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Dois
animais em extinção, o moleque de recados e a fofoqueira
Pádua Marques
Jornalista e escritor
Com a chegada de mais um
ano a gente vai percebendo o quanto o tempo está mudando e as formas de vida se
modificando. Nestes dias, antes da passagem de Ano Novo, fiquei aqui imaginando
como as coisas e as pessoas estão e andam diferentes. Se da água pro vinho é
difícil de classificar. Mas de uma coisa eu tenho certeza: umas morrem, outras
se alteram e mais outras lá na frente se adequam ao curso do tempo.
Dois animais estão em
extinção, o moleque de recados e a fofoqueira. O primeiro é coisa de meu tempo.
Havia moleque pra dar todo tipo recado. De feira, pedido de namoro, correr na
vizinha pedindo uma xícara de açúcar, alguém que havia chegado e por tantas
outras coisas. Aquele moleque da canela e dos pés cinzentos, criado no olho da
rua, de calção encardido e com catinga de sol.
Bastava colocar na mão
dele uma moeda, um bombom ou outro tipo de agrado e lá ia ele cumprir o
mandado. Mas naquele tempo havia menino de rua. Não menino de rua com essa
nomenclatura, essa classificação de ser menino abandonado à própria sorte, sem
pai e mãe pra lhe dar de vez em quando um puxão de orelhas. Hoje não. Basta ver
um adulto conversando com um menino que é logo tido como assédio.
Moleques desses que
jogavam bola, peteca, brincavam com carrinhos de lata, soltavam pião ou papagaio
em mês de agosto pra cima. Moleque de recados conhecidos pela obediência e
respeito aos mais velhos. Fossem parentes aderentes ou apenas conhecidos de
passagem. Dava o recado e voltava pra sua brincadeira. Até poderia ficar
ouvindo conversa de gente grande pra mais tarde sair espalhando com acréscimo.
Outro animal que está em
extinção é a fofoqueira. Dessas que ficavam o dia inteiro na calçada com a
vassoura na mão ouvindo e dizendo. Falando da vida alheia, acenando pra um
conhecido debochado. Chamando uma pariceira pra uma conversa de pé de muro ou
de cerca. Aumentando um fuxico aqui, falando da filha da vizinha que agora
andava perdida em más companhias namorando homem casado ou aquele sujeito
vagabundo que nunca deu um prego numa barra de sabão!
Puxar pela memória tem é
coisa. Tudo isso acabou com esse negócio de redes sociais! Se bem que eu acabei
de ouvir de um amigo ilustre, o professor e confrade de academia, Antonio
Gallas Pimentel, é que estes dois tipos não se extinguiram. Apenas mudaram as
ferramentas de trabalho. Hoje tem esse negócio de facebook e whatsap.
A vida da gente não tem
mais um dia, um minuto de sossego. Caiu nas redes sociais, está lascado! É
coisa de efeito rápido, feito coceira de cansanção de boi ou de urtiga. Gallas
está coberto de razão. O moleque de recados e a fofoqueira se modernizaram. Engraçado,
levou tempo, mas se modernizaram.
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