Nogueira Tapety e a Parnaíba
Joca Oeiras *
Benedito Francisco Nogueira Tapety, de nome artístico Nogueira Tapety (1890-1918), poeta oeirense, faleceu precocemente, vítima da tuberculose, 18 dias após ter completado 27 anos. Sua memorabilia, no entanto, foi vítima de um mal ainda mais insidioso: o preconceito!
Naquele tempo acreditava-se que os pertences do morto por tuberculose deveriam ser incinerados sob pena de contágio, e muita coisa – objetos pessoais, cartas e, inclusive, grande parte da sua produção artística – sofreu esse triste destino.
Há, até, lendas a respeito disso. O inefável Zé de Helena, decano dos homossexuais de Oeiras, conta que, refinado e rico, o poeta possuía uma invejável coleção de perfumes franceses e que estes perfumes, como um tesouro, teriam sido enterrados no quintal da Casa-de-Fazenda Canela, onde ele nasceu e morreu.
Há, no entanto, embora tênue, esperança de que parcela, por menor que seja, da produção literária, ainda inédita, do escritor – alguma (ou algumas) de suas cartas enviadas a amigos – possa vir a ser encontrada.
Em 1915, na tentativa de cura da doença, partiu o nosso herói para a Ilha da Madeira (Funchal) e, durante o período em que lá permaneceu hospedado – no luxuosíssimo Hotel Reid Palace – alimentou um Diário que chegou até nós. O Diário, muito interessante, muitíssimo bem escrito e cheio da mais fina ironia está inserido no livro “Arte e Tormento”, publicação póstuma, que veio a lume em 1990, quando se comemorou o centenário de nascimento do aludido poeta.
Transcrevo, abaixo, um pequeno trecho em que Nogueira relata cartas que escreveu a vários parnaibanos, inclusive ao Dr. Mirocles Veras, seu médico particular.
“Dia 22
Dormi mal, ou antes não dormi esta noite. Fui vítima de uma terrível insônia e quando consegui fechar os olhos eram quase cinco horas. Levantei-me às dez horas. Desço ao salão de jantar, para o almoço, e encontro a conta debaixo do prato. Fico escandalizado! Cobram-me 4½ libras por 7 dias de hospedagem. Pago, contudo, sem protesto. A distinta família a quem me tenho referido ainda almoçou hoje e logo depois foi embarcar no “Adreola”, para Las Palmas Passei o dia escrevendo carta e cartões para o Brasil e que devem seguir amanhã pelo “Hurayna”. Escrevi ao Dr. Miguel Rosa, ao Corinto, às Dª. Emília, Alzira e Rosa Freire, às Mendes, à Dª. Laura Veras, ao Cavalcanti, ao Mirocles, Antônio, Nestor e Merval Veras, ao Cel. Franklin, ao Verinhas, ao meu pai, ao Jeconias, ao José, Amália, Amélia, Joaquina, Maria de Jesus, à mamãe, ao Pedro Sá. Antes do jantar desci ao jardim e depois de ter jantado, já quando me recolhia, passaram dois automóveis cheios de rapazes alegres e mulheres do “demimonde”, numa alegria invejável, cantado a vassourinha, mas a vassourinha brasileira autêntica!
Ah! meu tempo! Também eu já fui assim e hoje expio o abuso que fiz dessas noitadas alegres.Contudo, não me arrependo, nem me queixo. Aceito o sofrimento de cabeça levantada e rindo da mesma forma que ria ao estragar a vida. Escrevi até onze horas, e nisto se foi o dia.”
Há outras referências, no Diário, a cartas enviadas a estas pessoas, o que nos faz pensar na possibilidade de ter sido ainda maior do que as aludidas neste Diário, a sua correspondência com parnaibanos ilustres naquela época. Cabe a pergunta: será que nenhuma destas missivas foi preservada? A resposta “is blowing in the wind”!
* Joca Oeiras [1947 - 2017] é Assessor de Imprensa da Fundação Nogueira Tapety
(PS - este artigo foi publicado, originalmente, no jornal “O Bembém”, de Parnaíba, editado pelo dramaturgo Benjamim Santos, em 2016, talvez. Ass. Carlos Rubem)
Poema: Assim falou Zaratustra
ResponderExcluirSubtítulo: Capítulo que Nietzsche não escreveu
Autor: BENEDITO NOGUEIRA TAPETY
Nasci para viver solitário, abismado
Na própria vastidão do meu ser tão profundo
Como o espaço sem termo, ou como o amar sem fundo
Estranho à imperfeição do que vivo cercado.
Meu sonho superior é corcel galopando
Através de vergéis de outrem desconhecidos,
Que vai, galhardamente infrene, desbravando,
Para serem depois por outros percorridos.
Eu sou o portador das verdades futuras,
E o que ensino há de ser somente percebido
Por quem for superior, e tiver pressentido
A nuvem que inda vai se adensar nas alturas.
Sacerdote do Belo – eu prego a teologia
Que há de um dia remir a humanidade nova
E reduzir a pó na escuridão da cova
O cancro da mentira e o mal da idolatria.
Pode o mundo chamar-me gênio ou visionário,
Eu lhe desprezo altivo o louvor e a censura.
O mundo chamou louco o Mártir do Calvário,
E a alma branca de Buda ele acusou de impura.
Rodeado de silêncio, em paz com a Natureza,
Entronizado aqui, nesta grimpa de serra,
Desprezo como um Deus as misérias da Terra,
Vivendo para o ideal da suprema Beleza.
A religião do Amor que até nos dominou
Perdeu todo o perfume – é flor emurchecida
Porque o Amor é somente a beleza da vida
E é mais nobre adorar-se a vida que o gerou...
Mas se a vida é a Beleza e a razão do Universo,
E o Universo a Beleza extrema da Harmonia,
Que fique – único Deus – no altar-mor do meu verso
O Belo – o grande Sol que a minh’arte alumia.
Ele é o princípio e o fim de tudo – a idéia-mater
Da qual as outras são corolários e ornatos.
O Bem é simplesmente a beleza dos atos
E a verdade a Beleza e a glória do caráter.
Quem o ama em qualquer aspecto da existência,
Na cor, no som, na luz, numa ave ou numa rosa,
No íris, no mar, no sol, numa mulher formosa,
Pratica a religião do Deus por excelência.
Homem! Queres um Deus? crê no Belo e terás
O Deus que aperfeiçoa e purifica e ilustra,
E por ele, glorioso, um dia atingirás
O grau de perfeição que atingiu Zaratustra.
Nogueira Tapety
Oeiras/PI – Agosto – 1916.
Observações: O poema foi transcrito do vídeo do humorista JOÃO CLÁUDIO MORENO (fonte: vídeo postado no YouTube no Canal João Cláudio Moreno em casa no dia 12/08/2021, com o título Joãocast – link: https://www.youtube.com/watch?v=p5nWeDvdHDE ) e o fiz por não ter localizado em pesquisa livre na internet nada relacionado ao poema "Assim falou Zaratustra; Capítulo que Nietzsche não escreveu". Os créditos são todos de JOÃO CLÁUDIO MORENO, e no sentido de não deixar morrer tão belo poema e poeta.
O poeta Benedito Francisco Nogueira Tapety nasceu na fazenda Canela, em Oeiras, Piauí, no dia 30 de dezembro de 1890. Filho de Antônio Francisco Nogueira e Aurora Leite Nogueira. (...) (fonte: https://nuhtaradahab.wordpress.com/2010/11/14/nogueira-tapety-1890-1918/)
Muito bom este poema. Eu também tinha vista o João Claudio Moreno declamá-lo
ExcluirObrigado. Imensamente grato pelo maravilhoso poema
ResponderExcluirLindo,forte, verdadeiro.
ResponderExcluirMe encontrei em cada verso!!
Hoje, em podcast do completo artista piauiense João Cláudio Moreno, descobri o poeta Nogueira Tapety, a quem ele teceu linda homenagem e recitou o poema "Assim falou Zaratustra".
ResponderExcluirAssim, vemos, passado e presente, quão importante e interessante é o Piauí. Sua gente é, sem duvidas, o seu maior Patrimônio! Parabéns!
Elídio Freire, Rio de Janeiro
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