlos.

– Sr. Carlos. – falei para mim mesmo com o sorriso de quem acha um tesouro de infância sem querer. Uma coisinha qualquer de delicadeza na poeira da gaveta abandonada.

Aquela visão demorou-se o ciclo de um semáforo, desses mais longos. Despedi-me de Sr. Carlos na fugacidade das rodas dos veículos. Fugi da avenida. Os aflitos permaneceram aflitos sem saber do poço de serenidade que não podiam ver.
  
Gustavo Rosal

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Livros sobre o Piauí




Recebi, ofertados por seus autores, os livros Engenharia Piauiense e História do Piauí: passageiro do passado.

O primeiro, da autoria de Cid Castro Dias, engenheiro e membro da Academia Piauiense de Letras, discorre sobre as principais obras da engenharia civil em nosso estado, sobretudo as estruturantes e públicas; traça o perfil biográfico dos governadores e dos prefeitos de Teresina que mais construíram, entre os quais Saraiva, Antonino Freire, Landry Sales, Leônidas de Castro Melo, Chagas Rodrigues, Alberto Silva, Dirceu Arcoverde e Freitas Neto (governadores); Joel Ribeiro, Wall Ferraz, Jesus Tajra, Francisco Gerardo da Silva, Firmino Filho e Sílvio Mendes (prefeitos de Teresina). O livro é quase um álbum e traz inúmeras fotografias das obras referidas. Traça o perfil biográfico dos notáveis engenheiros piauienses: Antônio Alves de Noronha, Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves, Cícero Ferraz de Sousa Martins e Luiz Francisco do Rego Monteiro.

O segundo, escrito por Homero Castelo Branco, escritor, economista, membro da APL e deputado estadual em várias legislaturas, traz a saga da família Alencar, com as figuras emblemáticas da matriarca Bárbara Pereira de Alencar e Joaquim Antão de Carvalho. Além de biografias e histórias interessantes, a obra apresenta a genealogia dessa ilustre estirpe, que se ramificou pelos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí.


Bárbara de Alencar, heroína e protagonista do livro, faz parte do panteão nacional. Seu nome foi inscrito no livro dos Heróis da Pátria, através da Lei nº 13.053, de 22 de dezembro de 2014. Dela disse Oscar Araripe, em texto preambular do livro, mas originalmente publicado no Diário do Nordeste, edição de 11/02/2015: “Dona Bárbara de Alencar. Dona Bárbara de Alencar do Crato. A brava do Cariri. Oráculo de Santa Bárbara. Diana de Açu. A Iansã do Araripe. Santa de Fortaleza. Heroína do Ceará. Mãe da Independência e da República Brasileira. Minha adorada hexavó, rainha esplendorosa dos álamos do Brasil.” 

São duas obras notáveis, que agora enriquecem as prateleiras de minha biblioteca física ou impressa, posto que hoje também possuo uma biblioteca virtual, principalmente contida em meu aparelho Kindle. Agradeço aos autores pela oferta dos aludidos livros.

Elmar Carvalho

domingo, 25 de fevereiro de 2018

O FAVELADO



O FAVELADO

Elmar Carvalho

O favelado, qual filósofo meditava:
sua miséria era tamanha
que tudo enchia e ainda sobrava.   

sábado, 24 de fevereiro de 2018

RITA PORTELA – Um Coração Magnânimo!



RITA PORTELA – Um Coração Magnânimo!

Antonio Gallas
Jornalista e escritor

               Há exatamente uma semana ela partia para o além deixando em todos nós uma dor, uma tristeza, uma grande saudade...
               As pessoas costumam  dizer que “quem quiser ser bom que morra”! Mas na verdade, não é bem assim. Há pessoas que nascem, crescem, vivem e morrem com a bondade no coração.  Essas pessoas jamais saem de nossas mentes, de nosso convívio, mesmo depois de se mudarem para o paraíso.
               É o caso de minha amiga Rita de Cássia Nóbrega Portela, a Rita Portela, ou, a Ritinha como comumente a chamávamos.
               Nasceu, cresceu, viveu e morreu com a bondade em seu coração.
               Minha amizade com a Rita começou tão logo cheguei a Parnaíba e perdurará para sempre, eternamente...
               Lembro-me muito bem como se fosse hoje, quando esta amizade começou. Foi numa tarde de Março do ano de 1972 no Ginásio Clóvis Salgado.
               Por recomendação da professora Elza Maria Marques Costa, diretora da Escola Comercial de Parnaíba à época, onde consegui meu primeiro emprego como professor de inglês em Parnaíba, fui ao Ginásio Clóvis Salgado falar com a professora Maria da Penha Fonte e Silva, então diretora do educandário, para tentar conseguir uma vaga naquele conceituado estabelecimento de ensino da cidade. A resposta da ilustre mestra parnaibana foi negativa, afirmando que o ginásio já contava com dois professores de inglês, catedráticos.
               Não fiquei desiludido com a resposta NÃO, uma vez que estava recém-chegado na cidade e ainda não era conhecido profissionalmente. Entretanto antes de deixar o prédio do colégio, uma pessoinha simpática com um largo sorriso estampado no rosto, sentada a uma mesa na secretaria da escola chamou-me e disse o seguinte: - “professor, eu também sou professora de inglês aqui. Tenho quatro turmas de primeira série (hoje corresponde ao sexto ano  do ensino fundamental). Vou lhe dar as minhas turmas”.
               Fiquei surpreso, meio encabulado, mas ao mesmo tempo feliz!  E passei então a me perguntar: como, neste mundo cheio de pessoas egoístas, alguém poderia abdicar de algo que lhe renderia um salário mensal em favor de uma pessoa desconhecida?
               Daí então pude avaliar quão magnânimo, quão bondoso era o coração da Rita Portela. Presentes a esta sua atitude estavam a Salete Menezes e a Toinha que trabalhavam na secretaria e mais duas outras pessoas que não recordo agora quem eram.
               Trabalhei no Clóvis Salgado até dezembro de 1982 quando então me desliguei para em janeiro de 1983 assumir um cargo na carreira administrativa do Banco do Brasil na cidade maranhense de Barreirinhas localizada nos “Lençóis Maranhenses”.
               A Rita foi uma dessas pessoas que sabia cativar os amigos. Soube viver a vida, intensamente. Sempre com alegria! Bebeu, sorriu, dançou, amou, nos abraçou, nos beijou e sempre trazendo uma mensagem de paz, de carinho, de conforto, de positividade...  Não teve filhos, mas criou a Ana Paula e os dois filhos desta, dando-lhes aconchego, conforto, educação e carinho como se fossem seus próprios filhos. Mais uma prova de seu coração bondoso.
               Na tarde do dia 17 de fevereiro de 2018 recebemos a triste notícia de que nossa amiga havia partido para o encontro com Deus. Foi para a morada que o PAI havia preparado para ela. Ficamos tristes, choramos, mas temos certeza de que por tudo que ela fez de bem aqui nesta terra ela está feliz, na casa de Deus.
                Rita foi sepultada na manhã de domingo, dia 18, no Cemitério da Igualdade com um grande acompanhamento.
               Embora tristes pelo seu falecimento, a Rita, durante o seu velório, ainda nos proporcionou o prazer de reencontrarmos colegas que há muito não nos víamos, como a professora Luzia Margarida e outros, assim como ex-alunos como o grupo da turma concludentes do ginásio do ano de 1977 que recentemente, juntamente com ela comemoraram festivamente os 40 anos dessa formatura.   

Fonte da fotografia e do texto: Blog do Professor Gallas

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Boca de forno...jacarandá...se não for, apanha!



Boca de forno...jacarandá...se não for, apanha!

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

 Líder grita: Boca de forno. Garotada responde: Forno. Líder: Jacarandá. Garotada grita: Dá. Líder aumenta o tom: Se eu mandar. Garotada animada: Vou. Líder ameaça mais alto: Se não for? Garotada surpreende: Apanha. Líder, decidindo: Reman, reman, quem trouxer... Todos os comandados ouvem, atentos, a ordem para tarefa ingrata, e correm para cumpri-la. Quem regressar de mãos vazias, leva uma palmadinha. A folclórica e inocente brincadeira encontra-se desaparecida da moderna geração adolescente, perde a inocência, ludibriada com as fantasias virtuais. A brincadeira, continua, mas  diabólica, na ciranda de adultos poderosos da República. No Piauí, principalmente. Volto já ao assunto.

Minha doce infância, anos 50, modesta Teresina, Piçarra piçarrenta,  inúmeras casas de palha, ruas sem água encanada nem calçamento e iluminação pública. Noites de lua cheinha de luz, mocinhas e crianças brincavam de ciranda, meio da rua, boca de forno, jacarandá. Ainda pirralho, sentava-me na calçada da bodega de meus pais, Martinho e Dedé. Divertia-me só de ver a bela Princesa, filha de Seu Artur e Dona Mariquesa, comandando o círculo de cantigas e canduras. Princesa mais tarde casaria com o empresário Nilo, proprietário de livraria, hoje várias filiais nas mãos prósperas dos herdeiros.

“Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar/Vamos dar meia volta/Meia volta vamos dar!” O tempo passou.Volto a  outras cirandas e bocas de fornos diabólicos a engabelar a opinião pública com rodeios, tapeações, falsas promessas e desvios de dinheiro público. Enchem a cara de hipocrisias e risos a fim de esconder fortunas das bocas de fumo, verbas públicas. Milhões de cidadãos, coitados, na ciranda das precariedades nos serviços públicos. A ciranda de governantes dança, carnavaleia, turistando mundo afora, tripudiando sobre salários atrasados dos funcionários, discurso arrocho em vista a responsabilidades fiscais No Palácio, repartições e setores da imprensa, porém, distribuem-se comissões a centenas de comandados, que,  “se ele mandar...vou...se não for...” não pega “faz-me rir” e bacalhau. Subservientes até por talagada de propina, mesmo que uma bolsinha contra fome.

Genial Luís Gonzaga gravou a bela e popular canção (Boca de Forno)  da garotada, em 1982. A brincadeira estimula a agilidade, capacidade motora, talento, concorrência decente. Buscar a prenda sem punição (e Lava Jato) ou recompensa falsa. Ciranda do companheirismo decente, sem passar a perna para derrubar os outros. Sem consciência imunda.

A esperança de nosso povo anda por um fio de perder a fé no impossível de acontecer: justiça, caça aos larápios da merenda escolar, saúde dos velhinhos, crianças e senhoras grávidas, sem leitos nem atendimento. Puxa-sacos e vira casacas correm às bocas de forno e jacarandás, atrás da ajudinha em troca da dignidade. Sem méritos, sem convicções sociais, sem patriotismo. É a pátria pelo prato.

Na infância, sonhei belos castelos, mesmo na pobreza de meus pais. Na modesta bodega, depois farmácia, vi-os conquistar a prosperidade, mas distribuindo generosidades aos mais pobres. Nós, filhos, herdamos-lhes virtudes como dádivas. Hoje, observo quão cruel a dura realidade por que atravessam milhões de brasileiros. Esvaíram-se sonhos extraídos das brincadeiras de cirandas de antanho: coleguismo prazeroso, agilidade, mérito e justiça. Hoje, só desencanto, assistindo a tragédias sociais e morais, a ponto de, em vez das cirandas, cirandinhas e boca de forno, revivo, outrossim, versos do soneto de Augusto dos Anjos: “Meu coração tem catedrais imensas/ Templos de priscas e longínquas datas,/Onde um nume de amor, em serenatas,/Canta a aleluia virginal das crenças/... No desespero dos iconoclastas/Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!"   

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Força bruta


Considerando que uma imagem vale mais do que mil palavras: sem comentários.

O título da postagem foi posto pelo médico e autor da fotografia Andrey Lima, filho dos amigos Benedita e Raimundo Sousa Lima, magistrados aposentados. 

Dona Antonia do Acácio e Minha Formação


Fontes das fotos: site da APAL

Dona Antonia do Acácio e Minha Formação

Pádua Marques
Jornalista e escritor

Logo no inicio dessa semana que finda a morte andou dando um passeio muito próximo de nossa família. Quando a gente chega numa certa idade já pouco causa surpresa a visita entre nós dessa indesejada e traiçoeira, principalmente se aquela pessoa de nossa estima ou proximidade de parentesco se encontre em leito e doente. Foi o caso de dona Antonia.

Minha mãe a chamava Antonia do Acácio porque foi casada por pouco tempo com seu primeiro irmão e com quem teve três filhos, hoje todos beirando os setenta anos. Meu irmão mais velho, o Cariri e minha irmã Maria do Socorro eram seus compadres, padrinhos de dois filhos dela com seu Zé Martins, seu segundo marido e que lhe deu sete filhos.

Largada de meu tio, que foi embora pro Rio de Janeiro e nunca mais deu notícias, naqueles anos após a Segunda Guerra, com três filhos pequenos pra criar, se juntou com um homem que tinha outra família, seu Zé Martins e com ele depois de alguns anos entrou de Maranhão adentro, no São Paulo, região de Araioses, fronteira com a Barra do Longá, Buriti dos Lopes, indo morar numas chamadas sobras de terra pertencentes a um homem metido a rico da Parnaíba, o Tomás Neto.

Dona Antonia, mesmo tendo motivos por ter sido abandonada por meu tio e com três filhos pequenos nunca ficou diferente ou intrigada com minha mãe. Muito pelo contrário. Já vivendo no São Paulo e com os filhos em idade de mandar pra escola vinha pedir ajuda à cunhadinha, pra que uma de suas filhas, Rosalina, estudasse e morasse em nossa casa por algum tempo enquanto ela se arrumava pra vir viver e botar  os outros na escola em Parnaíba. E sempre foi recebida em nossa casa com grande alegria.

Nas nossas férias da escola primária, eu, Zezinho e Jesus íamos pro São Paulo passar alguns dias naquele interior distante e tão pobre de um tudo, onde não havia qualquer sinal de conforto. Mas foi numa dessas férias que aconteceu um dos fatos mais engraçados comigo e que até hoje conto em casa.

Numa Semana Santa do distante 1969 fui sozinho passar uns três dias na casa de dona Antonia e de seu Zé no São Paulo. Conheceria pela primeira vez uma farinhada. Chegamos numa sexta-feira ao cair da tarde e já no dia seguinte, sábado, seria a vez de conhecer toda aquela arrumação na casa de seu Paulo Zebra.

A casa de taipa e coberta de palha de carnaúba, pouco ou quase nenhum conforto da cidade, com todas aquelas crianças, humildes, cerimoniosas com aquele menino de cidade grande, foi pra mim motivo de muita admiração. Interessante é que não tinha portas! Apenas armações feitas de talos grossos de uma palmeira, que à noite eram colocadas na cozinha e na porta da frente. Dona Antonia e seu Zé tinham três jumentos, os jipes pra qualquer tempo, hora e lugar.

Numa dessas noites, com saudade de casa, demorei a pegar no sono. E como quase todo menino de meu tempo, tinha medo de alma e chupava o dedo polegar. Lá pelas tantas senti que alguma coisa muito grande estava muito perto de minha rede. Caí na besteira de, mesmo no escuro, apurar a vista. E não é que erra um jumento?! Alguém de casa, um dos meninos talvez, não teve o cuidado suficiente e deixou de colocar a dita improvisação de porta no seu devido lugar. O animal procurando um abrigo entrou e veio se acomodar justo perto de mim!

Mas dona Antonia gostava de ler. Quando vinha resolver alguma coisa em Parnaíba pedia pra minhas irmãs revistas de fotonovelas. Era pra quando desse uma folga no trabalho de casa correr os olhos naquelas maravilhas da literatura depois de ouvir novelas num rádio Semp.  Menino curioso nascido na cidade, já na escola e tirando boas notas, encontrei justo numa tarde do domingo, véspera de minha volta pra casa entre objetos esquecidos, um livro que me foi determinante até hoje, Minha Formação, de Joaquim Nabuco.      

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

UM POLÍTICO DE MUITA SORTE



UM POLÍTICO DE MUITA SORTE

Antônio Francisco Sousa
Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com) 

                Não há como negar que o atual chefe do poder executivo federal é um homem de sorte. E não pelo motivo que alguns possam estar lucubrando: ter uma jovem e bela mulher a seu lado. Primeiramente, o mandato lhe caiu às mãos graças à ineficiência, à turra, birra, à teimosia, falta de tato e traquejo, à antipatia, ausência de empatia da presidente de quem foi vice. Notadamente, para a parte mais esclarecida da população, foram esses defeitos, aliados a inegável incompetência para bem administrar qualquer coisa, ainda mais um país com as peculiaridades e singularidades do nosso, que a fizeram perder o mandato; por não saber, nem querer negociar com o congresso nacional, não ouvir as diversas forças econômicas e políticas nacionais, às quais todo e qualquer dirigente ou gestor deve dar crédito, acatar sugestões ou decisões; preferiu decidir por moto e conta próprios, baseada, mais em ponto de vista ou opinião particular, do que em fatos, sem escutar auxiliares, subordinados, nem mesmo o povo quando este precisava ser ouvido.

                Pragmático – como não? Em nenhum momento, tirou de foco a manutenção de sua condição de presidente -, contrariamente à sua antecessora, ouviu auxiliares mais próximos, instituições judiciais, enfim, pessoas e entidades que pudessem clarear situações julgadas, a princípio, pouco cristalinas, questionáveis.  Não se furtou em, valendo-se do tesouro nacional, melhor dizendo, dos recursos providos pelo conjunto dos brasileiros, negociar, barganhar - quando a situação exigia isso, o que ocorreu e, ainda ocorre, visando, e aqui reiteramos, não perder o status quo conquistado - com todo e qualquer parceiro havido por útil. Fato é, igualmente inegável, que se mostrou obstinado e, graças à nata condição de hábil negociador, conseguiu algumas vitórias. Dobrar o congresso nacional, amansar o poder judiciário e diminuir a pretensa força do ministério público foi uma delas, talvez, nem a mais difícil. Fez parte das reformas a que se propôs, possibilitou que a economia desse uma guinada positiva, um salto considerável, reduzindo juros o que, por sua vez, induziu uma queda na inflação e estagnação no nível de desemprego; afastou um pouco o país da ingrata e nefasta situação em que o recebeu da presidente expurgada pelo parlamento e judiciário federais.

                Não resta dúvida de que a mais dura das batalhas, a pela reforma da previdência social, seguiu, não raro, por caminhos e vielas que quase o fizeram perdê-la de vista; no que disse respeito a ela, em nenhum momento, o processo amainou ou navegou em águas calmas; o parlamento, que se mostrara flexível, senão, obediente, diante de outras de suas proposituras, não quis ser co-protagonista de uma missão tão grave quanto radical. Há que se ressaltar que os subterfúgios com os quais tentaram obnubilar o assunto, muita mentira, ficção, desonestidade, demagogia, enodoaram as discussões sobre tema tão paradigmático em relação ao serviço público federal.

                Ainda que não admitisse, restava muito claro que a reforma previdenciária, nos moldes a que se propunha fazê-la – aprovada com os remendos de agora, após tantas e tão descabidas negociatas, manutenção de privilégios espúrios, logo, logo precisaria ser reformada -, drástica e, invasivamente radical, através de emenda constitucional não assimilada, não compreendida, nem aceita com a facilidade que se queria, não lograria êxito: o congresso nacional não se sentia à  vontade  para chancelar fato de tamanha importância e envergadura para a vida  da nação, mormente, em  ano de eleições gerais.

                Novamente, a sorte esteve ao lado do “presidente golpista”, “não legítimo”, como ainda apregoam brasileiros que, nem às decisões do poder judiciário e do parlamento de um país que pratica o beatificado estado democrático de direito, aceitam: uma intervenção federal na segurança do estado fluminense – a pedido, consoante souberam todos que de, algum modo tiveram acesso às diversas modalidades de mídia informativa, nos últimos dias - caiu-lhe no colo e decretou uma trégua na dificílima negociação, tramitação e votação da proposta de emenda constitucional de reforma da previdência, enquanto durar a situação: coincidentemente, até  o fim do mandato do presidente da república e do governo carioca. 

                Fato é, queiramos ou não o admitir, o atual presidente de todos os brasileiros, dentro do conceito usualmente admitido para o que vem a ser a política que por aqui se pratica – na qual, invariavelmente, os fins justificam os meios -, é um hábil político, exímio negociador – melhor ainda, claro, quando se vale de recursos que não oriundos do próprio patrimônio -, além de um sortudo contumaz: primeiramente, ao se unir a uma pessoa de difícil convivência, como foi sua antecessora, de quem, no curso do mandato, por impeachment jurídico-parlamentar dela, gratuitamente, herdou o cargo; depois, ao encontrar no congresso nacional, ministério público e parte do poder judiciário, leitores ou seguidores de sua cartilha política; e, agora, quando já se fazia quase iminente sua derrocada na aprovação da maior de suas obras administrativas, a reforma previdenciária, eis que um ato de força maior, uma intervenção federal, o livra de derrota, ao impedir o congresso nacional de dar sequência em tal proposta de emenda constitucional.

“Georgina”, de Luiza Amélia, ganha reedição


Daniel Ciarlini e Pádua Marques

“Georgina”, de Luiza Amélia, ganha reedição

Pádua Marques

A literatura piauiense tem motivos de sobra para comemorar, afinal, depois de 125 anos, Georgina ou os efeitos do amor, obra máxima da poetisa piauiense Luiza Amélia de Queiroz, foi reeditada e virá a público nas próximas semanas, em Teresina. Os créditos recaem para a equipe do Núcleo de Estudos de Literatura Piauiense (NELIPI), vinculado à Universidade Estadual do Piauí e coordenado pela professora doutora Algemira de Macêdo Mendes.

A reedição, que conta com a organização e a apresentação do parnaibano Daniel Castello Branco Ciarlini e Algemira de Macêdo Mendes, e texto de orelha de Rosana Cássia Kamita, importante nome nos estudos de literatura e gênero do Brasil (UFSC), é um dos mais ousados empreendimentos de resgate das letras piauienses nos últimos tempos.

Dividida em cinco cantos que somam mais de 3 mil versos polimétricos, Georgina é, na realidade, uma narrativa em versos, protagonizada por um casal, Acrísio e aquela que dá título à obra. O livro traz ainda um bônus aos leitores: inúmeros outros poemas inéditos da poetisa, publicados no século XIX, quando ela então colaborava para o Almanaque de Lembranças Luso Brasileiro.

“Georgina, de Luiza Amélia, é de suma importância às letras do Piauí e interessa muitíssimo à historiografia literária de Parnaíba, afinal, foi nessa cidade que a poetisa viveu a maior parte de sua vida e escreveu parte considerável dessa narrativa em versos”, afirmou Daniel Ciarlini, um dos organizadores da reedição.

O projeto gráfico do livro tem a assinatura de Marleide Lins de Albuquerque e ilustração de Jheine A. Cunha.    

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

DEPOIMENTO SOBRE JOSÉ ELMAR DE MELO CARVALHO


Fonte: site APL

DEPOIMENTO SOBRE JOSÉ ELMAR DE MELO CARVALHO

Alcenor Candeira Filho
Escritor e poeta. Membro da APL

     Já me manifestei por escrito sobre a obra literária de Elmar Carvalho em quatro momentos, todos revestidos de caráter solene e público: 1994, com o discurso de recepção na posse do poeta na Academia Parnaibana de Letras; l996, com a apresentação de ROSA DOS VENTOS GERAIS na noite do lançamento em Parnaíba; 2010, com a apresentação de POEMITOS DA PARNAÍBA no lançamento ocorrido no auditório da APAL; 2015, no lançamento do livro CONFISSÕES DE UM JUIZ.

     Formado em administração de empresas e em direito. Magistrado, jornalista, poeta, cronista, crítico literário e romancista, Elmar é autor de vários livros em prosa e em verso, destacando-se ROSAS DOS VENTOS GERAIS, LIRA DOS CINQUENTA ANOS, CONFISSÕES DE UM JUIZ e HISTÓRIAS DE ÉVORA.

     Durante o tempo em que morou em Parnaíba (1975/1982), Elmar participou de vários movimentos culturais, principalmente como presidente do Diretório Acadêmico 3 de Março (CMRV/UFPI) e membro do Movimento Social e Cultural Inovação.

     Na qualidade de literato, Elmar é mais conhecido como poeta e romancista, mas não podemos deixar de lembrar a sua vocação para a crítica literária.

     Mesmo não sendo ainda autor de livro no gênero, Elmar já publicou em revistas e jornais vários textos de crítica literária, voltados especialmente para a análise de obras piauienses.

     O trabalho que Elmar Carvalho vem realizando se afasta da velha crítica historicista, que realça os elementos extrínsecos (biográfico, histórico e sociológico) da obra literária. Ciente de que literatura é acima de tudo “monumento estético”, o escritor tem optado pela chamada “nova crítica”, que valoriza os elementos intrínsecos da obra. Se literatura é a arte da palavra, o texto e a sua interpretação estético-literária é que importa.

     No início de 2010 Elmar Carvalho criou por sugestão de sua filha Elmara o “poetaelmar.blogspot.com.br”.

     Ao longo desses oito anos de existência, o blogue vem divulgando textos em prosa e em verso de sua autoria e artigos e poemas de intelectuais do Piauí e de outros estados brasileiros.

     Elmar Carvalho tornou-se um dos poetas mais importantes da Geração do Mimeógrafo ou dos Anos 70, geração que escreveu uma poesia agressiva – chamada marginal ou alternativa -, caracterizada por uma linguagem livre e contestatória e fortemente impregnada de denúncia.

     Essa poesia social, reveladora de um grande poeta público, se reveste de acentuado sopro épico, como exemplificam os poemas que integram “A Zona Planetária”, título inspirado num prostíbulo de Campo Maior.

     Além da poesia utilitarista, o poeta tem criado também a poesia lírica como se vê no poema “Marítima”.
         
           A mais importante obra poética de Elmar Carvalho – ROSA DOS VENTOS GERAIS -, com três edições, apresenta apreciável diversidade temática, variedade percebida também em termos de gêneros literários, com versos para todas as preferências e gostos: líricos, sociais, épicos, satíricos.

     A partir dessa diversidade, o poeta dividiu a coletânea em quatro partes, que passo a comentar.

      Os poemas da 1ª PARTE são líricos. Falam de amores devastadores, como no “Poema da Mulher Amada”, e de amores idos e vividos, como na “Elegia do Amor Final”.  Aliás, as coisas idas, vividas e revividas predominam na parte inicial do livro.

     O passado não é uma pedra, não é uma campa, por isso nele o poeta mergulha como que em busca do tempo perdido “com seus gemidos/ de fantasmas que/ arrastam correntes/por entre ais doloridos”.

     Conforme está dito em “Eterno Retorno” o passado são “emoções revividas/ e ampliadas/ das sensações/de nervos expostos/ nas carnes pulsantes”. Na esteira da teoria circular, o poeta lembra que “o passado poderoso e renitente/ retorna e continua vívido e presente/ se contorcendo se retorcendo/ e se reacontecendo.

     Já o poema que abre a coletânea – “Autobiografia Zodiacal” – anuncia uma das características marcantes do poeta Elmar Carvalho: sua vinculação com o concretismo, vanguarda que propõe o aproveitamento de recursos espaciais e geométricos como elementos orgânicos do poema.

     A miséria humana, observada numa das regiões mais carentes do país, latejam nos versos que compõem a 2ª PARTE do livro, denominada “Cancioneiro do Fogo”.

     Certamente não são versos incendiários, porque não incitam a rebelião. São versos utilitários, que servem para tornar o ouvido um órgão capaz de ouvir, por exemplo, o ronco sinistro de vísceras famintas:

                                                    “a rosa
                                                    que come
                                                    e consome
                                                    o ‘home’
                                                    mora
                                        em sua víscera sonora
                                                 e o devora
                                        como uma flora
                                                 cancerosa
                                                          rosa carnívora
                                        que aflora e o deflora
                                        de dentro para fora”.
     
     O poeta, sempre interessado em sua época, assume a posição de receptáculo do sofrimento humano, de caixa acústica por meio da qual as pessoas possam tomar conhecimento dos males que as afligem, como neste minúsculo poema “O Favelado”

                                      "O favelado, qual filósofo meditava:
                                      sua miséria era tamanha
                                      que tudo enchia e ainda sobrava”.

     A terceira parte do livro – “Cancioneiro da Terra e da Água” – celebra o Piauí. São versos líricos através dos quais o poeta empreende um passeio sentimental por ruas, praças, praias, campos, casas, catedrais e cidades piauienses. Nesse bloco de composições telúricas, destacam-se, como os mais inspirados e de melhor solução formal, os poemas “Noturno de Oeiras” – resultado de uma viagem física e psicológica que o poeta realizou pelo reino mágico da antiga capital de inúmeras tradições históricas, religiosas e artísticas -, e “Marítima”, escrito no ritmo oceânico do mar, em cujas ondas o poeta assimilou os gestos e o jeito de falar e de ser.



     A vida, respirada, repisada, repensada e/ou reinventada nos ares do Piauí no final do século XX, mas sempre a mesma em qualquer lugar e época, - eis a matéria-prima da poesia reunida na derradeira parte do livro – “Cancioneiro dos Ventos Gerais”.

     A vida em Parnaíba, que o poeta já exaltara em vários poemas inseridos no “Cancioneiro da Terra e da Água´, está presente na série denominada “PoeMitos da Parnaíba”, que retratam tipos curiosos, malucos, miseráveis, humanos.

     Dois poemas se destacam na parte final do livro, ambos de natureza épica na classificação do próprio autor: “Dalilíada”, baseado na vida e na obra do pintor espanhol Salvador Dali, e a “Zona Planetária”, inspirado no cabaré de Campo Maior.

     Num total de 382 versos, distribuídos em 10 segmentos, o poeta focaliza a prostituição através de um processo criativo em que mistura a mitologia clássica, a astronomia e a sociologia dos lupanares.

     O início do poema fornece uma visão geral da promiscuidade do ambiente, onde as emoções são alinhadas pedra a pedra ao som de vitrolas que embala os “que bebem vinho/ e sangue em frágeis taças de cristal”.

      Há versos admiráveis nesse moderno poeta épico, seja pela magia musical, seja pela beleza das imagens. Se a linguagem às vezes ganha sabor classicizante para ajustar-se ao referencial mitológico, assume quase sempre expressividade moderna e contundente, como nos versos de “Marte”, cujo ritmo de rudo açoite parece querer varrer as impurezas da vida instintiva e sublinhar a sublime alvura dos lençóis lavados em lágrimas vertidas nas ressacas das “tempestades do sexo”.

     Com POEMITOS DA PARNAÍBA, obra ilustrada com caricaturas de Gervásio Pires e Castro Neto, Elmar Carvalho revela mais uma faceta de seu talento poético: a produção jocosa, alegre, graciosa, satírica, retratando anatômica e psicologicamente pessoas que foram ou são bastante conhecidas em Parnaíba, a maioria gente humilde.



     Finalmente, CONFISSÕES DE UM JUIZ é um livro de quase duzentas páginas que reúne parte dos textos postados no blog: crônicas, comentários, reminiscências, confissões, reflexões sobre pessoas, bichos e lugares.

     A obra enfatiza na parte inicial as lembranças do burocrata, sobretudo do julgador, do que tem a responsabilidade superior e constitucional de “atribuir a cada um o que é seu”. Responsabilidade imensa a do juiz, que raramente é reconhecido pelo que faz no desempenho da profissão.

     Destaca-se nas primeiras páginas do livro a revelação, em tom de quase desabafo, feito por quem laborou durante quatro décadas na vida pública e dela teve se afastar em razão de aposentadoria fundamentada em tempo de serviço mas motivada verdadeiramente por razões que a própria razão desconhece.

     O juiz Elmar teria ainda outro argumento para justificar a aposentadoria, se essa fosse o seu objetivo: doença grave.

     Mas no fundo o que ele pretendia apesar dos pesares era continuar servindo ao país como magistrado culto, íntegro, justo, bom. Estava plenamente motivado para o trabalho forense por mais algum tempo.

     O comovente depoimento de Elmar sobre os fatos e circunstâncias que precipitaram o pedido de aposentadoria aos 58 anos de idade repercutiu no meio forense e intelectual, com opiniões postadas na internet e comentários inseridos no livro.

     Na 2ª e 3ª PARTES do livro, o autor selecionou textos escritos há algum tempo, vários deles complementando e elucidando fatos focalizados na parte inicial.

     Recentemente Elmar Carvalho publicou o romance HISTÓRIAS DE ÉVORA, que ainda não li.

     Elmar Carvalho é casado com Maria de Fátima de Sousa Carvalho, com quem tem dois filhos. Pertence a várias agremiações culturais e literárias. Ocupa a cadeira nº 10 da Academia Piauiense de Letras e a de nº 07 da Academia Parnaibana de Letras.            

                

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

O poder da toga




O poder da toga

Zózimo Tavares
Jornalista e escritor. Membro da APL

Muitas questões de grande repercussão na vida coletiva passaram a ser decididas pelos magistrados, nas mais diferentes instâncias. Daí um termo entrou em voga na atualidade, no Brasil: judicialização.

Para a solução de tudo o quanto é conflito bate-se à porta da Justiça. Quase nada mais escapa ao crivo dos juízes e tribunais.

Nesse novo cenário, matérias que comumente eram da alçada de outros Poderes passaram à arena do Judiciário. E, assim, as decisões judiciais ganham as manchetes de jornais, ocupam destaques nos noticiários de rádio e TV, esquentam as discussões nas redes sociais, fermentam os debates acadêmicos e animam até os bate-papos de mesa de bar.

O novo contexto leva os juízes a ocuparem espaço central na agenda pública, tornando-se mais presentes e mais visíveis na sociedade e na mídia. Assim, em muitos casos, aquele magistrado que só falava nos autos está praticamente aposentado.

Ativismo

Em tempos de crescente ativismo judicial, como se convencionou chamar este momento, eis que uma obra instigante vem a lume expondo e interpretando esta nova realidade. Trata-se de “Criatividade Judicial – limites, justiça e legitimidade”.

Seu autor é o desembargador Arnaldo Boson Paes, vice-presidente e corregedor do Tribunal Regional do Trabalho do Piauí e também professor universitário e escritor.

Publicado pela Editora RTM, de Belo Horizonte, a obra resulta de pesquisas e reflexões acadêmicas do autor.

O texto foi originalmente produzido em 2004, no Curso de Mestrado em Direito Constitucional, junto à Universidade Federal do Ceará. Ou seja, o autor, hoje doutor em Direito do Trabalho e em Direito das Relações Sociais, antecipou em muito o debate sobre o protagonismo do Judiciário.

A obra apresenta uma ideia do Direito e do poder que o cria, a revelação entre dogmática jurídica e “dogma” da separação dos Poderes. Também examina a jurisprudência como fonte do Direito em diversas escolas de interpretação e no pensamento jurídico contemporâneo.

A criatividade judicial

O livro defende ainda a adoção de um modelo crítico de Direito, passando a compreendê-lo como instrumento de realização da Justiça no caso concreto, a partir da dimensão criativa da atividade judicial.

Nessa perspectiva, examina os limites da criatividade judicial, a busca da solução justa no caso concreto e a legitimidade democrática do direito produzido por juízes e tribunais.

Em resumo, uma obra fundamental para compreensão do poder da toga e dos voláteis dias correntes.  


Fonte do texto e das fotografias: portal Cidade Verde