Alcenor visto por Gervásio |
Gervásio em autorretrato, retratando o poeta Elmar Carvalho |
DEPOIMENTO SOBRE
GERVÁSIO PIRES DE
CASTRO NETO
Alcenor
Candeira Filho
Natural de
Parnaíba-PI (1950), Gervásio Pires de
Castro Neto foi morar a partir de 1965 no Rio de Janeiro, onde vive
até hoje.
Foi na “Cidade Maravilhosa”, onde estudei
de 1966 a 1971, que me tornei seu amigo. Lá alguns parnaibanos costumavam
encontrar-se em fins de semana para “beberipapos”. Nesse tempo Gervásio chegou
a escrever alguns poemas, mas logo descobriu que a sua verdadeira vocação
artística era para o desenho, revelando-se grande caricaturista.
Acredito que se Gervásio Neto houvesse ao
longo da vida tentado conciliar a profissão de bancário com uma atividade
artística mais constante, divulgando trabalhos através de jornais, revistas,
internet e exposições, - teria hoje um número bem maior de admiradores. Mas ele
sempre foi avesso a holofotes. Só desenha quando quer, nunca por obrigação ou
dever.
Já retratou com mágicos traços
humorísticos vários parnaibanos, como o
ex-prefeito José Hamilton Furtado Castelo Branco, o músico Weber Mualem de
Moraes, o desenhista Fernando Antônio Melo de Castro, o escritor Carlos
Henriques de Araújo, o desenhista
Francisco de Assis Lemos, conhecido como Guerreiro, e muitos outros.
À sua arte devo as capas de dois livros de
minha autoria: TEORIA DO TEXTO E OUTROS POEMAS e SELETA EM VERSO E PROSA.
Quem vê o artista vestido sempre de calça
e camisa pretas, com o inseparável boné também preto, poderá imaginar que ele
vive de luto, ensimesmado, macambúzio,
sorumbático. Mas isso não passa de aparência. Quem conhece bem o Gervásio Neto
sabe que ele adora conversar, especialmente em rodadas de cerveja em bares e
botecos modestos. Discorre com
desenvoltura sobre assuntos
gerais, opinando, argumentando, concordando, discordando. Enfim, um cidadão bem
in/formado, que não abre mão das próprias convicções.
Na juventude, em períodos de férias
escolares, eu e ele participamos em Parnaíba de um bloco carnavalesco
denominado “Negro Gato”. A turma só entrava nos clubes (AABB e Igara) ao som da
música “O Negro Gato”, de Roberto
Carlos, executada em ritmo de carnaval. Não lembro se à época, fins dos anos
60, Gervásio Neto já se trajava todo de preto, como não sei se a mania pela
indumentária da cor da noite de lua e de
estrelas ocultas no blecaute de nuvens espessas nasceu a partir do “Negro
Gato”.
Gervásio Neto re/criou na sua especialidade de desenhista as vinte e
cinco personagens poeticamente retratadas por Elmar Carvalho no livro POEMITOS
DA PARNAÍBA.
O caricaturista não conheceu pessoalmente
várias dessas personagens, mas as caracterizou fidedigna e artisticamente
através de traços e cores a partir dos perfis poéticos criados por Elmar
Carvalho. O trabalho do artista plástico revelou-se tão valioso quanto o do
artista da palavra, na medida em que, fiel ao exemplo deste, expressa aspectos
físicos e morais das personagens que desfilam no livro.
Um dos fatos mais marcantes de meus tempos
de Rio de Janeiro ocorreu no dia em que eu, Gervásio e outros parnaibanos fomos
presos no sombrio ano de 1970, episódio que me levou a escrever um texto –
“Prisão de Parnaibanos no Rio de Janeiro - , publicado em blogues/portais piauienses e inserido no
livro de minha autoria POLÍTICA E OUTROS TEMAS PARNAIBANOS.
Em final de tarde de um sábado, os
parnaibanos fomos levados em três viaturas policiais (fuscas) com sirenes
ligadas e barulhentas à delegacia da rua Bambina, em Botafogo.
Após enfadonhos depoimentos, todos fomos
liberados sem necessidade de habeas corpus, com direito a imediata comemoração
em bar próximo da delegacia.
Nunca nos envergonhamos nem nos
vangloriamos da ocorrência: afinal de contas não éramos heróis e fomos detidos
por pouco tempo - no máximo sete horas - , não pela prática de ato delituoso
mas pelo simples fato de havermos “entrado de gaiatos no navio” ou de estarmos
“no lugar certo em hora errada”.
O lugar era “certo” porque se tratava do
apartamento do 11º andar em que moravam os parnaibanos Weber Mualem de Moraes,
Antônio Dutra (Cambel) e os irmãos Benedito, Paulo e João Paulino Soares. O
minúsculo apartamento era um dos lugares de reunião de nossa turma
nos finais de semana e por isso eu, Gervásio Pires de Castro Neto, Raimundo
Furtado de Mendonça Neto (Raimundinho Arraia) e Arnaldo Prado lá nos
encontrávamos como visitantes.
Nessas visitas costumávamos tomar os
primeiros copos de cerveja para, em
seguida, com a chegada da noite, vagar de bar em bar até o amanhecer, porque
gostávamos de ver o sol nascer no vazio da cidade maravilhosa.
Se o lugar era “certo”, o momento foi
“errado”, porque ninguém esperava a chegada repentina de Antônio Dutra, o
Cambel, inteiramente fora de si, furioso, desafiador, provocador, insultando o
tempo todo os irmãos Soares. Lembro-me de uma panela com ovos no fogão e de
Cambel ameaçando jogar nos desafetos a água que nela fervia. Ele bradava: “Aqui
só respeito o Noba, porque joguei botão na casa dele várias vezes e sempre
perdia”. Nunca se soube se Cambel estava drogado. Mas sem dúvida estava
transtornado. Chegou a agredir fisicamente os irmãos Soares, que reagiram
moderadamente, na medida suficiente para dominar ou domar o agressor. Em
verdade, todos tínhamos as mesmas parnaibanas raízes e éramos amigos.
Mas Cambel estava possesso. Mesmo depois
da surra que levou, começou a jogar da
janela do apartamento garrafas vazias de cerveja no pátio do edifício. Os
vizinhos ligaram, e logo viaturas da polícia estacionaram em frente do prédio.
Os policiais entraram no pequeno apartamento com armas na mão e gritando:
“Todos com as mãos na parede”. E visitantes, moradores e apartamento foram
minuciosamente revistados. Nenhuma droga foi encontrada. Em seguida, todos
fomos algemados: eu junto com Gervásio, Raimundinho com Arnaldo, Benedito com
Paulo, enquanto Cambel e João Paulino foram algemados sozinhos.
Na delegacia da rua Bambina, prestamos
depoimentos até de madrugada. Do momento de meu depoimento lembro a
indumentária quase carnavalesca do delegado: camisa manga comprida
amarela/corrupião, gravata verde/pavão e
calça preta/urubu. Não fitei os sapatos nem meias, mas os cabelos
compridos com rabo de cavalo jamais me
sairão das retinas.
Ao saber que eu fazia o quarto ano de
direito, disse: - Você está começando muito bem a vida de advogado. Cuidado.
Pare com essa cachaça e vá estudar.
Em seguida, o delegado passou a inquirir
Gervásio Neto.
Naquele fim de semana Gervásio se despedia
dos amigos. Iria na semana seguinte para Curitibanos para assumir emprego no
Banco do Brasil. Naquele momento, portanto, ele não trabalhava nem estudava. E
o delegado:
- O que você faz na vida?
- Já compro feito.
- E seu dinheiro cai do céu?
Tudo esclarecido, Gervásio foi liberado, o
que aconteceria com os demais.
Funcionário aposentado do Banco do Brasil
S.A., Gervásio Neto é filho de Francisco José Pires de Castro e Maria Antônia
Melo de Castro. Casado com Ana Maria com quem tem duas filhas: Vanda e Natacha.
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