segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Somos Um Só

Fonte: Google


Somos Um Só

Fabrício Carvalho Amorim Leite (*)

Um copo de suco naquela boca seca, um instante mágico de reconciliação. O homem aguarda o ato final do teatro. Na mesinha ao lado, estão o Novo Testamento, um frasco de álcool do hospital, ataduras, compressas e, acima de tudo, promessas. Promessas que ele fez, que lhe fizeram, e que agora pairam no ar.

Promessas de melhoras, sabendo que o fio está prestes a se partir, o cordão prateado – como aquele que trouxe a vida – conduzindo a outra travessia. Um vale, sem sombras, apenas pura luz, livre do ego. Porque, ao final, não é o corpo que atravessa, mas o que se é e o que se foi. Ali, naquele vale, seremos um só.

No íntimo, todos sabem que, em algum momento, num segundo, os aparelhos irão silenciar e as cortinas da vida material vão se fechar, abrindo caminho para o misterioso trajeto rumo a outra cena, outro palco, outro papel... outra vida. É esse fio que nos une: o eterno retorno, o ciclo de ser.

No fim das contas, a bula está na mesinha, o Livro Sagrado. Lá, o remédio se oferece por meio de parábolas, salmos e histórias, ensinando que a vida é mais do que enxergamos com os olhos do corpo. Cada palavra escrita, cada conto narrado é um pedaço do fio prateado que nos conecta, geração após geração.

Volto a ele, o homem, o pai, acariciando seus cabelos, provo outro instante mágico: estou ali, aquele cabelo é meu também, sou eu. O carinho flui de mim para ele, e dele para os que virão. É o gesto repetido no tempo: o de meu filho comigo, e o do filho dele com ele, num ciclo ininterrupto, costurado pela eternidade. Não há fim, não há início. Há apenas a continuidade.

Esse é o grande mistério da vida e, ao mesmo tempo, sua simplicidade. A eternidade já nos pertence porque somos um só: eles serão nós, e nós, somos eles. Tudo que é, já foi, e tudo que será, já é.

Na última cena do teatro da vida, quando as cortinas caem, ficará apenas o sopro eterno de sermos um só.

(*) contista e cronista.

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