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PROFUNDAS MUDANÇAS DE HÁBITOS
José Pedro Araújo
Cronista, contista, romancista
Agora há pouco vinha transitando
pela Homero Castelo Branco quando me lembrei de algo que ainda precisava fazer
antes de chegar em casa. Então falei para a minha esposa que ia do meu lado:
“Minha filha, preciso passar na farmácia para sacar algum dinheiro”. Sem
nenhuma surpresa ela me respondeu "tudo bem". Logo depois dessa
resposta, virei-me para ela e lhe disse: ”Se você tivesse adormecido no início
dos anos Sessenta e só tivesse acordado neste presente momento, a sua reação
seria de surpresa" – comentei sem um propósito definido.
Nesse instante, ela olhou para
mim, aí sim, com surpresa estampada no rosto e me perguntou o porquê daquela
conversa. Sorrindo, disse-lhe que alguém que tivesse mergulhado em sono
profundo em 1960 e só tivesse acordado neste instante se depararia com algumas
surpresas. A primeira delas seria a afirmação que acabara de lhe fazer que
precisava passar na farmácia para sacar dinheiro.
Naquele ano, minha cara, os
nascidos no velho Curador, como eu, responderia de pronto que eu havia me
enganado, que farmácia era lugar para se comprar medicamentos, e não sacar
dinheiro. Aliás, a surpresa seria maior ainda por que de banco mesmo somente
ouvira falar, nunca havia posto os pés em uma, pois na terrinha não havia
agência de qualquer banco. Contudo, mesmo assim, sabia-se que era no banco que
se buscava dinheiro.
A conversa parou por ali, uma vez
que estacionei o veículo e entramos no banco, digo, na farmácia. Eu, para fazer
o meu saque de dinheiro. Ela, para procurar algum protetor solar, uma vez que
na manhã seguinte estaríamos descendo para o litoral. Aquele assunto, contudo,
continuou a martelar na minha cabeça até que decidi passar para o papel o caso
da minha viagem mental rumo ao passado(nos anos sessenta se anotava tudo no
papel, quer com uma caneta ou na máquina de escrever). Portanto, o que estou a
fazer mesmo é passando para a tela do computador esse assunto bobo. E se não
fizesse assim, ele não pararia de martelar na minha cachola por horas e horas
até que eu me decidisse registrá-lo. Coisa que faço agora para me ver livre de
vez dessa inutilidade.
Então, já que é assim, digo que
naqueles anos aos quais me referia nos parágrafos acima, as farmácias só
vendiam medicamentos para a clientela, quem precisasse sacar algum dinheiro
teria que procurar uma agência bancária (a mais próxima do Curador ficava em
Codó, a mais de cem quilômetros de distância), e enfrentar uma fila enorme no
caixa antes de colocar as cédulas no bolso. Lá na terrinha, portanto, as
pessoas teriam que se virar com o dinheiro pouco que circulava na própria
cidade, ou fazer uso das suas próprias reservas guardadas sob o colchão ou nos
bolsos dos paletós nos armários (cofres somente uns poucos possuíam).
E a carência de dinheiro
circulante era tão grande, que alguém da cidade terminou por inventar a sua
própria moeda, um tal “Sunguelo”, um pequeno vale-compra com um valor estampado
na face que vinha assinado por esse criador da ideia. Aquele pequeno tíquete
era aceito por parte do comercio sem contestação.
A propósito disto, sai agora à
procura do significado do nome Sunguelo e me deparei com o seguinte resultado:
“Sunguelo, espécie de vale compras fornecidos pelos responsáveis pelas obras de
construção de estradas, açudes e obras em geral da SUDENE. O Cassaco recebia o
Sunguelo que constava o valor correspondente ao limite de crédito individual.
Em geral era usado nas obras contra a seca”. Sunguelo também é um termo
nordestino utilizado para definir uma pessoa magra, raquítica.
Na minha terra, pelo que me
lembro, estavam em construção, nessa época, algumas estradas que melhoraram
significativamente a ligação da cidade com Barra do Corda, e também à capital,
São Luís. Do mesmo modo, uma infinidade de outras cidades, como Teresina, por
exemplo, mas também outras dos sertões foram beneficiadas naquele momento.
Talvez tenha sido esse pessoal os responsáveis pelo pequeno pedaço de papel em
forma de moeda que passou a circular por lá. Lembro-me bem que se tratava de um
pequeno pedaço de cartolina no qual constava um valor em Cruzeiro, bem como um
carimbo e a assinatura de alguém.
Sobre alguém que dormiu anos
atrás e acordou em um mundo totalmente diferente, mudado em todos os sentidos,
a literatura e o cinema já trataram com enorme clarividência e sucesso. Não apenas
isto, mas até mesmo uma viagem em sentido contrário, para frente, rumo ao
futuro, como nos filmes 2001- Uma Odisseia no Espaço ou na série De Volta para
o Futuro, além de tantos outros, a criatividade humana já trabalhou. A própria Globo já tratou sobre esse tema em
algumas novelas.
É assunto instigante que mostra o
choque sofrido pelo protagonista frente às mudanças sofridas nos costumes, nos
hábitos ou comportamentos das pessoas, bem como na própria maneira como a
humanidade encara certas situações da vida.
Quanto às mudanças tecnológicas,
essas nem dá para enumerar aqui, são imensas e tantas. Nesse momento, por
exemplo, digito o texto na tela do meu computador, corrijo, apago, mudo o
sentido de uma frase inteira, sem precisar de uma borracha ou mesmo de corretor
de texto (o tal branquinho, um produto líquido inventado anos atrás com o qual
se cobria uma letra ou mesmo uma palavra inteira e depois se escrevia sobre ela
quando o liquido secava). Um trabalhão, mas já um avanço, pois permitia que não
se perdesse a página inteira. Nos anos sessenta, nem isso existia. Errou,
perdia-se tudo.
Outro exemplo vivo da mudança a
qual venho me referindo: por instantes, no computador, parei de digitar este
texto, passeei pelo Google em busca do significado da palavra Sunguelo, copiei
e o colei no meu texto. Tudo com muita rapidez e segurança.
E o que dizer das comunicações,
dos meios de transportes, das estradas, dos veículos com navegador, GPS, ar
condicionado? Falar o quê do minúsculo Pen Drive no qual tenho arquivadas mais
de quinhentas músicas e que vai comigo na viagem para aliviar o estresse? Ou do
aplicativo Streaming que tenho no meu telefone móvel (o tal celular que era uma
coisa impensável na época), no qual tenho uma montanha de músicas à minha
disposição, caso enjoe das que trago no Pen Drive?
São tantas as mudanças, até mesmo
no vestir, que ficaria horas e horas digitando aqui e não chegaria ao fim da
descrição de tantas mudanças.
Para terminar, digo apenas que na
farmácia, caso quisesse poderia ter comprado um telefone novo, um umidificador,
um secador de cabelo, um picolé, um pote de sorvete, uma caixa de chocolate, um
shampoo para lavar os poucos cabelos que ainda tenho, ou até mesmo um simples
comprimido para dor de cabeça.
As coisas mudaram muito nesse
meio tempo, meu caro dorminhoco. A internet, por exemplo, trouxe um mudo de
novidades para as nossas vidas, facilitou-a de uma maneira avassaladora, mas,
ao mesmo tempo, trouxe um mundo de problemas para dentro da minha própria casa.
Hoje, um sujeito pode roubar os parcos dinheirinhos que tenho no banco sem me
apontar uma arma, apenas com um comando rápido lá do outro lado do mundo, ao
tempo em que escrevo essas bobagens. Pronto. Já voltei, apenas com um clique
dado pelo meliante estrangeiro, a ser o liso completo dos anos sessenta.
É, crianças, como diria Billy
Blanco, na sua música Canto Chorado,
“O que dá pra rir dá pra chorar.
Questão só de peso e medida. Problema de hora e lugar, Mas tudo são coisas da
vida”.
Fonte: Blog Folhas Avulsas
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