
SURREALISMO
Quando voltei para casa, recebi a informação de que havia chegado uma encomenda para mim. Era uma encomenda vinda aparentemente de outro país, pelo tipo das estampas dos selos. O meu endereço estava correto, em caracteres normais, porém o endereçamento do remetente era feito em letras exóticas, que eu não conseguia decifrar. Não perdi tempo, tal era a minha curiosidade. Abri a embalagem, que fora preparada cuidadosamente, com forros macios para proteger o conteúdo. Em estojos separados, encontrei sete folhas de papel, de uma cor e textura que eu nunca havia visto, e sete lápis de cores diferentes, como as cores do arco-íris, nos quais não constava nenhuma marca de fabricante. Até então eu era um pintor considerado medíocre e que nunca fizera sucesso. Os críticos reconheciam que eu tinha uma boa técnica de desenho, com perfeita noção de proporcionalidade e perspectiva, e que sabia manejar as tintas habilmente, mas diziam que me faltava talento para a composição do todo, do conjunto, e alegavam que eu era demasiadamente academicista. De certa forma, admito que eles estavam certos, pois eu efetivamente detestava todas as vertentes modernistas, e sequer aceitava o expressionismo, o impressionismo, o cubismo, vários outros “ismos”, e tinha verdadeira aversão ao surrealismo. Examinei o presente cuidadosamente e depois os guardei nos estojos em que vieram. Após algum tempo, na parte da tarde, resolvi experimentar os lápis em um dos papéis. Imediatamente percebi que os lápis não deslizavam sobre o papel obedecendo a minha vontade, mas tomavam o caminho e as formas que eles próprios escolhiam. Também os lápis não funcionavam em outro tipo de papel e nem outros tipos de lápis deixavam marcas nas folhas que eu havia recebido. Em suma, os sete lápis só pintavam naquelas sete folhas de papel. Quando eu impunha minha vontade, simplesmente eles nada pintavam, de modo que docilmente lhes passei a fazer a vontade, deixando que eles seguissem por onde bem quisessem. Dessa forma, notei que cada lápis depunha sua cor em determinadas partes da tela, seguindo um desenho que a princípio eu não atinava sobre o que representava. O lápis seguinte procedia da mesma forma, sendo que, em certos pontos, as cores se sobrepunham, formando uma nova cor ou um sobretom. A partir do quarto lápis, a pintura e o desenho começavam a fazer sentido, e eu percebia que uma grande obra de arte, como eu nunca alcançara, estava sendo concebida. Ao final, uma pintura deslumbrante, onírica, surrealista, inaudita, de técnica e imaginação perfeitas, estava estampada na folha. Com as sete telas, passei a ser considerado um gênio do surrealismo. Nunca revelei o segredo sobre a gênese das obras, mesmo porque ninguém iria acreditar. Pensando melhor, talvez fosse uma boa jogada de marketing se eu tivesse falado a verdade, porque seria considerado louco, o que aumentaria a minha suposta genialidade. Ganhei fama, prestígio, dinheiro, mas nada mais produzi. Diante disso, resolvi encerrar minha carreira, e passei a dormir em berço esplêndido, coroado de louros e de glória.