segunda-feira, 23 de março de 2020

DIÁRIO - 23/03/2020


DIÁRIO

Elmar Carvalho


23/03/2020

            Na quinta-feira, dia 20, movida talvez por certa inquietude provocada por nossa quarentena contra o temível coronavírus, ainda mais que eu e ela nos enquadramos nos grupos de risco dos idosos e dos hipertensos, a Fátima foi descartar alguns papéis e objetos de uma gaveta, quando encontrou dois textos, que não faz muitos dias estive recordando.

            Um se chama A Banca do Distinto, que foi uma espécie de presente enviado por um “amigo”, no Natal de 2005, quando eu, aos 49 anos de idade, passava uns dias de folga em Parnaíba. O autor vergasta os arrogantes e soberbos, e lhes roga uma série de pragas, metafóricas ou não, explícitas ou implícitas, de cunho algo jocoso. Na verdade, trata-se da letra de uma música de Billy Blanco, que foi maviosamente interpretada pela inesquecível Elis Regina.

Quem me conhece sabe muito bem que não sou e nem nunca fui arrogante e muito menos soberbo; ao contrário, sempre fui tido na conta de humilde, embora eu mesmo não costume me atribuir essa virtude, porquanto isso já corresponderia a perdê-la.

O outro texto, datado de Parnaíba, 01/01/2006, é a minha resposta ao “amigo”, de há muito já perdoado, remetente da catilinária praguejadora, que segue abaixo:

“Agradeço-o muito pelo texto “filosófico” que o senhor me enviou. Para mim, teve o significado de um Cartão de Natal” e de Ano Novo. É sabido que cada um só pode dar as dádivas que tem.

E agradeço mais ainda a Deus pelo fato de que nenhuma das sentenças do referido texto serem condizentes com a minha personalidade, pois sou um homem humilde e temente a Deus, e tenho procurado tratar bem o meu semelhante, principalmente os mais pobres e mais humildes, visto que Deus me poupou da necessidade de ter de bajular os considerados ricos e poderosos. Mesmo porque, sendo um assalariado e pai de família, conheço muito bem os percalços e “apertos” da vida.

Infelizmente, sou criticado, por pessoas que não me conhecem bem, muito mais pelas minhas qualidades do que pelos meus defeitos, porquanto sou criticado pelo fato de ter estudado, por ter me esforçado para passar em concursos públicos e em vestibulares, e por não precisar mendigar benesses indevidas.

Rogo a Deus para não temer o termo de meus dias, e agora peço para ser um bom adubo para os frutos e para as flores do Senhor, pois todos nós, um dia, iremos repousar no ventre amigo da mãe terra.

Que Deus nos ajude a nos tornarmos cada dia melhores, para que todo dia cresçamos espiritualmente, e para que, a cada momento, nos tornemos mais generosos e fraternos.

Que nos aproximemos cada vez mais do bom, do bem e do belo, na escada e na escalada infinita para o ALTÍSSIMO!

E que Deus nos abençoe, nos proteja e nos guarde em sua mão poderosa.

Por fim, desejo-lhe um Ano Novo repleto de realizações, saúde e felicidade.”

Tempos depois, ingênua e candidamente, o remetente me explicou que, andando pelas ruas de Parnaíba, encontrara aquele texto de A Banca do Distinto, e “só” se lembrara de mim. Engraçado, o município já tinha mais de cento e tantos mil habitantes, e logo eu, que sequer residia nele, fui o agraciado com a epigramática oferenda.

Não posso deixar de me sentir um privilegiado.   

domingo, 22 de março de 2020

NEM DESTRUIREMOS, NEM SALVAREMOS O PLANETA, POR MAIS QUE QUEIRAMOS

Fonte: Google


NEM DESTRUIREMOS, NEM SALVAREMOS O PLANETA, POR MAIS QUE QUEIRAMOS

Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

                Fatos, ações que a mídia informativa executa, não raro, sem se preocupar com as consequências imediatas. Exemplo: prefeito da capital adia indicação do nome de Fulano de tal como candidato à sua sucessão, por conta do coronavírus. Que furo, hein? Postergar o anúncio de um nome que ela já sabe, tanto que anuncia? E se o governante mudasse de opinião ou contrariasse o apressadinho, apontando outro nome? O tiro teria saído pela culatra e o furão de araque, com razão, poderia ser tomado por fofoqueiro, emissor de fake news, um profissional ou veículo pouco confiável.

                Vejamos este: Rede Globo manda refazer capítulos de suas telenovelas, deles excluindo cenas em que participariam atores com mais de cinquenta anos. Em não sendo fake new, será que ela estaria, de fato, pensando em poupar os “velhinhos”, alvo-mor do coronavírus? Ou achando que muitos deles, em sendo vítimas da Covid – 19, poderiam não chegar ao final dos folhetins? Se o mal está na cabeça e no coração de quem o vê, assumimos a carapuça; mas que ela fez economia com eles, não há como negar, pois, soube-se que mandou para o olho da rua tradicionais e talentosas figuras históricas.

                Por que jamais vimos em qualquer meio de comunicação, em vídeo ou fotografia, a triste carranca do estimado filósofo da família presidencial e de outros bajuladores, Olavo de Carvalho, sem o indefectível cachimbo ou não fazendo fumaça? Seria por cinismo que pediria para ser assim fotografado/filmado ou, na verdade, o mal-educado indivíduo é mesmo um viciado que não consegue tirar o cachimbo do bico? Que é feito do ministério da saúde, que não adverte nem proíbe a publicação de esse tipo de mídia?

                Quem teria escrito, declarado e/ou documentado, incontestavelmente, que é sempre muito ruim para um país ou nação ser conservador, politicamente, na religião, nos hábitos e costumes? Quem garante que o novo, o inusitado ou inédito, o desconhecido ou experimental, seja a melhor aposta ou opção? Onde estaria atestado ou confirmado que ser vanguardista é ser melhor ou mais inteligente que os demais?

                Depois de essa traulitada dada pelo coronavírus em toda a ciência global – claro que muito de suas nefastas consequências, como a própria Covid 19, deve-se ao descaso dos que pensam e fazem ciência, como aconteceu com outros, antes, que já lhe deram dribles desconcertantes, e muitos que ainda farão o mesmo -, não seria muita pretensão humana, exagerado egoísmo, achar que poderíamos ser salvadores do planeta? Se não o livramos, sequer de microrganismos que nos colocam a todos em situação difícil, arvorar-se seu salvador com providências como a diminuição da quantidade de plástico despejado nos oceanos, tentativas pífias de contenção do aquecimento global, da poluição ambiental que reduz a camada de ozônio, mantendo-se os arsenais atômicos nas mãos de poderosos, parece quimérico, utópico, rompantes de criança arrogante.

                Somos, enquanto homens, seres frágeis e egoístas, com expectativa de vida tão pequena que resulta em tempo insuficiente até para tentar buscar auxílio ou ajuda – possivelmente, necessária, logo, logo -  em outras regiões do espaço sideral. Sabe-se que qualquer ação, prática, exploradora, não virtual ou teórica, cosmo afora, mesmo aos corpos celestes mais próximos, significaria deslocamento em viagens espaciais a distâncias incomensuráveis; movimentar-se na direção de outras galáxias, de outros planetas, será ir a locais distantes dezenas, centenas milhares ou milhões de anos-luz do nosso habitat. 

                Quem garante que não esteja se encaminhando, rumo à Terra, um meteoro gigantesco que, antes que a tal destruição que poderíamos causar ao planeta em razão de nosso desleixo, se efetivasse, fosse por ele concretizada? Ou que uma frente de calor insuportável para os padrões de vida terrestres, autóctone, advinda de vulcões colossais ou oriunda de outros corpos celestes; uma onda de frio glacial nos assolasse; vírus, bactérias ou outros microrganismos, desconhecidos ou não, entrassem em campo, e, antes que pudéssemos perceber de onde teria vindo ou o que poderia ter causado ou provocado a chegada de tanta matéria destrutiva, fôssemos, sumariamente, eliminados?

                Sem prévio, ou com insuspeito aviso, voltaremos ao pó do início; não, simplesmente, por causa do plástico que produzimos, indestrutível, ou da poluição e aquecimento global, inevitáveis. Quem sabe não serão os menores seres vivos, que por aqui estão desde antes de nós, e dos quais, infelizmente, pouco conhecemos, que nos destruirão e salvarão o planeta?

                A ciência tem nos permitido vislumbrar o que está no nosso raio de visão central, quase nada em relação à periferia; como detemos rasteira, superficial ou incipiente concepção sobre o parece urgente, convém-nos, antes de querermos, egoística e, arrogantemente, posar de salvadores do planeta – até porque ele sabe se defender -, tentar, primeiramente, salvarmo-nos.                                 

Seleta Piauiense - Álvaro Pacheco



PRECISADOS

 Álvaro Pacheco (1933)

precisamos desses tóxicos
desse som dessa fumaça
desse medo intemporal
integrado no artifício
de nosso contentamento:

precisamos desse tempo
diluído em nossa alma:
precisamos esquecer.

precisamos nos matar
nessa mesma ecologia
de uma alma poluída
e da carne imergida
em abstrusa euforia.

precisamos desse sonho
circulando em nossos nervos
precisamos desse sangue
encobrindo nossos olhos
precisamos da sentença
e de como evitá-la:
precisamos desses fatos
para neles sancionar
todo o tempo improrrogável.

             S. Paulo, 23/11/73   

sábado, 21 de março de 2020

DIÁRIO – 21/03/2020

Charge: Gervásio Castro


DIÁRIO

Elmar Carvalho


21/03/2020

            Dias após eu haver publicado minha crônica Canindé Correia – Mestre e Amigo, o Gervásio Castro me informou que estava elaborando uma charge para homenagear o saudoso e querido amigo, e que o meu texto lhe fornecera algumas ideias.

Na minha resposta, dada a nossa amizade e admiração recíproca, tive a liberdade de lhe dar algumas sugestões. Dias depois, ele, por e-mail, me enviou um esboço. Por telefone, lhe fiz algumas ponderações, para aperfeiçoamento de seu excelente trabalho, que ele prontamente acatou.

Embora eu tenha insistido com Mestre Gervásio para que ele não consignasse na charge o crédito “ideia: Elmar Carvalho”, como constava no rascunho, ele teimosamente o manteve, pelo que agradeço, conquanto fique com a sensação de que não mereci tamanha honraria e deferência.

Agora, para meu contentamento, acabo de receber a versão definitiva e genial de sua charge, que é na verdade uma grande e justa homenagem ao nosso Canindé Correia, que publicarei em meu blog e em outros sítios internéticos. Na fantástica ilustração, o Canindé aparece “desmontando” e olhando embevecido um magnífico e apetitoso caranguejo.

Vou reproduzi-la em papel fotográfico, para emoldurá-la e afixá-la em lugar de destaque do espaço Parnaso, em minha residência, já que ele se encontra no panteão de minha saudade, junto a outros amigos, minha irmã e meus pais.

“Saudade – asa de dor do pensamento”, como no imortal verso de Da Costa e Silva, com que evoco meus mortos.   

sexta-feira, 20 de março de 2020

DIÁRIO – 20/03/2020

Fonte: Google

DIÁRIO

Elmar Carvalho

20/03/20

Estamos eu e minha família há alguns dias fazendo a chamada quarentena, por causa da pandemia do novo coronavírus (covid-19), que está se alastrando pelo mundo, levando o pânico a quase todos os seres humanos. Não se trata apenas de uma questão de saúde pública, mas também está se tornando um problema econômico-financeiro.

Com as medidas de quarentena, de limitação de transporte público e locomoção, com a proibição de aglomeração e de realizações de eventos, inúmeras empresas já enfrentam dificuldades em seus negócios e faturamento, com as suas inevitáveis consequências, como pagamento de fornecedores, empregados, taxas e tributos.

Isso, sem dúvida, gera uma cadeia de efeitos negativos para outras empresas e para a receita governamental em suas três esferas. Deixo para o leitor o exercício de enumerar as situações provocadas por esse efeito dominó, se a situação atual perdurar por alguns meses.

Minha filha Elmara está muito preocupada, e constantemente nos adverte para que mantenhamos o nosso recolhimento forçado.

Temo que surjam os profetas do apocalipse, anunciando o fim do mundo e o Juízo Final, como já surgiram em outras épocas de crise.

A humanidade pouco aprendeu com as lições ministradas pelo malefício das guerras. Se tivesse aprendido, não haveria hoje as idiotas guerras por motivos étnicos, religiosos, ideológicos e tribais, ou simples apego ao poder. Se o leitor quiser ter uma ideia do que seja (a desgraça de) uma guerra, basta que assista ao filme O Pianista.

Espero que a raça humana aprenda agora com essa verdadeira praga, que jamais esperei enfrentar no momento em que inicio o meu outono.

Por fim, desejo que essas restrições e medo, nos tornem menos egoístas, nos afastem do excesso de hedonismo e consumismo, nos libertem do jugo dos aparelhos eletrônicos, e nos façam mais meditativos, e, sobretudo, nos façam retornar ao regaço de Deus, à solidariedade e a uma boa leitura.

Quanto aos ateus, apenas direi: não acredito em ateus, graças a Deus. No máximo, creio em provisório e precário agnosticismo.

quinta-feira, 19 de março de 2020

Academia Parnaibana de Letras suspende atividades por causa do coronavírus




O presidente da Academia Parnaibana de Letras, José Luiz de Carvalho, anunciou nesta quarta-feira (18) que a entidade está suspendendo por quinze dias suas atividades para acadêmicos e o público em geral, na rua Alcenor Candeira, região do centro, como medida de prevenção ao coronavírus.

Segundo Carvalho, as atividades entre os membros nesse período poderão ser realizadas online. Os dois funcionários colocados à disposição para atendimento aos acadêmicos e ao público devem permanecer em casa no período ou até que a situação se normalize em todo Brasil. 

Fonte: APAL. Foto: Jornal da Parnaíba. APAL. Edição: APM Notícias.   

quarta-feira, 18 de março de 2020

POEMITOS DA PARNAÍBA


POEMITOS DA PARNAÍBA

Texto: Elmar Carvalho
Charges: Gervásio Castro


5.           Lobaia

Animal trípede da
família dos primatas.
Animal não monstruoso:
animal mastruoso.
Pé de mesa mais famoso
da Parnaíba, Lobaia
só cavalgava cobaia,
em única experiência,
através da armadilha
das lâmpadas apagadas.


6.           Parassi

Vai bola com Parassi.
Parassi pára. Parassi para
Moacir. Era o velho
Parnaíba de Parassi,
Irmãos & Futebol Clube.
Hoje é apenas Parnaíba Clube.



7.           Mestre Ageu

Mestre Ageu
mago das artes escultóricas,
novo rei Midas do antigo mito
a transformar em estátuas
troncos toscos de madeira
com os toques de suas mãos.
Mestre Ageu
Pigmalião dos mágicos toques
faz mais uma escultura:
ninguém se espantaria
se ela gesticulando
lhe desse “bom dia”.
Mestre Ageu
de arte tão exata
que lhe força fabricar
o seu cinzel de cortar.
Mestre Ageu
em sua agrura
agora chora ora e deplora
afagando/abraçando/agarrando
a escultura, sua cria/tura:
o compra/dor a veio buscar.


8.           Simplição

Não o Dias da Silva,
mas o Long John da Parnaíba,
o terror da mulherada,
pé de cana e pé de mesa,
concorrente de jumento e garanhão.
Só pegava mulher novata,
desconhecedora da fama de seu
alopramento descomunal.
A cama se transformava
no altar do sacrifício da mundana,
segura a pulso como uma potra bravia.
Processado pela noiva descartada
após quarenta anos de noivado.
(A noiva não sabe a sina
de que terá escapado.)   

segunda-feira, 16 de março de 2020

As andanças de Antônio Araújo



As andanças de Antônio Araújo

Elmar Carvalho

No dia 29 de janeiro deste ano, recebi do amigo Cristóvão Augusto de Araújo Costa o livro de memórias Andanças, da autoria de Antônio de Araújo Costa, que é mais do que seu tio, conforme se depreende da amável dedicatória: “Ao prezado amigo Elmar Carvalho, estas memórias de meu pai do coração, com minha admiração.”

O termo “meu pai do coração” significa que Cristóvão tem pelo autor uma grande consideração e amor filial, além do nobre sentimento da gratidão, que ele expressou na apresentação, de sua lavra: “A primeira palavra que me vem à mente, em referência à figura de Antônio de Araújo Costa, é GRATIDÃO. Porque a ele devo tudo, só tudo, do melhor que a vida me proporcionou, desde quando a seu convite e sob orientação, cuidados e afeto, dele e de Tia Helena, fui com eles residir em Brasília, nos hoje longínquos meados dos anos 60, onde estudei, trabalhei, vi nascerem os filhos, os netos, e formatei minha estrutura pessoal, social e humana.”

Numa época em que grassam a maldade e seu cortejo de crimes e pecados, e mais a ingratidão, o egoísmo e a inveja, é bom que se frise que Cristóvão grafou a palavra gratidão em letras maiúsculas ou capitulares, e reconheceu os benefícios recebidos. Morou com o autor e sua esposa durante sua adolescência e parte da juventude, e durante o período de seis ou sete anos em que ainda não lhes havia nascido o filho Rodolfo Luís, tendo, portanto, recebido o afeto e os cuidados de um verdadeiro filho.

O livro tem como capa uma fotografia de Antônio, em primeiro plano, da autoria de Fábio Martins de Araújo Costa, que passou por uma montagem alquímica e fotomágica de Carlos Pacheco, mestre das lentes fotográficas, e foi artefinalizada pelo escritor Paulo Chaves. Nela o autor aparece lépido e fagueiro, em seus 93 anos de idade, a percorrer uma estrada, a simbolizar a vida que lhe coube viver, mas que felizmente não foi tão acidentada, como a do poema de Drummond: “E como eu palmilhasse vagamente / uma estrada de Minas, pedregosa”. Mas que certamente também teve os seus percalços e alguns eventuais “acidentes” de percurso e “pedras no meio do caminho”, que ele, com determinação, habilidade e paciência soube superar.

O autor presta sua contribuição à genealogia piauiense, quando se reporta a seus ancestrais e parentes colaterais, pois a estirpe Araújo Costa é uma antiga e importante família piauiense, que, vinda de Portugal, se fincou em Oeiras, a nossa mítica primeira capital, de onde se espraiou para outros rincões, dando ao Piauí notáveis filhos e ilustres figuras históricas.

Ao recordar a sua infância, com passagens pela velha e aprazível fazenda Pitombeira, ao rememorar as suas lutas iniciais, em busca de melhores dias, ele nos dá lições e exemplos de vida. Narra a sua saga, em que teve de deixar o seu rincão natal, em que teve de se deslocar para a cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, e depois para Brasília. Sem empáfia, mas com saudável orgulho, nos conta as suas conquistas, os cargos efetivos que ocupou, as honrosas funções de confiança que amealhou, em cujos exercícios cumpriu com correção os seus deveres funcionais.

O livro tem importância historiográfica, porquanto o autor exerceu funções de confiança, inclusive como chefe de gabinete, junto a importantes figuras da política nacional, sendo que algumas delas foram protagonistas, sem dúvida, de importantes fatos da história recente do Brasil. Entre essas importantes personalidades, posso citar Benedito Valadares, Petrônio Portella Nunes, Marco Maciel, Costa Couto e Ibrahim Abi-Ackel. Os três primeiros, além de senadores, foram governadores de seus estados.

Não pretendo fazer um spoiler, mas apenas chamar a atenção do leitor para o fato de que a obra memorialística narra importantes e interessantes episódios da política nacional e do Congresso. Algumas dessas narrativas têm foro de verdadeiro depoimento de uma testemunha ocular da história. Traça um perfil do homem e político que foi Petrônio Portella, em que entra em detalhes sobre sua doença e morte. E narra um episódio curioso, em que ele se defrontou com um desafeto gratuito.

Quando, a pedido de Cristóvão Augusto, entreguei alguns exemplares do livro para a biblioteca da Academia Piauiense de Letras, achei oportuno tecer alguns comentários sobre as “andanças” memorialísticas de Antônio Araújo, e achei por bem pinçar um depoimento importante sobre Marco Maciel, que foi governador de Pernambuco, senador da República e vice-presidente do Brasil (1995-2003), e que demonstra como era a personalidade desse grande político pernambucano.

Disse “era” porque Marco Maciel hoje se encontra acometido pelo implacável Alzheimer, doença degradante em que já não somos quem fomos, em que nos tornamos apenas a sombra diluída e esgarçada de nós mesmos. O autor afirma nesse depoimento que, tendo trabalhado com vários dos mais importantes políticos do Brasil, o único que ele nunca presenciou elevar a voz contra quem quer que fosse fora Marco Antônio de Oliveira Maciel. Sempre elegante e cordial, como Bat Masterson.

Portanto, Andanças, de Antônio Araújo, é um livro que deve ser degustado com vagar, atenção e respeito, como se fosse um velho e bom vinho. Só que, ao contrário do vinho, que uma vez sorvido se exaure, o livro em comento deve ser reposto na adega, ou melhor, estante, aguardando o momento oportuno para novas e revitalizantes releituras.   

domingo, 15 de março de 2020

Seleta Piauiense - Mário Faustino

Fonte: Google


ROMANCE

Mário Faustino (1930 1962)

Para as Festas da Agonia
Vi-te chegar, como havia
Sonhado já que chegasses:
Vinha teu vulto tão belo
Em teu cavalo amarelo,
Anjo meu, que, se me amasses,
Em teu cavalo eu partira
Sem saudade, pena, ou ira;
Teu cavalo, que amarraras
Ao tronco de minha glória
E pastava-me a memória,
Feno de ouro, gramas raras.
Era tão cálido o peito
Angélico, onde meu leito
Me deixaste então fazer,
Que pude esquecer a cor
Dos olhos da Vida e a dor
Que o Sonho vinha trazer.
Tão celeste foi a Festa,
Tão fino o Anjo, e a Besta
Onde montei tão serena.
Que posso, Damas, dizer-vos
E a vós, Senhores, tão servos
De outra Festa mais terrena —

Não morri de mala sorte,
Morri de amor pela Morte.   

sábado, 14 de março de 2020

POEMITOS DA PARNAÍBA


POEMITOS DA PARNAÍBA

Texto: Elmar Carvalho
Charges: Gervásio Castro 



1.           Alain Delon

Situava-se entre o feio e o horrível
mas se dizia BG: bonito e gostoso.
Metido a conquistador de mulheres
conseguia o inverso efeito:
as mulheres – lebres assustadas –
de Alain Delon fugiam.
Se Alain Delon muito fosse
Alain Delonge seria.



2.           Derocy

Derocy, Ofélia da Parnaíba,
não era um orador oral:
era um orador boçal
em seus discursos bestialógicos,
ilógicos, escatológicos. Tirava
do sério o homem sério quando
disparava seus disparates.




3.           Meio-Quilo

Se bem pesado não dava
sequer meio-quilo. Pai de
Cotinha, mulher bonita e
namoradeira nos escuros
do velho Cine-Teatro Éden – paraíso
de estripulias estrambóticas e eróticas.
O pequenino Meio-Quilo, de lanterna em
punho, a roubar Cotinha dos braços
do namorado, era um filme
à parte.



4.           Alarico da Cunha

Poeta. Espírita. Espírito
da carne e do osso, a roer
o osso duro do ofício de poetar.
Quixótico, exótico: misto de poeta
e de espírita. Via espíritos no
ar. Nunca estava sozinho:
quando a poesia lhe faltava
os espíritos surgiam e
se insurgiam contra a solidão.
Cavalheiro de fino trato:
tirava o chapéu para os
espíritos que só ele via.  

sexta-feira, 13 de março de 2020

A herança da dentadura



A herança da dentadura

Pádua Marques
Contista, cronista e romancista

O velho Benedito Laurindo Chaves estava dentro do caixão, pronto pra ser enterrado naquele dia de sábado, rodeado e chorado por todos os seus filhos, afilhados, parentes, agregados, moradores de suas terras, naquela imensidão da Barra do Longá, quando um deles, o Genésio, veio cochichar no ouvido de Raimundo, sobre onde pudesse estar uma das mais cobiçadas partes de suas posses, uma dentadura toda de ouro, mandada fazer em São Luís, no Maranhão há muitos anos, ainda quando seu pai era homem de tutano nas canelas e tinha coragem pra andar furando o mundo.

Benedito Laurindo Chaves, o Boca de Ouro, que se pabulava ser amigo dos homens mais ricos da Parnaíba, estava agora morto e seria enterrado dentro de mais um pouco num cemitério humilde e cheio de carrapichos naquele sábado de julho de 1939 sem que tivessem seus filhos recebido sequer um voto de sentimento de pesar dos seus antes amigos abastados. Estava era deixando pra muita briga pelos herdeiros, o que sobrou de algumas léguas de terras alagadas cheias de carnaubeiras, umas cinquenta cabeças de gado pé duro e duas casas de aluguel se esfarelando de cupins no centro de Parnaíba.

Quando vivo, Benedito Clarindo Chaves foi um homem vaidoso. Vaidoso e metido a fazer filhos dentro e fora de casa. Em casa, com a mulher Sebastiana, a dona Tiana, teve o mais velho Raimundo, seguido por Maria, Luzia, Teresinha, Benedito Filho, Genésio, Antonio e o caçula Pedro. Fora de casa fazia os filhos e até trazia pra mulher criar, dizendo que eram afilhados de gente pobre dos Tucuns em Parnaíba. Nessa situação foram uns três. Isso sem contar algum filho perdido em São Luís, pela Tutoia, Araioses, João Peres, tudo no Maranhão.

Dizia ser amigo dos grandes e mais ricos da Parnaíba, sem distinção se eram os ingleses ou os franceses, os Clark ou os Marc Jacob. Nos festejos de Santa Luzia na Barra do Longá, dava todo ano um garrote pra o leilão, pagava batizados e casamentos, rodas e rodas de aguardentes pra os caboclos trabalhadores nas roças de arroz ou batedores de palha.

E entre as extravagâncias estava a de ter mandado fazer em São Luís numa de suas viagens, uma dentadura toda de ouro, uma fortuna e que chamava a atenção de até quem estivesse longe.  Por quantas e quantas vezes as raparigas da Parnaíba deram bebida pra ele tentando embriagar pra depois roubar aquela fortuna! Mas Boca de Ouro dormia com um olho aberto e outro fechado e as caixas das orelhas levantadas, que nem veado perto de vereda.

Com o tempo e os filhos crescidos ele foi deixando as farras e as bodegas, as viagens pra São Luís, os presentes pra Deus, pras igrejas de Nossa Senhora dos Remédios no Buriti dos Lopes e a de Santa Luzia, na Barra e todo mundo. Achava que corria riscos sempre que andava em cidade grande por causa da dentadura de ouro. Ficou mais em casa, vindo muito pouco em Parnaíba, só quando de alguma necessidade.

Certa vez bateu na porta dos ingleses pra pedir socorro de uma dívida devido ter perdido com as enchentes umas oito léguas de terras cheias de carnaubeiras prontas pra corte, entre a Barra do Longá e os Araioses. Mas foi naquele edifício todo rico e imponente que viu riqueza, coisa nunca vista por um sujeito sem origem de sua marca!

Refinamento e elegância com aqueles quadros, cortinas, prataria. Tomou chá em xícara de porcelana, uma coisa nunca vista. E comeu uns biscoitos finos, mas tão finos que se desmancharam e foram grudar no céu da boca feito hóstia! Passou foi vergonha! Nunca dona Tiana calculou o marido comendo biscoito igual!

Mas os ingleses fizeram Benedito Clarindo Chaves bater com a cara na porta e sair com as mãos abanando. Desgostoso, passou a falar de tudo quanto era estrangeiro pra os comandantes de alvarengas e vapores. Cobria os ingleses e franceses de Parnaíba de tudo quanto era nome feio. Filhos dessa e filhos daquela! Ele tinha filhos, mulher, afilhados, umas propriedades, compromissos com os caboclos, gado pra dar de comer e que agora não valiam um vintém na praça! Aquilo era coisa?! Pois não é que mandaram vender a dentadura de ouro? Onde já se viu uma desfeita daquelas?

 E logo ele, Boca de Ouro, que até chegou sonhar um dia ser tratado por coronel, como eram tratados seu Jonas Correia e Zé Narciso. Mas seu Benedito Laurindo Chaves bem que podia ter nascido com nome de família, como achava que devia ser, assim feito os Moraes, os Clark, Jacob, Santos, Veras, Correia. Mas nasceu mesmo foi no distante São Bernardo, no Maranhão e veio já grande, de canoa, no rumo da Parnaíba, com pouca roupa numa mala de madeira e algum dinheiro no bolso.

Trabalhou feito um cão por um tempo nas embarcações que subiam ou desciam o rio e foi nesse movimento pra cima e pra baixo que aprendeu a negociar com cera de carnaúba, naquele tempo e por um bom tempo um verdadeiro ouro em pó. Trabalhou em armazéns e casas de exportações ditas menores na praça de Parnaíba, onde aprendeu de fio a pavio todo o traquejo de preços, companhias de navegação, câmbio, qualidade de cera e de pó e sem sombra de dúvidas, ganhou muito dinheiro. Daí ter feito a tal dentadura.

De uns anos pra cá foi ficando pobre e cheio de dívidas, viúvo de Tiana, doente, movidinho. Os agiotas da Parnaíba, tudo, sem tirar um, viviam batendo na sua porta dia e noite e ameaçando lhe matar. Os filhos crescidos, cada um do seu jeito e trazendo toda sorte de contrariedades pra dentro de casa. Agora ele não prestava pra quem tanto ajudou, era miserável aqui, ladrão acolá, unha de fome, mão fechada! Cadê aqueles afilhados que vinham todo ano na sua porta pedir a bênção? Cadê os padres do Buriti e da Barra, que viviam pedindo ajuda nos festejos?

Benedito Laurindo Chaves agora estava ali dentro daquele caixão, de cara pra cima, rodeado pelos filhos, uns intrigados uns com os outros, mexendo nas coisas atrás de alguma coisa de valor, furtando as miudezas, metendo nos bolsos esta e aquela peça.  E os poucos criados já sabendo que iriam mais tarde parar no olho da rua, sem nada, esquecidos pelos filhos do morto. Quem sabe até sendo acusados do sumiço disso ou daquilo mais. Mas era assim, a ingratidão se revelando e um ditado certo, filho não puxa pai.

E por certo o objeto mais procurado naquele momento da sentinela dentro daquela casa deveria ser a tal dentadura! Uma peça linda, grandiosa, de valor incalculável, toda fornida, uma maravilha! Por certo cobiçada por tudo quanto era ladrão da Parnaíba, pelos ourives, pelos agiotas e tudo mais. Mas ninguém sabia era de nada! Quando adoeceu e já sentindo a morte fungando no seu cangote, Benedito Laurindo Chaves, o Boca de Ouro, deu na cabeça de deixar a peça com um empregado de sua confiança, seu conterrâneo de São Bernardo.

A ordem era pra que tão logo ele morresse e alguém fechasse as capelas dos seus olhos e os filhos andassem atrás da dentadura, Ribamar era pra dizer que foi perdida na Santa Casa de Parnaíba, jogada no rio, aquela coisa imunda! Mas ela, a dentadura há tempos havia sido era derretida e o ouro virado muitos cordões, anéis e alianças, que agora estavam numa loja da praça da Graça.  

quinta-feira, 12 de março de 2020

O Caso Pontes Visgueiro



O Caso Pontes Visgueiro

Reginaldo Miranda

O desembargador José Cândido de Pontes Visgueiro, foi juiz de direito da comarca de Parnaguá, no Piauí e desembargador da Relação do Maranhão. Por motivo de paixão doentia comete crime que ficou célebre nos anais da história criminal brasileira.
                                                                                                                                                            
Um caso judicial que teve a mais funda repercussão nas províncias do norte-nordeste do Brasil durante o Segundo Império, foi o assassinato com requintes de crueldade de uma jovem e bela meretriz, mal saída da adolescência, pelo sexagenário desembargador da Relação do Maranhão, José Cândido de Pontes Visgueiro.

Foi cenário desse horrendo crime o solar do velho magistrado, na Rua São João, 124, centro histórico da cidade de São Luiz do Maranhão, em 14 de agosto de 1873. O Caso Pontes Visgueiro, é um clássico da história criminal brasileira, seja pela honorabilidade do assassino, seja pelas circunstâncias do homicídio.

José Cândido de Pontes Visgueiro, era natural de Alagoas, onde cursou os primeiros estudos até os preparatórios, depois mudando-se para o Recife, onde conquistou a láurea de bacharel pela Faculdade de Direito. De retorno à terra natal, onde descendia de ilustrada estirpe, depois de breve passagem pela magistratura, ingressou na política sendo eleito deputado provincial e depois deputado geral em uma das legislaturas mais agitadas de nosso Parlamento, distinguiu-se não só pela vivacidade das palavras como pela coragem das atitudes. Era ardente e leal, corajoso e desassombrado, no dizer de Humberto de Campos.

Depois dessa carreira parlamentar retornou a Alagoas, onde retomou sua carreira na magistratura ao assumir o cargo de juiz de direito da capital. Diz-se que era um magistrado íntegro, sabendo distribuir justiça com equidade, independência e compostura. No entanto, um fato vai ligar definitivamente seu nome ao Piauí. Por decreto de 16 de setembro de 1847, Pontes Visgueiro foi removido do lugar de juiz de direito da comarca de Alagoas, para a de Parnaguá, no Piauí (Publicador Maranhense, 21.10.1847). Segundo um periódico da época, “em Parnaguá tinha chegado o Juiz de Direito Dr. José Cândido Pontes Visgueiro, ex-deputado pelas Alagoas, e talvez o primeiro Juiz de Direito que se atreveu a ir habitar aquele sertão” (O Observador, São Luiz, 18.8.1848). E ali se demorou por alguns anos, gozando os ares puros de nosso sertão longínquo, alimentando-se com carne de boi cevado nas campinas verdejantes do vale do rio Paraim e pescados colhidos na lendária lagoa de Parnaguá. Fez amizades para a vida toda. Em 1850, ainda estava provido nesse cargo (O Echo Liberal, 18.7.1850).

Mais tarde, removido para o Maranhão ali continuou a exercer a magistratura com idoneidade, altivez e coragem. Como recompensa pelo desvelo profissional, foi nomeado para desembargador da Relação do Maranhão, por decreto 15 de outubro de 1857. Três anos depois, foi removido da Relação do Maranhão para a de Pernambuco, pelo decreto de 11 de setembro de 1860, porém, esse ato não se efetivou porque o decreto de 20 de outubro do mesmo ano, tornou sem efeito esta remoção. Queria a mão trágica do destino que ele continuasse na capital maranhense. Enfim, pelo decreto de 2 de novembro de 1861, foi o desembargador Pontes Visgueiro nomeado para o lugar de fiscal do tribunal do comércio da província do Maranhão. Era, pois, uma autoridade de relevo, figura respeitável da sociedade maranhense, onde gozava de largo prestígio profissional e social (Publicador Maranhense, 15.11.1860; 21.12.1861; O Expectador, 26.10.1860; Oitenta e Nove, 30.6.1874).

No entanto, o velho e respeitado magistrado vivia solitariamente, quase completamente surdo, nunca tendo convolado núpcias. Uma filha havida de amores dos tempos estudantis, por ele reconhecida, também morava naquela cidade, mas tinha vida própria, sendo casada com um magistrado em início de carreira.

E ali na velha cidade de São Luiz, levava ele sua vida de forma respeitável e tranquila, embora um pouco solitária, vivendo entre seu confortável sobrado e os salões e plenário do tribunal de justiça. No entanto, certo dia da janela de seu sobrado avistou uma formosa rapariga, de apenas 15 anos de idade, por nome Maria da Conceição, chamada Mariquinhas, que na calçada passava em companhia de sua genitora, que a explorava. A forma graciosa, corpo bem formado, porte airoso, pele banca com cabelos negros e lisos, era um tipo que a todos os amantes do belo sexo agradava. Então, Pontes Visgueiro desceu as escadas e com ela, à calçada, travou os primeiros contatos, assim descobrindo a sua condição. E caiu de amores pela mesma, sucumbindo à paixão fulminante. Passou a encher-lhe de beijos e presentes. Mesmo sabendo tratar-se de jovem prostituta quis com ela fazer união duradoura, aventando levá-la para o seu sobrado, pois a amava perdidamente. Porém, a indomável meretriz não desejava ser mulher de um só homem, sobretudo daquele velho de 62 anos de idade. Embora ficando com ele regularmente, procurava outros homens mais jovens para satisfazerem à sua lascívia. Em vez de fortuna e conforto, buscava os prazeres da carne, o que desesperava o velho amante. Com o tempo o ancião passou a procurá-la pelos prostíbulos, onde a encontrava nos braços de outros. E implorava por seu amor. Contudo, quanto mais a procurava mais ela se esquivava com o importuno. E, com isto o desembargador foi perdendo o respeito da família e de toda a sociedade ludovicense. A filha ainda o mandou para o Piauí, onde ele deixara muitos amigos, para ver se com a distância arrefecia a paixão pela meretriz. Porém, retornando depois de alguns meses voltou ao mesmo sistema doentio.

Então, planejou o crime horrendo, atraindo-a para a sua casa. Depois de recusar diversos convites, talvez por desconfiar de sua insistência, ela ali compareceu, às 13 horas, na companhia de uma colega. Com a posterior saída desta e ficando eles, contando com a ajuda de um criado, Guilhermino, que a segurou, a fez desmaiar sobre o soalho de seu quarto colocando um frasco aberto com clorofórmio sobre seu nariz. Em seguida, saiu o criado. E ele a matou com punhaladas que lhe desferia entre um beijo e outro. Depois de matá-la, com a ajuda do criado que retornou, colocou seu corpo dentro de um caixão de zinco adredemente preparado, cobrindo-a de cal. No entanto, porque o caixão era pequeno, teve de decepar a cabeça e uma das pernas para melhor acomodá-lo. Depois de assim praticar, lavou-se cuidadosamente e foi a uma festa na casa da filha. Alta hora da noite, ao retornar para casa foi admoestado pela mãe da menor, que o esperava na calçada em procura da filha. Disse-lhe ele que, de fato, ela ali estivera por cerca de uma hora e dando-lhe alguns presentes a despachou. No entanto, ninguém a vira depois de entrar em sua casa. Passou o velho magistrado três dias com aquele corpo ali na sala de jantar, sob seu olhar. E já estando em adiantado estado de putrefação, chamou para soldar o caixão de zinco, um profissional que lhe devia favores, o ourives Amâncio da Paixão Cearense, seu compadre, pai do famoso poeta Catulo da Paixão Cearense, que fizera o ataúde sem saber o destino. Este, embora horrorizado pagou o favor devido. Depois de soldado foi o caixote colocado dentro de outro de madeira, também sendo fechado (Pacotilha, 12.4.1950).

Pontes Visgueiro, poderia ter lançado aquele corpo ao mar, que ficava próximo de seu sobrado, livrando-se do incômodo. Porém, desejava mantê-lo consigo, sendo obrigado a sepultá-lo no quintal de casa quando as investigações chegaram à sua pessoa. É que todas as informações sobre o paradeiro da menor levavam ao seu sobrado. Então, sem outra saída, com a ajuda de Guilhermino e de um seu escravo cavou um buraco no fundo do quintal e enterrou a caixão com apenas dois palmos de profundidade. Parece que desejava depois desenterrá-lo. Dessa forma foi fácil à polícia encontrá-lo e desvendar o crime praticado pelo velho magistrado. O caso teve grande repercussão, com tentativa de linchamento pela população. Porém, dadas as suas prerrogativas de função, ninguém tinha poderes para prendê-lo no Maranhão. Por essa razão, tiveram de requerer a ordem perante o supremo tribunal de justiça. Mais tarde, ele ali também fora julgado em histórica sessão realizada em 13 de maio de 1874, no Rio de Janeiro. A defesa na tribuna foi feita pelo advogado Franklin Américo de Meneses Dória, genro do marquês de Paranaguá, em virtude de repentina viagem do senador Francisco Octaviano, um dos advogados de Pontes Visgueiro. Eram as amizades feitas em Parnaguá, que agora mostravam-se úteis na hora do aperreio (A opinião Conservadora, 18.8.1874; A imprensa, 16.1.1886; O combate, 31.12.1945).

Foi o desembargador Pontes Visgueiro, condenado à prisão perpétua e trabalhos e encarcerado na Casa de Correção, no Rio. Por decreto de 4 de julho de 1874, foi declarado vago, de conformidade com as leis do império, o lugar de desembargador da Relação do Maranhão, que era exercido por José Cândido de Pontes Visgueiro, condenado à prisão perpétua com trabalho em virtude de sentença do supremo tribunal de justiça. Segundo Humberto de Campos, um ano depois foi ele visto de cabeça raspada, como a dos galés, a barba comprida e branca, vestido de zuarte, um número de metal pendente da cintura, trabalhando na oficina de encadernação.

Faleceu na prisão, em 24 de março de 1875, com 64 anos de idade. No entanto, porque o caixão não fora aberto durante o velório e sepultamento, correm muitas lendas sobre o seu destino, muitos dizendo que fugira para o exterior contando com a ajuda da Maçonaria, o que registramos a título de informação. Para o criminalista Evaristo de Moraes, que analisou o caso muitos anos depois, o julgamento foi eivado de erros, merecendo ele um manicômio, por anomalia psíquica e não a casa de correção. Em suma, foi uma vítima das paixões humanas, o homem sisudo da toga que perde-se de amores por uma rapariguinha indomável e formosa.

_____________________________________

REGINALDO MIRANDA, advogado e escritor. Pertence à Academia Piauiense de Letras, ao Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI.