segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Covid 19

 

Fonte: Google

 

Covid 19


Sousa Filho

 

D   i   s  

          

             t   a    n   

                     

 

                       c    i    a   

                           

                                  m    e    n  

                                        

                                                        t    o

 

       S              c                   a

       o               i                    l

                  

              ou

hhhhhhhhiiiiiiiiiippppppppppooooooccccccrrrrrriiiiisssssiiiiiiiiaaaaaa?

Depoimento sobre Emerson Araújo


Depoimento sobre Emerson Araújo


Kenard Kruel


Conheci Emerson Araújo labutando, entre poemas, tintas e graxas, na gráfica do pai dele, o venerando senhor Haran Silva, na Avenida Pedro Freitas, divisa da São Pedro com a Vermelha, em Teresina.

Eu estava vindo da Parnaíba. Tinha concluído o Curso Técnico em Administração de Empresa. Precisava enfrentar o vestibular para o sonhado Curso de Letras, na Universidade Federal do Piauí.

Albert Piauhy me acolheu e passou a ser uma espécie de tutor meu, cargo que até hoje ele não se empenha em deixar. E eu deixo que assim seja, para despeito do queridinho número um dele, o estatístico, fotógrafo e professor João Batista Mendes Teles. Albert Piauhy tornou-se meu compadre, quando tive a coragem de dar a ele, para padrinho, o meu filho primeiro Rafael Cavalcanti, fruto de muito amor com Maria Rita Cavalcanti. A madrinha é a jornalista e professora Helena Arcoverde, uma das mulheres mais inteligentes e bonitas do pedaço. Hoje residindo em Curitiba, aposentada pela Escola Técnica Federal do Piauí. 

Nos meados de 1977,  Emerson Araújo lançou Vendedor de Picolé, no Colégio Zacarias de Góis, livreto, ensaio de poesia, por meio de um colega do Bairro São Pedro, que estudava com ele no Liceu Piauiense, chamado Raimundo Nonato. Este, depois se tornou sacerdote católico e nunca mais eu soube notícias dele. 

Éramos jovens cheios de planos literários. Estudantes do Curso de Letras da Universidade Federal do Piauí, durante o dia, e pecadores das lindinhas, durante a noite, nos bares da cidade. Não havia um específico. O que estivesse aberto e nos aguentasse, era o nosso porto seguro. Não havia a história do bar da época, do point, do famosão. Famosos éramos nós. Porém, no meio da boêmia, pontificava o Bar Acauã, onde, geralmente, a gente aquietava o facho, dormindo, de qualquer jeito, em qualquer lugar do nosso Bar doce Bar. Acauã era do Chicão, irmão da Marleide Lins.

Era tempo do Emerson Araújo, William Melo Soares, Zé Magão, Wilton Santos, Chico Castro, José Menezes de Morais, Eduardo Lopes, Albert Piauhy, estes mais infiltrados no jornalismo oficial, contaminando-o por dentro com literatura vã. Ao redor, na deles, João Luiz Rocha Nascimento, Airton Sampaio, Bezerra, Leonam, também na prática do jornalismo subterrâneo e na contística já da melhor qualidade. Seriam os Tarântulas da nossa melhor literatura. Mais adiante, com ares de mestres, Durvalino Couto, Arnaldo Albuquerque, Assai Campelo, Edmar Oliveira, Chico Pereira Trevo Art, Etim, Paulo José Cunha etc.

As mulheres ainda viviam o regime do talibã. Poucas ousavam cair na pândega. Lembro de uma Marleide Lins, ativa em Teresina, ainda nos dias de hoje, e de uma outra, a Beth Rêgo, que foi marinhar, hoje em algum farol apagado de São Luís. E da Rosa Kápila, que ainda brilha no Rio de Janeiro.

Era tempo de reativação da UNE, que uniu Edvaldo Nascimento e Edna Magalhães, do DCE da UFPI, dos CAs, da criação do PT, da CUT, CEPAC, FAMC, da eliminação da pelegada encastelada nos Sindicatos dos Jornalistas, Comerciários, Gráficos, Mecânicos, Construcão Civil etc, alguns há mais de 40 anos de mando e desmando. Era tempo de jovens combativos, aguerridos, destemidos, mas também sensivelmente poéticos. Perdulários do amor. E nós nos amamos até hoje. Somos uma geração unha e carne. Nunca largamos um a mão do outro. Não nos vencem a distância e o tempo. Estamos sempre de tocaia, um em campana vigiando o outro.

Emerson Araújo, pelo exemplo, e que belo e forte exemplo, me fez professor. Mesmo já professor, quando numa folga ou outra no meu quadro de horário, eu ia, como aluno, vê-lo e ouví-lo no campo de batalha dele. Voz firme, didática, contínua, sem qualquer anotação, a desafiar, de memória, nomes de autores, livros, jornais, revistas, períodos, escolas, grupos, clãs, o que seja. Emerson Araújo é minha inspiração como professor. E, claro, como cidadão, por completo. 

Anos depois nos encontramos, nas madrugadas da Universidade Estadual do Piauí, como estudantes de Direito. Nos formamos. Eu ainda me iludi por dez anos, Emerson Araújo, mais prático, nem mesmo tentou. É muito difícil, neste país, vencer as leis do mais forte e do menor esforço, como um dia me disse o professor e também bacharel em Direito Cineas Santos. 

O Piauí, como tantos, também não soube amar o Emerson Araújo. E ele se auto exilou em Tuntum MA. Aposentado, poderia estar de pijama fazendo versos para as eternas musas. Porém, sempre atento aos clamores do tempo, tornou-se voz ativa na política e, principalmente, na Educação de Tuntum. Virou novamente caixeiro viajante da Educação, a fazer reuniões, palestras, simpósios, conferências onde um ou dois estiverem em nome da Educação. Tanto compromisso que até hoje, apesar dos reiterados convites, ainda não nos deu a honra de visitar a Ilha Kenardiana. Mas ela está cá, deslumbrante, a esperá-lo, com a trupe. No dia que bater a veneta, virá e estará entre os seus. 

O chamo de poeta irmão. Nos últimos anos, tem sido mais, tem sido um pai. A ele, minhas orações. Com fé, esperança e amor.   

domingo, 12 de dezembro de 2021

POEMA DA MULHER AMADA

Fonte: Google

 

POEMA DA MULHER AMADA

 

Elmar Carvalho


Amada mulher fatal

o teu amor embora servido

em pequeninas doses é letal

mas eu o tomo lentamente

como um néctar de veneno

em longos e lentos goles (sereno)

como ópio em lenta mente

 

Mulher amada o teu amor

conquistador e guerreiro me toma de assalto

e nem me deixa a oportunidade

de esboçar o meu espanto

e ensaiar o meu sobressalto

de acrobata perdido em pleno salto

                                                     mortal

mas que antes de um desfecho trágico

como que por milagre se salva

entre magia sortilégio e quebranto

pelo gesto carismático de um mágico

 

Amada mulher fatal

o teu amor devastador

não me deu a chance de optar

entre te querer ou não querer

 

               Teresina, 07.12.83 – 18:00h   

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

A raposa e os carneiros

Fonte: Google

 

A raposa e os carneiros

 

*Por Isabela Silva Barbosa

 

Era uma vez uma raposa. Gentil e bastante inteligente. Ela foi expulsa de casa por ser 'gentil demais' "Raposas devem ser frias! Devem ser cruéis e egoístas, não gentis e não prestativas!

“Um dia você será traída. Somente assim entenderá que os outros não são tão gentis como você pensa." Foi o que seu pai lhe disse, mas a raposa fingiu não ligar pra isso e resolveu seguir seu caminho, pois agora graças ao seu pai, tinha um objetivo de vida. Ajudar os outros e fazer amigos, pois assim poderia mostrar a todos como ajudar faz bem!

Depois de alguns dias na estrada a raposa se deparou com uma ponte. Uma ponte bem velha e caindo aos pedaços e que ficava em cima de um precipício. "Como estou sozinha, posso atravessar calculando e pulando em pontos firmes o suficiente pra me aguentar e assim atravessar a longa ponte."

Foi o que a raposinha pensou. Já se preparava pra atravessar quando ouviu uma forte discussão. Eram carneiros que brigavam. "Não posso me envolver dessa vez, pois irei apenas causar mais confusão desnecessária...Certo, vou seguir meu caminho!”.  

Antes que pudesse seguir seu caminho foi interrompida mais uma vez. Só que dessa vez era a voz de um carneiro que a chamava.

- Olá, você planeja atravessar?!

- Sim.

- Como planeja fazer isso?

Outros carneiros se aproximavam. Ao todo, seis carneiros haviam chegado.

- Eu irei calcular o lugar mais firme e pular rapidamente. Assim eu irei atravessar a ponte.

- Isso não é seguro.

- Se eu pular rapidamente conseguirei atravessar pois estou sozinha.

- Desculpe, você poderia nos ajudar a atravessar tambem?

- Uou! Eu ajudei vários outros antes, mas isso parece empolgante!

A raposa ficou tão animada que esqueceu de responder. O carneiro rapidamente ficou nervoso e quis se corrigir.

- Desculpe nós nem...

- Tudo bem! Eu posso ajudar vocês!

Os carneiros ficaram perplexos! Nunca viram uma raposa aceitar assim sem nem menos saber o que aconteceu.

- É uma armadilha. Ela planeja nos devorar assim que atravessarmos.

- Também acho!

- O quê?? Por que eu faria isso?

- Por que não faria? Afinal, você é uma raposa.

- Não podemos confiar em você.

"Aqueles dois carneiros parecem ter uma ideia errada sobre mim...tudo bem! Irei mostrar pra eles que sou de confiança!", pensou a raposa.

Enquanto os carneiros discutiam, a raposa tentava achar uma forma de atravessá-los...

“Já sei! Irei fazer uma nova ponte improvisada. Assim ajudarei eles e outros a atravessarem. Por sorte, a ponte fica na beira da entrada de uma floresta."

- Já sei como vou atravessá-los!

- E como?

- Vamos fazer uma nova ponte!

Todos os carneiros ficaram perplexos!

- Como vamos fazer isso?! Somos carneiros, esqueceu?

- O que tem demais?

- Carneiros não fazem pontes!

- Por isso que não vamos pra frente! Por que você ouve os outros te dizerem como você deve ser e obedece sem nem hesitar. Eu sou uma raposa, mas ainda me disponho a ajudá-los. As aparências enganam muita gente.

O carneiro ficou calado. A raposa era gentil, mas não suportava ver os outros se subestimarem e se auto sabotarem.

- Sou uma raposa mas precisarei de ajuda.

Todos se dispuseram a ajudar, menos dois carneiros que protestaram. A raposa precisaria de troncos. Troncos bem grandes e firmes para colocar. Ela seguiu pra floresta na tentativa de derrubar algumas arvores.

Ela batia suas patas na árvore durante horas. Até que o carneiro que a chamou de repente apareceu.

- Olá novamente! E desculpe por antes.

- Tudo bem.

- Eu vim lhe explicar a situação

- Não precisa.

- Sim precisa. Somos inicialmente sete carneiros. Mais um de nós desapareceu. Nós a encontramos, mas ela acabou atravessando a ponte e nos separamos novamente.

- Uou!

- Pra piorar tem um caçador atrás de nós e dela. Nos temos que agir rápido.

- Por isso sua pressa em atravessar...

- Certo! Irei dar meu melhor pra ajudá-los!

- Obrigado.

A raposa voltou a dar batidas na árvore, mas em determinado momento, ela se sentiu observada.

- Isso vai demorar.

- Quem está ai?

- Ninguém que queira te fazer mal.

- Fica difícil de saber se se esconde

- Me escondo pra me proteger.

- Se proteger de quê?

A raposa se distraiu e errou um golpe. Um grunido de insatisfação e dor saiu de sua boca.

- Você quer ajuda?  

- Você pode me ajudar?

- Claro!

- Por que quer me ajudar?

- Por que quis ajudar aqueles carneiros?

- Ei!

- Não é comum uma raposa ajudar carneiros. Eu me interessei por você. Simples assim. Ainda quer ajuda?

- Sim! Eu adoraria. Sua ajuda, quero dizer.

- Certo.

O dono da voz se mostrou e pra sua surpresa... era um lobo.

- Não sabia que eras um lobo!

- Hum.. Vamos logo.

- Certo.

Os dois finalmente derrubaram a árvore. Demorou cerca de cinco horas! A raposa desatava a falar. Já o lobo se limitava a duas palavras.

- Finalmente derrubamos!

Ela caiu certinha.

- Mas acho que o tronco está muito fino. Seus amigos não conseguirão atravessar.

- Verdade! Me ajudaria a derrubar outro tronco lobo?

- Não sei se tenho tempo.

- Ah, por favor!...

- Por mim, talvez?  

- Certo..

 - Obrigado, obrigado, obrigado!!

A raposa dava pulinhos enquanto pode notar entre as pausas que dava, que o lobo sorria pela primeira vez. Acho que o nosso lobo mexeu com nossa raposa, assim como nossa raposa mexeu com nosso lobo.

Eles voltaram a bater na árvore até que de repente ouviram tiros.

- Ou não...

- O que foi lobo?

- Os caçadores estão perto. Eu não posso ficar aqui.

- O quê? Mas eles não estão atrás dos carneiros?

- Somente um dos caçadores tem interesse nos seus amigos. Já os outros têm interesse em caçar um lobo. Eu. Então eles estão atrás de ambos.

- Então vocês correm perigo?

- Eu irei atraí-los pra longe.

-O que?? Não! Você não pode..

- Tudo bem, eu irei ficar bem.

- A raposa desatava a chorar

- Por que agora, eu tenho você.

- Não deixe nada acontecer com você. Por favor.

 - Claro, até depois, raposinha.

- Até, lobo.

Os carneiros ouviram os tiros e logo vieram até a raposa.

- Precisarei da ajuda de vocês

- Como?

- Me ajudem a chutar esse tronco para que possamos atravessar o mais rápido possível!

 - Certo!

Todos os carneiros começaram a chutar a arvore.

- Desculpe ter te julgado. Você realmente só quer ajudar.

- Tudo bem! Vamos, temos que continuar.

Eles chutaram, chutaram e chutaram durante horas. A raposa estava com suas patas completamente machucadas. Ela já não suportava a dor. Mas tinha que continuar. O sacrifício do lobo não seria em vão!

Até que finalmente eles conseguiram derrubar árvore.

- Finalmente!!

- Conseguimos!

Mas logo eles ouviram tiros. Eram os caçadores. O lobo havia voltado. Todos os carneiros estremeceram ao vê-lo, mas a raposa logo foi ao seu encontro chorando.

- Está louca? Ele é um lobo!

- E eu sou uma raposa. Pensei que já haviamos passado dessa fase de aparências. Ele me ajudou durante todo esse tempo. E foi uma distração pra nos manter a salvo até agora!

- Agradeça.

- Desculpe.

- Tudo bem. Sempre julgamos as aparências primeiro.

- Vamos, temos que ir.

Antes que pudessem atravessar, a árvore que eles haviam se esforçado pra derrubar começou a cair no precipício. A raposa agiu rápido e segurou nos galhos pra puxar a árvore novamente e estabilizá-la até que quase foi atingida por um tiro.

Era o caçador que perseguia os carneiros anteriormente. Ele os havia alcançado!

Droga. O caçador atirou novamente. Dessa vez sua mira era a linda raposa. Mas antes que pudesse ser atingida, um carneiro entrou na sua frente e levou a bala por si. Deus...

- Obrigada raposa. Você nos ajudou muito!

Os outros carneiros choravam.

- Vão! A raposa não pode ficar aqui pra sempre.

O carneiro olhava pra boca da raposa, que ficou completamente machucada pelos galhos. Até morrendo ela era gentil...

- Raposa!

- Vamos! Atravessem!

-Mas..

- Andem logo! Vou ficar aqui até todos passarem em segurança e depois irei atravessar.

 - Tem cer...

- Agora!!!

- Certo! Vamos pessoal, rápido!

Todos os carneiros atravessaram a ponte correndo.

- Você também lobo. Vá!

- E você?

- Eu ficarei bem!

- Você é realmente... fascinante.

O lobo completamente machucado atravessou a ponte, sobrando somente a raposa do outro lado.

A raposa estabilizou o tronco e começou a travessia. Já na metade do caminho pode ver e ouvir os outros que comemoravam por encontrar o carneiro que faltava. Antes que pudessem terminar a travessia o tronco que não estava firme, começou a cair.

A raposa correu, mas em vão. Pediu ajuda dos carneiros, mas ao invés de ajudá-la, eles chutaram a ponte improvisada e ela desabou. Fazendo assim, a raposa caiu do penhasco.

"Um dia.. Você será traída. Somente assim entenderá que os outros não são tão gentis quanto você pensa" Essa frase ecoava na mente da raposa. Juntamente com a dúvida..

"Onde eu errei? Por que ao invés de me ajudar eles quebraram a ponte? Será que não estava bonita o suficiente? Será que eu entendi errado? Talvez eles ficaram com medo de mim. Afinal sou uma raposa. Por que eles me traíram?

Sim! Eles acharam que eu tinha más intenções. Por isso quebraram a ponte! Mas ela sabia a verdade. Tinha sido usada e quando perdeu a utilidade eles jogaram ela fora. Usada e jogada fora. Essa era a verdade.

*Isabela Silva Barbosa, estudante da 8º série do Ensino Fundamental, CAIC Albertina Castelo Branco, Parnaíba, Piauí. Tem 14 anos de idade. Seu gênero literário preferido é o romance, contos e especialmente a fábula e o terror.    

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

O túmulo da poetisa Luiza Amélia




O túmulo da poetisa Luiza Amélia


Elmar Carvalho


Umas três semanas atrás, quando estive em Parnaíba, fui visitar o poeta e escritor Claucio Ciarlini. Como o seu condomínio residencial fica a poucos quarteirões do Cemitério da Igualdade, convidei-o a me acompanhar a uma visita que faria ao túmulo de minha irmã Josélia, falecida logo após completar quinze anos de idade.

Tendo ele aceito o convite, adentramos o vetusto campo santo, de nome tão bem-posto, embora nele se vejam, de forma contrastante, túmulos suntuosos, verdadeiros mausoléus, ao lado de sepulturas bem humildes, algumas em completa ruína. Fomos ao túmulo onde foi sepultada minha irmã; nele se encontra afixada uma fotografia em que ela aparece risonha e bela, como de fato era. Na placa singela, meu pai fez inscrever os imortais versos do excelso bardo Da Costa e Silva: “Saudade – asa de dor do pensamento”.

Ato contínuo, pervagamos entre vários túmulos, tentando encontrar o de minha prima Verônica Mendes Melo, nascida em Piripiri, em 13 de setembro de 1930, também falecida no apogeu de sua beleza e mocidade. Sobre sua morte, no livro “O Ponta-de-Rama”, informa seu irmão Fabiano Melo: “Bionca, como era chamada em casa, sempre foi pessoa alegre, extrovertida e bonita. Na plenitude da graça e na pujança de seus vinte e um anos, o espectro da tragédia interrompeu sua vida. Acidentada, veio a falecer em Parnaíba a 12 de março de 1951”. Em vão procurei o seu jazigo, que anos atrás encontrara como que por acaso.

Ante esse insucesso, convidei Claucio para visitarmos os túmulos do professor Amstein, excêntrico e algo mitômano, um de meus PoeMitos da Parnaíba, sobre o qual publiquei longa crônica biográfica e memorialística no Almanaque da Parnaíba e na internet, e o da poetisa Luiza Amélia de Queiroz, que lhe fica próximo, perto da alameda principal.   

Na segunda metade da década de 70, talvez em 1977 ou 1978, fiz parte de uma agremiação literária fundada, nessa época, pelo poeta e jornalista Fonseca Mendes. Em nossas reuniões ele se referia a figuras proeminentes da literatura parnaibana. Numa dessas vezes, enfocou a vida e a obra da poetisa Luiza Amélia de Queiroz Brandão, dando destaque especial ao fato de que ela pedira, num de seus poemas, para ser sepultada à sombra de uma gameleira.

Enterrada no Cemitério da Igualdade, o seu pedido não pôde ser atendido. Contudo, tempos depois, de forma para mim misteriosa, uma gameleira rebentou de dentro de seu túmulo, em circunstâncias que desconheço. Tornou-se uma magnífica árvore, de verde vivo, reverberante e de copa exuberante. É uma encantadora gameleira, que dá sombra e beleza ao jazigo da poetisa.  

Em seu notável livro “Personalidades atuantes da História de Parnaíba – Ontem e Hoje”, a professora Aldenora Mendes Moreira assinala:

“Luíza Amélia conseguiu ler os principais autores de sua época, superou as dificuldades do meio, acumulou vasto conhecimento, lutou contra a própria família, para melhor se firmar e para melhor garantir sua liberdade de expressão; marcou presença e conquistou espaço; única mulher a figurar no quadro de Patronos das Academias: Piauiense e Parnaibana de Letras, transpondo, assim, os degraus da imortalidade, com justiça, chamada: Princesa da Poesia do Piauí (...).”

Sem dúvida, deve ter enfrentado as incompreensões e preconceitos de familiares e contemporâneos, numa sociedade patriarcal, em que a mulher devia se restringir a prendas e afazeres domésticos, como também reconhece a professora Rosana Cássia Kamita, da Universidade Federal de Santa Catarina, na “orelha” do livro “Georgina ou os efeitos do amor e outros escritos inéditos – Luiza Amélia de Queiroz”, EDUFPI/2018, organizado por Algemira de Macedo Mendes e Daniel Castelo Branco Ciarlini:

“Ser mulher e escritora no século XIX foi um desafio aceito por Luiza Amélia e hoje temos a possibilidade de voltar aos seus poemas, e não apenas para que sejam lidos, o que por si só já valeria a publicação, mas para que possam ser pesquisados, avaliados e virem a ocupar o espaço merecido na literatura.”  

Por muitos considerada a primeira e a mais importante poetisa do Piauí, ela tem feito parte de quase todas as antologias poéticas de nosso Estado. É citada em todos ou quase todos os livros sobre a história da literatura piauiense. Portanto, é uma alta personalidade literária de nosso estado, e merece todas as nossas homenagens e reconhecimento. Ela mesma fez a descrição de seu porte físico e dotes espirituais no soneto:

Um retrato

 

D’estatura elegante, porte airoso,

E a tez levemente amorenada,

A boca não pequena e nacarada,

O olhar meigo, triste e langoroso.

 

O cabelo corrido, mas lustroso

Moldurando-lhe a face descorada

O nariz retangular, a fronte levantada,

Prometendo um gênio grandioso.

 

Amando com paixão, sem ser amada,

Um homem que seus dons não aprecia,

E capaz de por ele dar a vida!

 

Eis a triste mulher qu’a sorte ímpia

Para cúm’los de males atrevida

Deu-lhe vasta e ardente fantasia.

 

Nasceu na cidade de Piracuruca, em 26 de dezembro de 1838, filha de Manoel Eduardo Queiroz e Vitalina Luiza de Queiroz, mas passou a maior parte de sua vida em Parnaíba. Casou-se em primeiras núpcias, em 1859, com José Pedro Nunes, e em segundas, viúva, com Benedito Rodrigues Madeira Brandão, em 1888. Morou no célebre sobrado de azulejo, perto do Porto das Barcas.

Faleceu em Parnaíba, perto de completar 60 anos de idade, no dia 12 de novembro de 1898. Foi sepultada, como dito, no Cemitério da Igualdade.

Seu túmulo, embora sem luxo e sem ostentação, é uma obra de arte, um sóbrio mausoléu, que recebe a bênção da beleza e da sombra de sua frondosa e exuberante gameleira. Há alguns anos, quando o vi pela última vez, estava em bom estado de conservação.    

Contudo, para minha consternação, se encontrava agora em situação de quase ruína, sujo, com as lápides deslocadas, inclinadas, quase a desabarem. Caso venham a cair, já fragilizadas pelo tempo, pelo vento, pelas chuvas e pelo sol, com certeza se quebrariam. Talvez sequer possibilitassem uma restauração, sempre muito mais cara, que uma simples conservação ou manutenção.

Dessa forma, o rejunte e a cimentação das lápides, na forma adequada, com a remontagem no prumo e no esquadro, é o serviço ideal, urgente e necessário. Eu e o Claucio Ciarlini tiramos várias fotografias, para documentarmos o estado precário em que se encontra o belo jazigo da grande poetisa brasileira.

Coloquei a notícia dessa minha preocupação em vários grupos literários de Parnaíba, mas praticamente só obtive o silêncio e a inércia. Esperava que alguma pessoa levasse o caso às autoridades competentes em Parnaíba. Ante o fato de que nenhuma providência concreta fora tomada, expus o caso na reunião virtual da Academia Piauiense de Letras, para que os presidentes desta entidade, Zózimo Tavares, e do Conselho Estadual de Cultura, Nelson Nery Costa, tentassem fazer alguma coisa, sobretudo levando a notícia às autoridades culturais do Piauí.

Incontinenti o acadêmico Nelson Nery, em gesto que merece toda a nossa louvação, em aparte que lhe concedi, disse que eu entrasse em contato com alguém de Parnaíba, que ele pagaria, com dinheiro de seu próprio bolso, o conserto do túmulo, nos moldes em que falei acima, já que o caso é de muita urgência, ainda mais em face do período chuvoso que já se aproxima.

Contudo, posteriormente, conversei com o acadêmico e presidente do sistema Fecomércio/SESC/SENAC, Dr. Valdeci Cavalcante, e ele me disse que patrocinaria o conserto do mausoléu de Luiza Amélia, através de uma construtora.

Para poupar o amigo Nelson Nery da despesa que ele se dispusera a bancar, exultei com a oferta do mecenas Valdeci Cavalcante, que é parnaibano e admirador da poetisa e de seu túmulo.

Agora, no momento em que eu pingava o ponto final nesta crônica, o meu caro amigo Antonio Gallas Pimentel, poeta, escritor e jornalista, acaba de me transmitir, por telefone, a informação de que o Dr. Paulo Armando, assessor de Valdeci Cavalcante, já fizera a análise do estado do túmulo, e já ia iniciar os trabalhos de conserto e restauração da última morada terrena de Luiza Amélia de Queiroz Brandão, dama ilustre das Letras Piauienses.

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

O RAPTO DE JACILINA



O RAPTO DE JACILINA


José Expedito Rêgo


         Querubino veio do Ceará, fugindo de uma seca. Vendeu a fazenda e o gadinho magro, antes que morresse todo. Arribou para o Piauí, trazendo a filha pequena, Jacilina, deu com os costados em Oeiras. Comprou uma casa de esquina, no largo do Rosário, onde montou residência. Não dispondo de mais dinheiro, resolveu entrar para a Polícia, era ainda homem moço. Inteligente e dotado de bons conhecimentos fez carreira, aposentou-se como oficial. Granjeou boas amizades entre os colegas de profissão, gozando de prestigio. 

         Jacilina cresceu, ficou muito bonita, mas encalhou pela falta crônica de rapazes casadouros na cidade sem progresso. De noite, ficava nua, no quarto de solteira, apalpava os seios polpudos de rosados bicos eretos, olhava a cintura fina, os quadris amplos emoldurando o negro triangulo do sexo, as coxas firmes e braças, tudo sem proveito.

         Querubino criou a filha rodeada de carinho, esperando casá-la com moço de boa família e algum recurso. Via com tristeza o tempo passar e a filha caminhando rumo ao caritó, sem que aparecesse um pretendente digno. Receava morrer sem descendência.

         Nisso, apareceu o Frota, viúvo idoso, pai de muitos filhos. Viu Jacilina e achou graça na recolhida virgem. Esta enfrentou o partido, não dava para escolher. Topou o namoro, de olhares na saída da missa domingueira e bilhetes mandados por um moleque de confiança. Quando Frota foi fazer o pedido, Querubino deu o tranco. Não tinha filha para casar com velho viúvo, carregado de filhos. Mas Jacilina queria, o Frota combinou o rapto. Esperou a véspera de Sexta-Feira de Passos, quando se da a ‘Fugida’ da imagem de Bom Jesus dos Passos para a Igreja do Rosário. A Festa dos Passos foi sempre muito concorrida. Vem gente de toda redondeza, da zona rural e das cidades e povoados vizinhos.

         Frota parou o cavalo junto à janela do oitão da casa, onde Jacilina esperava com a trouxa arrumada. Saltou na garupa, de banda, o rosto virado para o lado oposto, a cabeça amarrada com um lenço. Frota quebrou o chapéu na testa e passaram em frete à porta, onde Querubino, sentado na calçada, calmamente, nem deu fé. Pensou que fosse algum casal de matutos, chagando para a procissão do dia seguinte.

         Frota levou a noiva para casa do Visconde da Parnaíba, com quem já combinava o asilo. Querubino sentindo a falta da filha desesperou-se. Apelou para os amigos que ainda contava, na força policial. Houve busca minuciosa.

         Tudo em vão, a moça não se encontrava em parte alguma. Foi quando um amigo veio dizer-lhe onde se escondera à filha. O pai aflito foi ter com o Presidente da Província, Manoel de Sousa Martins. Este, como sempre, dispunha de todo poder. Mandava e desmandava, sua vontade era lei. O noivo era seu amigo, a rapariga não sairia da sua casa, a não ser casada com o Frota. Querubino não teve alternativa se não se conformar com o desejo soberano do potentado.  

         O casamento realizou-se e Jacilina foi muito feliz. Querubino desgostou-se tanto que liquidou seus negócios e se foi embora, para nunca mais ser visto em terras oeirenses. Em sua residência ficou um baú, trancado a sete chaves. Jacilina sabia da existência da velha arca, que o pai nunca abrira, nem falava do conteúdo da mesma. Desde que viera do Ceará, trouxe consigo essa mala de couro misteriosa.

         Quando chegou a noticia em Oeiras que Querubino havia morrido, numa cidade do Maranhão, Jacilina resolveu abrir o baú. Mandou que o arrombassem. Para a surpresa de todos, foram encontrados batinas pretas e paramentos de igreja, cálice e patena de prata, um breviário antigo. Tudo muito bem conservado. O velho Querubino era um padre apóstata.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

SANSÃO, DE CONTESTADOR A ESTOICO

Fonte: Google


SANSÃO,  DE CONTESTADOR A ESTOICO


 Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

 

                A propósito, o assunto não lhe é estranho, em razão das reiteradas vezes que a respeito dele conversamos em nossos bate-papos. É que, sempre que penso em falar com ou sobre Sansão, a quem conheço há décadas, invariavelmente, vem-me à memória o episódio dos gêmeos idênticos, contado por Diógenes, em que escribas de Zenão, precursor do estoicismo, deram uma lição em Aríston, para quem a sabedoria podia tudo, inclusive, impedir que sábios se deixassem enganar ou sucumbir a trapaças e engodos de indivíduos não virtuosos; virtude, que considerava o maior, senão, o único bem do homem.

Conta-se que, mesmo ferindo princípios estoicos de Zenão, seguidores deste incumbiram um, de dois gêmeos idênticos, a entregar determinada quantia para que Aríston a guardasse; passado algum tempo, pediram que o outro gêmeo fosse até o filósofo e recebesse de volta o que com ele deixara. Êxito total. Com isso, restaria provado que seu desafiador e virtuoso pupilo se enganara; tanto confiara na virtude que seu credor não cultivava que, sem pedir qualquer identificação, a um terceiro devolveu o que outro lhe confiara. Humilhado, teve que aceitar que a sabedoria não pode tudo, tampouco a virtude deve ser tomada por único valioso bem do estoico, ainda que seu praticante se considere um sábio.

                Pois bem, a figura de quem quero falar chama-se Sebastião, que conheci ainda jovem; metido a peladeiro e fisiculturista, daí ter-lhe advindo a alcunha de Sansão, que lhe foi atribuída também por conta das longas madeixas que, então, usava e continuaria usando por anos. Ranzinza e falastrão, com nenhuma afirmação, fato ou notícia a que lhe dávamos conhecer, concordava ou anuía; não porque fosse sábio, mas por ser um toleirão. Costumava se defender, quando lhe dizíamos, por exemplo, que andava jogando mal, que aquilo era fase; que deveríamos tê-lo visto atuando antes, nos locais, onde, segundo ele, dava shows com a bola para quem quisesse ver. No intuito de colocar a verdade às claras, incumbi-me, certa feita, de realizar uma pesquisa junto a amigos e companheiros da época em que dizia haver sido boleiro diferenciado, a fim de saber deles o que poderiam dizer a respeito do nosso Sansão. Informaram-me alguns dos ouvidos, que, de fato, antes do inchaço muscular, ele “comia” a bola, destroçava, jogava feito gente grande.

                Primeira oportunidade depois da pesquisa de campo e das apurações obtidas, levaria o “relatório” para ciência dos nossos companheiros de então. Na presença de Sebastião, informei-lhes que, segundo velhos camaradas dele, antes de se transformar naquela massa de músculos, fora mesmo um craque. Foi suficiente a informação para que ele voltasse ao estado normal, mostrando-se contrário e discordando de tudo que apurara, e até adiantasse que havia inventado aquele monte de tolices e inverdades sobre seus áureos tempos de jogador; sua atual fase no futebol era a melhor das já vividas. A turma caiu-lhe nos costados dizendo que como fisiculturista, ele era um péssimo peladeiro, mas, se queria parecer modesto, honesto, simples e humilde, aspirante a filósofo, precisava conversar bastante com os velhos amigos, de modo a demover-lhes a ideia de lhe atribuir virtudes que ele, estoicamente, julgava não as possuir.

                Por algum tempo, além de peladeiro chinfrim, Sansão ficaria famoso como mentiroso e dissimulado. Desde aquele período, à lembrança do caso dos gêmeos dos escribas de Zenão, anexou-se à minha memória, em relação a Sebastião, o Paradoxo do Mentiroso, de outro estoico, Crisipo: “não podemos crer em nada do que um verdadeiro mentiroso fala ou diz, mas poderíamos acreditar nele quando afirmasse estar mentindo?” Doravante, sempre que queríamos ouvir ou saber de Sansão a respeito de algo, do qual já conhecíamos a resposta verdadeira, fazíamos as perguntas induzindo-o a responder o contrário do que lhe questionávamos.

                De tanto escamotear, negar verdades e confirmar mentiras, chegaria o momento de nos sentirmos instados a pedir-lhe que mudasse; afinal, ele não era mais criança, mas um homem feito, com filhos para criar e educar. Contestador que era, desconfiávamos de que, certamente, não acharia estranho seu modo “natural” de ser.  De fato, isso aconteceu, tanto que não prometeu qualquer mudança dali para frente; todavia, ele mudou, e bastante. Passou a não contestar, apenas e tão somente pelo simples prazer – filosófico, seria? -  de parecer diferente – talvez, sábio? -, e se tornou menos cínico e irônico.

                Já não tem a compleição física que lhe garantira a alcunha de Sansão; coincidentemente, passou a usar cabelos curtos e, dali em diante, a jogar muito, até hoje, como os amigos de antanho, certa feita, nos informaram. A chegada da maturidade o ajudou a se transformar em uma figura virtuosa: empática, simpática, amiga, humilde: um estoico, quem sabe.     

domingo, 5 de dezembro de 2021

Seleta Piauiense - R. Petit

Fonte: Google

O HOMEM

 

R. Petit - Raimundo de Araújo Chagas (1894 – 1969)

 

Garboso rei supremo das quimeras,

que vieste, por momentos, como eu vim,

a este orbe, onde por grande que pareças,

um dia hás de ter sempre o mesmo fim

 

que têm as borboletas, os vampiros,

as lesmas, as serpentes e os abutres.

No entanto, à luz de exemplos tão frisantes,

somente de vaidades, enfim, te nutres.

 

Se comercias, ninguém mais honesto

no serviço do peso ou da medida.

Tens filho? — Hás de supor que os teus parecem

as almas mais perfeitas desta vida.

 

Contudo és grande: regulaste o tempo,

mediste a terra, devastaste o espaço.

Tudo tens feito aos rasgos do teu gênio

seguido pela força do teu braço.

 

E assim te elevas, orgulhosamente.

Do mundo gozas todos os conceitos.

Tudo sabes fazer, mas, por desgraça,

não sabes conhecer os teus defeitos!

 

Baixa, pois, desce até chegar aos vermes.

Busca o teu nível, sofre e te consola.

Não julgues nunca que és alguma cousa

diante do pobre que te pede esmola.

 

Humilha-te, portanto, ante os humildes.

Sonda tua alma, purga os teus pecados.

“Os que se humilham neste mundo, no outro

serão pelos feitos exaltados”.  


Fonte: Portal Antonio Miranda

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

ASSIS BRASIL – MEMÓRIA E APRENDIZADO

Fonte: Google

Fonte: Google/Cidade Verde

 

ASSIS BRASIL – MEMÓRIA E APRENDIZADO


Elmar Carvalho

 

Acabo de ler o livro Memória e Aprendizado. Trata-se de uma longa entrevista concedida por Assis Brasil à professora Francigelda Ribeiro. Além desta seção principal, a obra ainda contém, na segunda parte, um apêndice biobibliográfico, a cronologia de sua obra, os prêmios literários, a produção cultural, a fortuna crítica e a relação de suas antologias poéticas. Ainda no início de minha juventude, tomei conhecimento da existência do escritor, e li alguns de seus livros, sobretudo os da tetralogia e o romance Os que bebem como cães, que recebeu importante premiação.

 

Nessa época, eu fazia parte do jornal Inovação, que lhe publicou importante entrevista, em sua edição de número 50, de 31 de outubro de 1984, concedida ao colaborador Francisco Fontenele de Carvalho, então residente no Rio de Janeiro. Nessa entrevista, perguntado sobre por que nunca voltara a Parnaíba, AB deu a seguinte resposta: “Acho que nunca voltei porque, primeiro, minha família saiu toda de lá. Segundo, vim muito moço para o Rio de Janeiro, logo que terminei o Científico em Fortaleza. Aqui o começo foi duro, eu sozinho, enfrentando tudo. Eu sofri todas as violências da cidade grande, e o que me salvou, espiritual e fisicamente, foi a literatura.”

 

Creio ter sido esse o início do longo e lento processo de retorno do escritor ao Piauí, conforme disse no sábado, na reunião da APL, em sua presença. No ano seguinte, AB prefaciou a antologia parnaibana Poemágico – a nova alquimia, de que faziam parte os poetas Alcenor Candeira Filho, Paulo Véras, Jorge Carvalho, V. de Araújo e Elmar Carvalho. Nessa apresentação, ele se disse surpreso com o grau de atualização e qualidade dos poetas. Esse texto foi enfeixado no seu livro de ensaios Teoria e prática da crítica literária (Topbooks, Rio de Janeiro, 1995).

 

Posteriormente, Assis Brasil veio participar da posse do escritor e compositor Israel Correia, como secretário da Cultura, na segunda gestão do governador Alberto Silva. Em 1995, quando eu era presidente do Conselho Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, tive a oportunidade de contribuir para a publicação do importante livro A Poesia Piauiense no Século XX.

 

Apresentei a proposta de publicação da obra aos conselheiros, que a consideraram da mais alta significação para a Literatura Piauiense, uma vez que conteria um longo estudo introdutório sobre a poesia do estado e notas sobre cada poeta, não apenas com dados biográficos, mas sobretudo com análise crítica. A antologia seria editada pela editora Imago em parceria com a  Fundação. Em seguida, levei a manifestação do Conselho a dona Eugênia Ferraz, presidente da FCMC, que a aprovou. Recebeu ela o incentivo e o apoio do prefeito Wall Ferraz, para que a parceria editorial pudesse ser contratada.

 

A fim de baratearmos o custo da publicação, sugeri à presidente que contratássemos os serviços da pesquisadora Áurea Queiroz, que forneceria todos os dados e informações que o Assis Brasil solicitasse, o que foi feito de forma exitosa. Em curto espaço de tempo, A Poesia Piauiense no Século XX foi lançada na Casa da Cultura, recentemente inaugurada pelo prefeito Wall Ferraz, que compareceu a essa memorável, bela e festiva noite literária.

 

Sobre essa seleta, gostaria de transcrever dois pequenos trechos de duas pertinentes críticas: “O escritor, ensaísta, romancista e jornalista Assis Brasil mostra, com esta magnífica antologia, que a literatura do Piauí é um fato e que tem grande importância na literatura brasileira”. (Júlio La Barca – São Paulo.) “A poesia piauiense no século XX, com org., introd. e notas de Assis Brasil, reúne veteranos , novos e novíssimos poetas, uma visão ampla da lírica de Da Costa e Silva, Clóvis Moura, Félix Pacheco, Torquato Neto e dele próprio, Assis Brasil, autor dos mais profícuos da literatura brasileira”. (Sérgio de Castro Pinto – Paraíba.)

 

Como está exposto em Memória e Aprendizado, essa antologia faz parte de uma série de antologias dos estados, muitas das quais já publicadas. Se o projeto de AB pudesse ser concretizado na íntegra, seria o verdadeiro mapeamento da poesia brasileira, porquanto as chamadas antologias nacionais contemplam apenas os poetas que se tornaram conhecidos em todo o país ou, pelo menos, no eixo Rio/São Paulo, salvo uma ou outra exceção, quando sabemos que nas províncias mourejam poetas de altas qualidades, mas restritos e insulados em seu pequeno nicho territorial. Quando lemos as antologias organizadas pelo nosso Assis Brasil, percebemos que nesses estados existem vates de inquestionável valor, mas que não tiveram a oportunidade de se tornarem conhecidos no restante da pátria.

 

Aliás, em suas obras (paradidáticas) sobre a literatura brasileira, ele sempre deu oportunidade aos bons escritores existentes fora do eixo RJ/SP, inclusive do Piauí. Sobre esse monumental projeto de antologia da poemática brasileira, em boa parte já realizado, julgo oportuno citar dois enxertos críticos: “O trabalho de Assis Brasil no sentido de recolher poetas dos estados brasileiros é alguma coisa de excepcional. Denuncia neste gesto, neste trabalho extraordinário, seu caráter nobre e seu desejo de deixar para os pósteros, a visão panorâmica da poesia brasileira neste século”. (Yeda Prates Bernis – Minas Gerais.) “A Imago Editora acertadamente escolheu Assis Brasil para o desempenho de tão importante trabalho. A obra (esse bloco uno e único) a que Assis Brasil se propõe, é um monumento literário que honra qualquer nação”. (José Alcides Pinto – Ceará.) Arrematando esses dois comentários, devo assinalar que o antologista revelou uma extraordinária capacidade de trabalho para executar a árdua e extenuante tarefa de pesquisa, que ademais requer muita paciência, e para escrever as longas introduções e as notas que antecedem os poemas de cada vate.

 

Voltando ao foco inicial deste registro, devo acrescentar que li Memória e Aprendizado quase que de um só gole ou fôlego, tal o interesse que me despertou, tanto na parte mais intimista e pessoal da entrevista, em que o entrevistado conta casos de sua infância, adolescência e juventude, como na parte do “aprendizado”, em que ele fala dos escritores e poetas de sua predileção, quase como se fosse um ensaio ou conferência, tal a profundidade de seus ensinamentos e análises. Deu um grande espaço à literatura piauiense, e dentro desta reservou várias páginas aos poetas Mário Faustino e Da Costa e Silva, sobre os quais discorreu com a maestria de sempre, situando-os em alto patamar da própria literatura brasileira.

 

Em virtude de haver conhecido pessoalmente Mário Faustino, conta fatos inéditos ou pouco conhecidos de sua vida e militância literária. Graças a seus dotes e recursos de grande romancista, fala das mulheres, que foram importantes em sua vida, com tal vivacidade, graça e colorido, que, por vezes, me deu a sensação de estar mergulhando nas histórias de um romance. Sem dúvida, esse livro será de grande importância para os seus futuros biógrafos e críticos, porquanto fornece dados, informações e pistas de sua longa e prolífica carreira literária, pontilhada pelos importantes prêmios literários que recebeu.

5 de julho de 2011