sábado, 17 de outubro de 2015

PARA QUE SERVEM AS FLORES


PARA QUE SERVEM AS FLORES

Jacob Fortes

Para que servem as flores? Isso compete aos fitologistas. Porém, cheios de bondade, não irão enfadar-se se eu, — que tenho o vezo de imiscuir-me em assuntos que extrapolam os meus domínios —, discorrer, ainda que sem brilhantismo, sobre elas. Vejamos: as flores têm múltiplas finalidades e significados. Repletas de simbologia sintetizam coisas infindas: o nascimento, a beleza, a fragrância, o riso, a lágrima, o carinho, o amor, o beijo, a música, a jovialidade, a sublimação, a feminilidade, a fertilidade, a esperança, a inspiração musical, o hálito noturno (que sossega as madrugadas); ornam a ambas: a vida e a morte. Sua existência, tão impermanente quanto bolha de sabão, retrata a efemeridade da vida. Quando oferecidas a alguém exprimem a amizade, a admiração, o respeito, a gratidão, o pesar pelo falecimento. Nos jardins ou nos campos, as flores perfumam tudo: o ar, os seres, as almas humanas; têm o condão de abrandar corações petrosos. Ataviam o mundo; deixam-no mais galhardo, multicolorido, musicado, perfumado, risonho, romântico. “Se ainda houver outra bomba atômica que seja esta de flores para impregnar o mundo de perfume e de amor”. Ainda consigo vê-las lá atrás, no palco aceso da infância, (Por esse tempo a legítima integridade sertaneja pautava sua existência pelo sonoro do chinelo de estalo): multicoloridas, silvestres, engalanando as ramagens do sertão. Sertão metido em fardamento novo, verde-abacate, que lhe fora alfaiatado pelo precipitar das chuvas tímidas (que mal repenicavam no telhado); incapazes de formar lagoeiros, mas suficientes para abrolhar, nos viventes, a alegria. Com a ingenuidade do meu tempo de infante, eu as contemplava; extasiado: o aroma, os matizes, os beija-flores e abelhas lhes sorvendo o néctar. O traço triste é que as pétalas iam-se despegando, uma após outra, como fazem as árvores: despejam as suas folhas assim que notam a proximidade do outono. Do alto da cajazeira copada, plena de flores alvacentas, brevemente o festim tão aguardado pela infância na roça: a safra abundante do cajá maduro!

Flagrantemente, a cada minuto encolhe o habitat das flores! Sob os mais diversos pretextos, desde o incremento de áreas urbanas à lenha de arder, máquinas de força descomunal, no papel sinistro de magararefes da floresta, destroçam a natureza, (em nível de xerém se preferir), mais das vezes seguidas, complementarmente, por outras, coadjutoras, que vão socalcando o solo e esmaltando-o com a impermeável e escurecida borracha. Até quando, sob o beneplácito da negligência, da imobilidade, da descura ou egocentrismo, esse perpétuo apetite continuará, num assomo de crueldade, assolando as paisagens agrestes consagradas à flora e a fauna? As consecutivas sentenças de morte, anunciadas pelo ronco do trator, esgotam, progressivamente, as flores. Parece que ninguém lhes liga importância; Chico Mendes, o mártir da floresta, ligava: “[...] Cadê a flor que estava aqui? Poluição comeu. E o peixe que é do mar? Poluição comeu. E o verde onde é que está? Poluição comeu. Nem o Chico Mendes sobreviveu”. Mas sem as sementeiras, as flores, responsáveis pela perpetuação da vida vegetal, o planeta sucumbe. É preciso não consentir, desapoderar os magarefes antes que todas as florestas sejam abatidas, antes que a aldeia se faça desértica, se improprie à vida vegetal/animal.

Todas essas flores, invisíveis aos olhos, que as decalquei na retina do leitor, são as emissárias do Jacob Fortes para dizer, em tom de salmo: muito obrigado! Se mais não digo é para que elas falem por mim.   

2 comentários:

  1. Faça de uma pequena flor um espetáculo aos seus olhos.

    Um abç
    hl/sp

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  2. Faça de uma pequena flor um espetáculo aos seus olhos.

    Um abç
    hl/sp

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