domingo, 11 de agosto de 2019

Sete Cidades - roteiro de um passeio poético e sentimental


Banner doado à Casa da Cultura (Museu do casal José Brito e Maria do Carmo)




SETE CIDADES
roteiro de um passeio poético e sentimental

Elmar Carvalho

                 ( Em memória do saudoso Gen. João Evangelista Mendes da Rocha,   que escreveu sobre este poema e o publicou no seu livro “E o Sonho Continua”. Este poema foi escrito no período em que assumi o meu cargo de juiz de Direito, como juiz auxiliar, em Piracuruca, terra de meus ancestrais maternos, embora o desejasse escrever há muitos anos.)
                  
                       I – Pórtico Triunfal

Sete Cidades
de sete vezes sete
véus de encantamento.
Cidade encantada
sempre desencantada
para novos e mais
deslumbrantes encantos.

Cidade de pedras amaciadas
pelos toques
e retoques
dos dedos
delicados diáfanos
e abstratos do vento
e da eternidade.

Cidade esculpida
pela carícia suave
do vento e do tempo.
E das forjas do vento e do tempo
emergem as esculturas
de inefáveis linhas
e tessituras.

Sete Cidades:
sonho feito
de pedra
pedra feita
de sonho
sonho que se fez sonho
na concretude da pedra.

Ó formas sinuosas
de góticas catedrais,
barrocas formas suntuosas
que se excedem e se superam
no além e no demais.
Formas de pétalas pétreas
em volteios e volutas sem iguais.

                       II – Figuras e Mistérios

A Serra Negra
celestialmente
se azula nos longes
do tempo e da distância.

A Biblioteca imersa
em silêncio e mistério
misteriosamente abre
suas páginas de pedra.

Ondas cavalgantes e truncadas
em pedras bordadas
na memória imortal
de um mar que naufragou,
de fenícios encalhados
nos roteiros e mapas
de esotéricas astronomias
sobrevivem nos arenitos
das marés petrificadas.

A Gruta do Pajé
deserta de tudo
deserta até  das lembranças
das antigas pajelanças.

Vale dos Penitentes.
Vale de abandono e solidão.
Vale de lágrimas secas, esturricadas.
Vale de desolação.
Vale de lágrimas abortadas.
Vale de um deus sem coração.

No Forte
um Guarda de pedra na guarita
em rigidez mortuária
debalde aguarda
um outro guarda
para o ato de rendição.
Um Canhão
aponta a mira
de Telescópio
para uma outra
desconhecida dimensão.

A Tartaruga
passeia parada
no tempo e no espaço
com seu casco construído
de brisa e eternidade,
abrigando macambiras
de espinhentas espadas desfolhadas.

Do alto do Vale dos Lagartos
a pré-história nos contempla
dos olhos pedrados
dos dinossauros.

Serra da Descoberta:
em cada passo uma surpresa
em cada olhar uma nova
e surpreendente descoberta.
De suas gretas agres, agressivas e agrestes
a cabeça tosada de coroas-de-frade
se perdem em êxtase e contemplação.

Os líquens são impíngens
e manchas que se derramam
na epiderme macia
ou áspera das pedras.

No Arco do Triunfo
passam e perpassam
a Vitória e a Glória
desse reino de pedras.

A pedra se faz carne
na beleza humana
da Mulher Reclinada.

Imemoriais mistérios e arcanos
ainda persistem impregnados
na Furna do Índio,
povoada de pávidos fantasmas
desgarrados.

A insustentável leveza
da pedra se sustenta
no Jardim Suspenso
da pétrea Babilônia,
onde os segredos e sortilégios
espiam da Janela
e escorrem por veias, vênulas,
túneis e túmulos.

No Portal das Almas
os fantasmas passam
e sussurram disfarçados
no corpo e na voz do vento.

Inscrições rupestres
são o vestígio e a denúncia
de um povo espoliado,
trucidado, dizimado.

Em pedra
um grito continua
entalado na garganta
da efígie/esfinge
de Dom Pedro I.

Os Três Reis Magos esperam
extáticos e estáticos
na perenidade paciente da pedra
o advento do rei
desse reinado de pedra.

Ó glória,
ó deslumbramento
de sonho, de fastígio,
de alumbramento e encantamento
desse reino encantado,
desse reino em pedra emparedado.


                                     Piracuruca, 20 de janeiro de 1998
__________________________________________________________________
                            OBRAS CONSULTADAS

Geologia de Sete Cidades – Fernando Fortes
Fenícios no Brasil – Antiga História do Brasil de 1100 a. C. a 1500 d. C. – Ludwig Schwennhagen
Roteiro das Sete Cidades – Vítor Gonçalves Neto
Enigmas de Sete Cidades – Reinaldo Coutinho   

sábado, 10 de agosto de 2019

LANÇAMENTO DE “CONFISSÕES DE UM JUIZ” EM CAMPO MAIOR




LANÇAMENTO DE “CONFISSÕES DE UM JUIZ” EM CAMPO MAIOR

Elmar Carvalho

No plenário da Câmara Municipal de Campo Maior, na última sexta-feira, foi realizado o lançamento de meu livro Confissões de um juiz. O auditório estava lotado. Os presentes tudo ouviram com muita atenção e paciência. Para o pleno êxito do evento, contei com o apoio do amigo e professor José Francisco Marques, que não mediu esforços em sua organização. Também prestaram colaboração para que tudo se realizasse conforme o planejado a professora Luciana Gomes e o parente e amigo Dr. Domingos José de Carvalho.


A mesa de honra foi composta pelo desembargador José Francisco Nascimento, representante do Tribunal de Justiça do Piauí, professor César Robério, representante da Prefeitura, juiz Antônio Oliveira, representante da Associação dos Magistrados Piauienses – AMAPI, João Alves Filho, presidente da Academia Campomaiorense de Artes e Letras – ACALE, professor José Francisco Marques, que fez a apresentação do livro, o médico Domingo José de Carvalho, que falou sobre o autor da obra, o advogado Dácio Mota, representante da OAB-PI, e o Dr. Josias Bona, filho do saudoso e impoluto juiz Hilson Bona, que foi homenageado (in memoriam) pela AMAPI, e este cronista. O cerimonial foi executado com muita maestria pela professora e acadêmica Avelina Rosa.

Estavam presentes membros de minha família, entre os quais minha mulher Fátima, Miguel Carvalho, meu pai, Antônio José e Maria José (irmãos). Compareceram ainda vários confrades da ACALE, como professor Loiola, Corinto Brasil, Jesus Araújo e Luciana Gomes, além de várias pessoas amigas e interessadas em cultura, dentre as quais registro o professor José Martins, Moreninha Melo, Leal, Josino Gomes de Oliveira, Jônathas Silva, Evandro Araújo e Geraldo Pucuta (ex-craque do Caiçara).

Domingos José, médico competente e dedicado, maçom da melhor linhagem, cidadão honrado, sem jaça, falou de minha trajetória de vida, de meu percurso literário e de servidor público, com belas e emocionantes palavras, que nos comoveram, a mim e a minha família, sobretudo meu pai, que chegou a chorar em mais de um trecho de seu discurso.

Com a mesma competência e propriedade, José Francisco falou de Confissões de um juiz, fazendo uma perfeita síntese de seu conteúdo e lhe examinando a linguagem e a estrutura organizacional das matérias enfeixadas nas diferentes partes. Discorreu também, assim como fizera seu antecessor, de forma sintética, sobre meus atributos intelectuais e sobre as minhas principais características humanas, bondosamente deixando de lado os meus defeitos.

José Francisco e Domingos José falaram ainda de minha curta, porém intensa, atuação de goleiro, em que afoitamente fiz minhas “pontes” e “voadas”, algumas vezes me arrojando aos pés do atacante, para fechar o ângulo da possível trajetória da bola. Domingos José terminou confessando que éramos torcedores do Caiçara e do Flamengo carioca.

Diante disso, aproveito a oportunidade para dizer que uma de minhas primeiras crônicas, publicada no jornal A Luta, quando eu tinha 16 anos, foi sobre as acirradas disputas entre o Comercial e o Caiçara, em que pontificaram dois dos maiores goleiros piauienses, Beroso e Coló, sobre os quais já escrevi crônicas, que podem ser encontradas através dos sites de busca da internet. Esses duelos, como os designei, incendiavam as ensolaradas tardes domingueiras de Campo Maior.

Em meu discurso, discorri brevemente sobre o conteúdo de meu livro, mormente sobre o meu percurso de servidor público. Falei sobre as principais características e virtudes de um verdadeiro magistrado, especialmente a imparcialidade e o senso de justiça. Prestei minha homenagem ao Dr. Hilson Bona, que considero um legítimo paradigma da magistratura piauiense. Ao falar das lutas que empreendi, como homem público e intelectual, me concentrei principalmente na parte relativa a Campo Maior.

Expliquei que em diferentes oportunidades me esforcei para retirar do olvido ilustres figuras da história de nossa comunidade. Entre esses injustamente esquecidos se encontravam (ou ainda se encontram) o seu fundador, sobre o qual, seguindo as pegadas de padre Cláudio Melo, escrevi o livro Bernardo de Carvalho – o Fundador de Bitorocara; o bravo tenente Simplício José da Silva, herói da Batalha do Jenipapo; Raimundo Gomes Vieira Jutaí, estopim da Balaiada, e um dos seus principais líderes. No seu manifesto, lavrado na vila da Manga – MA, datado de 15/12/1838, dois dias antes de liderar a abertura das portas da cadeia pública dessa vila, para libertar vaqueiros e outros trabalhadores injustamente presos, proclamou no seu artigo primeiro: “que seja sustentada a Constituição e garantias dos cidadãos”; e José Eusébio de Carvalho Oliveira (n.10/01/1869 e f.25/04/1925), que foi jornalista, promotor de Justiça, magistrado, membro de Junta Governativa do Piauí, e que exerceu os cargos de deputado federal e senador da República, pelo Maranhão, durante 25 anos. Portanto, o senador José Eusébio foi também membro dos Poderes Executivo e Judiciário. Recentemente, lembrei-lhe o nome ao deputado Wilson Nunes Brandão, quando ele me disse estar escrevendo um livro sobre os parlamentares piauienses.

Disse que em vários textos e discursos, a partir de 1997, quando tomei posse em Campo Maior de minha cadeira na Academia de Letras do Vale do Longá, defendi a preservação e restauração dos casarões e sobrados de nossa cidade, inclusive os da famosa Zona Planetária, de nome tão poético e sugestivo, sobre a qual escrevi um poema épico moderno de igual título, que terminaram reduzidos a escombros; na transformação do Cemitério Velho em museu e memorial a céu aberto, com a conservação e restauração dos túmulos, e criação de alamedas e caramanchões, além de um espaço temático, ainda que sobre pilotis, se necessário; a despoluição do Açude Grande, com a instalação de jardins e fontes luminosas, que lhe aumentem a beleza e a atração turística.

Com muita ênfase, defendi a ideia de que o entorno da barragem, sobretudo o horto florestal, poderia ser transformado num jardim botânico e em agradável balneário, com a instalação de bicas artificiais, que bem poderiam, em projeto arquitetônico e paisagístico, imitar cascatas ou bicas naturais. Evidentemente outros espaços poderiam ser criados no local, inclusive bares, quiosques e restaurantes.

No final, foi servido farto e variado coquetel, e houve a indispensável sessão de autógrafos. Nessa parte tive a satisfação de apertar a mão de vários amigos, como a professora Lindalva, que juntamente com seu marido, o comerciante José Francisco Cunha, foi prestativa e bondosa vizinha de meus pais.

E tive a emoção de ver uma pequena e bem conservada fotografia, trazida pela Gracinha (Maria das Graças Vieira da Silva), em que eu, com apenas um ano de vida, estava no colo de minha saudosa mãe, ambos ladeados por meu pai, parentes e amigos, todos jovens e bonitos.

23 de abril de 2015    

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

VICENTINHO


A razão de o Vicentinho aparecer duas vezes com a camisa do Comercial é que os professores Zé Francisco Marques e João Henrique (filho do craque) são comercialinos. Eu e o fotógrafo (Antônio José, meu irmão) somos caiçarinos. As fotos foram tiradas em janeiro de 2010. Vicentinho foi craque do Caiçara e do Comercial nas décadas de 60 e 70 do século passado.

VICENTINHO

Carlos Said
Escritor, jornalista e comentarista esportivo

O insigne historiador, poeta e escritor Elmar Carvalho (José Elmar de Mélo Carvalho: Campo Maior, Piauí, 1956), tornar-se-á, a partir d'agora, cronista esportivo aureolado pelos contornos da intelectualidade brasileira. Pertence às Academias Piauiense de Letras e do Vale do Longá. Escolheu um tema interessante: Vicentinho, a fim de alardear compromisso com o jornalismo atrelado ao futebol. Evidentemente, da poesia para a prosa, Elmar Carvalho obteve credenciais para escrever crônicas que atingissem o cerne dos vivos personagens e relembrassem “in memoriam”, os feitos altamente espetaculares de jogadores do seu tempo de “peladeiro” e do período mais perto do nosso momento, no qual viveu aplaudindo craques da terra natal e d' outras plagas nacionais.


Assim, descortinamos a veia literária de Elmar Carvalho pousando fácil como cronista esportivo. Seu personagem: Vicentinho (Vicente Chagas do Nascimento, nascido em Fortaleza, Ceará, 1944, residente em Campo Maior, Piauí, aposentado com um salário mínimo), é um tributo ao ídolo consagrado em duas das mais importantes cidades da nossa “hinterlândia”: Campo Maior e Floriano.


Em 2003, quando escreveu “O Pé e a Bola”, homenagem aos famosos jogadores que defenderam os dois principais clubes campomaiorenses: Caiçara e Comercial, Elmar Carvalho buscou a música “Balada número 7”, dedicada ao imortal Garrincha (Manoel Francisco dos Santos: Pau-Grande, distrito de Magé, Rio de Janeiro, 1933 – Rio de Janeiro, 1983), o conhecido anjo de pernas tortas do futebol brasileiro e mundial. Por ilação, a fim de julgar a técnica do Vicentinho, colocou a composição musical dedicada a Garrincha, numa bem feita peça técnica numerada CD's-R, da Elgin, 52 x 700 MB, com duração de 80 minutos. Intuito mesmo de mais ainda reviver episódios através dos dribles desconcertantes do Garrincha, mas sem esquecer as virtudes futebolísticas do Vicentinho como atleta merecedor do destaque regional. Recursos foram empregados capazes de comover desportistas de coturno difícil (aqueles que não desejam comparar habilidades entre o “Mané” e o Vicentinho). Afinal, o novel cronista nos leva à certeza de que o belo e insinuante futebol praticado por Vicentinho em “canchas” campomaiorenses, tenha idolatração na hospitaleira Floriano. Em dois anos: 1966-1967, o Ferroviário da “Princesa do Sul” apresentou ao público o famoso Vicentinho, cantado e decantado nos livros de Janclerques Marinho de Melo: “Crônicas Flutuantes (Lendas e Ruas)”. Na estampa da página 54, Janclerques escreveu: “Em todos os jogos do “Ferrim”, os jogadores Lino, Sadica e Vicentinho, davam “show” de bola. Mas o maestro da equipe era mesmo o Vicentinho”.


Chegamos à conclusão dos esclarecimentos que dizem respeito à personalidade do Vicentinho. Buscamos, agora, as anotações do psiquiatra-neurologista Sigmund Freud, o Pai da Psicanálise (Freiberg, na Morávia, 1856 – Londres, Inglaterra, 1939): “A felicidade é um problema individual. Cada um deve procurar por si, a maneira pela qual pode se tornar feliz”. Consequentemente, as anotações de Freud representam a felicidade encontrada pelo Elmar Carvalho em reverenciar ainda em vida o Vicente Chagas do Nascimento (o formidável Vicentinho).    

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

TRIBUTO AO CRAQUE VICENTINHO


A razão de o Vicentinho aparecer duas vezes com a camisa do Comercial é que os professores Zé Francisco Marques e João Henrique (filho do craque) são comercialinos. Eu e o fotógrafo (Antônio José, meu irmão) somos caiçarinos. As fotos foram tiradas em janeiro de 2010.

Ontem à tarde, pelo whatsapp da Fátima, recebi do professor Zé Francisco Marques a infausta notícia de que o craque Vicentinho havia falecido. Ainda me recuperando de uma pequena cirurgia, mais tarde, no blogue Super Campo Maior, da jornalista Luselene Macedo, colho as seguintes informações:
“Vicente Chagas do Nascimento, faleceu na manhã desta quarta-feira (07/08), em Teresina, no hospital, onde estava internado há mais de um mês, em consequência de uma pneumonia e há 15 dias ele sofrera um Acidente Vascular Cerebral AVC, que o levou a óbito.

Vicentinho tinha 76 anos de idade. Ele nasceu a 15 de janeiro de 1944, em Fortaleza, Ceará. Foi casado com Luzia de Melo, de quem era divorciado e com quem teve três filhos: João Henrique de Melo Nascimento (Professor de educação física no Colégio Patronato N. Senhora de Lourdes), casado; Sheila Maria de Melo Nascimento, casada, e Suderlan de Melo Nascimento (in memoriam). Deixou 6 netos.
(...)
Vicentinho não perdia um jogo no Deusdete de Melo. Fosse Caiçara ou Comercial, lá estava ele nas arquibancadas, misturado com os torcedores caiçarinos; mas, sempre atento aos lances dos atletas dos dois times do seu coração.”

Nas décadas de 60 e 70 do século passado, foi craque do Caiçara e do Comercial. Creio que receberá homenagem desses dois times do futebol campomaiorense.

De um artigo de Carlos Said, que amanhã republicarei na íntegra em meu blogue, retiro a seguinte informação: “Em dois anos: 1966-1967, o Ferroviário da “Princesa do Sul” apresentou ao público o famoso Vicentinho, cantado e decantado nos livros de Janclerques Marinho de Melo: “Crônicas Flutuantes (Lendas e Ruas)”. Na estampa da página 54, Janclerques escreveu: “Em todos os jogos do “Ferrim”, os jogadores Lino, Sadica e Vicentinho, davam “show” de bola. Mas o maestro da equipe era mesmo o Vicentinho”.”
                

TRIBUTO AO CRAQUE VICENTINHO

Elmar Carvalho

                Outro dia, fiz um périplo, em companhia de meu irmão Antônio José e do professor José Francisco Marques, pelos arredores de Campo Maior. Pelos arrabaldes, como se dizia outrora. Fui em busca das recordações de minha adolescência tão emotiva e tão sentimental. Mergulhei onde fora o balneário da Primavera. Recordei as belas moças em flor de então, que ressurgiram em minha frente, no apogeu de sua beleza adolescente, como ninfas encantadas, que tanto me deslumbraram nos meus tempos juvenis. 

         Talvez não mais as deseje rever, para que permaneça indelével, em minha saudade e em minha memória, toda a beleza da graça feminina, que o tempo inexoravelmente deve ter transformado. Certamente, essa beleza continua em suas filhas e netas, transmitida pelo bastão de revezamento da sucessividade das gerações. Esquecido balneário da Primavera, onde tantas belezas floriram, onde tantas graças do adolescer desabrocharam para o encantamento de minha já distante juventude. Como diria o poeta, a saudade jorrou-me em ondas... Resistir, quem há-de?

                De lá, de volta para a casa de meus pais, vi o velho Estádio Deusdete Melo, onde atuei como goleiro, em escassas ocasiões, e de cujas arquibancadas vi os voos magníficos dos inexcedíveis goleiros (e meus mestres) Coló e Beroso, que pareciam desafiar a lei da gravidade, em sua elasticidade felina, em suas “pontes” ornamentais, que classificaria hoje como pontes estaiadas, belas, monumentais e precisas em sua eficácia. Naquela velha praça esportiva, os grandes craques do passado executaram suas bem urdidas jogadas, e perpetraram gols que arrancaram aplausos e urros da torcida em delírio.

                Resolvi tomar umas talagadas de calibrina em um barzinho das imediações, que era circunstancialmente frequentado pelo meu saudoso cunhado e amigo Zé Henrique, como uma homenagem saudosista a ele, em cuja companhia, várias vezes, fiz esses périplos suburbanos, evocativos de um tempo que jamais voltará, mas que insiste em se manter vivo, como um imortal vampiro do bem.

                Do boteco, eu via o entorno da barragem. As grandes, belas e sempre verdes árvores do horto florestal. Vi a brancura distante da vetusta igreja do Rosário, a contrastar em suas linhas retas, severas, com as curvas arredondadas, circulares da caixa d’água, também de um branco imaculado, ao menos da distância em que eu a via.

                De repente, provindo de umas pessoas que haviam chegado a uma grande sombra defronte, proporcionada por uma frondosa e avantajada árvore, vieram lindas melodias, de minha predileção. Logo soube que quem as escutava, da sombra esverdeada, era o imortal craque Vicentinho, autor de refinados dribles, executados em desconcertantes malabarismos de um atleta que era um virtuose em sua arte futebolística. Sabia de sua doença. Sabia que, hoje, ele mal consegue caminhar, com ajuda de acompanhante, ele que fora tão ágil e tão veloz.

Ele que fora, em sua destreza certeira e implacável, um dos mais exímios cobradores de falta, sobretudo pênalti, um verdadeiro algoz e fuzilador de goleiros. Fui cumprimentá-lo e lhe render minhas homenagens, eu que no meu livro O Pé e a Bola cometi uma imperdoável, conquanto involuntária, injustiça para com esse magnífico craque, ao omitir o seu nome (*). Certamente, que a injustiça já se encontra sanada, para o caso de uma segunda edição, pois inseri o seu nome no texto, em letras capitulares e de ouro, através do destaque que lhe dei e que ele bem merece.

                Quando precisou levantar-se da cadeira, vi, da distância em que me encontrava, uma bela e jovem mulher, não sei se filha ou neta, pegar-lhe a mão, e delicadamente ajudá-lo a erguer-se. O velho craque levantou-se com dificuldade, girou lentamente o corpo, moveu os pés que não mais lhe querem obedecer, e ensaiou um passo com muito esforço. Mas, em meu pensamento, nada disso acontecia.

Para mim, o velho craque Vicentinho dançava, lépido, fagueiro e elegante, uma saltitante e linda valsa, ou executava o “paso doble” de rocambolesca e dificultosa dança espanhola, com uma linda moça que lhe conduzia e era por ele conduzido, em perfeita integração, como tabela de grandes craques, ou então perpetrava uma inigualável, perfeita, destra e desconcertante jogada, verdadeiro balé, que arrancava delirantes e ensurdecedores aplausos da torcida.

                Inevitavelmente, pareceu-me ouvir, vindo da vitrola de um outro tempo, das ranhuras de um antigo disco de vinil, arrancado das areias de esquecidas ampulhetas, a música Balada nº 7, de Moacyr Franco, que fala de um velho craque, num estádio vazio, na ilusão inglória de uma torcida imaginária, a recordar as suas belas jogadas do passado, aplaudidas em frenesi por fanáticos torcedores, como um tributo a um deus da bola e das arquibancadas.

                Em silêncio, sem um gesto sequer, aplaudi, em meu coração e em minha lembrança, o exímio craque Vicentinho, cujas jogadas ainda são repetidas no vídeo tape da memória e da saudade dos torcedores, e pelos craques que aprenderam as magistrais lições do velho Mestre.  

(*) Na edição virtual de meu livro "O Pé e a Bola", 2ª edição, revista e aumentada, no formato e-book, publicada em 2015, que se encontra à venda na loja Amazon (Kindle) ao preço de apenas R$ 3,42, essa involuntária omissão já foi reparada. Nessa publicação se encontra inserta esta e várias outras crônicas de nossa autoria, referentes ao futebol piauiense.

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

O café de Amuz



O café de Amuz

Pádua Marques
Jornalista e escritor
Da Academia Piauiense de Letras

Naquele dia ensolarado de 1815 o comerciante sírio Amuz Mussa vendo passar o criado da casa de Simplício Dias na direção do Porto Salgado pediu que na volta lhe desse o recado de ter chegado ao seu estabelecimento, Mussa & Amuz, no início da rua Grande, duas das mais recentes novidades, café em grãos ou em pó e água de Colônia, um perfume vindo da Alemanha. A primeira, uma bebida estimulante pra ser tomada quente e a segunda, um perfume mais suave do que os tradicionais, próprio pras mulheres.

Elias não esqueceu o recado e dois dias depois, num meio de manhã quando a grande casa de produtos secos e molhados de Parnaíba acabava de abrir as portas, eis que entra o senhor Simplício Dias da Silva e dona Isabel Thomásia, sua mulher, que raramente saía de casa. A loja Mussa & Amuz, dos irmãos sírios Fauze e Amuz Mussa, ainda estava com pouco movimento, mas na mesma hora foi como se toda a vila de São João da Parnaíba estivesse dentro dela.

Os irmãos comerciantes haviam chegado na Parnaíba no final de 1770 ainda rapazinhos acompanhando os pais, Zaiyn e Ravna Mussa, quando muito se vendia e exportava carne de charque. Um tempo ainda distante da crise com a escassez de reses pra abate e a entrada de concorrentes das Minas Gerais e da Bahia. Se estabeleceram no início da rua Grande, poucas lojas e armazéns vindo do Porto Salgado pra cima.

Vendiam de um tudo. Tecidos de algodão e seda chinesa, porcelanas, rendas, linhas pra costura, botões, remédios em sachés, velas, azeites, candelabros, doces, tâmaras e damascos em calda, pimenta do Reino, corantes pra tinturaria, sabão em barras, fitas, chapéus pra senhoras e senhorinhas, botas, pregos, bolsas, sombrinhas, pólvora, espingardas e pistolas, enfim tudo o que era novidade na Europa e estava nas mesas de famílias abastadas.

O casal Simplício Dias da Silva foi recebido à porta com todo o rapapé pelo irmão mais velho, Fauze Mussa, homem de uns cinquenta anos, pele morena, barbas pintando de fios brancos, dentes salientes e amarelos e tendo como vestimenta a tradicional camisola branca. Na cabeça estava a touca de rendas e nos pés as sandálias de couro cru. Ao receber Simplício Dias e dona Isabel Tomásia, foi logo mostrando todas as novidades da loja.

Dona Isabel, mulher que poucas vezes havia saído de casa, estava sem jeito ao lado do marido, a quem todos olhavam com curiosidade, medo e respeito. Foi trazida em um vidro grande e transparente alguma coisa muito parecida com sementes ou caroços de feijão quebrados e noutro vidro, um pó não de todo negro, mas com um cheiro um tanto forte. Era o café. Já torrado e moído, era mais caro. Novidade das novidades se gabava Mussa. Vinha do Pará e já sendo apreciado até pela família real no Rio de Janeiro.

Logo um criado trouxe água fervente e ali mesmo fez o café numa espécie de saco de pano, sendo servido em ricas xícaras de porcelana. Amuz Mussa agora estava esperando a opinião dos visitantes, mas foi apenas Simplício Dias quem achou de muito bom paladar a nova bebida. Dona Isabel fez o que se esperava dela, apenas um aceno de cabeça dando sinal de pouca aprovação. Os dois foram aconselhados a tomar a bebida pela manhã com leite e à tarde, puro, bem adoçado com açúcar e que serviria muito bem às visitas na casa da rua Grande. Era um estimulante muito forte e que segundo o velho comerciante Mussa, foi descoberto na Etiópia sendo comida de cabras!

Foram passando pra outras dependências da loja e a curiosidade da dona de casa da rua Grande aumentando. As sedas, rendas, colares, luvas, sapatos, lenços, tudo era motivo de contentamento, mas os olhos de dona Isabel sempre voltavam à procura da aprovação do marido. Na casa de Simplício não se gastava nada além da conta. Na calçada e nas proximidades do caminho do porto muita gente estava esperando e querendo saber por que a Mussa & Amuz estava com aquele movimento desde cedo.

Simplício Dias e dona Isabel Tomásia chegaram ao balcão de madeira no fundo da loja e a uma ordem de Fauze Mussa foi aberta uma caixa de madeira trabalhada em relevo. Dentro dela estavam os ricos e caros frascos de água de Colônia. Era a última novidade vinda da Alemanha! Todas as casas reais da Europa, da Rússia à Grécia consumiam esta novidade da perfumaria! O governador da Parnaíba naquele meio de manhã saiu levando comprado da loja apenas um frasco do novo perfume, do mais barato, e um mercado de café em grãos pra ser torrado e moído em casa.   

Escritores parnaibanos lançam livros no II Corredor Literário, na Caixeiral




Escritores parnaibanos lançam livros no II Corredor Literário, na Caixeiral

Pádua Marques
Jornalista e escritor

Marcado para o dia 17 deste mês no SESC Caixeiral a partir das 18h, o II Corredor Literário, considerado um dos maiores eventos culturais de lançamento de livros e que revelou vários nomes da literatura moderna parnaibana, logo após a extinção do Salipa, o Salão do Livro de Parnaíba.

Entre as presenças confirmadas estão Marcello Silva, autor de O Pescador e Homo Cactus, Cláucio Ciarlini, autor de Inacreditável, criador do Opiagui e da coletânea Versania, Antonio Gallas Pimentel e Dilma Ponte de Brito, da Academia Parnaibana de Letras.

Segundo o escritor Pádua Marques, que deve lançar seu mais novo romance, O Libertador de Cuba, este evento é um passo importante para a integração entre antigos e novos escritores de Parnaíba. “O Salipa acabou. Não há como ressuscitar mais. Agora é continuar com outros eventos”, disse.

O II Corredor Literário é uma parceria do SESC Caixeiral, Opiagui e O Piagui Virtual e a Academia Parnaibana de Letras. A entrada é gratuita e a classificação é livre.

Fonte: SESC Caixeiral. Foto: JaqueB. Edição: APM Notícias.   

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

A ARTE DE TRADUZIR

Fonte: Google


A  ARTE  DE  TRADUZIR

Alcenor Candeira Filho

     A arte de traduzir não consiste simplesmente na substituição de palavras de um idioma por palavras de  outro, mas no trabalho consciente da passagem de um texto para outra língua, exprimindo um cunho artístico.

     A tradução de um texto poético, principalmente, requer   grande habilidade artística, exigindo do tradutor a assimilação do espírito do texto original e profundo conhecimento dos segredos  do seu do seu aspecto formal, a fim de que possa alcançar não somente a equivalência semântico-expressiva, mas sobretudo o equilíbrio nos efeitos sonoros.

     Tratando das dificuldades que surgem no ato/arte de traduzir obra literária, Kurt Clason  -  citado em FENOMENOLOGIA DA OBRA LITERÁRIA por Maria Luíza Ramos  -  exemplificou a questão com uma passagem de GRANDE SERTÃO: VEREDAS, em que está dito que os cavaleiros passavam “feito faca, feito  flexa, feito fogo”. A tradução literal destruiria a imagem acústica presente na frase, pois desapareceria a aliteração fricativa que, seis vezes repetida, traz conotação de velocidade. Preferiu então o tradutor substituir as palavras do original, de modo a “criar” nova imagem acústica dentro de mesmo campo semântico estabelecido por Guimarães Rosa. E a frase transformou-se em “Wie die Welle, Wie der Wind, Wie der Wille”, ou seja, “como a vaga, como o vento, como a vontade”.

     A transformação efetuada no texto alemão através da alteração de palavras do original não configura exemplo do aforismo italiano  -  “traduttori, traditori”  -,  significando em verdade que o tradutor penetrou com intensidade no espírito do romancista, captando-lhe o pensamento tal como vivido interiormente.

     Reconhecendo o mérito das traduções feitas pelo poeta parnasiano Raimundo Correia, diz Ledo Ivo: “A tradução de um poema não é a mesma coisa que a tradução de um compêndio científico, , cujos conceitos podem ser facilmente transportados para outro idioma. Trata-se, em verdade, de um operação que embora parecendo transplantar o sentido fiel do texto, só pode ser praticada com a utilização de um verdadeiro arsenal criador; é o domínio das equivalências sonoras, de ritmo que se muda em encantação, da imagem que que se funde simultaneamente em melodia e conceito”.

     Guilherme de Almeida, numa de suas “notas” às FLORES DAS FLORES “FLORES DO MAL” DE BAUDELAIRE, em que traduziu, ou melhor, recriou, recompôs, restaurou em Português vinte e um poemas do poeta francês,  -  reportando-se ao segundo verso (Tu fais l’effet d’um beau vaisseau qui prend le large) da segunda estrofe do poema “Le Beau Navire”, que reputa um dos mais belos da poesia francesa, , declara que esse alexandrino pode ser lido, livremente,  como dois versos de seis sílabas, três de quatro ou seis de duas, considerando que, assim sendo, “não seria honesta uma re-criação legítima desse verso, senão conservando rigorosamente todos esses mesmos caprichosos efeitos”. E confessa que para conseguir um trabalho satisfatório na tradução desse verso, levou meses para atingir os mesmos efeitos rítmicos, morfológicos e rimáticos constantes do alexandrino original. Eis o primor da re-criação de Guilherme de Almeida: “És tal e qual a nau quando ao mar-alto larga”, que, como o original, pode ser sentido em três formas rítmicas, que podem ser configuradas assim:

               1º)  - - - - - / - - - - - /
              2º) - - - / - - - / - - - /
              3º) - / - / -/- / - / - /

correspondendo, respectivamente, em termos estrófico-métricos a:

     1º) um dístico de versos hexassilábicos:
              “És tal e qual a nau
              quando ao mar-alto larga.”

     2º) um terceto de versos tetrassilábicos:
              “És tal e qual
              a nau quando ao
              mar-alto larga.”

     3º) uma sextina de versos dissilábicos:
             “És tal
             e qual
             a nau
             quando ao
             mar-al-
            to larga.”

     Vamos ver agora como uma tradução qualquer de texto poético, alicerçada na lei do menor esforço, perde a grandeza de obra de arte. Pra tanto, confrontemos o seguinte texto de IRACEMA, de José de Alencar, com a respectiva tradução feita por Maria Torres Frias:

                          “Verdes mares que brilhais como líquida
                  esmeralda aos raios do sol nascente, perlogando
                  as alvas praias ensombradas de coqueiros.”

     Na tradução:

                          “ Verdes mares que brillan como líquida
                  esmeralda  a los rayos  del sol nasciente, prolongando
                   as alvas praias ensombrecidas por los cocoterros.”(1)
      
           A ideia do original foi efetivamente mantida na tradução. Mas traduzir obra literária exige mais que a simples assimilação da mensagem do original. O leitor do período traduzido jamais sentirá a sublimidade, a melodia, a beleza poética da produção do escritor cearense. Poesia é a sublime forma de beleza, é o conjunto de palavras exprimindo musicalidade. O ritmo melódico, no texto de José  de Alencar, constitui-lhe toda a grandeza. E esse ritmo não foi atingido no texto-tradução. No texto alencarino estão implícitos cinco heptassílabos, em perfeita harmonia, com apoio rítmico obedecendo ao esquema

                       - - / - - - /

enquanto no texto em espanhol se encontram, respectivamente, um hexassílabo, um heptassílabo, dois octossílabos e um decassílabo, numa combinação tão desarmoniosa que nos faz lembrar as palavras de Voltaire: “Infelizes os que fazem traduções literais, que traduzindo cada palavra enervam o sentido! É nessa hora que se pode dizer que a letra mata e o espírito vivifica.”              


(1)     Vi o pararelo, mas sem os comentários que farei em frente, em  TEORIA LITERÁRIA, de Hênio Tavares, Belo Horizonte,  Editora Itatiaia Ltda. 5ª edição, 1974, p. 22.   

domingo, 4 de agosto de 2019

LIVRAMENTO: PEDRA E ABSTRAÇÃO

Sede da antiga Fazenda Ininga, hoje propriedade de Paulo de Tarso Libório


LIVRAMENTO: PEDRA E ABSTRAÇÃO
(roteiro sentimental de José de Freitas)

Elmar Carvalho

Que é Livramento?
            Livramento
é uma revoada de santos,
anjos e meninos sobre um morro
que também voa.
Onde, agora, o morro?

O morro continua lá
e em minha memória incessante,
escalado por
                        meninos que são anjos
do além do bem e do mal.

No morro as quedas
ficaram suspensas
entre o cair e o voo
por milagre ou magia,
ou simples brincadeira
de algum anjo travesso.

O visgo que visgava
os vim-vins de minha infância
ainda me visgam àquele
sítio de sonho
mais que sonho:
                 sonho acordado.
Os santos ainda estão lá,
em pleno vôo de pedra e abstração
e de prodígio que não assombra
em seu enigma desvendado.

Em mim permanece
mais forte que nunca
o gosto mais que gostoso
das frutas que furtei
dos quintais franqueados
em pródiga dádiva.

Sinto ainda sempre e agora
uma ampulheta derramar sobre mim
o frescor macio da areia e a sombra
verdoenga da mangueira,
e me trazer intacta e completa
a minha mais feliz meninice.

Recordo o açude
em que fui tão menino
como não mais pude
ser, desde então.
E do açude
os criolis ainda me chegam
em seu sabor acredocetravoso
de infância e recordação ...

As partidas de futebol
ainda se repetem em minha memória:
videoteipe que não se cansa
de se repercutir
em seu interminável repeteco.

No chalé, medrosos,
os fantasmas ainda se abrigam
e se escondem dos vivos.
Antigos, baratas passeiam
e ratos rondam por entre
os móveis do nunca mais.

A cidade continua a mesma,
eu continuo o mesmo
e no entanto ambos mudamos
e continuamos os mesmos
no eterno retorno de nós mesmos.   

sábado, 3 de agosto de 2019

O aniversário do rei e do porco

Fonte: Google


O aniversário do rei e do porco

Pádua Marques
Escritor e jornalista
Da Academia Parnaibana de Letras

Havia dezenove anos que fora autorizada pelo bispo do Maranhão que se criasse algumas paróquias na capitania do Piauí, entre elas a de Nossa Senhora da Graça, esta em Parnaíba e construída pela família Dias da Silva. Naquele domingo de 13 de maio de 1820 a vila estava em festa pelas comemorações dos 53 anos do rei dom João VI. Simplício e o Senado da Câmara estavam recebendo as representações de Viçosa do Ceará e do Maranhão. De vez em quando saía na janela e dava vivas ao rei e ao príncipe herdeiro dom Pedro.

Simplício fazia de propósito aquela festa toda. Se vingava da desfeita, de oito anos atrás, em julho de 1812 quando encabeçou uma relação de pessoas pedindo ao soberano de que a residência do governador da capitania fosse mudada de Oeiras pra Parnaíba, chegando a oferecer dinheiro de sua fortuna pra construir o palácio, pelo que não foi atendido, assim como a questão da alfândega. Mas agora era hora de mostrar quem mandava, embora já começasse a ver a pobreza se avizinhando.

Pra festa foram mortos cinco bois e duas vacas, dez porcos, uma infinidade de galinhas. Mandou vir de São Luiz cinco barris de vinho e dois de aguardente, conhaque. Nas cozinhas de casa e na de pessoas da família e vizinhos, as negras cozinheiras não largaram a barriga do fogão desde o sábado. Era carne assada e cozida e feijão misturado com os miúdos. Muita fruta, farinha, abóbora cozida, milho verde cozido e assado. Pela manhã houve missa solene na igreja de Nossa Senhora da Graça e no largo da casa as barracas com muita comida e bebida, uma fartura de dar inveja a festa de governador.

Também vieram de São Luiz, no Maranhão, cinco caixas de fogos de artifício, que seriam queimados após a missa da noite no largo da igreja e na frente da casa de morada dos Dias da Silva.  Na igreja dos pretos, do outro lado do largo, houve muito batizado e casamento. E pra animar a festa do rei dom João, veio um circo inteirinho. Grande Circo Venice, de Amedeo Picelli di Puntto. Vinha com cães adestrados, palhaços, cantores, anão equilibrista, engolidor de espadas, mulher barbada. No meio da missa os três escravos violoncelistas da casa de Simplício tocaram peças sacras. Logo na boca da noite começaram a chegar os convidados.

No cais do Porto Salgado as embarcações estavam embandeiradas. Era um sobe e desce de gente de Tutoia e povoados, vindo render homenagens ao rei dom João na pessoa de Simplício Dias da Silva. E vai que naquele movimento de todo dia, que não parava nem aos domingos, um homem com seu menino foi chegando no início da manhã, de canoa, com alguns porcos pra vender no mercado da rua Grande. Mal pisou em terra firme já foi abordado por Elias, escravo da confiança de Simplício Dias. Aqueles animais seriam pra servir de comida aos convidados!

O dono dos porcos quis criar confusão alegando pobreza e o único bem que tinha pra vender e levar algum tostão pra dentro de casa. Teve resposta que nem encompridasse conversa. Eram ordens lá de cima, de seu governador e senhor Simplício Dias da Silva. Sem ter pra onde correr e a quem pedir justiça, o homem caiu das carnes. Entregou os quatro porcos pra Elias e se retirou de cabeça baixa. Logo mais estaria bebendo aguardente, comendo feijoada e dando vivas ao rei com cara de porco.

Quando soube do ocorrido, já era passado o almoço e os porcos já estavam era servindo de comida lá no largo da igreja e na frente de casa. Deu nele raiva aquele malfeito do negro. Chamou Elias e perguntou quem deu ordens pra usurpar os porcos do caboclo. Tremendo feito menino com medo de relho nos couros, se coçando todo, o escravo disse que tinha sido o senhor seu rei dom João! Seu rei? E desde quando negro tinha rei?

Depois de coçar a cabeça Simplício meteu a mão no bolso e não encontrando nada mandou que fosse procurar no meio da praça o dono dos porcos.  Mas antes cuspiu no chão de tijolos. Antes de secar queria o dono dos porcos na sua frente. Dom João VI bem que podia ter outros defeitos, ser tratante e falso, mas nunca seria ladrão! E ele, Simplício Dias da Silva nunca haveria de ser alcunhado de pegar no alheio, muito menos porcos.    

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

PALMA DE GATO


PALMA DE GATO

(Crônica de Pádua Santos)

     
Quando escrevi a crônica intitulada “O Enterro”, onde tratei das peripécias de dona Zezita Sampaio (mulher do Almirante Gervásio Sampaio, irmão do meu bisavô, Antônio Sampaio), deixei registrado que aquela importante matrona, nas suas badaladas eleições para prefeita de Buriti dos Lopes, já fazia uso de uma geringonça que desagradava os que restavam derrotados nas campanhas políticas das quais ela saia vencedora. E ali eu perguntava: (- Oh afamada “ronqueira” de boca faminta de pólvora! Por onde andas, nestes tempos de modernos fogos? O teu ronco foi um tormento para os opositores. Passastes vários dias em atividade depois daquele resultado! Calava-te apenas pelo período suficiente para a recarga de mais um estampido que lembrava as bombardas da Batalha do Jenipapo...).

      E não é que, logo depois da publicação da referida crônica, um amigo me presenteou com tal aparelho, já bastante gasto pela ferrugem, mas ainda capaz de trazer à lembrança interessante cena de um passado político recheado de aventuras!

Aliás, todo passado político tem suas histórias e, não raro, histórias pitorescas, como a que agora passo a contar:

         O Dr. Mão Santa, quando iniciou na vida pública, não tinha este nome. Era conhecido na cidade como “Doutor Francisco”. Nome que, apesar de próprio e de ser o mesmo de um dos santos mais milagrosos do Céu, não lhe rendia a quantidade desejada de votos. Como ele nunca foi bobo e para demonstrar sua sabedoria política perante seus opositores que às vezes lhe consideram louco, abraçou a alcunha “Mão Santa”, e com ela derrotou velhas lideranças consolidadas, partidos renomados e terminou por vencer vários pleitos importantes.

                Mas não é somente o nome que faz a liderança. Os políticos de carreira sempre necessitam de amigos que lhes deem sustentação. Aqueles que vestem sua camisa e botam o pé na estrada, caminhando ao seu lado e rezando na sua cartilha - são os chamados “cabos eleitorais”.

                Mão Santa, dentre outros que lhe ajudaram, logo no primeiro pleito onde logrou êxito, contou com a ajuda de Francisco Bernardo de Souza Neto, bastante conhecido pelo apelido de “Palma de Gato”.

                Este cidadão, já falecido, sabia fuxicar com fácil sorriso nos lábios e penetrava com facilidade em todos os partidos da época, principalmente nas hostes dos “Silva”, então opositora, porque ali teria iniciado na arte de cabalar.

                Certo dia, em um grande comício no local conhecido como Balão da Guarita, Mão Santa chamou o seu franco escudeiro Palma de Gato, quando faltavam poucas horas para o início da concentração, lhe deu algumas magras cédulas - porque nesta época ainda era pobre -  e ordenou que fossem comprados três foguetes tipo canhão.

                O primeiro deveria pipocar no momento em que o patrão subisse no caminhão-palanque; o segundo quando encerrasse a fala dos políticos menores, geralmente vereadores, seus suplentes e alguns entusiasmados e convencidos presidentes de associações de bairros. E o terceiro, e último, logo que Bernardo Carranca – quem sempre animava por cobrar mais em conta – cantasse a última música para ter início o longo discurso do próximo Prefeito.

                Estes três foguetes de apreciável tiro – daí a lembrança da estrovenga da saudosa Zezita Sampaio – deveriam funcionar como um convite ao povo parnaibano para uma mudança que, segundo pregava, se fazia por demais necessária.

                Mas ocorreu que somente os dois primeiros estampidos foram ouvidos naquela noite.

                Quando chegou o esperado momento do último tiro, com o Carranca já calado, juntando suas esquisitas partituras; o orador já de microfone na mão e o povo em relativo silêncio, esperando a frase inicial que seria, como sempre, uma louvação a Deus, Mão Santa sentindo que nada pipocava no Céu parnaibano, deu uma virada, afastando a boca do microfone, para dizer, em voz baixa para alguns papagaios de pirata que lhe cercavam naquele momento:

                 - Filho da puta, o Palma de Gato! – bebeu de cachaça o meu terceiro foguete!