sábado, 25 de junho de 2016

O QUE É A AMIZADE?


O QUE É A AMIZADE?

 Cunha e Silva Filho

        Eis algo que está sempre me surpreendendo. Será que a amizade é semelhante a uma definição do percurso existencial  que uma conhecida me deu um dia ao falar que a vida tem prazo de validade? Sendo assim, me pergunto: a amizade tem também prazo de validade, como a data de fabricação de um remédio ou do estado  normal da duração de uma fruta?
     Confesso que não sou capaz de pensar numa definição própria do que seja a verdadeira amizade. O leitor, a essa  altura, me poderá  perguntar  por que, de  vez em quando, me assalta essa preocupação em tentar  um explicação plausível para o sentimento  nobre da amizade.
     Um poeta de minha terra, em crônica recente, chamava a atenção do leitor para a crescente solidão que sentia diante  das amizades que teve, ou seja,  para o crescente  afastamento das antigas amizades com a chegada da velhice octogenária.
     Ora, isso basta para  abrir uma discussão  isenta do que  seja o que se chama de  amizade, além de indagações outras, como   saber se ela realmente existe, se depende de fatores condicionantes do relacionamento  social, se depende da condição de riqueza ou outras motivações inconfessáveis envolvendo a amizade entre as pessoas, se esse sentimento, tão altruísta é inalcançável, e não passa de uma  doce ilusão  dos homens que a desejam  para si e julgam   que são  correspondidos,enfim, se ela não existe, mas o que dela fazemos, nós mortais, é apenas um expediente, uma convenção  social  ou uma mentira da civilização antiga ou moderna,
    O que, nuclearmente desejo assinalar é um ponto controverso e por mim jamais compreendido: por que, de repente, por uma nonada rosiana, por uma simples divergência sem intenção  mínima de  ferir alguém, se estremece uma  suposta amizade? Será que aquele que consideramos amigo  realmente era nosso  amigo ou não  era mais do que um aparente  e  flutuante  recuo de uma onda do mar? Assim como é fácil muitas vezes  fazer-se uma amizade, assim é rápido o instante em que ela soçobra e escapa de nossas mãos. Amiúde  intuímos quais sejam os motivos do afastamento, mas não temos a coragem de claramente apontá-los para o alvo certo. Preferimos deixar que o esquecimento aconteça, em tempo mais maduro, até o seu desaparecimento  total.
    Podemos até recorrer à compreensão desse sentimento lendo o tratado da amizade do grande orador, escritor, filósofo, político romano  Cícero ( 3/01 de 106  a. C -7/12 de 43 a.C.) ou até mesmo procurar, em alguns filósofos antigos e modernos,  por uma  explanação  que nos faça  entender todos os  componentes  implicados nesse sentimento e no  seu esfacelamento doloroso.
   Sinto, no mais recôndito do meu ser, que a amizade existe; contudo ela, como quase tudo na vida, é passageira até porque materialmente acaba, já que estou  discutindo a amizade terrena, não a espiritual, não a transcendente, não a dos místicos  puros,  dos santos, do Ser Supremo, a qual está situada em planos mais elevados ou elevadíssimos e nada tem a ver com  as misérias e as fragilidades humanas, tomando essa expressões últimas num sentido machadiano  de  perscrutar  a alma humana..
     O que me intriga,  porém,  é a incógnita, a solução  da questão  da  quebra desse sentimento. O que me deixa assustado, abismado, é a prima ratio da questão crucial. Por que somos tão mesquinhos diante de um sentimento  que poderia  ser uma das soluções até da paz entre os homens  no mesmo  país,  entre países e tendo como referência magna, a Humanidade?
    Por que divergências étnicas, ideológicas, políticas, epistemológicas, linguísticas, literárias, históricas são  estopins  venenosas  que redundam  na pulverização  da amizade e, daí em diante, pelo sofrimento ou  ressentimento  provocados, não mais adquirem aquele viço alegre,  gostoso,  saudável da antiga  amizade que, aqui para provocar o leitor, havia entre dois cultivadores da amizade? A ferida resultante é praticamente não cicatrizável. O passo errado  deixou  o vaso da amizade  estilhaçado, sem volta. Tudo passar a ser diferente,  ainda que seja retomada. Seremos  gatos   escaldados. Uma vez  aquele vaso quebrado,  partido,   suas partículas mínimas, sopradas pelo vento,  não mais  farão retroceder  a antiga   naturalidade,  o antigo   afeto ainda não  partido, ainda não arranhado..
     Por outro lado,  sei que o pensamento  cético  ainda não me invadiu de vez. Isso me consola em parte. Não quero o socorro de Schopenhauer (1788-1860), nem o  de Nietzsche (1844-1900), nem de nenhum pensador que possa me fazer inteiramente descrente do sentimento da amizade. Obviamente, sinto a dor  imensa,  a  incompreensão, o espanto diante  do fato.

   O que me incomoda muito,  além  da ruptura da amizade súbita ou paulatina, é a certeza de que nunca, do me lado,  a quis  ver  abalada,  capenga,  claudicante. Não, sempre a quis saudável, viçosa, inalterável, perene, fecunda até o final de meus dias. O mundo para mim  é muito vasto (o “vasto mundo” drummonmdiano poderia ser) e eu sou  muito pequeno  para enfrentá-lo  da forma como ele é e não como eu  desejo que  seja. O “Fiat lux" bem poderia ser a metáfora da eclosão da amizade e o seu rompimento seria    o seu antípoda, i.e.,  a escuridão,  a qual desfaz um dos mais belos dos sentimentos do Homem: a amizade, que deve ser duradoura, estreme, imaculada,    incondicional,  simples e bela como os “lírios do campo.”  

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