quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

O PAÍS DAS DISPARIDADES

Fonte: Google


O PAÍS DAS DISPARIDADES
                                  
Cunha e Silva Filho


          Não pense o leitor que eu tenha alguma pretensão ou veleidade de ser um analista  da realidade brasileira como se fora um cientista político, um sociólogo,  um historiador ou um pensador. Ao meu texto simplesmente aplicaria a classificação de  gênero crônica, ou artigo de opinião. Nada mais do que isso. Meu texto  não está  repleto de quadros  estatísticos,  de porcentagens, de  gráficos,  de pesquisa  de campo,  de embasamento teórico com a sua terminologia própria e  o seu jargão técnico girando em torno de uma hipótese de trabalho. Seria, antes uma conversa (escrita) com um  leitor indeterminado, um leitor geral, em bate-papo  descontraído  e salutar, quiçá se aproximando (me perdoe a indevida comparação) de um “resmungo” à Ferreira  Gullar (1930-2016) ou à Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).
          Se falar do título até diria que me inspirei numa nota  aposta a uma reportagem  de um   jornal  de ampla circulação.  Meu texto apenas quer se comunicar claramente com  alguém,  ou algum leitor que, por acaso,  me venha a ler e que, talvez, nem me conheça  bem.  A minha intenção, contudo,  é boa e não fará mal a ninguém, a menos que seja uma pessoa  extremista ou radical em questões  da realidade social  do país.
      Imitando uma ficha  de dados sobre um autor  analisado, apresentada por um  eminente crítico literário  brasileiro, que, agora,  anda um pouco afastado  dos arraiais literários ou acadêmicos, veja o que  mostro na  ficha abaixo:

Brasil: pais de dimensões continentais;
População:  muito populoso, com um crescente   contingente de  idosos;
Língua oficial: língua portuguesa;
Classes sociais:    miseráveis,  pobres,   classe média baixa (difusa, a bem dizer, de difícil classificação),  média, média alta,  elite  econômica (alta burguesia), bilionários;
Níveis de escolaridade: analfabetos,  analfabetos  funcionais,  semiletrados, letrados,  altamente letrados (um parêntese: no  ensino da matemática,  o rendimento nacional se mostra  pleno de “disparidades”:  escolas com baixo rendimento em matemática, em contraste  flagrante com  escolas públicas (poucas) e privadas com alto rendimento  nessa disciplina. Se, porém, olhar-se   para o grupo de elite (no sentido cultural) no  desempenho da matemática,  vê-se que o Brasil,   contraditoriamente,  se alça, dentro dos parâmetros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a uma  posição    que já ombreia com os países com  o altíssimo  nível da União Matemática Internacional. Quer dizer,   o país  revela ser um mosaico  que vai  dos baixos níveis da educação mundial ao mais alto nível dos países  de economia  avançada.
Maiores problemas: corrupção política,  violência crescente, tráfico de drogas e de armas pesadas,  facções criminosas, dentro dos presídios e fora deles, sobretudo nas capitais do país.
    
    Ora,  tal estratificação sóciocultural, agravada pelas suas mazelas,  dá o que pensar e ainda torna mais  contraditória e complexa  a situação anômala do Estado  Brasileiro. Diante dessa   complexidade  de modos de ser de uma nação, é fácil de entender por que o pais não cresce harmoniosamente nos setores mais  vitais  a fim de que  se alcance  um melhoria significativa  que nos conduza a um  bem-estar   mais igualitário, mais humano, mais justo. Está aos olhos de quem tem experiência  que  o Brasil é vítima  de uma  perniciosa  concentração de renda, onde uns poucos vivem  como   qualquer rico de um pais adiantado ou não.  E tal concentração tende a aumentar à medida em que  os ventos  do capitalismo  global soprem com  a rapidez e fúria devastadora.
       A avidez do lucro e da mais valia, da reserva de mercado  pandêmica nada deixam de pé na sua passagem  em busca   do lucro  e da acumulação de riqueza  unilateralmente. Da pobreza alheia dos anônimos, sempre desavisados  e inconscientes,  nasce a opulência dos  tycoons.   A riqueza não é subjetiva, mas é dura   qual  uma pedra. A objetividade é a sua falta de limite mais perseguido.
     Neste contexto  social  é que  o país  se situa  e define  o que  seja melhor  aos plantonistas dos  poderes  político e  econômico. Neste mesmo contexto é que os destinos da nação são traçados a peso de ouro (ou de propina deslavada e cínica).
    Ao mesmo tempo em que o país  está bem adiantado na burocracia  federal,  estadual ou municipal altamente  informatizada e,  por conseguinte,  controlando  todo os passos, por exemplo, dos servidores  públicos,  em outros setores também  públicos  tudo está mal  administrado,  mal gerido  e suscetível  de desvios  de verbas, peculatos e corrupção ativa ou passiva  crônicas, a despeito  de algumas vitórias  do Ministério Público e da Polícia Federal, os setores  como educação,  segurança, saúde e transporte estão, no geral,   deixando  ainda  muito a  desejar  no que concerne a benefícios sociais  prestados  ao  contribuinte  pelo  país afora.
     Afirmar-se, pelas mensagens de governantes, que o país está saindo  do sufoco  da recessão, que o consumidor está comprando mais e que a economia está retomando seu  rumo certo é uma meia-verdade,  porquanto ainda há muito que caminhar  na direção das correções cabíveis, a começar   das ações do próprio  governo federal que, à outrance,  teimam em  modificar  a Previdência Social sem  consultar  a população brasileira e sem um amplo debate entre ela e o governo.   
     Quando  um autoritário  e   soberbo  relator  do projeto de  reforma  previdenciária admite  em público que o país tem uma contingente   significativo de  idosos e nestes  em parte  põe a culpa  pelos  desatinos  do perdulário  governo  federal, ele está  desrespeitando  essa faixa  de aposentados que não tem  nenhuma responsabilidade  pelos  desastres   da administração   Temer e dos governos que  o antecederam. Ao contrário,  os aposentados do governo  federal foram penalizados com uma espécie de confisco obrigatório,  que foi o desconto, na folha de pagamento dos servidores, do que chamam de  “contribuição para  seguridade social  de aposentadoria,”  ou seja,  os servidores, que já descontaram  tanto no período  ativo,  quando aposentados,   sofreram essa redução compulsória nos seus vencimentos. Lembro, a propósito,  que  esse desconto para a seguridade social,  foi  efetivado no  bondoso governo  Lula.
    Enquanto o pais de contrastes   e, por tabela, de  desigualdades e injustiças, vai tecendo sua teia mefistofélica e draculiana de arbitrariedades e desídias  administrativas, a sociedade, cindida em vários sentidos, vai vivendo sua dolce vita felliniana dentro das divisões  firmemente  impostas  pelos donos do poder continuamente  realimentador    do status quo   desigual e  autoritário e com aparência de fazer  os tolos  pensarem que  tudo se está   mudando para o bem geral da nação  e do seu povo   “cordial” e pândego.
   Em outras palavras, excetuando os miseráveis que nada podem,  os ricos continuarão ainda mais ricos e a classe média lato sensu se endividando  pelo  canto de sereia do consumismo,  vão, como podem, aguentando o tranco e eu a me lembrar dos versos do poeta da saudade:  A vida é uma girândola  na alvorada/ao retinir dos   guizos de vidro da Folia/Evoé Evoé!   

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

As Minhas Copas do Mundo de Futebol(2)

Fonte: Google


As Minhas Copas do Mundo de Futebol (2)

José Pedro Araújo
Romancista, contista e historiador

Na Copa de 1978 eu já estava de volta ao Maranhão depois de concluir o curso de Engenharia Agronômica. Pela primeira vez desconfiou-se que a FIFA era influenciável, manipulável. Até hoje se acredita que aquela foi a copa dos generais argentinos.

Trabalhando na EMATER, na pequena cidade de Lago Verde-MA, estava mais uma vez obrigado a ouvir as transmissões pelo rádio, pois a cidade, entre outras coisas, não nos oferecia a possibilidade de sentar de frente a uma tevê e apreciar alguma imagem nela refletida. Teimei contra isso e viajei para Bacabal na véspera do primeiro jogo contra a Suécia. Teimei e me dei mal. Tentei assistir a partida na televisão do hotel em que costumava me hospedar quando ia àquela cidade, mas a imagem era tão ruim que somente de tempos em tempos víamos a bola rolar no gramado. E mesmo assim, ainda precisávamos contar com a ajuda de um rádio, uma vez que o som também se restringia a um chiado horroroso.

Começamos aquela Copa com um empate melancólico em zero a zero. Contra a Espanha, na partida seguinte, outro empate sem gols. Era desestimulante. Fiquei em Lago Verde no dia da segunda partida por dever de ofício.  Meu Motorádio foi a minha escapatória.  Já para a terceira partida, havia ouvido dizer que no entroncamento rodoviário para Lago da Pedra havia um restaurante cujo proprietário tinha instalado uma antena muito alta em uma sucessão de varas de madeira. Afirmavam que lá no alto a antena conseguia captar uma imagem quase perfeita. Fui conferir. Não era tão perto assim, mas se valia a pena não poderia perder a oportunidade.

Chegamos ao local animados, mas qual não foi a nossa decepção: o padrão era o mesmo que vi na TV em Bacabal. Retornei chateado e, como se diz por aqui, por cima do rastro, e só fui saber que o Brasil havia ganhado pelo magro placar de 1x0 da Áustria ao chegar de volta a Lago Verde. Estávamos classificados para a segunda fase, contudo. E isso era o que contava.

Véspera do jogo contra o Peru, na segunda fase, fui convocado pelo Coordenador da empresa, em Bacabal, para uma reunião. Aproveitei o ensejo para solicitar uma folga durante o restante da semana. Ansiava ir a São Luís. Acompanhando o meu amigo João Carlos, conhecido desde os tempos da UFRPE, viajei em seu Fusca cor de abacate, com direito ainda a hospedagem na casa de seus pais que residiam no bairro São Francisco. Vi o jogo em uma TV colorida de 20 polegadas. O máximo. E o Brasil jogou esplendidamente bem, ganhando do Peru por 3x0. E ainda ficamos na cidade até domingo para vermos a partida do esquadrão nacional contra a Argentina.

A seleção jogou muito bem e esteve perto de marcar, dominando os nossos adversários apesar de jogarem em casa. O empate em 0x0 não fez justiça ao melhor time em campo. Mas, enfim, restava torcer para vencermos bem a Polônia e fazermos um bom saldo de gols. Ganhamos bem, pelo placar de 3x1, e somamos um saldo de 5 gols. Mas a Argentina não poderia ganhar do Peru por um placar maior que três gols de diferença para passarmos para a fase seguinte. E achávamos que seria muito difícil que eles batessem o time peruano por um placar tão elástico que nos tirasse da decisão da copa.

Mas, o que vimos em campo foi uma seleção peruana entregue, batida em campo desde o primeiro tempo, o que nos levou a ponderar que eles haviam facilitado o jogo para os argentinos. Perderam por 6x0 e até hoje dizem que eles, de fato, entregaram o jogo, pressionados que foram pelos generais de plantão, e pela própria FIFA.  Fomos disputar o terceiro lugar e os argentinos seguiram para decidir com os holandeses.

Vencemos a Itália pelo placar de 2x1, enquanto o carrossel holandês foi batido pela Argentina pelo placar de 3x1, em um jogo em que os holandeses estiveram perto de ganhar o jogo. Mas surgiu o herói de plantão, o cabeludo Mário Kempes, da Argentina, que estava em dia inspiradíssimo e mudou o resultado do jogo. Assisti aos dois jogos da final  que definiria os classificados do primeiro ao quarto lugar em Bacabal, para onde retornei após a eliminação do Brasil da disputa do primeiro lugar. Assisti é o modo de dizer, pois voltei para a TV quase sem imagem assessorada por um rádio de pilhas. Mas, não fazia mal: já havia perdido o interesse pela copa do mundo na Argentina com a eliminação do Brasil de forma tão dolorida. Saímos da copa sem perder uma partida sequer, e com o sentimento de que merecíamos, pelo menos, disputar com a Holanda a final do certame.

Em 1982 já estava residindo novamente em Teresina, e também já estava casado. Assistia aos jogos na minha própria casa, junto com a minha mulher e com alguns amigos. A copa foi jogada novamente na Europa, na Espanha, mais precisamente. E enviamos uma seleção de altíssimo nível e, em contra partida, ficamos aqui com uma enorme esperança de trazer de lá o caneco que não ganhávamos desde a copa de 70. Zico, Falcão, Sócrates, Cerezo, e companhia, compunham uma seleção de respeito que, comandada por Telê Santana, encantou o mundo com um futebol de altíssimo nível.

O Brasil, como não se via desde a copa de 70, vestiu-se inteiro de verde-amarelo para torcer pelos nossos craques na Espanha. E eles já haviam nos mostrado que podíamos confiar, desde quando jogamos as eliminatórias e ganhamos os quatro jogos da nossa chave (naquele tempo as seleções sul-americanas eram dividias em quatro grupos, classificando-se as primeiras colocadas de cada um).

Comprei a minha primeira TV em cores (uma Toshiba de 10 polegadas) para assistir aos jogos. Era pequena, não posso negar, sobretudo para os padrões de hoje. Mas era uma satisfação para mim possuir a minha primeira tevê em cores. Juntava um grupo de amigos, como já disse, e entornávamos todas as geladas que aparecessem em incontida alegria.  Apesar do aparelho de TV ser diminuto, a qualidade da imagem era perfeita, isso era o que bastava depois de passar pelas copas anteriores em que ouvia pelo rádio ou assistia em TV’s de outras pessoas. E com imagem péssima, na maioria das vezes, como já afirmei. Fomos muitos bem na primeira fase, apesar do susto contra a Rússia na primeira partida, e passamos para a fase seguinte em primeiro do grupo. E tome festa! E tome cerveja!

Até o jogo contra a Argentina(que vencemos por 3x1), já na segunda fase, íamos esplendidamente bem. Era a copa dos meus sonhos. A primeira que assistia com todo o conforto e como anfitrião de um grupo de amigos. Preparamo-nos como nunca para o jogo com a Itália no funesto Estádio Sarriá, em Barcelona. E aconteceu o que todos sabem: uma derrota inexplicável e muito dolorida. O Brasil jogava contra a Itália, seleção que vinha mal das pernas e havia se classificado a duras penas na primeira fase, após empatar seus três jogos pelo placar de zero a zero. A Itália também era um adversário que vínhamos batendo sistematicamente nas copas anteriores. Mas naquele dia tinha alguém em campo, inspiradíssimos, e que trazia consigo toda a sorte do mundo: o franzino atacante Paolo Rossi. No jogo em que perdemos por 3x2, e que custou a nossa eliminação da final, o centroavante italiano fez o seu hat-trick, assinalou três gols. Os três primeiros gols da Itália naquela Copa.

A partida entrou para a história como “A Tragédia de Sarriá”. O Brasil voltou para casa com a sensação de que algo anormal havia acontecido em campo naquele dia. E eu tomei um porre homérico e fui dormir sem me despedir das visitas. A minha primeira Copa do Mundo em casa, junto à minha mulher e com um numeroso grupo de amigos, terminou com o Brasil em quinto lugar, e uma enorme sensação de que o futebol arte havia sido suplantado pelo jogo prático, dedicado, mas sem brilho. A Itália, a partir daí, ganharia todos os seus jogos e se sagraria campeã do mundo com uma vitória por 3x1 sobre a Alemanha.

Pobre de mim, não sabia o que me reserva o futuro! Um jogo miserável contra uma certa Alemanha!    

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Arraial Velho

Atual catedral de Santo Antônio. A antiga igreja foi demolida. Fonte: Google
Atual igreja de São Bernardo. A antiga foi demolida. Fonte: Google
Atual igreja matriz de Barras. A antiga foi demolida. Fonte: Google


Arraial Velho

Reginaldo Miranda
Da Academia Piauiense de Letras

Em face do debate que se travou para fixar a data de fundação da cidade de Campo Maior, no centro-norte do Piauí, publicamos no ano passado importante artigo sobre o assunto, porque fundamentado em documento irrefutável e bastante esclarecedor.

No entanto, no campo intelectual sempre há margem para discussões e novas descobertas. O homem como ser pensante que é, questionador por natureza, sempre suscitará novos pontos de debate, o que é bom, porque é do questionamento intelectual que nascem as grandes descobertas. Ao final do embate todos sairão vitoriosos porque, às vezes, ainda que uma tese não se confirme ela certamente suscitou o debate e com este o nascimento de outras teses e de outras descobertas.

De fato, no caso de Campo Maior onde sabemos que o fundador Bernardo de Carvalho morou em Bitorocara e depois aparece ao final de sua existência com domicílio no Arraial Velho, é de se questionar se não seriam a mesma localidade? Bitorocara não seria o primitivo nome do Arraial Velho?

Pois bem, em primeiro lugar no artigo anterior comprovamos com a expressão literal do documento, que a cidade de Campo Maior nasceu oriunda de uma fazenda de Bernardo de Carvalho, denominada Santo Antônio. Está lá a localização geográfica da mesma a não deixar dúvidas, assim esclarecendo o assunto. Esse fato está tão claro quanto a luz do sol ao pino do meio-dia.

No entanto, e o Arraial Velho? Por que Arraial? Por que velho? Não seria a primitiva morada de Bernardo de Carvalho?

Felizmente, também localizamos documento esclarecedor dessa situação. O Arraial Velho é quase tão antigo quanto Bitorocara, daí a origem do nome. E foi fundado não por Bernardo de Carvalho, mas pelo seu primitivo proprietário e primeiro mestre-de-campo da conquista do Piauí, Antônio da Cunha Souto Maior, morto pelos indígenas em 1713. E porque deixou dívidas, suas terras foram arrematadas em hasta pública por Bernardo de Carvalho. O Arraial Velho ficava, de fato, na margem esquerda do rio Parnaíba, altura hoje da cidade de São Bernardo, no Maranhão. Ali fixara morada Bernardo de Carvalho, depois que deixara a fazenda Santo Antônio, antiga Bitorocara, hoje cidade de Campo Maior, já erigida em sede de curato. Quem assim esclarece é o capitão da conquista Miguel de Carvalho e Aguiar, filho e herdeiro do arrematante Bernardo de Carvalho e Aguiar, em petição ao rei, no ano de 1733. Alega no petitório que ele e seu defunto pai tinham conquistado muitas terras ao gentio brabo, tanto no Piauí quanto no Maranhão; também, que além dessas terras por eles conquistadas, seu pai havia adquirido em arrematação judicial três fazendas que pertenceram ao falecido mestre-de-campo Antônio da Cunha Souto Maior, denominadas: Campo Largo (na margem do rio Parnaíba, limitando-se com o riacho Piranhas), Arraial Velho, com a contígua fazenda Nazareth (na margem do Parnaíba, lado do Maranhão, ambas com dez léguas de comprido e uma de largo) e São Francisco, sitas na Parnaíba, distrito das ditas conquistas do Piauí e Maranhão. Em face desse pleito, em 28 de janeiro de 1734, foi passada provisão ao ouvidor-geral do Piauí, Francisco Xavier Morato Boroa para tombar e demarcar as referidas terras, o de fato foi feito, concluído e confirmado cinco anos depois (AHU. ACL. CU 016. Cx. 2. D. 103).

Assim, o Arraial Velho e as duas outras fazendas pertenceram ao primeiro mestre-de-campo Antônio da Cunha Souto Maior, somente depois de seu óbito sendo arrematadas pelo seu sucessor no posto militar e, também, no domínio da terra. Este ali fixara residência, abandonando a primitiva Bitorocara, que já ia ganhando foros de urbe sertaneja, com a edificação da igreja e criação curato sob a invocação de Santo Antônio.

Em resumo, Bitorocara perdeu a velha denominação indígena e passou a denominar-se Santo Antônio, sendo hoje a cidade de Campo Maior, no Piauí. Ficava “no sertão dos Alongazes por evocação de Santo Antônio, em um riacho cujas vertentes desaguavam no rio Jenipapo”. Foi terra adquirida por Bernardo de Carvalho, por direito de conquista e povoamento (PT/TT/RGM/C/0008. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 8, fl. 509v).

Por seu turno, o Arraial Velho ficava no Maranhão, onde hoje se situa a cidade de São Bernardo e foi fundada a fazenda por Antônio da Cunha Souto Maior. Ganhou essa denominação porque depois Souto Maior muda seu domicílio para o Piauí, fundando outro Arraial Novo, passando aquele a ser denominado Arraial Velho. Somente depois da morte de Souto Maior, em 1713, é que Bernardo de Carvalho o adquire em arrematação judicial e muda para lá seu domicílio, fundando a povoação que deu origem à cidade de São Bernardo. Portanto, Bitorocara não poderia ser o Arraial Velho porque em 1697, quando o padre Miguel de Carvalho indica ali o domicílio de Bernardo de Carvalho, essas terras ainda nem lhe pertenciam (AHU. ACL. CU 016. Cx. 2. D. 103).

Dessa forma, publicamos mais este esclarecimento sobre a fundação de fazendas por estes dois importantes militares do Piauí e Maranhão colonial. O assunto interessa a Campo Maior e a São Bernardo do Maranhão, assim como a todos os amantes da História.     

domingo, 28 de janeiro de 2018

Seleta Piauiense - Isabel Vilhena

Fonte: Google


O lago

Isabel Vilhena (1896 – 1988)

Na superfície azul das águas transparentes
Sereno e calmo vive o lago a refletir
A grandeza do Céu, os astros reluzentes
E a renda do arvoredo ameno a refletir.

E quem o vê assim na placidez dormente,
Sem um murmúrio vago ou leve proferir,
Nessa aparência mansa e doce de um demente,
Terá brasão demais, de certo, em se iludir!

Revolvei o seu leito! E o tendes já turvado,
Desfeito, emaranhado a renda do arvoredo,
E o calmo adormecer em vagas transformado!

Como o lago também há corações! E quantos!
De aparência feliz, guardando com segredo,
Na placidez de um riso um vendaval de prantos!

Fonte: Antologia dos Poetas Piauienses, de Wilson Carvalho Gonçalves  

sábado, 27 de janeiro de 2018

A fundação da Parnaíba

Igreja de N. S. do Rosário, antes de ser reformada. Acervo de Diderot Mavignier


A fundação da Parnaíba

Reginaldo Miranda (*)

Em face dos tratados internacionais que perduram até os dias de hoje entre Portugal e Inglaterra, sempre foi dúbia, conflituosa e cheia de desconfianças a relação diplomática daquele com a França, velha adversária desta.

Portanto, reinava certa dúvida nessa relação ao final do século XVII, o que levou o rei D. Pedro II, de Portugal, a tomar ao menos duas medidas que indiretamente afetariam o norte do Piauí e influenciariam na colonização do delta parnaibano: a primeira, por carta de 28 de novembro de 1699, mandou o governador e capitão-geral de Pernambuco e mais capitanias anexas, Dom Fernando Martins Mascarenhas de Lencastro a criar e remeter para o Maranhão duas companhias de cem homens cada, com os respectivos postos de dois capitães, dois alferes e quatro sargentos, o que foi concretizado em março do ano seguinte. Essas companhias, que deveriam guarnecer a costa leste-oeste, seguiram para São Luiz, onde chegaram em outubro de 1700, uma delas sendo comandada por Dom Francisco de Castelo Branco, que foi vítima de naufrágio, sobrevivendo com três filhas que, mais tarde, iriam residir no norte do Piauí (AHU. ACL. CU 009. Cx 015. Doc. 1529); a segunda medida protetiva, por meio da mesma autoridade, foi encarregar o coronel de infantaria da ordenança da capitania do Ceará, Leonardo de Sá a perlustrar e estudar a barra do rio Parnaíba, para onde marchou ele “por cabo de 700 homens, entre índios e brancos, vencendo os incômodos daquela jornada em que padeceram repetidos trabalhos, sustentando-se à sua custa e a muitos daquela tropa de que resultou sondar-se a dita barra e conhecer-se a sua capacidade” (PT/TT/RGM/C/0007/380095 – Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 7, f.505v; PT/TT/RGM/C/0007/380094 – Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 7, f.505 e 555).

Foram essas medidas preventivas de defesa da costa leste-oeste uma consequência da política que se desenvolvia na Europa. Em sendo o Parnaíba um rio navegável, com boa penetração para o interior e uma foz em forma de delta, com cinco bocas, era de supor-se que o inimigo aí pudesse penetrar. Portanto, toda cautela seria pouca, o que justifica a estratégica missão de estudo encarregada a Leonardo de Sá.

Como consequência dessa missão e do estudo de capacidade da dita barra, foi em seguida autorizado o deslocamento de um terceiro contingente militar e fundação de um arraial que funcionaria como forte de defesa no estratégico território. Porém, o tempo que demandou entre a tomada dessas medidas e sua execução coincidiu com o de desanexação do Piauí do governo de Pernambuco e sua passagem para o do Maranhão. Em face desses fatos o governador de Pernambuco organizou o novo contingente e o encaminhou ao do Maranhão, Christóvão da Costa Freire, que o remeteu ao seu destino. Fora seu comandante o português João Gomes do Rego, que chegou ao delta parnaibano com seus soldados em 19 de maio de 1708, nesta data dando princípio à fundação do arraial que ficou conhecida por Nossa Senhora de Monserrate da Parnaíba, dele sendo nomeado pelo mesmo governador para o posto de capitão-mor. Foi confirmado pelo rei nesse posto em 16 de dezembro de 1711, para servir pelo tempo de três anos, sem perceber soldo da Real Fazenda, mas gozando “de todas as honras, privilégios, liberdades, isenções e franquezas que em razão do dito posto lhe pertencerem”.

O capitão-mor João Gomes do Rego era natural do reino, de onde passara para a Bahia em 1696, onde servira nos postos de alferes, capitão de infantaria dos terços das ordenanças e o de capitão-mor das entradas na capitania do Piauí, por espaço de 10 anos, 2 meses e 23 dias, antes de passar ao Regimento do Maranhão. Por esse tempo, prestara serviço ao lado de Pedro Barbosa Leal, administrador das minas de salitre, de que nascera entre eles uma relação de amizade e confiança (PT/TT/RGM/C/0007/48211 – Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 7, f.541v).

Portanto, quando João Gomes do Rego veio fundar a vila de N. Sra. de Monserrate da Parnaíba, já era experiente na carreira militar. Depois acrescentaria ao nome o epíteto Barra, talvez em alusão à Barra do Parnaíba, onde fixou residência definitiva e fez fortuna, passando a assinar João Gomes do Rego Barra. E foi de muita importância essa amizade com o abastado fazendeiro Pedro Barbosa Leal, sócio da Casa da Torre, que adquirira direitos sobre extensa área de terra no delta parnaibano. E o militar João Gomes do Rego veio também como seu procurador, para defender seu patrimônio e situar fazendas, razão pela qual não se incomodou pelo fato de não perceber soldos do Real serviço. Certamente, fora tudo acertado na Bahia, onde ambos trabalhavam juntos, em concerto com o governo numa parceria público-privada.

Pode-se dizer, então, que a vila de Nossa Senhora de Monserrate da Parnaíba foi criada com o múltiplo objetivo de defesa territorial, assim como implementação de fazendas, comércio de carnes, couros e exploração de salinas, em cujos ramos já eram experientes seus fundadores. De fato, João Gomes do Rego Barra defendeu o território, não de ataque francês, que nunca veio, mas dos indígenas que se rebelaram por longo período; assim como, situou fazendas para Pedro Barbosa Leal e para si, além de explorar o comércio de sal e gado bovino, fazendo riqueza.

Para que não reste dúvida sobre essa fase inicial da vila, segue trecho do documento de confirmação da patente de capitão-mor de João Gomes de Rego, que lhe fora dada pelo governador Cristóvão da Costa Freire, onde indica claramente a data de fundação do lugar:

 “... passou à Vila Nova da Pernahiba e deu princípio à fundação dela em 19 de maio de 1708, aonde se acha assistente e morador e assim nesta como em as mais ocasiões, se houve com grande desvelo, cuidado e procedimento, experimentando muitas fomes e sedes, fazendo todo este serviço com considerável despesa de sua fazenda, sem da Real receber cousa alguma” (PT/TT/RGM/C/0007/48211. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 7, f.541v).

Ainda em 1711, Pedro Barbosa Leal solicita à Cúria de São Luís do Maranhão, licença para construir uma capela sob a invocação de Nossa Senhora de Monserrate, padroeira do lugar e santa de sua devoção, cujo nome passa a denominar-se a povoação, obtendo resposta favorável em 11 de julho do mesmo ano. E, de fato, a edificou. Na oportunidade foi também enviado um sacerdote para o lugar (AHU. ACL. CU 013. Cx. 06. D. 535).

Com o Levante geral dos índios, em 1713 foi a nascente vila sitiada pelos indígenas, tendo o capitão-mor João Gomes do Rego lutado ao lado do mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e Aguiar, para libertá-la do cerco indígena. Sobre esse assunto noticiou o mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e Aguiar, que tendo notícia que o gentio havia sitiado a vila da Parnaíba, marchou com toda a pressa a socorrê-la com uma tropa, praticando esta ação com sucesso e fazendo levantar o sítio. Em seguida, perseguindo o dito gentio encontrou uma maloca dele, matando e aprisionando a todos. Perseguindo outra maloca maior, esta conseguiu fugir para uma ilha aonde não podia ser acometida. Então, vendo a dificuldade lhe mandou língua para os poder reduzir, o que conseguiu, aceitando o dito gentio um religioso para o doutrinar, cuja campanha durou cerca de três meses.

Aliás, desde antes já vinha João Gomes do Rego lutando ao lado de Antônio da Cunha Souto Maior, no combate aos indígenas no norte do Estado. Diz ele em petição, que juntamente com aquele falecido mestre-de-campo que fora assassinado pelos indígenas em 1712, resistiu em três combates seguidos, lutando os índios também com armas de fogo e ele tendo perdido nessa guerra mais de cinco mil cruzados. Nessas lutas meteu ele de paz o aranhis, desinfestando assim grande área do delta.

Ao final do levante indígena exercia o cargo de sargento-mor da Vila de Nossa Senhora de Monserrate da Parnaíba, em auxílio a João Gomes, o português Manoel Peres Ribeiro, que, depois de seu exercício retornou para o reino. Foi ele quem alvejou a tiros e abateu o líder indígena Mandu Ladino, enquanto este atravessava a nado o rio Parnaíba. Era proprietário e fazendeiro nas datas Santo Antônio da Boa Vista e Almas, do mesmo termo. Então, com essa vacância, em 7 de maio de 1724 foi pelo governador João da Maia da Gama provido no dito posto a Antônio de Oliveira Lopes, então morador e “tenente de cavalaria da dita capitania, sendo um dos descobridores e conquistadores das terras dela, havendo feito algumas entradas à sua custa ao gentio bárbaro”. Em 10 de maio de 1728, pede o mesmo a el-rei seja confirmado no dito posto (AHU ACL CU_016, Cx. 1, D. 39).

Permaneceu João Gomes do Rego, no posto de capitão-mor de Parnaíba até novembro de 1724, quando afastou-se tirando-lhe residência o ouvidor-geral da Vila da Mocha, Antônio Marques Cardoso (PT/TT/RGM/D/0002/63197. Registo Geral de Mercês de D. José I, liv. 2, f. 455; ACU. ACL. CU 01. Cx. 1. D. 26).

Por seu turno, em 29 de junho de 1727, o ouvidor Antônio Marques Cardoso comunica a Sua Majestade que os oficiais da Câmara da Vila da Mocha haviam elegido e dado posse naquele mês a um juiz para a Vila da Parnaíba e freguesia de Nossa Senhora da Piracuruca. Seguiu este ao seu destino com o Regimento que remeteu tirado do Capítulo 3º e 8º dos Ouvidores do Maranhão, de que se lhe mandou usar com o mais que o dito Regimento consta, mas não permitindo ao dito juiz nos casos crime na forma do dito Capítulo 8º, para se não dar ocasião a exceder o que contém ou usar sem termo das penas que nele se faz menção e consta da certidão que enviou. Também, para servir com o dito juiz passara provimento a um Tabelião do Judicial e Notas, que se criou para esse efeito, assim como a um Provedor para a freguesia de Santo Antônio do Surubim, e de Nossa Senhora do Carmo da Piracuruca, para naquela povoação não haver falta na arrecadação de seus bens, criando juntamente outro tabelião para escrever nos inventários e fazer os testamentos. Todas essas medidas foram mais tarde confirmadas por el-rei (AHU_ACL_CU_016, Cx. 1, D. 59).

Em 1743, assumiu o posto de capitão-mor da Vila da Parnaíba o português Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacelar, grande proprietário de terras no delta e demais partes do Estado, em cuja cargo permanece até a instalação da vila de São João da Parnaíba, em 1762.

Com o tempo a Vila da Parnaíba foi perdendo o caráter militar e permanecendo apenas como entreposto comercial, o Porto das Barcas. Embora em 18 de agosto de 1762, a vila de São João da Paranaíba tenha sido instalada no estéril lugar Testa Branca, logo mais foi transferida para este Porto das Barcas, onde permaneceu e se consolidou por todo o período colonial e imperial como a maior praça comercial do Piauí. A partir de 1779, o comerciante e industrial Domingos Dias da Silva, assumiu o monopólio da indústria de charque e estabeleceu comércio direto desta vila como os portos de Lisboa e Porto, existindo farta documentação a respeito. Parnaíba, tornou-se, assim, um dos maiores centros comerciais do norte do Brasil, cujo monopólio de seu principal comerciante preocupava o governo do Maranhão, conforme cartas enviadas à corte. Mas essa fase é assunto para outros estudos, bastando agora esse esclarecimento sobre a fundação e desenvolvimento do lugar. No próximo dia 19 de maio, Parnaíba comemorará 310 anos de fundação, embora a emancipação política só tenha vindo em 18 de agosto de 1762.

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(*) REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico e Piauiense e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI.   

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

O centenário da Academia

Fundadores da APL, vendo-se, da esquerda para a direita: Jônatas Baptista, Celso Pinheiro, Lucídio Freitas, Antônio Chaves, Benedito Aurélio de Freitas (Baurélio Mangabeira) e Edison da Paz Cunha (em pé); Fenelon Ferreira Castelo Branco, Clodoaldo Severo Conrado de Freitas, Higino Cícero da Cunha e João Pinheiro (sentados).


O centenário da Academia

Reginaldo Miranda
Ex-Presidente da Academia Piauiense de Letras

Faz cem anos que um punhado de intelectuais idealistas fundou a Academia Piauiense de Letras. Era 30 de dezembro de 1917, quando reunidos no salão do Conselho Municipal de Teresina, deliberaram pela fundação do Sodalício e votaram os estatutos, inicialmente com trinta cadeiras, cada membro escolhendo o seu patrono. Aliás, reunião com o mesmo objetivo havia ocorrido em 4 de agosto de 1901. Naquela oportunidade haviam deliberado no mesmo sentido, no entanto porque ficaram de elaborar e aprovar os estatutos nunca o fizeram, de forma que na reunião de dezesseis anos depois nenhuma referência fizeram àquela primeira, assim nada aproveitando senão a ideia da fundação. Participaram daquela reunião Clodoaldo Freitas, Higino Cunha, Manoel Lopes Correia Lima, Antonino Freire, Domingos Monteiro, João Pinheiro, Arquelau de Sousa Mendes, João José Pinheiro, Luiz Evandro Teixeira e Fócion Caldas. De toda sorte, é uma data que merece ser lembrada como ponto inicial de um sentimento que se concretizaria em 30 de dezembro de 1917.

É oportuno lembrar que três daqueles pioneiros de 1901, participaram da reunião de 1917, sendo Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e João Pinheiro, secundados por oito intelectuais mais jovens.

Na reunião fundadora foi eleita a nova diretoria, que tomou posse em 24 de janeiro seguinte, data em que então se comemorava o Dia do Piauí. O veterano Clodoaldo Freitas foi o primeiro presidente, reeleito no ano seguinte, entretanto por alguma insatisfação renunciou ao segundo mandato em janeiro de 1919, sendo substituído por Higino Cunha, depois reeleito. Na sucessão de 1924, vai eleito Mathias Olímpio, então governador do Piauí e intelectual muito festejado por aqueles dias. Higino Cunha retorna à presidência em 1929, sendo sucessivamente reeleito até 1943, quando enfrenta a oposição de jovens intelectuais liderados por Martins Napoleão. A primeira batalha foi na eleição para a cadeira 26, aberta em 1940, em que o velho presidente patrocina a candidatura da professora Isabel Vilhena, enquanto Martins Napoleão sustenta a candidatura de Álvaro Ferreira, que vai eleito depois de alguns enfrentamentos e invocações estatutárias. Por fim, insatisfeito, Higino Cunha renuncia ao cargo sendo substituído por Martins Napoleão(1943 – 1946). Na sucessão vai eleito para a presidência do grêmio literário o pivô da discórdia, Álvaro Ferreira, autor de Da terra simples, sucedido pelo psiquiatra Clidenor Freitas Santos (1954 – 1959).

Em seguida vai eleito o desembargador Simplício Mendes, que permanece por 15 anos, sucessivamente reeleito. Em 1967, sob sua presidência é comemorado com pompas e galas o Jubileu de Ouro da Academia, quando é ampliado o quadro para quarenta cadeiras, algumas delas ainda hoje ocupadas pelos fundadores (Nerina Castelo Branco, Celso Barros Coelho e M. Paulo Nunes).

Na sucessão, com o óbito de Simplício Mendes em 2 de janeiro de 1971, assumiu o vice-presidente A. Tito Filho, primeiro para completar aquele mandato e depois sucessivamente reeleito até à morte, em 23 de junho de 1992, por mais de 21 anos. Com A. Tito Filho, a Academia viveu um período de ascensão e brilhantismo que ainda não esmaeceu. Para exemplificar basta citar a aquisição da sede própria em 1986, publicação regular de sua tradicional revista literária, edição de suplemento literário e jornal informativo, assim como a edição em convênio com o Estado de dois bem avaliados projeto editorais, os maiores até então: Plano Editorial do Estado (1971 – 1974) e Projeto Petrônio Portella (1983 – 1986), que (re)editaram cada um cerca de quarenta obras de cunho literário e historiográfico.

Depois seguem as profícuas presidências de M. Paulo Nunes, Celso Barros, Raimundo Santana, Paulo Freitas e Manfredi Cerqueira, caracterizadas por ciclos de debates, palestras e pela constante (re)edição de obras de grande valor literário.

Assumindo a presidência da Academia em 24 de janeiro de 2010, o autor dessas notas concluiu a edição da Coleção Grandes Textos, editou obras esparsas, editou o jornal Notícias Acadêmicas, dez edições da revista literária(com cadastramento do ISSN, o que antes não existia) e deu início às comemorações desse centenário com o lançamento do maior projeto editorial que já se implementou no Estado do Piauí, a Coleção Centenário(com ISBN), que já vai publicando mais de cem obras de cunho literário e historiográfico, passando, assim, a limpo nossa história e literatura.

Na sucessão, o dinâmico presidente Nelson Nery Costa, o homem do centenário, reformou a sede, editou revistas, deu continuidade à referida Coleção Centenário e lançou a Coleção Século XXI, consolidando, assim, a nossa Academia na vanguarda no movimento literário.

Na verdade, a Academia completa um século de existência com muita história para contar, um presente de realizações e futuro auspicioso, assim, demonstrando vitalidade na marcha pela construção de um novo século. Com isto o Piauí só tem a ganhar. Avante Academia!   

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Via Sacra no Centro Histórico de Parnaíba


Fonte: Google

Via Sacra no Centro Histórico de Parnaíba

Elmar Carvalho

No final de dezembro, véspera de Ano Novo, fui com Fátima ao centro comercial e histórico de Parnaíba. Ela ia comprar uns utensílios domésticos. Como iria demorar mais de uma hora, resolvi revisitar alguns pontos históricos, turísticos e arquitetônicos, que conheço desde 1975, quando minha família foi morar em Parnaíba, portanto, no final de minha adolescência.

Comecei pela Praça da Graça, onde moramos, no apartamento dos Correios. A praça ainda era a mais velha e mais bela. O Cassino já não existia. Por essa época, ainda funcionavam os cines Éden e Gazeta, e a AABB nela ficava situada. As belas moças em flor ainda desfilavam sua beleza na velha praça. Tornei-me, desde essa época, amigo do Louro da Banca, que nunca foi de botar banca com ninguém, e que foi depois, juntamente como o patrimônio arquitetônico, “tombado” pelo IPHAN.

Recordo que, no Éden, assisti a um filme de Drácula, com castelo e carruagem entre nevoentas paisagens, estrelado por Christopher Lee. Apesar da maldade, o velho conde se mostrava de forma aristocrática e hierática, sem a violência ostensiva e exagerada dos filmes de hoje. No final da década, na gestão do prefeito Batista Silva, acompanhei a demolição desse belo logradouro, com o consequente desaparecimento da pérgola, do coreto, dos velhos bancos e postes de iluminação.

Os escombros foram escondidos por um tapume de madeira, que foram derrubados e queimados pela população, na histórica noite de 31 de agosto de 1979. Morando na praça, não poderia deixar de assistir a tudo isso. Testemunhei sua reconstrução, mas ficou para sempre em minha memória a nostalgia da paisagem arquitetônica perdida. Caminhando em seus passeios e alamedas, costumava contemplar a suntuosidade ostensiva da Catedral e a discreta e singela beleza da Igreja do Rosário. No seu entorno, ficavam os principais bancos e repartições públicas.  

No final dos anos 1970, houve um comício gigante nessa praça, em homenagem ao retorno do ex-governador Chagas Rodrigues à política partidária, com a presença de próceres do MDB nacional, entre os quais Ulisses Guimarães, Almino Afonso, Miguel Arraes, além de destacados caciques estaduais. Discursei nesse evento, na qualidade de presidente do Diretório Acadêmico 3 de Março, representando o corpo discente do Campus Ministro Reis Velloso – UFPI. Em plena ditadura militar, vociferei contra a falta de liberdade democrática e a minguada verba destinada à Educação. Para alimento de minha vaidade juvenil, muitos oradores fizeram referência à minha fala. Infelizmente, na época não havia selfie e nem as facilidades fotográficas de hoje, de modo que não guardei nenhuma foto desse grande comício.

Saindo do velho logradouro, passei pela praça da Mulher do Pote (Praça Constantino Correia). Grande e pesada, foi um presente dado ao ministro do Planejamento, o parnaibano João Paulo dos Reis Velloso. Considerando-se o trabalho e a despesa para o seu transporte para Parnaíba, muitos poderiam achar que foi uma espécie de “presente de grego” ou mesmo algo como uma vitória de Pirro, tal o esforço e dispêndio para sua fixação final. Passadas essas décadas, podemos dizer que valeu a pena todos os esforços e todas as despesas. E a escultura continua impávida, a sustentar o pote, peso que lhe cabe carregar pelo resto de sua (quase eterna) vida de pedra bruta e sólida.

A Santa Casa de Misericórdia foi a minha seguinte estação. Grande e belo e velho prédio que revi tantas vezes, na minha juventude e na minha idade atual. Nela foram internadas duas de minhas irmãs, vítimas de um acidente de carro, em que morreu Josélia, nossa outra irmã. Durante alguns anos, meus pais moraram perto desse nosocômio. Revi os grandes oitizeiros da praça que lhe fica defronte. Ali perto, no cruzamento da Capitão Claro com a Álvaro Mendes, ficava a agência e “parada” principal da antiga empresa Marimbá, que fazia a linha Parnaíba – Teresina. Em seus ônibus azuis viajei muitas vezes, até sua venda para o grupo Claudino.

Quando me dirigia para a Praça Santo Antônio, encontrei, perto do antigo Cascatinha, o amigo Paulo Afonso Ribeiro de Brito, casado com a Gardênia, filha da professora Miriam Castelo Branco. Nos cumprimentamos, e segui meu desiderato, não sem antes dar uma boa olhada no velho mercado central e seus pés de oitis e na praça contígua que foi restaurada e exposta ao público. Lembrei-me dos velhos comércios; muitos dos quais já não existem. Existia até bem pouco tempo a casa Siqueira, que pertenceu ao saudoso amigo José João Siqueira, que resistiu bravamente na venda de tecido, e não apenas de confecções como manda a moda de nossos tempos atuais. Zé João foi um competente professor universitário e escreveu um importante trabalho sobre o extrativismo da carnaúba.  

Eis-me, enfim, na Praça Santo Antônio, onde estive tantas vezes, ao longo de minha vida. Nela pontificavam e desfilavam as mais belas moças de Parnaíba dos dourados anos 70 de minha evocação saudosista. Deixei-me inebriar de saudade, enquanto me envolvia na sombra e na penumbra das lembranças e dos frondosos pés de oitis. Foi o meu primeiro alumbramento de Parnaíba, quando, antes de nossa mudança familiar e residencial, vim visitar meu pai, no começo de 1975, aproveitando uma carona.

Papai, a pretexto de visitarmos seu primo Joaquim Furtado de Carvalho, fluente no inglês e numa boa conversa, professor da Caixeiral, me levou até essa bela praça, onde vi seus monumentais oitizeiros. Nosso parente morava na pensão de dona Judite, onde moravam outras pessoas que depois se tornaram meus amigos, entre os quais o jornalista e escritor Antônio Gallas Pimentel. Meu parente, meses depois, me recomendou fizesse amizade com o Gallas. Segui-lhe o conselho, e essa antiga amizade se mantém sem abalo e sem solução de continuidade.

Na Praça Santo Antônio (assim como nas avenidas Chagas Rodrigues e Presidente Getúlio Vargas) residiam as figuras mais proeminentes e conhecidas de Parnaíba. Nela moravam Vicente Correia, grande ativista da igreja católica, Cândido de Almeida Athayde, político, empresário, médico renomado e meu professor na faculdade de Administração de Empresas, Assis Cajubá de Brito, advogado atuante e eloquente, também meu professor em disciplina sobre Economia, com quem aprendi os mistérios das aziendas e as virtudes e mazelas das relações empresariais, Carlos Alberto Teixeira, guardião zeloso do Patrimônio da União, procurador da Fazenda Nacional, e que também foi meu mestre na universidade, bom na retórica e na disciplina que lecionava.

Quando voltava para a Praça da Graça, para esperar minha mulher, encontrei novamente o Paulo Afonso, que retornava à casa de sua sogra. Não sei se foi mera coincidência; hoje já não sei se o acaso existe, se tudo não tem um propósito. O Paulo me pediu que entrasse, para cumprimentar a professora Miriam Castelo Branco, mestra respeitada do vernáculo. Revi seus filhos Zé Filho, Verbena e Gardênia, esposa do Paulo. Recordamos nossos amigos comuns. Ela se lembrava de quando eu ainda era um garoto, recém-chegado a Parnaíba, nos idos de junho de 75 do século passado. Falamos de literatura e arte, e evocamos os velhos e inesquecíveis professores, entre os quais Benedito Jonas Correia (pai de meu compadre e amigo Canindé), Lauro Correia, José Rodrigues, Maria da Penha e Lima Couto, este pai dos amigos Régis, Vítor e Paulo, tradutor de poemas, e que, certamente por bondade, aplaudia as coisas que eu então publicava.


Voltei à Praça da Graça, ponto de partida e de chegada. Cumprimentei o Louro, e embarquei no túnel de um outro tempo, onde o tempo não existe, ou existe confundido no destempo de um tempo absoluto, sem passado, sem presente, sem futuro. Tempo total, indiviso, tecido de eternidade. Ó lembranças, ó tempos que tento recapturar nas teias frágeis e diáfanas da memória.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Paróquia de Barras-PI: oração de lançamento

Fonte das fotos e do texto: Portal Entretextos

Paróquia de Barras-PI: oração de lançamento

Dílson Lages Monteiro (*)

Senhores e senhoras,

Livros, frequentemente, são como mensagens em uma garrafa atirada ao mar. Muitas vezes, somente o tempo poderá dizer do seu significado. Às vezes, voltam à areia da praia ou jamais serão descobertas, vivendo apenas na efemeridade de seu fôlego curto. Mas há livros que já nascem para ficar. Livros que não esperarão a chancela do tempo e do sistema literário para serem eternos. É o caso de Paróquia de Nossa Senhora da Conceição das Barras do Marathaoan, de Antenor Rêgo Filho. Um livro que já nasce duradouro. Sua permanência está no significado social para esta cidade.


Senhores e senhoras,

Desde sempre, esta casa de Deus ocupou um lugar privilegiado em cada um de nós. Um lugar para além do significado material como estrutura física em torno da qual surgiram casas, organizam-se ruas. Este templo e sua simbologia, ao centro, como ligação nossa com os mistérios da existência e o nexo  com a energia espiritual que sustenta a essência de que somos feitos. Desde sempre, esta casa é o coração e a alma desta cidade, e o nosso coração, a nossa alma.

Desde sempre, esta casa de Deus reverberou em nós a noção mais clara de comunidade. Ensina o filósofo Zygmunt Bauman que essa palavra “sugere uma coisa boa: o que quer que ‘comunidade’ signifique, é bom ‘ter uma comunidade’, ‘estar em comunidade’. Se alguém se afasta do caminho certo, frequentemente explicamos sua conduta reprovável dizendo que ‘anda em má companhia’. Se alguém se sente miserável, sofre muito e se vê persistentemente  privado de uma vida digna, logo acusamos a sociedade – o modo como está organizada e como funciona. As companhias ou a sociedade podem ser más, mas não a comunidade. Comunidade, sentimos, é sempre uma coisa boa” (p.7). Em nós, barrenses, comunidade é a igreja de Nossa Senhora da Conceição.

“Paróquia de Nossa senhora da Conceição das Barras do Marathaoan” (Editora e Livraria Nova Aliança), de Antenor Rêgo Filho, reanima em nós o sentido da vida comunitária, porque uma comunidade é feita de sua história e de seu patrimônio local, que concedem a ele a e nós identidade. Desde sempre, esta casa de Deus consiste em fator de relevo de nossa formação identitária. Ao resgatar a história da igreja de Barras, Antenor Rêgo Filho preenche uma lacuna há muito sentida pelos barrenses interessados no conhecimento da história de Barras e, principalmente, contribui decisivamente para a preservação de nossas características e tradições.

    
        Em notas de apresentação ao livro, Dom Juarez Sousa e Silva, bispo de Parnaíba e estudioso da história da Igreja católica no Piauí, afirma: “A obra proporciona uma leitura agradável, que nos faz voltar no tempo, sem ficar para trás. Permite olhar para o retrato desta porção do povo de Deus que aqui esteve e ora está estampado em palavras e ilustrações, talentosa e brilhantemente catalogadas pelo seu artífice, com riqueza de informações e detalhes”. Segundo Dom Juarez, nenhum barrense escreveu sobre a história da paróquia, que coincide com a história da cidade. “O Tena preenche, agora, esta lacuna, ao fazer, e nos presentear, o resgate da memória da cidade”, enfatiza.

          Senhores e senhoras,      

A fazenda e a igreja foram os sustentáculos dos assentamentos humanos na grande maioria das antigas cidades Brasil afora, principalmente no período colonial. Barras do Marataoã surgiria a partir da fazenda Buritizinho, que hoje compreende o perímetro central da urbe, e de capela edificada em homenagem a Nossa Senhora da Conceição. Toda essa história remonta ao século XVIII, com o estabelecimento de Miguel Carvalho de Aguiar na supracitada fazenda. Ali, lançaria as bases de uma capela, cujo projeto seria levado adiante pelos que o sucederam na posse ou administração das terras.

Manuel da Cunha Carvalho, Manoel José da Cunha, Francisco Borges Leal Castelo Branco (século XVIII), José Carvalho de Almeida (século XIX), sucedaneamente, como administradores de Buritizinho, com lugares sociais demarcados a partir de laços de parentesco diretos ou indiretos, teriam papel de relevo nos primórdios da vida religiosa de Barras. Sobretudo Carvalho de Almeida, segundo escreveu uma das testemunhas oculares da vida de Barras Vila, Davi Caldas, que registrou nas páginas de seu jornal O Amigo do Povo, em 1871, os esforços de Carvalho de Almeida para assegurar a construção da antiga Matriz (então capela) de Nossa Senhora da Conceição das Barras do Marataoã, esforços em que se empenhou, segundo Caldas, por mais de trinta anos.

       Diz o combatente jornalista barrense, um dos primeiros a registrar a geografia e a história de sua cidade natal, que Carvalho de Almeida esteve “satisfatoriamente” envolvido na missão a partir de 1819 e que “a capela do Santíssimo Sacramento da matriz da vila de Barras foi edificada à custa de José Carvalho de Almeida”. Do século XVIII até cá, a fé e a devoção dos barrenses à sua padroeira revigoram-se com o fervor com o qual são praticadas, simbolizando o desejo imorredouro da supremacia do bem, da verdade e da justiça social, abençoados pelo manto de Nossa Senhora; ideais fortalecidos pela ânsia renovada de ver frutificar o bem comum e os laços de convivência comunitária.

 Historiadores que se debruçaram sobre o Piauí do século XIX  (Miguel de Sousa Borges Leal, Pereira da Costa, Pereira de Alencastre, Odilon Nunes, Monsenhor Chaves)  citam, alguns de maneira detalhada, a atuação de José Carvalho de Almeida, de quem descende a grande maioria das famílias-comuns do centro da cidade, na liderança na vida religiosa, social e política da Vila de Barras do Marataoã.
  
     Desconheço, talvez por ignorância mesmo, se há alguma referência à sua memória, sob a forma de homenagem, em algum espaço desta cidade. Até o início da década de 1960, conta Afonso Ligório Pires de Carvalho, em Terra do Gado, que, no interior da antiga Matriz de Nossa Senhora da Conceição, para onde transportaram os restos mortais de Carvalho de Almeida, havia uma lousa com referência à sua memória. Infelizmente, essa lousa teve paradeiro desconhecido após a demolição do antigo templo.

Independente do reconhecimento ou não se preste aqui a ele, a história não o esqueceu e seus esforços encontraram eco em outros braços, outras mentes e outros corações conterrâneos, ainda que, lamentavelmente, o templo do passado não seja, sob o ponto de vista arquitetônico, o de hoje. É a mesma a fé. A mesma devoção.

Os registros sobre a vida religiosa de Barras em livros estavam restritos, pois, a breves citações sobre nomes e referências geográficas do século XVIII, e, sobretudo, às anotações sobre Carvalho de Almeida. Antenor Rêgo Fiho, porém, foi além. Inquieto e perspicaz, enveredou na busca de uma maior gama de elementos anteriores a José Carvalho de Almeida, encontrando novas referências que esclarecessem um pedaço da vida religiosa da comunidade e o assentamento humano nas ribeiras do Marataoã, no século XVIII, além de estimular novas pesquisas sobre o período. Busca Rêgo Filho, em parte considerável do livro, principalmente, recompor uma linha temporal que reúna informações valiosas sobre o século XVIII. Trabalho que seria complementado, hoje, com um estudo das sesmarias ou fazendas do período, na região.

      Assim é que encontra no ano de 1713 as referências à existência da capela na Povoação das Barras. Para fundamentar-se, instrumentaliza-se em Dagoberto Carvalho e sua História Episcopal do Piauí, em Cláudio Melo e sua Fé e Civilização, em Pe. Miguel de Carvalho e sua Descrição do sertão do Piauí, além do exame de documentos clericais, a fim de fornecer subsídios que reforcem a existência do fervor religioso já no século XVIII. A esse propósito, escreve Antenor Rêgo Filho:

          “Tem-se notícia de que a capela descrita, e objeto de nosso estudo, foi moradia de padres, que residiram ali de 1713 a 1723, atesta Pe. Cláudio Melo, em sua obra Fé e civilização.

         O Pe. Francisco Vieira de Lima, falecido em novembro de 1753, foi sepultado na capela e já vivia na povoação há alguns anos.

            Em 1753, o capelão José Alves Cabral foi substituído por Frei Manoel Inocêncio, mercedário do  Convento de São Luiz do Maranhão.

        Em 1763, era capelão o Pe. Feliciano de Melo e Silva. Ali residiu por três anos” (p.45).

  
   Pois bem. A história da Igreja Católica em Barras – por meio, notadamente, de seus símbolos, seus clérigos e colaboradores e dos passos de cada um de nós,  comunidade, em prol da causa cristã — ganha agora um estudo essencial para se entender um dos elementos mais preciosos da identidade de Barras: a fé em Nossa Senhora da Conceição. Seu autor, Antenor Rêgo Filho, antes de ser um apaixonado pelo berço-natal, é um vocacionado para o resgate de fatos e memórias do torrão. Sua atuação como historiador e memorialista, em livros como “Barras — histórias e saudades” — tem retirado do limbo do esquecimento os acontecimentos e transformações que a ação do tempo legou para antigas e novas gerações. Sua contribuição ímpar se torna mais fundamental, porque movida pela paixão por tudo que diz respeito à cidade e para a qual vem devotando suas energias em favor da preservação da memória do passado e do presente para o conhecimento das gerações de hoje e de amanhã.

  Em “Paróquia de Nossa Senhora da Conceição das Barras do Marataoã”,  Antenor Rêgo Filho, especialmente a partir da tradição oral e de fontes primárias até então não exploradas por outros pesquisadores, reconstrói os passos de uma das mais antigas paróquias no Norte piauiense. Reúne também informações esparsas de diversos historiadores sobre os primórdios de formação da identidade religiosa do lugarejo, cuja sistematização somente é dada a quem, com calma e rigor, a partir da percepção das lacunas e relações do discurso histórico, debruça-se em construir novos olhares e desdobramentos para a história.

 Seu olhar é o do memorialista. Vai além do registro dos episódios mais marcantes do catolicismo em Barras: concentra-se, ainda, em relacionar fatos e nomes aos costumes e à vida social, numa evidente preocupação com a memória imaterial da Paróquia de Barras, detalhadamente descrita em hábitos, imagens e objetos de seu acervo. De sua leitura, compreende-se a ativa colaboração da igreja católica no crescimento do lugarejo, especialmente na educação, por meio de figuras como Pe. Lindolfo Uchôa, que teve destacado papel na fundação do Ginásio Nossa Senhora da Conceição e na criação do Patronato Monsenhor Boson, dirigido pelas Irmãs Mercedárias, com relevantes serviços prestados à região. A atuação beneficente de Pe. Raul Formiga é reverenciada. De seu trabalho social, beneficiaram-se centenas de mulheres com dificuldades de parto na zona rural ou jovens auxiliados pelo religioso em seus estudos. Reverencia-se, de maneira especial, a primazia da igreja católica na instrução da juventude por meio de Frei Antônio do Coração de Jesus Maria Freire, em cuja escola estudou, no século XIX, vindo de Campo Maior, uma das grande figuras do cenário político e cultural do Piauí, Lívio Lopes Castelo Branco e Silva.


  Destaca Antenor Rêgo Filho o pioneirismo de barrenses devotados ao exercício da atividade religiosa. Em sua escrita memorial-afetiva, impõem-se nomes do passado e do presente. Impõem-se Marcelino do Rêgo Castello Branco e seu primo Simpliciano Barbosa Ferreira, oriundos da antiga fazenda Peixão, hoje Nossa Senhora dos Remédios, descendentes do patriarcas dos Rego Castelo Branco de Barras, Manuel Tomaz Ferreira (primeiro no nome), pioneiros entre os barrenses ordenados padres. Impõem-se, entre os citados, os barrenses Dom Juarez Sousa da Silva, bispo diocesano de Parnaíba; Pe. Jonilson Torres Resende, com destacada atividade na formação religiosa de novos padres; a missionária Francisquinha Reis, há décadas, devotada a servir incondicionalmente à Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, cuja lembrança, para muitos conterrâneos, confude-se com sua figura carismática a etoar o hino da padroeira ou a puxar em coro cânticos outros ou orações. Impõe-se a colaboração de todos os que têm a sua história devotada à causa religiosa católica nesta comunidade.

   Para coroar o êxito da obra, seu autor realizou coletânea de textos de matizes diversos (crônicas, artigo de opinião, capitulos de romance e lendas), além de rico acervo fotográfico. Ambos aguçam o interesse não apenas em descobrir parte do cotidiano do passado, hábitos e costumes, mas também em arrebatar a nossa curiosidade para o grau de satisfação de pertencermos, cada um de nós, a este chão abençoado por Nossa Senhora da Conceição.

  Com esta obra, Antenor Rêgo Filho recompõe um pedaço precioso da história de Barras do Marataoã, mergulhando, mais uma vez, na alma de sua gente. O lugar de que fala Antenor é o de quem busca, mais que contar memórias e episódios, destacar um dos traços identitários que mais bem faz com que os barrenses sintam-se integrados ao local em que nasceram ou vivem. Desde sempre, esta casa é o nosso coração, a nossa alma. “Salve a Estrela da Manhã!/ Salve a Padroeira de Barras do Marataoã!”

         (*) Dílson Lages Monteiro é romancista e membro da Academia Piauiense de Letras.
   

           Oração proferida por ocasião do lançamento do livro Paróquia de Nossa Senhora da Conceição das Barras do Marathaoan, em Barras do Marataoã-PI, na Igreja Matriz, na histórica manhã de 21 de janeiro de 2018.