quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

HISTÓRIAS DE ÉVORA - Capítulo XXXI

Fonte: Google

HISTÓRIAS DE ÉVORA

Este romance será publicado neste sítio internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem sendo escritos.

Capítulo XXXI

O crime do padre Amaro

Elmar Carvalho

O padre Amaro Nascimento da Silva chegou a Évora no final dos anos 1950. Chegou precedido da fama de sacerdote muito dedicado à Igreja, mas também de sedutor, galã e garanhão. Era educado, e tido pelas mulheres como um belo tipo de homem, alourado, esbelto e de olhos azuis. Tinha quase 1 metro e 80 centímetros de altura. Demorou pouco nas paróquias por onde passara, porquanto, logo que se espalhavam os boatos sobre suas investidas amorosas, pedia remoção para outra.

Na verdade, não eram só investidas suas, porquanto algumas mulheres casadas e moças solteiras tomavam, muitas vezes, a iniciativa de tentar seduzi-lo. Tentar, tentar não é bem o termo exato, porque Amaro se deixava cair nessas ‘tentações’ com notável facilidade. Na penúltima paróquia de que foi titular, desencaminhou muitas senhoras e moças, que se deslumbravam com sua beleza e conversa aliciante, melíflua, quase mefistofélica. Contribuíam para isso a sua ascendência de religioso e confessor, e sem dúvida o “poder” de perdoar pecados, que lhe era atribuído. Assim, o pecado do adultério ou o de fazer sexo com um padre era incontinenti perdoado pelo parceiro.

Consta que ao menos cinco mulheres embucharam nessa paróquia. Com relação às casadas, os meninos foram creditados como sendo dos maridos. Uma das grávidas solteiras, quando teve o rebento, ajuizou um pedido de investigação de paternidade cumulado com pensão alimentícia. Todavia, a carta precatória de citação sempre retornava com o certificado de que ele fora transferido para outra paróquia. Por isso mesmo, o escrivão Artaxerxes, que, apesar de tudo, lhe tinha certa amizade, em virtude das centenas de cervejas e vinho que com ele tomara, em diferentes ocasiões, dizia que ‘padre Amaro só não comeu os sinos da igreja, e assim mesmo por causa do badalo, que atrapalhava’.

Logo ao chegar a Évora, Amaro ostentou toda a sua dedicação à Igreja. Nunca faltava às missas. Seus sermões eram brilhantes, eloquentes, fundamentados em citações extraídas da bíblia ou de textos dos doutores da Igreja, e neles pregava o bem, o bom e o belo, que ele dizia consistir numa vida virtuosa, conquanto, como já deve ter ficado implícito, nem sempre seguisse o que ele mesmo exortava. Revitalizou a Liga das Senhoras Católicas e os Encontros de Casais e de Jovens, bem como as obras sociais e de caridade.

Em estrito senso, não se lhe podia atribuir a pecha de não ser um sacerdote virtuoso e gestor dinâmico de sua paróquia. Tornou-se evidente, contudo, que não observava o voto de castidade. Por causa da Liga das Senhoras Católicas e das obras de caridade, Amaro vivia sempre rodeado de mulheres, fosse na Casa Paroquial, na sacristia, na secretaria ou no confessionário. O certo é que, não demorou muitos meses, começaram a surgir comentários sobre as aventuras amorosas do vigário.

Entre esses falatórios, surgiu o rumor de que Amaro estava tendo um caso com dona Selma, casada com o prefeito e médico Bartolomeu Dantas Fontenele, de tradicional estirpe eborense. Não se sabe como, mas o fato é que esses murmúrios chegaram ao conhecimento do marido, que não fez alarde, demonstrando o mais perfeito sangue frio. Era apaixonado pela mulher, por quem se enamorou desde a adolescência. Era ela considerada uma das mais lindas mulheres de Évora.

Selma tinha um retardo mental moderado. Portanto, seu comportamento e percepção eram correspondentes ao de uma pessoa bem mais jovem. Por isso o marido lhe dispensava os cuidados de marido e pai. Segundo se comentou na cidade, Bartolomeu foi à capital, onde contratou os serviços do mais respeitável e competente detive particular, a quem pediu o máximo sigilo, e lhe recomendou tratasse do assunto apenas com ele.

Um mês e duas semanas depois, o detetive lhe entregou um relatório circunstanciado, com datas, horários e locais dos encontros, acompanhado de várias fotografias, em que Amaro e Selma eram vistos aos beijos e abraços, além de uma fita de áudio, em que ambos trocavam juras de amor. Como ele conseguiu tirar essas fotos e gravar os diálogos amorosos é um mistério, pois esses encontros de amores proibidos são sempre realizados em lugares fechados e recônditos. Contudo, ele tinha vários cursos profissionais, muitos anos de experiência e os mais modernos e eficientes aparelhos eletrônicos para o bom desempenho de sua profissão.

Meses depois, tarde da noite, quando Amaro voltava da casa de uma de suas amantes, cujo marido viajara a serviço de sua repartição, foi rendido por dois homens encapuzados, que lhe apontaram revólveres. O padre, na tentativa de se justificar e de comover seus captores, disse que vinha de bairro distante, onde fora ministrar a extrema-unção em um moribundo. Foi colocado num jipe sem placa, e levado para fazenda longínqua, situada no meio de denso babaçual. Chegaram por volta de uma e meia da madrugada. O padre estava apavorado e estrebuchava muito, e implorou para não morrer. Recebeu a imediata garantia de que não seria morto. Aplicaram-lhe um sedativo e em seguida a anestesia.

Às seis horas da manhã, já desperto, mas muito debilitado e zonzo, foi libertado numa estrada vicinal, perto da BR, que na época ainda era de piçarra. Ao ficar só, subiu a batina, que segurou entre os dentes, e desceu a calça. Estarrecido, mas não tanto, constatou então o que já imaginava: fora castrado. A cirurgia fora perfeita e indolor, e devidamente suturada. Dizem que foi realizada pelo Dr. Bartolomeu, exímio cirurgião, com o auxílio de uma enfermeira de sua absoluta confiança.

Na rodovia o padre Amaro tomou um ônibus com destino à capital, sede da Diocese a que pertencia. Confessou-se ao seu bispo, contando o que lhe acontecera. Disse que aceitava a sua emasculação como uma bênção e um merecido castigo; que a sua exacerbada concupiscência o levara muitas vezes a não respeitar o voto de castidade, e a violar a inocência de mulheres ingênuas e até de incapazes e menores.

Pediu a dom Augusto para ser transferido para a mais longínqua e pobre paróquia do bispado. Tornou-se o mais virtuoso sacerdote dos últimos anos. Uns vinte anos depois, um tanto gordo, morreu em estado de santidade. Atribuíram-lhe alguns milagres, e a sua beatificação foi requerida e se encontra em tramitação no Vaticano.


Quanto a Bartolomeu, continuou casado com Selma, com quem teve uma prole numerosa e proeminente de médicos, advogados, engenheiros e um padre. Comentava-se, a boca pequena, que o padre era filho de padre.” 

2 comentários:

  1. Grande capítulo, mestre Elmar!Não somente pela história picante, mas pela forma apurada com que o texto foi sendo construído. De resto, é uma história que muito se aproxima do verídico, especialmente no tocante ao laborioso padre no campo extra sacerdotal, vez que é comum aparecerem, vez ou outra, religiosos com essas características.

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  2. Caro José Pedro,
    Com seus comentários e incentivo, ganho mais confiança e mais ânimo para persistir no desiderato de concluir o meu pequeno romance.

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