Foto meramente ilustrativa |
ESTAMOS, OU NÃO, PERDIDOS,
SANDOVAL?
Antônio Francisco Sousa
Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)
No
nosso último encontro já havia percebido uma mudança sintomática, para não
dizer radical, em Sandoval.
Falante e perspicaz, dia desses,
quase o assusto, sentado que estava no banquinho de movimentada praça do centro
da cidade, taciturno e sorumbático, ao cumprimentá-lo; parecia, sequer, ouvir o
barulho ensurdecedor dos vendedores de gororobas medicamentosas que ali se
haviam instalado há meses. Pediu-me para sentar a seu lado. Brincando,
perguntei-lhe se estava a pensar na morte da bezerra, tão sisudo daquele jeito.
Que nada, companheiro, estou mesmo é pensando na vida.
Resolvi
“puxar” assunto, instigá-lo. Que me diz de essa história de “baleia azul”,
Sandoval? Um anacoluto, se me permite, amigo: antes de ser assaltado, olha só,
achava que essa coisa de assalto só acontecia aos outros. Respondendo-lhe: não
estranho mais nada. Está cada vez mais difícil entender as pessoas. Um exemplo:
Meio mundo anda bastante feliz com as escaramuças jurídicas que o juiz
responsável pela Lava Jato vem fazendo com essa corja de bandoleiros que
dilapidam o país há décadas; logo, ele seria “o cara”, certo? Não! Diz a mídia
que famoso ex-presidente da república, incluído em diversos inquéritos,
denúncias, réu em alguns processos; verdadeiro santo do pau oco – ferrenho
defensor e mecenas de ditadorezinhos mequetrefes da América do Sul -, se a
eleição presidencial fosse hoje, ele estaria eleito. Temos cura? Não!
Provavelmente, vamos votar, indiretamente, para o parlamento, em lista fechada
– na qual, segundo entendem alguns, um mesmo listado poderá concorrer,
simultaneamente, a dois cargos eletivos. A propósito, por aqui, não é mais ou
menos assim que há muito acontece? Não raro, votamos e elegemos parlamentar
tal, vem o governo e, em nome de uma pretensa ou espúria governabilidade, troca
o eleito por alguém que as urnas rejeitaram. Se deixarmos o congresso nacional
aprovar essa ignomínia, a maioria não vai anular seu voto, como seria ideal,
mas votar feito cordeirinhos. Depois reclamaremos.
Começava a ficar interessante o
“papo”, pensava cá com meus botões. E lhe digo mais, colega, voltava Sandoval a
assumir as rédeas do diálogo - bem feito, quem me mandara cutucar onça com vara
curta -: acidente de trânsito, quantas vezes não julguei culpado alguém que se
envolvera em alguns, simplesmente por tê-lo considerado causador do mesmo, e
ponto final. Mudei de opinião e de cometer tal injustiça, a partir do momento
em que, conduzindo o próprio veículo, envolvi-me em vários deles, e, em muitos,
a culpa foi minha, não dos outros condutores.
E continuava. Antes de ser avô,
achava que amigos haviam se transformado em toleirões, bobalhões, bobocas
demais depois do surgimento dos netos em suas vidas. Como alguém poderia mudar
tanto após a chegada de essas “cabecinhas de sangue”? Muda mesmo, meu prezado;
eles mexem, de fato, com nossa estrutura emocional; passamos a fazer o que
querem, e com muita alegria e satisfação. E ainda ficamos irados quando nos
relembram do que, antes, dizíamos a respeito do assunto. Os avôs dos seus
filhos – você os tem, quero crer – não devem ser diferentes, pois não? Não, não
são, velho amigo. Menos mal: se meus filhotes e os velhinhos ficam felizes, por
que não eu? – como diria Paula Toller.
Pois
bem, prosseguiu Sandoval: aprendi a aceitar, como verdades, evidências em que
desacreditava ou via como suscetíveis de somente acontecerem a outrem. Além
disso, hoje, tudo está diferente de quando era mais jovem. Vai concordar,
obviamente, que existe muita informação circulando, abalroando-nos a todo
momento; antes de decodificarmos uma, bateladas de novas se lançam sobre nós.
Chega a ser enlouquecedor o modo e a velocidade com que elas nos sobrevêm.
Assim, meu caro, concluo: tudo, tudo mesmo pode acontecer, notadamente, de
ruim, porque, dizem, as notícias más têm preferência na corrida existencial:
elas sempre chegam à frente das boas. Parecia lugar-comum o que estava falando
Sandoval, mas preferi entender sua fala como constatações de alguém que tenta
viver seu tempo com um mínimo de sustos ou surpresas. Pensei que se ia calar,
enganei-me.
Você
me perguntou o que penso a respeito de essa maluquice de “baleia azul”. Acho-a
isto mesmo: uma maluquice, mais que bizarrice. A propósito, há algum tempo,
bizarro é algo que não cabe no universo das ideias. Nada mais nos parece
estranho; é como se já houvéssemos visto tudo e, portanto, tudo é normal. Essa
“novidade” está no mesmo rol; mas, logo, logo, envelhece, vira coisa do passado
- tomara, sem nos impor grandes perdas -, e outra a substitui.
Só
para fechar nosso proveitoso bate-papo. Vou lhe revelar uma decepção: nutria
esperança de que do seio de nossa juventude sairiam os líderes de que andamos
precisando faz tempo, em todas as áreas: política, econômica, ética, moral,
científica. Perdi-a. Concordo com o que Rui Barbosa falou, certa feita, que, um
dia, ainda iríamos sentir vergonha de sermos honestos. Hoje, já parece algo
ultrapassado, coisa de tolos e fracos respeitar valores como a Moral e a
Ética.
Então me diga, companheiro:
estamos, ou não, perdidos? Teríamos assunto para mais de metro; fica para
depois. Desculpe-me, creio que já percebeu: ando sem paciência e minha fé está
enfraquecendo. Foi-se.
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