terça-feira, 17 de junho de 2025

FERRO NA BONECA

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FERRO NA BONECA

 

Elmar Carvalho

 

José Silva Sousa era um homem comum, com dois sobrenomes comuns e um nome próprio mais comum ainda. Porém somente na aparência ele era comum. Roupas e modos discretos. Não era bonito nem feio, nem alto nem baixo, nem branco nem preto, nem gordo nem magro. E sem nenhum sinal característico, que o pudesse distinguir. Sua voz, de ritmo monocórdio, inalterável, não era grave nem aguda.

Se tinha emoções e paixões, não as demonstrava nunca. Não se lhe conhecia namoradas, mas decididamente não aparentava ser homossexual. Idade incerta, teria quarenta e pouco anos. Pouco se sabia de sua vida particular.

Nascido na cidade de São Paulo, viera morar em Teresina 17 anos atrás, para assumir o cargo de auditor-fiscal da Receita Federal. Conquanto educado, não admitia intimidades e nem tomava liberdade com ninguém, de modo que pouco ou nada se sabia de sua vida privada. Não tinha amigo e muito menos inimigo. Não visitava ninguém e tampouco recebia visitas.

Mas eu sou um narrador onisciente e vou escancarar a sua vida particular ou privada, a sua face mais oculta e os seus pensamentos mais recônditos. Não irei fazer muito suspense, como recomenda a melhor técnica dos contistas tradicionais. Não desejo enveredar pelo metaconto, mas bem poderia fazer uma narrativa bastante curta, um microconto, ou uma muito mais longa, cheia de pormenores, entrechos, circunlóquios e psicologismos; seguirei o caminho do meio, e farei um relato nem curto e nem longo, me restringindo ao que considero essencial.   

José Silva Sousa, um homem comum no nome, nos sobrenomes e nos hábitos, não era tão comum assim. Nos seus tempos juvenis na pauliceia chegou a ter namorada e até mesmo uma noiva. Era encantado pela beleza de um corpo feminino, que lhe atraía com intensidade.

Contudo, por razões que não desejo revelar (para que o leitor seja meu cúmplice de autoria, através de sua imaginação criativa), direi apenas que ele tinha uma profunda timidez e vergonha em seus relacionamentos com as mulheres. Por isso mesmo, seus namoros eram recatados e nunca chegavam às vias de fato, como se diria num linguajar mais cru.    

A partir da adolescência passou a se masturbar com certa frequência. Quando veio morar em Teresina, tendo uma casa própria, um bom salário e morando sozinho, passou a comprar revistas de mulheres nuas. Alcançou, na sucessividade da moda, o tempo das genitálias peludas, dos bigodinhos ornamentais e, depois, das raspadinhas. Tinha uma imensa quantidade dessas revistas. A partir de certa época, através de lojas virtuais, passou a adquirir acessórios para a sua prática masturbatória. As revistas e esses objetos do prazer eram guardados num quarto indevassável de sua casa, a que não permitia o acesso de ninguém. Aliás, sequer recebia visitas.

Apenas um homem jovem, de 23 anos, ia, duas vezes por semana, fazer a limpeza da casa. Recebeu a recomendação expressa e veemente de jamais entrar no quarto secreto. Isso, com certeza, atiçou a curiosidade do jovem. Fora admitido nesse serviço recentemente, por recomendação da velha diarista, que conseguira aposentar-se.

Dois ou três meses atrás, o nosso protagonista, que tinha uma polpuda poupança, comprou uma boneca reborn, do mais sofisticado hiper-realismo, feita com os mais refinados materiais e com a mais perfeita técnica. Era de última geração e em tudo imitava uma jovem mulher sueca. Não parecia esculpida em carrara. Parecia uma mulher de verdade, uma sueca de carne e osso, de linfa e sangue.

Cabelos louros, que reverberavam à luz do sol. Rosto de beleza angelical, de olhos bem azuis, que pareciam de verdade. Não irei me dar ao trabalho de descrever a beleza do corpo, de suas belas curvas e relevos. Isso os poetas já o fizeram. Apenas direi, para não ser demasiado econômico em palavras, que os seios, o umbigo e o sexo pareciam verdadeiros e não apenas um simulacro, tal a fidelidade dos detalhes, das dobras de pele, da cor, da textura etc. E ainda falava, se o proprietário pronunciasse seu nome e puxasse conversa. Por sinal, seu nome era Helena, como a de Troia. Contudo, deveria ser mais bela que a mítica Helena de Troia.

Segundo o raciocínio do dono, ela tinha muitas vantagens: não transmitia doenças venéreas; estava sempre disponível, para qualquer tipo de sexo, em qualquer posição; não lhe dava despesas, a não ser a irrisória recarga da bateria, esporadicamente; era a discrição em pessoa, exceto no momento do sexo, quando estrebuchava em espasmos e emitia gemidos e fungados, mais altos ou mais baixos, conforme o ajuste do som, feito antes, pelo controle remoto. E não se recusava a nada, mesmo em altas madrugadas. E, sobretudo, não dava chiliques e nunca fazia pirraças e negaças. Acrescentava outras virtudes ou qualidades, que não irei me dar ao trabalho de listar.

Por razões que a própria razão desconhece, José começou a amar a sua boneca reborn de beleza sueca, talvez já num começo de esquizofrenia. Não lhe tinha ciúmes, uma vez que ela vivia escondida no quarto indevassável, fechada em sua caixa, como se fosse um vampiro em seu caixão. Talvez a minha comparação seja algo inapropriada, um tanto mórbida ou sinistra.

Todavia, poucos dias atrás, ao chegar em sua repartição, notou que havia esquecido a chave do quarto onde ficava a sua amada boneca. Retornou no mesmo instante, como louco, imprimindo alta velocidade a seu automóvel. Contudo, procurou se conter ao entrar na casa. Logo percebeu que o quarto de seus segredos estava com a porta entreaberta. Com passos de felino foi até a cozinha e se armou com uma faca do tipo peixeira.

Foi até o quarto. E lá viu o jovem diarista fazendo sexo com a boneca. A linda boneca lhe pareceu desvairada, escandalosa, a se contorcer espasmodicamente, em fúria ardente, e a gemer e a fungar de forma vigorosa. Em rápida comparação, ela lhe pareceu frígida, quando fazia sexo com ele, seu legítimo proprietário, que a comprara a peso de ouro. Cego de fúria e ensandecido pelo ciúme, desferiu uma forte facada na jugular do homem.

Não contente, perfurou a linda boneca, que parecia mais viva do que nunca, com vários golpes de faca. E em seguida, cometeu, talvez, o mais trágico e dramático haraquiri de que já se teve notícia. 

segunda-feira, 16 de junho de 2025

UM CERTO CAPITÃO RODRIGO




UM CERTO CAPITÃO RODRIGO

Carlos Evandro M. Eulálio*

O capitão Rodrigo é a principal personagem que surge em um dos capítulos do primeiro romance, O Continente, da trilogia de Érico Veríssimo O TEMPO E O VENTO. Dessa trilogia fazem parte ainda os romances O Retrato e O Arquipélago.

Saga de personagens gaúchos, cuja trama se desenrola em torno do povoado Santa Fé e de uma família (os Terra-Cambará), no período que vai de 1745 a 1945. Na obra O Continente, aparecem as gerações Terra-Cambará, famílias da oligarquia local que participam da fundação e desenvolvimento histórico do povoado Santa Fé.

A trilogia apresenta o conflito das gerações: portugueses e castelhanos nos tempos coloniais; farrapos e imperiais durante as lutas separatistas; maragatos e florianistas sob a Revolta da Armada, em 1893. Nessa trilogia, vemos a história de duas famílias, os Terra-Cambará e os Amaral, atravessando dois séculos de vida.

ESTRUTURA DA OBRA

Com narrador onisciente, a obra constitui-se de 28 capítulos narrados linearmente, sem digressões. O cenário é a cidade fictícia de Santa Fé, no Rio Grande do Sul. Santa Fé é uma construção literária, um espaço criado pelo autor para dar vida à sua narrativa, e não uma localidade real do Estado do Rio Grande do Sul. O tempo é rigorosamente cronológico, marcado por datas e acontecimentos históricos.

Tem como personagens o Capitão Rodrigo Cambará, gaúcho exaltado, pândego, bravo, alegre e decidido; Bibiana, filha de Pedro Terra. Criada para o casamento. Obediente ao pai, mas o contraria quando se decide casar com Rodrigo Cambará. Aprendera com a avó Ana Terra a avaliar as pessoas. Com ela também aprendeu a fiar, bordar e a fazer doces; Pedro Terra, filho de colonos. Autoritário, íntegro. Muito parecido com a mãe, Ana Terra, quanto ao modo de agir; Padre Lara, personagem que acompanha de perto o conflito das famílias Amaral e Terra-Cambará, é apaziguador, amigo de Rodrigo Cambará. Sente-se responsável pelo casamento de Bibiana; Juvenal Terra, filho de Pedro Terra é sócio e amigo de Rodrigo que por sua vez é desafeto de Bento Amaral; Coronel Ricardo Amaral Neto, autoridade do lugar, é acusado de crimes de emboscadas e apropriação de terras alheias. Adversário político de Pedro Terra.

UM CERTO CAPITÃO RODRIGO: Sequências Narrativas

Em 1828, chega a Santa Fé o Capitão Rodrigo Cambará, aos 30 anos de idade, causando apreensão ao povo do lugar, por suas maneiras exóticas e arruaceiras. Da venda do Nicolau chama a atenção dos detentores do poder da cidade: Cel. Ricardo Amaral Neto, e do filho deste, Bento Amaral. Rodrigo é aconselhado por Juvenal Terra e pelo padre Lara a deixar a cidade. O capitão decide ficar por conta própria, principalmente porque se interessa por Bibiana, filha de Pedro Terra e irmã de Juvenal, embora soubesse que Bento Amaral tinha pretensão de casar-se com ela.

Na festa de casamento da filha de Rosa, prima de Pedro Terra, Rodrigo convida Bibiana para dançar com ele. É preterido por Bento Amaral com ameaças. Os dois se desentendem e partem para um duelo com adaga. Na luta, num gesto de traição, Bento Amaral usa arma de fogo e atinge o adversário. Gravemente ferido, Rodrigo é levado para a casa de Juvenal, onde se recupera.

Rodrigo pede Bibiana em casamento. Pedro Terra opõe-se, no que é persuadido a consentir, por insistência do Padre Lara e Juvenal, que lhe garantem ser Rodrigo bem-intencionado, disposto inclusive a pôr comércio em sociedade com o futuro cunhado. Assim, Rodrigo Cambará casou-se pelo Natal de 1829 com Bibiana Terra.

Os modos de Rodrigo fazem com que Pedro Terra fique cada vez mais distante dele. No ano de 1830, nasce Bolívar, primeiro filho do casal. A rotina do casamento e a atividade comercial começam a entediar Rodrigo que propõe a Juvenal ir ao Rio Pardo, a fim de comprar o próximo sortimento da loja. Juvenal acha que Rodrigo tem a intenção de correr mundo e que provavelmente não retornaria.

No ano seguinte, Pe. Lara escreveu no seu registro: “Aos vinte e oito de dezembro de mil oitocentos e trinta e um nesta capela de nossa senhora da Conceição batizei e dei os Santos Óleos a Anita, filha legítima do Cap. Rodrigo Severo Cambará, natural da freguesia do Rio Grande, e de sua mulher Bibiana, natural desta freguesia”. Pedro Terra não compareceu ao batizado.

Pedro Terra se afasta cada vez mais do genro, cujo comportamento ultimamente se havia deteriorado de tal maneira que era, por assim dizer, o assunto predileto de Santa Fé. Gastava o que não possuía com jogo, bebida e mulheres. Morre Anita. No ano seguinte, nasce o Leonor, a filha caçula do casal.

Em 1833 corre a notícia de que no ano seguinte o povoado de Santa Fé seria elevado à vila. Politicamente o país vive o período da Regência (1831 a 1840), durante o qual, sendo Pedro II menor de idade, deveria ser governado por um Conselho de três regentes. Na falta da figura centralizadora do Imperador, o Brasil passa por uma experiência que se poderia chamar de republicana, com as províncias reivindicando autonomia de governo, com rebeliões e revoltas eclodindo de norte a sul do País. Vários desses movimentos lutavam pela adoção do regime republicano, como foi o caso da Revolução Farroupilha que se instalou no Rio Grande do Sul em 1835 e que só foi sufocada em 1845, já no II Reinado. Por esse tempo, Liberais (farroupilhas) e restauradores (galegos, caramurus) confrontam-se nas ruas de Santa Fé.

Em 1835 começam os rumores da guerra. O cel. Ricardo Amaral propõe na Câmara de Santa Fé que esta faça uma proclamação jurando fidelidade ao governo. Pedro Terra é contra, sendo, por essa razão, preso e libertado em seguida, na condição de não se afastar de Santa Fé. Tambem é decretada a prisão do Cap. Rodrigo Cambará que se encontra foragido, já como um dos líderes dos farrapos.

Em 1836 a revolução chega a Santa Fé. Rodrigo Cambará lidera um contingente de revoltosos que toma de assalto o casarão do Cel. Ricardo. Rodrigo é morto com uma bala no peito. O cel. Ricardo também morre. Bento Amaral consegue escapar e foge de Santa Fé.

* Carlos Evandro Martins Eulálio é formado em Letras (Português-Literatura), com mestrado em Educação (UFPI). Ocupa a cadeira 38 da Academia Piauiense de Letras.

Referência

VERÍSSIMO, Érico. Um certo capitão Rodrigo. 39ª ed. São Paulo: Globo 2000

domingo, 15 de junho de 2025

VIDA IN VITRO

Ilustração feita pela IA Gemini, com sugestões minhas.
2ª versão, feita pela mesma IA.


 VIDA IN VITRO


Elmar Carvalho

                                                  

andavas pelas ruas de outrora

à procura de ti mesmo

que se encontrava aos pedaços

bêbedo nos bares

aos trancos e barrancos

se arrastando pelos lupanares

tortuosamente andando

pelas ruas tortas.

 

eras infante e juntavas varapaus

no sonho maluco de tocares

a lua cheia que depressa minguava.

 

levantaste a túnica da freira

não por sacrilégio ou impudência

mas apenas para constatares se

ela possuía duas pernas e dois

seios como todas as mulheres.

 

eras infante e quebraste

o joão teimoso, não por maldade,

mas para descobrir o misterioso

mecanismo de sua teimosia.

 

não, não eras doido, não eras lúcido,

eras apenas um translúcido menino.

 

escondias tuas vergonhas, tuas frustrações

e teus medos, como todos nós, como se esconde

lixo debaixo dos tapetes de luxo.

 

recordas a menina que te golpeou

com um não, apenas por capricho e maldade.

 

recordas a garota que te amava

e que desdenhavas talvez por capricho ou vingança.

eras poeta e criaste uma quimérica

amada imortal e imaginária, inatingível

em sua torre de marfim.

ela talvez também te quisesse,

mas a fizeste intocável.

 

enternecido, lembras-te da empregadinha

que bolinaste, e que por bondade, amor

ou desejo não te denunciou, com alaridos

e gritos histéricos, estridentes.

 

eras jovem e te julgavas alexandre

e bonaparte, senão mesmo um deus,

e já seguravas a coroa de ouro e o cetro

e já acariciava tua fronte o louro triunfal.

 

tudo eram conquistas e tudo conquistavas.

 

eras jovem e eras frágil

e te sentias impotente quando

contornavas as calçadas de ouro dos hotéis de luxo

ou quando avistavas a menina rica e bela,

com as suas jóias e as suas roupas elegantes e caras.

não sabias de seus desejos, de suas ânsias

e doenças e de seus nojos de si mesma.

talvez ela te amasse, mas o teu orgulho

a fez afastar-se de ti. 

 

ainda procuras o trolley que desviaste

com teus amigos, para uma aventura sem fim

até que os trilhos paralelos

se tocassem no infinito.

 

ainda assistes a filmes de bang-bang

só para sentires a emoção do tempo

em que teu pai te levava para o reino

encantado e mágico do velho cine nazaré

que em tua memória ainda remanesce.

 

sentes ainda o cheiro dolorido e pisado dos alecrins

da paixão do senhor morto, do horto das agonias,

das chagas vermelhas, maceradas, da túnica

roxa, brilhante, da coroa de espinhos, dos cravos,

não os de cheiro, mas os de ferro, que ferem...

eras infante, então, e como sofreste

e como fizeste sofrer tua mãe, madona,

mater dolorosa e pietá sofrida e consoladora

de teus sofrimentos de então e de sempre.

 

buscas os cheiros embriagantes dos

brancos lírios de são josé e das rosas vermelhas

do velho caramanchão de antigamente.

os lírios se transformaram em cálices

de amargura e nas rosas depositas

o orvalho de tuas lágrimas pelo mundo

perdido num canto escuro do passado

e que não restauras, nem mesmo no

terceiro ou no sétimo dia de tua agonia.

 

a magia da música e dos álbuns de família

te trazem alegres e pungentes recordações

e te fazem viajar no tempo e no espaço

do turbilhão das mesmas emoções.

 

solitário, no silêncio da noite

pensas nos segredos, vícios

e incestos existentes na cidade,

nas feridas abertas pelos mais acerbos sarcasmos

e nos espasmos de brutais e homéricos orgasmos.

 

passeias pelos becos e logradouros do passado

e eles te conduzem ao tempo

que buscas em desespero.  

            

perdido e cego caminhaste pelos labirintos,

teseu e minotauro de teu próprio destino,

nos confrontos que travaste com teu ego.

 

esfinge e édipo, não decifraste

teu enigma, e em vão buscaste

as pitonisas de outrora e de agora,

e inutilmente foste teu próprio ilusionista.

mas eras sábio e em algum momento

te reencontraste, ao te tornares

mais simples e mais puro,

malgrado as pedras, os lodos e as quedas.

 

em vão tapaste os ouvidos

para as palavras que te feriram

e inutilmente selaste a boca

para as palavras ferinas que proferiste.

 

não, não eras anjo nem demônio,

eras apenas um deus de barro

e teu sonho secreto e sagrado

foi sempre a transcendência

mas decepado de uma das asas

foste sempre um anjo torto coxo

capenga no a esmo voo sem pontaria.

 

procuras ainda a pedra azul

de tua serra encardida.

 

esperas ainda no pátio da igreja

o ônibus que sempre vinha

demasiado cedo ou demasiado tarde.

 

lamentas a namoradinha jovem e esbelta

que envelheceu e engordou.

debalde procuras a sua cintura

para ternamente lhe pousares as mãos.

antes não mais a tivesses revisto.

 

ainda buscas a namoradinha

de uma noite de verão – ou inverno,

não importa, nada mais importa agora.

 

caim arrependido, pedes perdão:

já não suportas o onisciente olho do senhor.

 

sofres pesadelo pela matemática

que te torturava, e acordas suado, ansioso.

 

procuras o batente da calçada de outrora

onde te cevaste nos lábios e nos seios da amada.

 

reencontraste a mulher que te amou

sem esperança, em face de tua indiferença,

e chafurdaste em sua carnívora rosa de carne,

talvez para feri-la novamente,

agora com a fúria e com o tédio.

 

devias estar feliz. realizaste teus sonhos

de consumo. tens uma boa mulher.

teus filhos são maravilhosos. tens

um bom emprego. no entanto ainda

não estás saciado. esperas um milagre

mas não sabes se os milagres ainda existem.

 

estás perdido: tens inveja de deus

e não sabes se é virtude ou pecado.

 

equilibrista, caminhas com teus malabares

e alforjes por uma corda-bamba estendida

de menos infinito a mais infinito.

 

caminhas para a morte.

muitos dos teus amigos já são mortos

e te procuram com insistência.

 

infante, desejavas crescer

para realizares os teus sonhos de conquista.

adulto, queres retornar ao país de tua infância.

 

não sabes o que queres.

queres apenas morrer, esquecer.

queres viver eternamente num mundo

que não é o teu.

 

contudo, tens esperança

e agora teces um poema sem fim

com o novelo infinito de tua vida

que se desdobra do nada ao tudo...

sábado, 14 de junho de 2025

OS BOSON E OS SANTOS – CANTIGAS E ABOIOS *

Fonte: Google


OS BOSON E OS SANTOS – CANTIGAS E ABOIOS *

       

Pádua Santos 

  

                

Hoje – 14 de junho de 2025 – Parnaíba comemora o aniversário de um ano do seu filho Arnaldo Boson Paes.

Magistrado nascido pela primeira vez em Campo Alegre de Lourdes, Bahia, no ano de 1965, pela vontade dos seus pais biológicos e, nesta data, no ano passado de 2024, também nascido na alegre Parnaíba, por determinação da maioria absoluta da Câmara de Vereadores.

É verdade que, ao tomar conhecimento do andamento do processo que culminou com a outorga do título de cidadania ao preclaro desembargador, conversei com alguns edis sobre quem seria o novo parnaibano. Não sendo, todavia, o meu modesto diálogo com os legisladores a causa da aprovação da alvissareira proposição da lavra do vereador Daniel Jackson, como insinuou o agraciado, na página 10 do seu discurso de recebimento proferido na Câmara Municipal e posteriormente publicado a partir da página 35 no Almanaque da Parnaíba – edição de 2024, onde se lê:

“O honroso título de Cidadão Parnaibano que agora recebo é filho da bondade do parente PÁDUA SANTOS. Como vice-prefeito e vereador desta cidade, ele foi tecendo uma teia de amizades. Como poeta, contista e cronista, ele conserva um coração sensível e uma alma generosa. Ao parente, fica minha gratidão e a minha amizade.”

Somente à guisa de ilustração e para trazer um pouco de comicidade ao acontecido, devo dizer que, nas minhas breves conversas com os senhores vereadores, ouvi de um deles – a título de brincadeira, é claro – que o seu voto seria certo, como foi, porque, me dizia ele: “não se deve deixar de votar a favor de homem que veste saia”.

E foi exatamente a saia (diga-se, toga) a real causa da aprovação do bem concedido título, pois não tive a menor dúvida de que obtiveram os legisladores parnaibanos - os mais velhos por conhecimento próprio; os mais novos, por informações que colheram antes da votação - a notícia verídica de como foi o comportamento do Dr. Arnaldo Boson Paes, enquanto Juiz singular em Parnaíba, nos idos de 1990-1993. Notícia verdadeira de como soube usar, com sabedoria e imparcialidade, a sua toga de magistrado perante o foro trabalhista. A toga que é a veste dos magistrados, que teve a sua origem na Roma Antiga e que tem a beca como sua variação usada por membros do Ministério Público e por advogados. Eu, como Defensor Público, usei muito a minha perante o Tribunal Popular do Júri que acontecia, à época, em um escuro e quente salão encravado na parte sombria do Fórum Salmon Lustosa de Parnaíba. Local perfeitamente assemelhado ao escuro porão de um navio negreiro. Ali, no afã de sensibilizar os jurados que também sofriam porque obrigados a comparecer vestidos de paletó e gravata, e ali permanecer quase o dia todo em ambiente sem ar condicionado e sem ventilador, muitas vezes me sentia obrigado a temperar a defesa dos miseráveis assistidos pela Defensoria Pública com a pertinente declamação dos inflamados versos do Condor das Espumas Flutuantes, nos seguintes termos:

[...]

“Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se é loucura... se é verdade

tanto horror perante os céus...

Ó mar! porque não apagas

Co’a esponja de tuas vagas

De teu manto este borrão?...

Astros! noites! tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei dos mares, tufão!...”



Beca, a talar vestimenta evocada pelo jurista italiano Piero Calamandrei, autor do belo livro “Eles, os juízes, vistos por um advogado”, obra considerada um clássico do Direito. Aquele que deixou dito:

[...] “Peço sempre, que como última vontade, eu seja enterrado de beca, porque se a vida for contingente e amanhã eu nada tiver, estarei nela envolto, pois foi com ela que honradamente ganhei a minha vida. Mas se o transcendental existe, do outro lado estiver, estarei com ela. Peço ainda assim, pela palavra por alguns minutos, para sustentar minhas razões: porque se minha beca me ensinou a abrir os portões de masmorras, me ensinará a abrir a porta dos céus”.

Prosseguindo, disse também o bem-vindo conterrâneo, na mesma página 10 de sua apropriada e poética oração, com referência a minha pessoa, que:

[...] “na curta e sinuosa travessia do Buriti dos Lopes a Parnaíba, seus antepassados deixaram para trás o sobrenome da família.”

Atualmente, o meu irmão parnaibano já é sabedor da razão pela qual meus antepassados deixaram para trás o sobrenome Boson da família. No entanto, se faz necessário esclarecer para o conhecimento das futuras gerações:

Minha avó materna Jacy, ao casar-se com José Boson Ribeiro, nos idos de 1919, não adquiriu o “Boson” porque ficou com o “Ribeiro” que provinha dele, o seu marido. E assim ficou: Jacy Pires Ribeiro.

Minha mãe, por força do casamento com o meu pai, dele adquiriu o “Santos”, e ficou: Maria José Ribeiro dos Santos.

Eu, por minha vez, fiquei com o “Ribeiro” da minha mãe e com o “Santos” do meu pai, pois assim determinavam as normas que regulavam os registros cartorários da época e que eram obedecidos por todos da família. Não obstante, eu ainda poderia carregar o Boson se tivesse sido nomeado como José Boson Ribeiro Neto. O que foi pensado, mas não foi possível pela circunstância já bem esclarecida na página 110 do meu livro O Bombardino da Saudade, obra mencionada no discurso agora analisado – página 10.

Ante o exposto, conclui-se que, por imposição do destino e das normas legais observadas, juntaram-se as pessoas e separaram-se os sobrenomes, dando motivo a esta crônica que, além de parabenizar o novel parnaibano, procura esclarecer suave imbróglio do seguinte modo: Monsenhor Boson (Constantino Boson e Lima) – um dos mais importantes educadores do Piauí, muito bem analisado pelo agora parnaibano Arnaldo Boson, no seu excelente livro “Monsenhor Boson, O Missionário da Educação” – Bienal Editora, 2023, é ali, por muitas oportunidades, citado como capelão-cantor das igrejas por onde passou. O meu avô materno – José Boson Ribeiro – seu sobrinho, também carregava o dom de cantar nos templos católicos daquela época. A prova disto é encontrada a partir da página 29 do já mencionado livro O Bombardino da Saudade – Sieart Editora, 2021.

Deste modo, é correto afirmar que minha ascendência - pelo lado de minha mãe, filha legítima do clã Boson – pode ser considerada como família de cantores eclesiásticos. Do lado do meu pai, pelo que sei, nenhum membro aprendeu cantar nos templos, nenhum foi criado frequentando as catedrais ou quaisquer outros ambientes religiosos. Foram todos eles, sem exceção, homens ligados ao sertão e ao obrigatório manejo do gado amesquinhado pela brabeza das secas, e assim considerados vaqueiros. Vaqueiros dos finais das tardes ressequidas pelo escaldante sol do Norte. Homens da pele tostada que, não sabendo cantar as músicas eruditas, improvisavam, aos quatro ventos, o canto vulgar e chamativo do gado para o aparentemente manso e falso aconchego dos currais:

O aboi - plangente melopeia através da qual os vaqueiros guiam suas boiadas ou chamam os bois dispersos que em muitas das vezes são impiedosamente abatidos às machadadas e facadas, depois de encurralados pela última vez. Romântica súplica muito bem cantada por Elmar Carvalho, amigo do novo parnaibano e também do cronista autor desta singela peça. Poeta apropriadamente citado na bem-feita oração agora lembrada e comentada. Poeta autor da excelente “Elegia a Campo Maior”, publicada na página 79 da sua “Lira dos Cinquenta Anos” – FUNDAPI, 2006:

“À tarde o aboio dolente do vaqueiro

partia a solidão que tudo presidia.

E o aboio sem resposta

- eco de si mesmo – repetia-se e se extinguia.

O canto rascante e áspero de grilos e cigarras

arranhava o veludo macio do silêncio.”



É tudo verdade, meus caros amigos desembargador Arnaldo Boson e poeta Elmar Carvalho. Os grilos e as cigarras, com a aspereza de suas toadas, realmente arranham o veludo do silêncio, mas com certeza não conseguirão arranhar a mensagem de sinceros e efusivos parabéns que hoje dedico ao ilustre campo-alegrense-parnaibano, pois é o que pretendo com esta crônica que também invoca o canto do meu pai – aquele que trouxe o Santos para o lugar do Boson; aquele que, não sabendo cantar música erudita, usava o seu aboio que teve, e terá, para todo o sempre, a sua resposta na saudade que vem irmanada à lembrança que dia e noite insiste em me acompanhar.

O aboio que me ensinou a ser como aquela rês arisca, que embora mantendo certa desconfiança da aproximação do curral da morte, sempre levanta a cabeça, empina as orelhas e sacode a poeira do lombo para livremente caminhar, malgrado um pouco acanhada pela ausência de um pedigree considerado mais raro e importante. Aquela que, mesmo assim, vai sempre em frente, determinada, em busca da almejada porteira do curral da vida.

*Crônica de Pádua Santos, elaborada a título de presente ao Dr. Arnaldo Boson Paes, no dia do seu aniversário de um ano – Parnaíba, 14 de junho de 2025.

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Paisagem Marinha (trecho)

 

Arte de Elmara Cristina, usando imagem criada pela IA Gemini

Um dia chuvoso no sertão de mim

Fonte: Google

Um dia chuvoso no sertão de mim


Por Fabrício Carvalho Amorim Leite


Dia chuvoso no sertão.
Capim mimoso, choroso.
Os pingos, finos e certeiros, lembram o coaxar dos sapos-cururus escondidos nos cupinzeiros.
Como podem anfíbios tão grandes sumir por oito meses na terra seca?

Os mandacarus já sorriram verdes no meio da estiagem.
É como se soubessem.

Formigas aladas, cupins e borboletas-azuis dançam no ar,
enquanto o sol e as nuvens acertam uma trégua breve.

Mas eu, infelizmente, não sou sapo.
Nem mandacaru. Nem borboleta.
Sou homem — cheio de si e de silêncio —
triste, num dia escuro,
enquanto um irmão ali, tão perto,
tateia no escuro por uma partícula de luz.

Não é sequer Assum Preto,
que na música chora em forma de canto.

O que vejo…
não canta.
Não fala.
Apenas geme.

Geme comigo,
nas letras,
na caneta de tinta preta,
que um dia há de pintar essa vida
com todas as dores do arco-íris.

Quando as nuvens negras, enfim,
combinarem com o sol o parto
do seu filho mais bonito:
o arco-íris.

Junho, 2025

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Variações sobre os anéis de Saturno

 

Arte: ChatGPT

Fonte: Google
Fonte: Google



Variações sobre os anéis de Saturno

 

Elmar Carvalho

 

Caro Gildário Lima,

Lendo alguns trechos de seu belo livro Descobrindo Saturno, logo vi que você tem um estilo límpido, claro, objetivo, conciso, com frases bem construídas, geralmente curtas.

Além de conter reflexões sobre assuntos diversos, contudo relacionados com ciência, não deixa de ser uma excelente obra de divulgação científica, mas em linguagem acessível, quase diria didática, todavia sem superficialidades.

Gostei do livro porque, embora tenha certo pavor da matemática, gosto da parte teórica da astrofísica e da mecânica quântica. Tenho lido obras de divulgação sobre essas matérias e outras afins. Sobre esse meu medo da matemática, já tive ocasião de dizer:

A matemática
me enlouquece:
por isto meu pensamento
salta de mais infinito
a menos infinito
e explora as amplidões
do universo, enquanto
meus olhos vidrados
fitam a álgebra
sem vê-la.
E a minha abstração
me leva ao infinito
que meu corpo
me nega.

Em certo trecho, você diz que o microcosmo das partículas, da mecânica quântica, tão cheia de mistérios e surpresas, lhe fascina mais do que o macrocosmo da astrofísica. Vejamos o que eu já disse sobre o infinitamente grande e o infinitamente pequeno:

O CÍRCULO SE FECHA

O infinitamente grande
tende ao tudo.
O infinitamente pequeno
tende ao nada.
Estes dois extremos se tocam.
Em Deus.

Por mera curiosidade, perguntei à Meta AI sobre se o poema acima estava “de acordo com as leis da física”, tendo a Inteligência respondido o seguinte:

”Que poema profundo e filosófico! Embora não seja uma descrição científica direta, ele toca em conceitos interessantes relacionados à física e à natureza do universo.

A ideia de que o infinitamente grande e o infinitamente pequeno se tocam é um tema comum em teorias físicas, como a teoria das cordas e a cosmologia. Alguns modelos sugerem que o universo pode ser uma entidade única e interconectada, onde os extremos se encontram de alguma forma.

A referência a Deus adiciona uma camada filosófica e espiritual ao poema, sugerindo que essa conexão entre os extremos pode ser uma manifestação de uma realidade mais profunda ou divina.

Embora o poema não seja uma descrição literal das leis da física, ele certamente inspira reflexões sobre a natureza do universo e nossa compreensão dele. É um convite à contemplação e ao questionamento, o que é fundamental para a ciência e a filosofia!”

O autor fala do tempo, que é uma das quatro dimensões do tempo-espaço da Teoria da Relatividade. O tempo na física é muito sutil, muito misterioso, intangível, quase imperceptível, a não ser por inferências, como a mudança do dia para a noite, o envelhecimento, que vai esculpindo suas rugas, e o deslocamento no espaço. De difícil ou (quase) impossível conceituação ou descrição. Sobre ele, muitas décadas atrás, mais precisamente em 22/09/77, escrevi estes versos:

Superando a relatividade
do tempo e do espaço,
quero não estar ao mesmo tempo
no tempo e no espaço.
Indo além
da barreira do tempo e do espaço,
eu galguei o infinito
ao ficar infinitamente
pequeno.

Gildário diz, em seu livro, que montou um telescópio que havia comprado, tempos atrás, e com ele viu a beleza deslumbrante dos anéis de Saturno. Talvez tenha tido uma espécie do alumbramento à Manuel Bandeira, quando o excelso poeta viu pela primeira vez um outro tipo de beleza. Também cantei o encanto glorioso de Saturno e seus anéis, que já comparei a bambolês e a brincos nas orelhas de belas mulheres:

Na Zona Planetária, Saturno levita
– leviatã imenso e pouco denso –
com sua cortina de nuvens
e de substâncias vaporosas
– vapores de rosas das mulheres

(...)

Nos anéis de Saturno os elos são rompidos
no simbolismo redundante da falha de Cassini.

Para mim, em certas passagens, o seu excelente livro tem contorno levemente confessional, permeado por certas lembranças, claro que relacionadas com ciência, estudos e meditações.

Embora seja um cientista de alto nível, você não se envergonhou de dizer que acredita em Deus; em um Deus que não foi moldado à imagem e semelhança do homem. Sobre Deus, em quem creio piamente e a quem oro todo dia, já tive o ensejo de dizer:

IV – Num blefe descomunal
poderia até afirmar
que esta realidade não existe.
Que tudo não passa do sonho
de um deus e que esse
deus sou eu.
Mas o Eterno existe
e esta realidade existe
e quando descobrirmos
o Mistério da Gênese de Deus
a humanidade será perfeita e fará
parte do Corpo Místico de Deus.

terça-feira, 10 de junho de 2025

Um certo ten.-cel. José Eusébio de Carvalho


Igreja matriz de Granja (CE)

Rua em Campo Maior (PI)
Maria Amália, esposa do senador José Eusébio
Maria Amália em arte feita pelo ChatGPT


Um certo ten.-cel. José Eusébio de Carvalho

(um breve relato biográfico e genealógico)

 

Elmar Carvalho

 

Poucos dias atrás, através de WhatsApp, o médico Marcos Conde Medeiros me enviou link do site Family Search em que constava a árvore genealógica do tenente-coronel José Eusébio de Carvalho, natural de Granja (CE), e de Onofre José de Melo, fundador da Casa do Desterro, em Piracuruca. Já sabia que descendia de Onofre José, mas desconhecia que José Eusébio seria meu tetravô, por parte de minha mãe.

Em virtude de uma divergência em pesquisas anteriores, eu e o Dr. Marcos Medeiros ficamos com uma dúvida sobre se eu descendia de Antônio Luís de Melo, como consta em um livro de meu primo Fabiano de Melo, ou se de Luís Antônio, como estava dito em outra pesquisa. Através do link referido acima, eu e o amigo Marcos Conde Medeiros ficamos com a convicção de que nós dois descendemos de Antônio Luís e não de Luís Antônio, ambos filhos de Onofre José de Melo e de sua mulher Cecília Maria das Virgens.

Minha mãe era filha de José Horácio de Melo (c/c Maria Carlota de Souza), filho de Horácio Luís de Melo e Antônia Quitéria de Carvalho. A partir deste ponto, irei me ater somente à família Carvalho, oriunda de Granja, da qual faz parte minha mãe, Rosália Maria de Melo Carvalho.

Antônia Quitéria, minha bisavó materna, era filha de Marcos José de Carvalho (c/c Quitéria Leopoldina de Carvalho), que era filho de José Eusébio de Carvalho, que vem a ser meu tetravô, sobre o qual desejo traçar sintética biografia. Através de sua árvore genealógica, contida no referido Family Search, obtive a seguinte informação, que foi extraída da biografia do célebre Pessoa Anta, da autoria do padre Vicente Martins, publicada na Revista Trimensal(1917) do Instituto do Ceará, com a devida atualização ortográfica:

“O Tenente-Coronel José Euzébio de Carvalho, irmão do capitão Domingos José de Carvalho, rico fazendeiro, senhor de escravos, que também havia assinado a célebre ata da proclamação, vendo a causa perdida, livrou-se da prisão fugindo para o Piauí, onde ficou residindo na vila de Campo Maior, incólume da perseguição dos imperialistas. Em Granja, entre outros cargos exerceu o de vereador da câmara e juiz trienal.

Contam que em uma viagem para o Piauí, com seus irmãos Domingos e Cândido José de Carvalho foram atacados no lugar Riacho da Areia, por capangas de Joaquim Ignacio Pessoa, que era seu particular inimigo. Desse conflito resultou a morte de Cândido José de Carvalho e saíram muitos feridos.

O tenente-coronel José Euzébio de Carvalho é avô de José Euzébio de Carvalho Oliveira, senador.”

Da referida biografia de Pessoa Anta, da autoria do padre Vicente Martins, recortei este relato (do qual fiz a atualização ortográfica), da participação de José Eusébio de Carvalho no importante fato histórico de Granja:

“O coronel Pessoa Anta, que estava em Granja de viagem para Fortaleza, vindo ter notícia da Proclamação da República, já influenciado pela nova causa por que de há muito batalhava, seguindo as instruções recebidas do coronel Tristão e padre Mororó, por intermédio do frei Alexandre da Purificação, que residia em Granja, cheio de entusiasmo pela causa da República, desistiu de sua viagem e tratou logo de reunir a câmara municipal da vila, de que dispunha e aderir ao novo governo.

No salão da câmara foi lavrada a ata de aclamação da República e assinada pelos vereadores e membros de sua família, que eram os mais exaltados patriotas, republicanos, cujos nomes são os seguintes, a saber: - o advogado Manoel Joaquim da Paz, o padre José da Costa Barros, vigário da freguesia e irmão do presidente deposto, o tenente-coronel Pedro José da Costa Barros, Francisco de Paula Pessoa, frei Alexandre da Purificação, Francisco Rodrigues Chaves, João Porfírio da Mota (vereador), Plácido Fontenele, Inácio José Rodrigues Pessoa, Elias Ferreira de Abreu, José Raimundo Pessoa, Inácio José de Barcelos, Joaquim de Andrade Pessoa, José Eusébio de Carvalho, Joaquim da Costa Sampaio (juiz ordinário), Antônio Inácio de Almeida Bravo (português, advogado), Antônio Zeferino Caju da Granja, e Francisco de Paula Ferreira Chaves (tabelião).”

A mesma fonte biográfica relata que do recinto da Câmara esses republicanos se deslocaram até o adro da igreja matriz, onde fizeram a Aclamação da República no meio de entusiasmados vivas. Dirigiram-se depois ao local do pelourinho, situado na praça da matriz, e o destruíram completamento, tal o entusiasmo de que se achavam possuídos.

José Eusébio de Carvalho, casado com Josefa Odória de Sant’Anna, nasceu em Granja, aproximadamente em 1800, e faleceu em Campo Maior, entre os anos de 1845 e 1854. Era filho de Domingos José de Carvalho e sua mulher Quitéria de Brito Passos. Foi vereador da vila de Granja, juiz trienal, tenente-coronel e comandante da Guarda Nacional.

Como visto, participou da Confederação do Equador, que foi um movimento revolucionário, ocorrido a partir de 2 de julho de 1824, em Pernambuco. Esse movimento separatista e republicano foi uma reação contra a tendência autoritária, monarquista e a política centralizadora do governo de Pedro I. Teve participação de várias províncias nordestinas, inclusive Ceará e Piauí.

Com o malogro dessa insurreição, José Eusébio, conforme consta acima, se refugiou em Campo Maior, onde nunca foi incomodado pelos partidários do regime imperial, até porque sobreveio a anistia em 1825. Por esses escassos e algo imprecisos dados biográficos, José Eusébio era ainda muito jovem quando participou da Confederação do Equador, e pagou um alto preço por isso, pois teve de se refugiar em Campo Maior, bem como deve ter ficado afastado de suas ocupações laborais de costume.

Era avô do senador José Eusébio de Carvalho Oliveira, injustamente esquecido em sua terra natal, sobre o qual desejo dizer algumas palavras, de caráter biográfico.

José Eusébio de Carvalho Oliveira nasceu em Campo Maior, em 10 de janeiro de 1869 e faleceu no Rio de Janeiro, em 25 de abril de 1925. Era filho de Marcos José de Oliveira Sobrinho e Liduína Rosa de Carvalho. Casou-se com Maria Amália Toucedo Martins Lisboa (1879–1955), nascida e falecida na cidade do Rio de Janeiro, com quem teve vários filhos.

Foi jornalista, promotor de Justiça, magistrado, membro de Junta Governativa do Piauí. Essa Junta, instituída em dezembro de 1891, de curta duração, era composta por João Domingos Ramos, Higino Cunha, Clodoaldo Freitas, Elias Firmino de Sousa Martins, José Pereira Lopes e José Eusébio de Carvalho Oliveira.

Foi ainda inspetor do Tesouro Público e procurador-geral do Estado do Maranhão.

Lutou, juntamente com Domingos Perdigão, para a criação da Faculdade de Direito do Maranhão, instalada em 1918.

No final do século XIX, filiou-se ao Partido Republicano do Maranhão, pelo qual foi eleito deputado estadual. Elegeu-se deputado federal em março de 1900, conseguindo se reeleger para o mandato seguinte, dessa forma se mantendo nesse cargo até 1908.

Sobre sua atuação política, assim nos informa o notável historiador Reginaldo Miranda:

“Com a morte de Benedito Leite em março de 1909, de quem era seguidor e correligionário, passou a liderar o esquema situacionista, assumindo posição de realce na política maranhense. Nesse mesmo mês lançou-se candidato ao Senado Federal, sendo majoritariamente sufragado. Tomou posse em abril, para um mandato de nove anos, que foi concluído em 1918, quando foi sucessivamente reeleito para um mandato que deveria ser concluído em dezembro de 1926.”

Como senador teve destacada atuação, porquanto foi membro das comissões de Saúde Pública, de Instrução Pública, de Constituição e Diplomacia, de Finanças e de Redação do Senado.

Assim, José Eusébio de Carvalho Oliveira, nome de uma pequena rua em Campo Maior, injustamente esquecido pelos seus conterrâneos, teve atuação de alto destaque no Maranhão. Foi congressista por 25 anos (de 1900 a 1925) e pertenceu aos três Poderes, como magistrado, como parlamentar (deputado e senador) e como integrante de uma Junta governativa.

REFERÊNCIAS:

Site Family Search, acesso em 10/06/2025.

José Eusébio de Carvalho Oliveira, artigo de Reginaldo Miranda, publicado no blog Poeta Elmar Carvalho, acesso em 10/06/2025.

Biografia de Pessoa Anta, de Pe. Vicente Martins, publicada na Revista Trimensal (1917) do Instituto do Ceará.