Rocha Furtado Fonte: Google |
ROCHA FURTADO E
OS PADRES UCHOA E CIRILO
Elmar Carvalho
Lendo a
excelente entrevista do ex-governador Rocha Furtado, concedida ao historiador
Manuel Domingos Neto, contida no seu livro “O que os netos dos vaqueiros me
contaram – o domínio oligárquico no Vale do Parnaíba”, admirei-me da severidade
com que o entrevistado se referiu ao monsenhor Lindolfo Uchoa (Pedro II, 1884 –
Teresina, 1966), que sempre foi considerado um dos grandes beneméritos da
Educação no Piauí.
Foi vigário de
Barras nos períodos de 1925 a 1941 e 1942 a 1957. Nessa cidade, em 1954, com a
ajuda de irmãs da Ordem Mercedária do Brasil, fundou a Escola São Pedro Nolasco
e o Patronato Monsenhor Bozon, assim como em Floriano fundou e dirigiu o
Colégio “24 de Fevereiro”.
Vejamos o que
sobre ele diz o historiador Wilson Carvalho Gonçalves: “Nele sobressaía também
o educador, e nesta qualidade criou e dirigiu, por dez anos, o Colégio “24 de
Fevereiro” – famoso em Floriano, e que preparou para a vida a juventude do
tempo, dando-lhe estrutura moral, religiosa e intelectual. Gratíssima à notável
obra, a Princesa do Sul nunca pode esquecer o gesto de benemerência de
Monsenhor Uchoa – e lhe reverencia a memória com o nome aureolado em rua, em
estádio, em grêmio escolar, em biblioteca, em estabelecimento de ensino,
zelando a majestade de um patrimônio inesgotável de exemplos dignificantes”.
Cotejemos agora
o que diz Rocha Furtado, referindo-se ao monsenhor e a seu educandário de
Floriano:
“Aquele colégio era mais um campo de
concentração do que um colégio. Nunca passei tanta fome e nunca pensei que um
jovem adolescente pudesse ter tanta resistência para passar um ano comendo tão
miseravelmente. Forçados pela fome, arrancávamos raízes de umbu e comíamos. O
padre Lindolfo Uchoa, muito injustamente, é considerado um grande educador no
Piauí. Ele não tinha a mínima noção do que fosse educador! (…) Várias vezes
deixei de comer porque vinha bicho no prato e quem ia ser garçom tinha o
direito de comer da comida do padre. Ele tinha uma mesa separada e comia as
melhores iguarias. Os que iam servir-lhe tinham esse direito”.
Na entrevista,
Rocha Furtado conta que todo mês eram abertas inscrições para quem quisesse
disputar o cobiçado lugar de garçom da mesa do padre Uchoa, mas que ele e seu
irmão Antônio sempre se recusaram a participar dessa disputa, que consideravam
coisa de escravo. No depoimento, afirma que no ano em que foi interno desse
colégio, em Floriano, só comeu bem no dia 7 de setembro de 1922, quando foi
convidado a almoçar na casa do doutor Fernando Marques, uma vez que, “durante o
resto do ano, passamos fome, vendo nos servir paneladas podres e as coisas mais
abjetas”.
Entretanto,
perguntado sobre se aproveitara alguma coisa no colégio do padre Uchoa,
respondeu que os professores eram bons; que não tinha a menor ressalva quanto a
isso; que ele e seus colegas aprenderam bastante e que foi um tempo muito útil
para todos.
Faz elogios
rasgados ao padre Cirilo Chaves, em cujo colégio estudou no ano seguinte
(1923), dizendo que este era o tipo do educador, “um homem profundamente
humano, democrata, agradável, honesto e sóbrio”. De quebra, ainda acrescentou
que a comida do padre Cirilo, então suspenso da ordem, era bem superior à
fornecida por Uchoa, e que Cirilo comia da mesma comida que era dada aos
discípulos, “numa atitude democrática, de educador”.
Consultei o
professor Roberto Freitas, nascido em 1929, e que estudou em Floriano, a
respeito da comida do internato de monsenhor Uchoa, mas ele disse nada ter
ouvido falar sobre o assunto, nem de bem nem de mal; aduziu apenas que o
vigário foi uma figura ilustre da história da cidade, e que o colégio era
respeitado e reconhecido como de boa qualidade, embora de disciplina rigorosa,
como era comum na época.
Encerro
acrescentando que a História do Piauí tem sido severa com Rocha Furtado, que
foi tão implacável com o velho educador. Seu governo é sempre considerado como
de poucas realizações, e como um período conturbado e intranquilo, com
funcionários públicos aterrorizados com o fantasma de demissões e remoções.
Alega-se, em
sua defesa, que ele não tinha maioria na Assembleia Legislativa, e que a
oposição lhe criava dificuldades, mormente não aprovando seus projetos. Deixo a
palavra final aos doutos e historiadores do Piauí.
8 de maio de 2010
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