Eu e a magia dos circos
Elmar Carvalho
Ontem, quinta-feira, dia 11/01/2024, fui assistir à noite a
um espetáculo do Circo Kroner, cuja grande tenda se encontra armada nas
proximidades do Teresina Shopping.
Pretendia recordar os tempos de minha meninice, em que fui
levado por meu pai e minha mãe a assistir a espetáculos de circos mambembes,
que aportavam em Campo Maior. Além dos circos encantados de minha infância, meu
pai me levou a ver, em meus verdes anos, a exibições de filmes no reino
encantado do Cine Nazareth, há muito extinto, mas que, em minha memória, ainda
remanesce, como disse num de meus poemas, e a partidas de futebol no Estádio
Deusdete Melo, onde se feriam acirradas pelejas, sobretudo entre o Caiçara e o
Comercial, nos anos sessenta, áureo tempo do futebol campomaiorense, em que
grandes craques do futebol atuaram nesses dois times.
Ao ver os artistas do Circo Kroner, em suas exímias atuações,
nos limites de sua destreza, força, concentração mental e perícia, dando o melhor
de si, às vezes em situação de perigo, me emocionei à beça, e não posso negar
que, em alguns momentos, fiquei com os olhos marejados, porque a magia circense
me fez recordar minha infância e os meus saudosos pais.
Por tudo isso, bati palmas a valer e “de com força”, mas com
discrição, com as mãos um tanto baixas. Como eu estivesse numa das cadeiras da
frente, na área frontal, o palhaço achou de interagir comigo, e “reclamou”,
alegando que eu estava batendo sem força e de forma acanhada. Diante disso,
para que ele não “pegasse mais no meu pé”, passei a aplaudir com mais
entusiasmo, mas não tanto, para ele não voltar a “inticar” comigo.
Assim, julgo oportuno transcrever abaixo um poema e uma
crônica, ambos de minha autoria, do tempo em que meus pais ainda eram vivos, sobre os encantos e magia de um circo:
EMOÇÃO NO CIRCO
Para João Miguel e Elmara Cristina
Pelas mãos tenras
de meus filhos
a magia do circo me chegou.
Atropelado por emoção e saudade
meu coração foi atirado de
lado
a lado
pelas piruetas de
capetas e
palhaços
infiltrou-se nos malabares
e me trouxe meu pai e o circo
encantado de minha infância.
As lágrimas escorriam
e eram estrelas e vaga-lumes
que pingavam da cartola
ensopada de um mago...
A lembrança de meu pai
assomou da sombra do passado
suavemente sentou-se ao meu lado
tomou-me as mãos
as mãos de uma criança.
CIRCO DE SOLEIL E OS CIRCOS ENCANTADOS DE MINHA INFÂNCIA
Neste domingo, à tarde, no programa televisivo da Regina
Cazé, o Djavan, um tipo mulato, um dos maiores artistas da música popular
brasileira, disse ser filho de uma lavadeira e de um representante comercial
holandês, louro dos olhos azuis. Falou que no seu registro de nascimento não
consta o nome de seu pai. No programa, houve depoimento de várias outras
pessoas, filhas de pais ignorados. Algumas disseram que conseguiram descobrir
quem era seu pai, e que conseguiram localizar seu paradeiro. Entretanto, outras
não tiveram êxito nessa busca, ou, pelo menos, não tiveram um final feliz, pela
não aceitação ou má vontade do pai ou suposto pai.
Embora não estivesse melancólico nem entediado, resolvi
assistir a um filme no Teresina Shopping. Não pude consultar no site apropriado
que filme gostaria de ver, em virtude de que a provedora da internet estava sem
funcionar, desde o dia anterior, o que é um abuso contra o quase indefeso
consumidor. Na fila para compra do bilhete, decidi, em razão do horário e das
opções, assistir à película João e Maria: Caçadores de Bruxa. No guichê,
declinei o nome do filme, paguei e recebi um bilhete, que não conferi.
O porteiro indicou-me o número da sala. Apesar de estar um
pouco antes do horário do início, verifiquei que já estava havendo exibição,
com as luzes devidamente apagadas. Pensei que meu relógio poderia estar
atrasado, ou que se tratasse de um trailer. Logo constatei que a moça me dera
um bilhete para o filme Cirque du Soleil – outros mundos. Procurei aceitar o
equívoco “numa boa”, sem queixas e sem resmungos. Talvez eu não tivesse falado
suficientemente alto, ou a vendedora tivesse alguma deficiência auditiva.
Terminei gostando do espetáculo, exibido na telona, em 3
dimensões. De fato é um grande circo, e faz jus à fama que conquistou. Seu
plantel de grandes artistas é fabuloso. É claro que eu conhecia quase todos os
números. Porém, todos tinham alguma novidade,
seja no equipamento, na encenação, no vestuário, no cenário, ou nos
efeitos especiais, que davam um toque de magia, como se fosse um filme de um
outro filme ou o sonho de um outro sonho.
Uma singela história romântica permeava a fita, como se
alinhavasse os diferentes quadros, na qual uma moça procurava, com um cartaz,
um acrobata, que encerrou o filme com ela, numa performance coreográfica, ambos
dependurados numa tira de pano, a oscilar de um lado para outro, quase como se
tivessem asas. Na saída, ouvi uma jovem comentar para a amiga que esperara mais
do enredo, como se não tivesse atentado para o fato de que o importante fora a
exibição de números circenses, realmente de alta qualidade.
Alguns trapézios eram muito grandes, tinham movimento
próprio, mecânico, aparência inusitada, e comportavam vários artistas, que
executavam verdadeiras coreografias aéreas. O jogo de luz transformou uma
banheira semiesférica, vertiginosamente alta, numa lua. Uma linda moça executou
caprichosos e ousados movimentos dentro e fora da água, equilibrando-se
perigosamente na borda da banheira, sem medo da queda no abismo. Quando a jovem
mergulhou na espumante água, como se fosse um golfinho, ou melhor, uma sereia,
um jogo de luz, quase como se fora um feitiço, fez o cenário tomar o aspecto de
transparente fundo de mar.
Logo vários acrobatas, dependurados em fios, vestindo roupas
que simulavam animais marinhos, como águas-vivas, medusas, polvos, camarões ou
similares, passaram a se movimentar nesse cenário encantador e encantado. Em
outro momento, foram apresentadas belas acrobacias e coreografias, com os
artistas se movimentando, para um lado e para outro ou para cima e para baixo,
dependurados em tiras de tecido, em notável bailado aéreo, em que interagiam
entre si.
Seria uma tarefa quase impossível e inglória tentar descrever
todos os números do Cirque du Soleil. Só fiz as referências acima, para que o
leitor tenha uma pequena ideia do espetáculo. É importante dizer que a
companhia tem engenhosas engenhocas, como o velho velocípede, que se movia
sozinho; picadeiros altíssimos, que se assemelhavam a despenhadeiros;
plataformas para trapezistas e acrobatas, que simulavam montanhas e abismos. A
rede de proteção era uma enorme piscina, para a qual os artistas pulavam, muitas
vezes fazendo pulutricas. Os cenários e as luzes executavam efeitos especiais,
em que o cenário parecia obra de um poderoso feiticeiro.
Ao ver os prodigiosos números do Cirque du Soleil, recordei
os pequeninos circos encantados de minha infância, que aportavam na pequenina
Campo Maior dos anos 60. Lembrei-me dos palhaços, dos trapezistas, dos
malabaristas, dos contorcionistas, dos acrobatas, dos mágicos, que povoaram a
minha meninice de magia e encantos. Lembrei-me dos palhaços, encarapitados em
magras e altíssimas pernas de pau, a puxar um magote de moleques, que lhes
respondiam a cantilena, como se fora um responso algo sacrílego, por vezes
fescenino. Alguns desses circos mambembes tinham a lona cheia de buracos e
remendos, e outros sequer tinham cobertura, de tão pobres que eram. Mas todos
tinham o sortilégio e a riqueza de uma arte soberba, que magnetizava adultos e
crianças.
Já adulto, ao levar meus filhos a um espetáculo circense,
chorei de emoção e saudade. Emocionava-me ver os artistas, na quase exaustão de
sua força, focados, se esmerarem em suas apresentações, tão belas e tão
efêmeras. Emoção porque no passado eu tinha meus pais para cuidarem de mim, e
agora era eu que cuidava de meus filhos. A saudade, como disse o poeta,
jorrou-me em ondas... A saudade do tempo em que meu pai me levava para o circo
e para o estádio, para o ludismo do trapézio e dos malabares e do encanto do
futebol. Devo confessar que chorei. Minha mulher notou, e comentou esse fato.
Tomado ainda de viva emoção, escrevi o poema Emoção no Circo.
Ao assistir ao filme do solar Circo de Soleil, tive rápido
momento de nostalgia pela minha infância irremediavelmente perdida. Mas me
alegrei, logo em seguida, porque tive pais bons e presentes, que me deram pão e
circo, advertências e conselhos, liberdade e limites. E me disciplinaram com
amor e com afeto. Lembrei-me do programa da Regina Cazé, e senti tristeza por
aqueles que nunca conheceram a figura de um pai, de um pai realmente pai.
Não pude deixar de me lembrar do seguinte texto
memorialístico do velho bardo Manuel Bandeira: “Quando meu pai era vivo, a
morte ou o que quer que me pudesse acontecer não me preocupava, porque sabia
que pondo minha mão na sua, nada haveria que eu não tivesse coragem de
enfrentar”. É assim que eu me sentia, quando meus pais me levavam aos circos
encantados de minha infância. Eu me sentia alegre, confiante, seguro e nada me
parecia faltar. Agradeço a Deus por ainda tê-los vivos e lúcidos, ao alcance de
meu querer e bem-querer.
"Quando meu pai era vivo, a morte ou o que quer que me pudesse acontecer não me preocupava, porque sabia que pondo minha mão na sua, nada haveria que eu não tivesse coragem de enfrentar"
ResponderExcluirNossa geração maravilhosa com pais realmente amorosos e responsáveis que nos davam segurança, realmente lembranças que nos faz querer voltar no tempo.
Muito obrigado por sua leitura atenta.
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