domingo, 15 de setembro de 2024

AMARANTE

 

Fonte: Google

AMARANTE


Elmar Carvalho

 

doce amaro

         pródigo

         avaro amarante

         ante-amar-te

         anti-amar-te

antes sempre após

agora

sem agouro sem demora

sem pressa e sem presságio

        pé ante pé

        perante tuas casas sonolentas

diante das fráguas das serras

que descerras em cortinas de azuis

                        descortinas neblinas

na paisagem – plumagem/brumagem fixada

na retina retentiva redentora do poeta

                        amarante

                        amaranto de

memórias atávicas de catimbós

murmúrios ancestrais de urucongos

requebros lascivos de velhos congos

resquícios longínquos de quilombos

encravados em abissais cafundós

dos antepassados cativos altivos dos mimbós

            perante ti

            amarante

a água escorre lacrimal

pela sinuosidade do morro da saudade

deságua na desembargador amaral

            e de val em val

               de sal em sal

boceja nas bocas de lobo dos esgotos

gargareja nas gargantas gosmentas dos gargalos

            mergulha e deriva singular

nas águas plurais do parnaíba

            amarante

            perante ti

            imperante

o vento verdeja agreste nos ciprestes

rumoreja aguado nos aguapés

sacoleja sem leste oeste

a copa fagueira das faveiras

            tuas tardes tardas dolentes amaras

                        abres das janelas

                        debruçadas em melancolias

            e alicias e (re)velas

as moças nas modorras mormacentas macilentas

em que delicias cilicias e acalentas ...

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

O GRITO

Fonte: Google

                    

O GRITO


Elmar Carvalho

 

Atravessamos dias difíceis, conturbados, em que o egoísmo impera desabrido. Já tive ocasião de dizer que o egoísmo em excesso é o pai de todos os vícios, é a matriz de todos os pecados, é o estopim de crimes hediondos. Esse sentimento pode levar o indivíduo a cometer assalto, estupro e latrocínio. Por quê? Porque se o indivíduo não tiver outros sentimentos e virtudes, que freiem o seu egoísmo e egolatria, poderá cometer esses crimes e pecados, porquanto o que lhe interessa é a satisfação de seu desejo, de sua vontade.

 

Deseja ter uma mulher? A terá, ainda que para isso tenha que estuprá-la. Deseja ter dinheiro? Obtê-lo-á, ainda que para tal fim tenha que assaltar alguém ou tenha que matar o seu semelhante. Estamos numa época de muito hedonismo, em que o que interessa é o prazer, ainda que a altos custos, como o uso de drogas ou a agressão à suscetibilidade do outro.

 

Vemos a cada passo os intolerantes, os que não aceitam limites, nem mesmo de um simples semáforo ou o limite de velocidade ou regras de trânsito. São os que têm de passar de qualquer maneira, mesmo arriscando sua própria vida ou, o que é pior, pondo em risco a vida dos outros. Muitos começam dentro de casa, quando forçam seus pais a lhes dar sempre mais, quando ficam a exigir cada vez mais supostos direitos, sem dar a mínima atenção aos seus deveres, mesmo os mais primários.

 

Começam, muitas vezes, com pecadilhos que vão crescendo, que vão aumentando até que se tornam uma montanha de pecados cabeludos, que não raras vezes constituem crimes hediondos. Falei tudo isso como um prelúdio estridente para contar o que se segue.

 

Faz poucos dias minha mulher viu uma cena, quase diria dantesca, no estacionamento de um dos shoppings da capital. Um jovem, já adulto, insistia de forma intransigente para que sua mãe lhe fosse comprar um objeto, que ele dizia ser barato, posto que custava R$ 60,00. A mulher se recusava a ir, dizendo não ter dinheiro disponível.

 

Mas ele não aceitava um não como resposta, e continuava a insistir para que sua mãe fosse comprar o objeto de seu desejo consumista, sempre martelando na tecla de que era um produto barato, uma vez que custava “apenas” a bagatela de R$ 60,00, como se ele, ao considerar arbitrária e unilateralmente um objeto barato, passasse a ter automaticamente o direito de possuí-lo, ainda mais às expensas de sua mãe.

 

A senhora, já começando a gritar, disse-lhe que iria gritar. E como ele continuasse a persistir, a mulher, transtornada, completamente fora de controle, emitiu um grito agudo, estridente, um grito de desespero, de desamparo, um grito de socorro, um grito de dor espiritual e de revolta, que ecoou pelo estacionamento, que atroou pelos ares em busca de anjos e santos. Creio que o grito foi semelhante ao que o pintor Edvard Munch tentou expressar no quadro que leva esse título.

 

Ou seria mais semelhante ao que o sublime poeta Rainer Maria Rilke imaginou, quando disse na primeira das Elegias de Duíno: “Quem, se eu gritasse, entre as legiões dos Anjos me ouviria?” Suponho que algum anjo deve ter acolhido o grito dessa mãe desesperada, dessa mãe impotente ante a incompreensão do filho, que na verdade era o seu algoz.

31 de agosto de 2010

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

A MORTE DA BARATA


                    

A MORTE DA BARATA


Elmar Carvalho

 

Ontem uma barata, por várias vezes, tentou tocar-me os pés. Eu os batia, enxotando-a, mas logo ela investia novamente. A insistência desse inseto, pavor das mulheres em geral, acabou por me torrar a paciência. Devo dizer que faz alguns anos não gosto de eliminar nenhum tipo de ser vivo, nem mesmo baratas, moscas e grilos.

 

Aliás, já fiz uma crônica em que tratei de um grilo. Godofredo Rangel, antes de mim, escreveu um texto sobre o caso de um grilo, em que ele, para dar liberdade a esse impertinente e enfadonho cantor, o conduziu para o quintal. Seu gesto caridoso, porém, foi fatal ao inseto, porquanto ele terminou indo parar no papo de uma faminta e gulosa galinha.

 

As cigarras foram cantadas em verso e prosa; em fábulas, e em sonetos de Olegário Mariano. Um dos personagens de Kafka, como é sabido por todos, acabou por se metamorfosear num inseto. Tornou-se página antológica, recolhida em muitas seletas, o capítulo XXXI de Memórias Póstumas de Brás Cubas, no qual a personagem ficou incomodada com a presença de uma grande borboleta, pelo simples fato de ela ser negra. Um golpe de toalha encerrou sua vida. A personagem, em irônica autocomplacência, ainda se perguntou, como atenuante, por que não era ela azul.

 

Recentemente, ao vivo e em cores, como se dizia outrora, ou em tempo real, como se fala agora, viu-se o presidente Barack Obama, em piparote certeiro e fulminante, abater uma mosca que lhe importunava durante uma filmagem de televisão.

 

Mas, como eu dizia, faz muitos anos que não gosto de tirar a vida de nenhum ser, por menor que ele seja, mesmo nocivo, como aranhas e caranguejeiras. Não me sinto bem em fazê-lo. Contudo, como a personagem machadiana, terminei ficando aborrecido com a insistência da barata em querer lamber-me os pés. Resolvi fulminá-la com leve golpe de chinela japonesa. Brandi a arma sem raiva e a contragosto, sem muita vontade de eliminá-la. O inseto ficou completamente imóvel, de forma que o dei como morto. Em seguida, o afastei para um canto do compartimento, onde ficou de patas e papo para o ar.

 

Para minha surpresa, hoje à tarde, não mais vi o menor vestígio dele. Dizem que é um dos animais mais resistentes, e talvez seja o único espécime que sobreviveria à radiação de uma guerra nuclear. Sendo assim, é bem possível que tenha mesmo resistido ao golpe de minha alpargata. Melhor assim. Mas se assim não foi, que descanse em paz.  

25 de agosto de 2010

O professor Antônio José Melo dos Santos me mandou o seguinte comentário, por WhatsApp:

"Bom dia, caríssimo.


Li sua crônica.


Vc soube equilibrar muiito bem a sensação grotesca q um barata comumente nos faz sentir, combinado a um passeio literário deste e doutros insetos na literatura universal.


Não lembro o autor (poeta ou escritor) q ao sentar para escrever, veio-lhe o parovoso branco e nada conseguia redigir, até q apareceu uma simples formiga e aquilo foi produto de sua criação.


Parabéns por mostrar mais uma vez q a singularidade das coisas em estar em ser singular.


Despois desta, não verei mais os insetos como inoportunos, mas possíveis de criação literária.


Satisfação.


Antonio JMS"

Professor,

Acho que essa barata era o próprio Kafka.

Era uma barata cara; pelo menos não era barata.

domingo, 1 de setembro de 2024

BARRAS DAS SETE BARRAS

Foto: Elmar Carvalho


BARRAS DAS SETE BARRAS


Elmar Carvalho

 

          Ao historiador e amigo Dr. Wilson Carvalho Gonçalves

 

Barras ...

Barras do Marataoan ...

Dos cânticos de pássaros

e cântaros e címbalos de águas

em cantatas e cascatas

no rocio róseo-violáceo da manhã.

Barras das sete barras

– candelabro de sete braços de prata

líquida a escorregar macia

no dorso duro das pedras.

Barras do Longá alongando-se

e se estilhaçando em rondas de lãs

                                em rendas de espumas

nos bilros das pedras tecelãs.

Terra dos Governadores,

            do desgoverno das dores

das ciliciadas paixões

deliciadas na Ilha dos Amores.

Terra de uns olhos fluidos,

feitos de mágoas, magia e garridice,

embebidos na ciganice das águas.

Terra dos milagres da Alda,

a que morreu virgem,

na vertigem de um sonho

que num átimo se fez e desfez.

Barras da barragem

– miragem verdoenga

de minha origem/aragem avoenga.

Barras de risos e de ais

             de sempre e de jamais.

Barras das sete barras

Barras dos sete punhais

 de rios que se tecem pavios

e desvarios de réquiens

e exaltações, lembranças

e exalações ...