quarta-feira, 8 de março de 2023

INTOLERANTE, QUEM NÃO O É UM POUCO?

Fonte: Google

 

INTOLERANTE, QUEM NÃO O É UM POUCO?


Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

 

                Não, não é verdade: nem tudo que aqui se faz, aqui se paga. Até em se tratando de religiosidade, de crença ou fé, há que se dizer, por mais intolerante que possa soar, mesmo com relação ao tratamento dado, supostamente, pela natureza, por Deus, para os ainda mais crentes, ou àqueles que se sintam injustiçados, que essa história de compensação não é coisa divina; sim, o que nos acontece de bom ou ruim, às vezes fica assim, sem uma contrapartida ruim ou boa; a gente má acontecem boas coisas, como péssimas se abatem sobre os pios; todos, claro, sofremos nossos perrengues, tanto quanto gozamos de momentos que consideramos felizes. É verdade que alguns se julgam mais felizes do que muitas pessoas que conhecem; acontece, por vezes, também a essas, de fato, pensarem ou concordarem com aqueles.

                Por que, de repente, questionar essa quase pétrea opinião ou conceito que permeia as atividades ou decisões humanas e suas relações com as de cunho sobrenatural? Com as devidas escusas pela particularização, citarei um: há algumas décadas sou cobrador de impostos, um publicano seria nos áureos tempos romanos, contemporâneos de Jesus e seus discípulos; e o que menos, ou quase nunca encontro, quando aprofundo certas auditorias, é alguém totalmente adimplente dos tributos que deve; ou seja, compra-se, produz-se ou se toma serviço, mas não se quita corretamente as obrigações tributárias; quer dizer, nem todas as dívidas aqui feitas são pagas ou liquidadas Pode até parecer brincadeira, ironia ou gozação, mas não é. Vejam, observem o ror de incentivos, refinanciamentos, reengenharias que os governos, vira e mexe, oferecem ou disponibilizam no intuito de fazer com que os devedores contumazes recolham os tributos devidos; fato é que, grandes inadimplentes ou exímios caloteiros pagam um tantinho de suas dívidas – o que, geralmente, deixa os governos felicíssimos -, depois dão uma parada enquanto esperam as próximas benesses estatais; pequenos devedores ou os mais recalcitrantes, parece que preferem esperar que seus débitos cresçam, e o círculo vicioso se realimenta. Aí vem aquele cidadão que se acha  mais esperto e inteligente que a média, e dispara: também, é “imposto” demais, ninguém aguenta; ao que um cobrador de tributos, já calejado e cansado de tanta lengalenga, refutaria: alguns aguentam, sim, amigo: os bons pagadores, aqueles que, muitas vezes, mesmo sendo vítimas de concorrência desleal, e sabendo que, para eles, quase nada é oferecido, continuam cumprindo suas obrigações, não apenas tributárias, mas junto a fornecedores, empregados; é que esses acreditam que o estado não sobrevive sem tributos; e é graças aos que assim pensam, que os governos vão tocando o barco; se essa corja de legisladores que, só demagógica e, hipocritamente, se diz defensora de uma tributação justa – mas que somente fica no plano das ideias – , pusesse mãos à obra, certamente, todos teríamos vida mais fácil; o pior é que eles sabem como conseguir isso, bastava que fizessem sua parte, criando regras, aprovando ou estabelecendo métodos, critérios, normas tributárias que permitissem a todos – senão à maioria – contribuir de forma proporcional a suas riquezas; isso evitaria ou, no mínimo, não permitiria que uns pagassem por outros, sendo que esses outros seriam os que deveriam pagar por uns.

                Por falar em cobrador de impostos, que em vez de publicanos, ganharam a pomposa alcunha de auditores e/ou fiscais, dizem que não há quem deles goste, verdadeiramente. Desconfio um pouco de qualquer regra ou norma que prega ou busca a generalização como objetivo último; conheço algumas pessoas que, ou apareceram nos meus caminhos antes de me tornar um fiscal de tributos, ou depois, e que dizem ter um grande apreço por essa categoria de servidores públicos; tomara estivesse equivocado quando digo que, particularmente, acredito que menos desgostam de nós aqueles aos quais conhecemos antes de ingressarmos no fisco ou de adotarmos essa profissão que, desculpem-me, ainda muito nos apraz.

                De fato, é normal, até porque há registros históricos que comprovam isso, colocar ao rés do chão mais sujo a espécie dos cobradores de impostos, as próprias escrituras sagradas fizeram isso; e olhem que, tanto ou mais no tempo dos césares do que hoje, os governantes cobravam tributos até de quem não os devia; ou alguém nunca ouviu ou leu que César tal, por haver gastado além da conta naquele evento particular, lançaria seus publicanos na praça para tentar recuperar a riqueza diminuída?

                No livro Tratado sobre a Tolerância, a respeito dos cobradores de impostos, citando São Mateus e, depois, concluindo, Voltaire assevera: “” Quem não escuta a igreja seja visto como um pagão e publicano”. Eles são malditos, é verdade, mas não são entregues ao braço secular. Longe de retirar desses cobradores de impostos qualquer prerrogativa de cidadão, foram-lhes dados os maiores privilégios. É a única profissão condenada na Escritura, e é a mais favorecida pelos governos”. Melhor não citar a edição nem a tradução do livro para que, pelo menos, os fiscais tributários mais irascíveis ou os que não leram a obra, não tomem o autor por um grande mentiroso, além de um hipócrita intolerante.

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