sexta-feira, 12 de maio de 2023

Dona Feliciana, a benzedeira da Guarita

Foto apenas ilustrativa    Fonte: Google

 

Dona Feliciana, a benzedeira da Guarita


Pádua Marques

Contista, cronista e romancista


Foi um acontecimento como nunca ocorrido em Parnaíba naquele ano de 1943. Tudo por causa do descuido com um fogareiro cheio de brasas dentro de uma balsa de palha e de madrugada na entrada do porto Salgado. A embarcação estava esperando o dia amanhecer e a maré subir, quando um dos tripulantes, por necessidade de se levantar, acabou esbarrando nele e provocou o incêndio. Como estava longe da margem, a balsa pegou fogo rápido sem que desse tempo de alguém acudir. 

Com os gritos vindos de terra uns dois homens conseguiram saltar na água, mas um deles, Firmino Fogoió, ainda com sono, não teve a mesma sorte e acabou morrendo queimado. Naquele início de manhã quando umas três canoas levando gente pra socorrer chegaram mais perto já não havia mais o que fazer. Quem se salvou, se salvou. A carga de cera de carnaúba vindo pra Casa Inglesa, foi consumida pelo fogo e Firmino Fogoió estava morto, todo queimado, em carne viva.

Ainda foi levado pra Santa Casa ali perto, mas doutor Cândido já não tinha mais o que fazer. Firmino Fogoió, aquele vareiro de peito largo, nascido do outro lado do Maranhão, que um dia de julho aportou na Parnaíba pra ganhar a vida e trocar de roupa, de pouca idade ainda, uns trinta anos, deixou desvalidos na Parnaíba e no mundo, a mulher Maria da Paz e o único filho, José de Ribamar, o Ribinha. Era a criança mais puxada nas feições ao pai.

Sem a quem recorrer, Maria da Paz, amparada por alguns vizinhos do Curre, teve que ir bater na porta dos grandes da Parnaíba naquele sábado pra que o corpo do marido pudesse ser enterrado. Um aqui e outro mais ali deu uns trocados e uma roupa usada, um terno velho pra que o defunto fosse vestido. E mais algum dinheiro, coisa pouca e não de gosto. Mal deu pra comprar uns maços de vela, cachaça pra segurar a sentinela e pagar uma coisa aqui e outra ali. Era assim mesmo. Pobre só servia pra trabalhar e puxar dinheiro pro bolso dessa gente.

A vida penosa de Maria da Paz em Parnaíba estava apenas começando. Foi bater na porta da tia e madrinha, a viúva do magarefe Pedro de Castro, dona Lurdes, que limpava fato de boi na lagoa do Curre. Embora não fosse tão velha, mal chegando nos cinquenta anos, mas o passadio dela e uns seis filhos era baixo. Não deu pra deixar ao relento aquela mulher, sua sobrinha e afilhada agora viúva, puxando de porta em porta um inocente. O jeito foi trazer pra dentro de casa. Onde dormia um, dormiam dois. Onde comia um, comiam três. 

A Parnaíba dos ricos, dos que tinham dinheiro e andavam de carro, viajavam pra lugares distantes e chegavam se pabulando, davam festas no Cassino e eram agraciados com beijos na testa de padre Roberto Lopes Ribeiro por terem dado dinheiro e terreno pra igreja de São Sebastião, essa Parnaíba estava longe dos Campos, dos alagados dos Tucuns, do Macacal e da Coroa, lugares de gente de pouca altura. Essa Parnaíba que ficasse do lado de lá. 

Maria da Paz foi ajudar a tia Lurdes. Botava água nos potes, varria a casa pequena, limpava o terreiro e fazia o almoço. Vez por outra até ajudava na limpeza dos fatos de bois, que depois eram levados ao mercado pelo cunhado da tia, o Genelício, um negro ainda novo, de pouca conversa e que andava sempre com uma faca no cós da calça.  

Um dia desses apareceram e vieram no rumo da casa umas ciganas. Chegaram, encontraram Maria da Paz segurando o menino. Se engraçaram dele, pediram água e assento. Foram logo botando apelido, Cabelouro, por causa do cabelo. Disseram vir de Serrita no Pernambuco e estavam de passagem pra São Luiz no Maranhão e de lá até o Pará. Inventaram coisas sobre a morte de Firmino, que ele era bom marido, que deixou dinheiro enterrado na beira do rio e que o menino Ribinha seria quando crescesse e fosse pra o Rio de Janeiro, um doutor, um advogado e até um almirante da Marinha. 

Mal saíram as ciganas, tempo de Maria da Paz colocar o menino no chão e ir lá dentro de casa guardar os canecos em que elas haviam bebido, quando voltou, o filho estava esmorecido, escangotado como se tivesse querendo dormir. Mais frio que água de quartinha. Foi botar na rede e ficou olhando aquela arrumação. Bateu medo e logo foi se apavorando. Chega a tia e madrinha Lurdes e quis saber o acontecido. Contada a visita das ciganas de Serrita, veio a suspeita de ser quebranto, só podia ser! Naquela altura o menino já estava se obrando todo. 

Lurdes tratou de mandar um menino seu até a casa de uma comadre lá nos Campos, Feliciana, dada a curar com reza essas doenças ditas pequenas. Muita gente vinha de longe, até de fora da Parnaíba, da Tutoia, dos Araioses, do Bom Princípio, do Cocal, de Granja no Ceará, de Amarração, atrás de cura e ajuda. Os médicos da Santa Casa não gostavam de saber que alguém doente havia procurado dona Feliciana. Renegavam, diziam coisas, passavam carões naqueles pobres infelizes.

Feliciana era uma negra fosca muito magra, de seus sessenta e poucos anos. Botava branco o ano inteiro. Por dentro da blusa se via um rosário de contas muito brancas. Tinha uma voz baixa e pausada. Os olhos muito mansos, os dedos das mãos longos e as unhas encardidas. Talvez por mexer em carvão e no estrume das plantas, lavar roupa e outros que fazer. O rosto era limpo, sem manchas, coisa de muita gente até se admirar, dada a idade chegando e os cabelos meio lisos já apontando uns fios brancos. 

Levaram no outro dia bem cedo o menino pra ser visto pela benzedeira. Numa casinha de palha, que mal dava pra caber cinco pessoas na única sala com pouca mobília, dona Feliciana já esperava Ribinha e sua mãe. Depois de examinar a criança e rezar uma reza pra dentro, foi atrás de casa e de lá trouxe um ramo de vassourinha. Rezou e rezou muito. De olhos fechados e de olhos abertos ia tocando na cabeça e nos ombros do menino. Dos pés à cabeça. Em cruz. Molhava o ramo numa bacia com água, repetia tudo. 

Maria da Paz ali observando aquela arrumação. Mandou que a mãe rezasse com ela um Padre Nosso e três Ave Maria. Antes que as duas terminassem as orações, Ribinha abriu os olhos. Aqueles olhos agateados, iguais ao de Firmino Fogoió. Dali pra mais um pouco o menino já estava era correndo dentro de casa da velha Feliciana. Ribinha agora estava pedindo peito, impaciente como qualquer menino pequeno quando sai de casa. Na despedida, a benzedeira depois de apertar as bochechas da criança, disse apenas que tomasse cuidado com as pessoas do mundo.

(Conto extraído do livro Os Três Degraus, de Pádua Marques).

quarta-feira, 10 de maio de 2023

Elmar Carvalho lança em Campo Maior seu mais novo livro, O Poeta e seu Labirinto.



Com o apoio da Academia Campomaiorense de Ciências, Artes e Letras, o poeta Elmar Carvalho lança no próximo sábado dia 13, seu mais novo livro, O Poeta e seu Labirinto, Poemas Escolhidos.

 

A cerimônia de lançamento será na sede daquela academia, na praça Bona Primo às 9h em Campo Maior, terra natal do poeta, membro da Academia Piauiense de Letras e da Academia Parnaibana de Letras, entre outras instituições culturais.

Fonte: EC. Fotos: APM Notícias/ODIA. Edição: APM Notícias.

GERSON CAMPOS – UM PASSEIO PELA MEMÓRIA INDELÉVEL



GERSON CAMPOS – UM PASSEIO PELA MEMÓRIA INDELÉVEL


Bernadete Maria de Andrade Ferraz


Gerson era uma “figura”! Um ser emblemático, múltiplo, autônomo, lúcido, afetuoso,  inventivo, pesquisador e ao mesmo tempo repentista, trocista, irrequieto,  hilariante. Gerson era elegante. Muitos oeirenses conheceram todos eles; todos conheceram alguns. Gerson jamais passou despercebido; sua luminosidade atraía as pessoas. Seu ar carinhosamente provocador mexia com Deus e todo mundo e todo mundo gostava. Foi Deus que o fez assim. 


A presença de Gerson em qualquer lugar ou situação era tão festiva quanto desejada. Nas tertúlias e nas festas do Oeiras Clube era esperado: ou como par ou como paquera ou como crooner, preferencialmente cantando músicas americanas e fazendo seus truques despercebidos quando esquecia trechos das canções. Como locutor era potente. Como cantor era o preferido pelos seresteiros e a voz desejada pelas contempladas. Gerson era um teatro natural e ambulante: onde ele estivesse encarnava o protagonista.


Nossa aproximação se fez via conversas sobre temáticas variadas. Posso dizer que a palavra falada, escrita, e cantada nos uniu. Havia um élan cultural em tom maior, mesclado pelo lado jocoso que a presença de Gerson incitava. Ambos éramos ledores contumazes e as análises literárias se estendiam permeando os ajustes dos pontos de vista. Conversávamos sobre os acontecimentos locais, nacionais, mundiais, nossas curiosidades inúmeras e filosóficas, nossos sonhos, planos, expectativas. Quando pousava no reduto natal, inesperadamente, as conversas eram alimentadas, também, pelos prós e os contras das atuações estudantis nacionais que marcaram espaço nos anos sessenta: Versos, versus botas. Eu toda ouvidos para o acadêmico de sociologia, em Recife. - Somos camaradas, brincava... Nosso papear originava reflexões e relaxamentos, sessões de risos e de cumplicidade, tudo isso em meio à realidade provinciana que nos acotovelava. Nossos espaços preferenciais eram as calçadas do “Palácio do Bispo” ou os degraus da igreja matriz, entre 19 e 21 horas. O parnaso simbólico.


Outro fator preponderante entre nós dois foi à música.  Descobrimo-nos como poetas e compositores em construção. Eu maltratava o violão, ele cantava bonito e assim nos instalávamos numa beira de calçada, num banco da praça ou no adro da Sé, para sessões sonoras intimistas. Nasceram alguns filhotes em parceria, sob uma metodologia ímpar, bem GD, como ele batizara. Cansados dos assentos improvisados, fazíamos caminhadas no quarteirão da rua entre o palácio e a matriz, rodeando o canteiro várias vezes. Eu solfejada uma melodia nascente e ele improvisava e encaixava a letra ou vice-versa. Entrecortávamos as criações com gargalhadas de euforia, como se estivéssemos a sós no mundo. Infelizmente, à época, ainda não existia o gravador de Alberto Reis e com o passar do tempo o da memória perdeu a memória. Contudo, perenizaram-se as descobertas.



Até no momento de sua mudança de plano vivencial, Gerson esteve presente, consciente, inteligente e feliz, no meu entendimento. Naquela tarde emocionante, naquele Estádio festivo Gerson buscava o que existia de mais frequente nele: a alegria. O poeta deu carta branca ao coração para ser feliz por causa de e apesar de... E a alegria que eclodiu sobre ele o acolheu de braços abertos para encaminhá-lo à paz maior. – Vai campeão!

Esse é o Gerson Campos fotografado pelas retinas de minhas lembranças e da saudade, pois que ele foi um mestre dessa semeadura. 


 “Você é isso, Estrela matutina, 

Luz que descortina 

Um mundo encantador.”

 

 “Você é isso, parto de ternura.” 


“Um menino passarinho com vontade de voar.”


“Dorme menino grande...” 

domingo, 7 de maio de 2023

sábado, 6 de maio de 2023

Sobre “Capoeira de Espinhos”



Sobre “Capoeira de Espinhos”

 

Fabrício Carvalho Amorim Leite

Contista e cronista

 

Sou um simples leitor, ou um leitor simples.  E, não, por isso, ousarei trazei minhas pequenas impressões a respeito das ideias da profunda obra Capoeira de Espinhos, do Professor Dílson Lages.

 

Já tinha lido e gostado do Morro da Casa-Grande. Uma obra de densa investigação histórica e que me marcou, nomeadamente, a respeito dos acontecimentos ligados a antiga Igreja Matriz de Barras, Piauí.

 

Admito, era ignorante a respeito da profundez do cotidiano subterrâneo na histórica cidade.

 

Pois bem, através da “Capoeira de Espinhos”, notei a intricada teia. E, como um vaqueiro usa o gibão, preparei-me para leitura.

 

Há livros e livros, os que tiram o fôlego e que nos transportam ao centro do inconsciente. “Capoeira de Espinhos” se enquadra na segunda. Sobretudo, porque passei grande parte da minha vida numa Aldeia Viva.

 

A minha percepção foi provocada e instigada ao ponto de questionar a ordem estabelecida, também, da minha Aldeia Viva. E o caráter social é bem abordado.

 

Percebi que, ao invés de guiar o leitor por caminhos já traçados, essa obra nos faz lembrar Teseu, mas saindo do labirinto literário e seus mistérios por conta própria, e encontrar o seu próprio caminho.

 

Bem que o novelo, como no labirinto do Minotauro, consistiu em meus pensamentos no silêncio de minha casa.

 

Ou Adiadne, da mitologia, ajudou-me?

 

E, quando criança, fiz isso muitas vezes: uma estratégia imaginária em um labirinto de um parque próximo à minha casa....

 

Na pena do experiente e dedicado autor barrense, do qual considero, de sua geração, um dos maiores escritores no Piauí, caminhei a passos curtos por uma capoeira no qual intuí o labirinto em que o leitor vislumbrará.

 

Trata-se de um labirinto ou capoeira daquelas em que precisamos voltar ao começo algumas vezes, devido aos profundos temas tratados, como o poder, a política e a relação com pessoas simples das cidades pequenas.

 

O que ele quis dizer com Capoeira de Espinhos? Possivelmente, um terreno cujo mato foi roçado e usado várias vezes. E está abandonado, pobre. Como muitas cidadezinhas do país. Desafiador.

 

E que o “poder é uma vacaria”? Quem sabe porque os currais de eleitores existam pela pobreza. Talvez.

 

Por outro lado, isso não significa que a capoeira de espinhos da chapada do semiárido seja intransponível: - existe o gibão para a proteção dos espinhos, a sabedoria e a reflexão do homem simples, há a observação dos hábitos dos animais (urubus) e dos conselhos dos mais velhos -.

 

Mas é porque o autor mostra, através da arte das palavras, por que o sertão nordestino e suas cidadezinhas são como são: ainda brutas, limitadas, contraditórias e fruto de centenas de anos sob o domínio imperioso de poucos sobre muitos.  O poder e sua mordaz sedução.

 

Vejamos:

 

“Os mais ricos daqui, metidos em política, morreram pobres, pobres. Uns gastaram o suor da família, as heranças, terra, gado, as últimas moedas que sobravam; outros enricaram na política, mas andam pedindo benção...”

 

Contraditoriamente, é uma capoeira árida, mas domável, ao menos, pelas palavras. E abundante de histórias, personagens e cultura. Além disso, o autor traz visibilidade a personagens cotidianos como o aposentando, o pedreiro, o vigia e outros.

 

No fim, a impressão que tive foi que, apesar da dura realidade, sátiras bem fundamentadas e contradições retratadas no pequeno grande livro, resta-nos, como a flor do mandacaru, renascer linda e resistentes da aridez da capoeira de espinhos.

 

Ótima leitura. 

sexta-feira, 5 de maio de 2023

O SONHO DE LAURO: A FERROVIA, O RIO E O PORTO

Foto apenas ilustrativa       Fonte: Google

Almanque da Parnaiba (2022), cuja capa é em homenagem a Lauro Correia


O SONHO DE LAURO: A FERROVIA, O RIO E O PORTO


Elmar Carvalho

 

Neste domingo, acompanhado do Canindé Correia, seu sobrinho, fui visitar o Dr. Lauro Andrade Correia. Neste Diário já tive ocasião de escrever nota sobre a sua profícua vida de labor e dedicação aos estudos. Entregou-me um exemplar do Jornal do Advogado, no qual foi publicado o texto Um Mestre Inesquecível, em que lhe presto sincera homenagem, e o artigo Pela Grandeza e Beleza de Amarante, da autoria do insigne mestre.

 

Falou de suas causas e lutas com energia e entusiasmo, parecendo um garoto, em seus 86 anos de idade. Ao longo de algumas décadas, tenho acompanhado a vida laboriosa de Lauro Correia, e o considero um grande paladino das lutas em prol da preservação do Rio Parnaíba, da implantação do porto de Luís Correia e da construção da ferrovia Transpiauí, que se estenderia de Eliseu Martins a Luís Correia, desde os tempos em que ele presidiu a FIEPI e foi diretor do Campus Ministro Reis Velloso e do SESI-PI. Defendeu essas causas nos vários encontros e audiências públicas de que participou e em mais de meia centena de artigos e pequenos ensaios que escreveu, alguns dos quais enfeixados em plaquetas.

 

O Piauí parece estar navegando contra as correntes e os ventos da lógica econômica e administrativa. Essas duas vias – a fluvial e a ferroviária – que tem numa extremidade os cerrados piauienses, com a sua avantajada produção de soja e outros grão, e na outra, o futuro porto marítimo de nosso estado, sem dúvida barateariam o transporte desses produtos, dando-lhes maior competitividade em relação a outros centros produtores. O rio Parnaíba, como todo mundo sabe, vem se esvaindo em lenta agonia. Meu pai, em 1940, no colégio Diocesano, ouviu o acadêmico e professor de Geografia, Álvaro Ferreira, dizer que se providências não fossem tomadas esse grande rio morreria em cinquenta anos.

 

Felizmente, essa triste profecia ainda não se cumpriu inteiramente, mas as inúmeras coroas de areia, a largura imensa do Parnaíba em vários pontos e o seu pequeno calado em muitos trechos são provas de que ele caminha no rumo de um melancólico e indesejável ocaso. Dr. Lauro Correia, engenheiro e advogado, tem estudado o nosso maior rio, sob os mais diferentes aspectos, em profundidade, e apontado as soluções. Mas é quase uma voz clamando no deserto da insensibilidade, descaso e incompreensões, porquanto entra governo e sai governo e nenhuma medida séria e enérgica foi tomada até agora para impedir a inexorável degradação desse curso d' água cantado e louvado por vários poetas, mormente o grande Da Costa e Silva.

 

Entretanto, com pesar o digo, medidas sérias estão sendo adotadas, mas para apressar o seu fim: a construção de cinco barragens, que segundo Lauro Correia e outros estudiosos impedirão a navegabilidade e contribuirão de forma acentuada para a degradação do rio e do meio ambiente. Uma das barragens ameaça de forma assustadora a bela, bucólica e histórica cidade de Amarante, pois inundaria parte dela e atingiria alguns de seus vetustos e memoriais solares. Segundo Lauro Correia, com a construção das barragens, o volume d' água vai diminuir, o que trará consequências catastróficas ao ecossistema.

 

Além das óbvias, um desses efeitos danosos seria a salinização do Delta do Parnaíba, pois a força das marés passaria a exercer maior influência sobre o rio, tornando mais salobras suas águas, podendo chegar a comprometer o atual sistema de abastecimento de Parnaíba, hoje localizado em Rosápolis, perto de onde pesquei e banhei diversas vezes, em minha juventude.

 

Nada justificaria a construção dessas barragens; além dos enormes prejuízos que elas causariam ao Parnaíba, cada uma delas produziria apenas 60 megawatts, que seriam supridos, com inúmeras vantagens, por usinas eólicas, a serem construídas no litoral piauiense e no município de Paulistana.

 

Urge, pois, que essas vozes que clamam no deserto, e entre elas a de Lauro Correia, esse Quixote, não da Mancha, mas do Delta Parnaibano, sejam finalmente ouvidas e acatadas, e que as providências cabíveis e necessárias sejam adotadas, sem titubeios e delongas.

28 de julho de 2010

terça-feira, 2 de maio de 2023

O avental todo sujo de ovo e o coração de luto

 


O avental todo sujo de ovo e o coração de luto

 

Pádua Marques

Romancista, cronista e contista

 

 

Era coisa de colocar os pés fora da rede e esfregar os olhos ainda remelentos, limpar os cantos da boca ainda com a escuma da noite, aquela que gente grande chamava de mingau de alma, e lá estavam os meninos indo um a um e em fila tomar a benção de suas mães naquele domingo celebrado em maio. O Dia das Mães, fosse a que hora a gente acordasse, era um dia alegre pra nós meninos dentro de casa.

Um aqui trazia de presente um sabonete Glicerol, uma lata de talco Gessy embrulhados em papel colorido, uma chinela de couro, um objeto de uso na cozinha de casa. Outro menino vinha tímido escondendo atrás das costas um metro e meio de pano de chita, comprado no seu Antonio Thomaz e que daria um vestido e tanto. E outro menino ou menina trazia um cartão de papel feito na escola, pintado um enorme coração vermelho ou cheio de flores com aquelas palavras escritas com letras de tamanhos desiguais.

Mas era naqueles presentes e naquele único dia do ano onde estavam os corações deles. Eram os presentes, humildes, de qualquer coisa, às vezes conseguidos e comprados com algum dinheirinho guardado por meses e meses. Mas eram a gratidão por tudo que as mães fizeram naquele ano pelos meninos dentro e fora de casa.

Porque na sexta-feira, dois dias antes havia a festa nas escolas em homenagem às mães. Era uma alegria das crianças pobres, mas naquele dia estavam de banho tomado e de roupas limpas e mudadas, passados talcos e penteados. Era até de uma certa forma uma chateação pra algumas daquelas mulheres em terem que largar os que fazer em casa pra irem receber um pedaço de papel pintado e ouvirem os filhos recitando uns versos ou canções que falavam de amor e obediência. Aquilo partindo dos meninos e meninas era tudo da boca pra fora! Mas as mães estavam felizes naquele dia.

As professoras zelosas haviam ensaiando por semanas inteiras as atrações da festa tão esperada de todo ano. Muitas tiraram do próprio bolso o dinheiro pra comprar os bolos e as bebidas pra aquele dia tão especial. Algumas crianças no meio de nós eram escolhidas pra cantar “Mamãe”, a conhecida canção na voz de  ngela Maria, ou “Flor Mamãe”, o estrondoso sucesso na voz de um menino que foi um prodígio, José Leão.

E no final daquela festa tão particular e ao mesmo tempo tão imensa, em que às vezes de forma tímida os meninos até beijavam suas protetoras, tinha bolo, pipoca, guaraná Nordeste, refresco de goiaba, pão com manteiga, doces, pirulitos de açúcar queimado, cocada, café e até um Nescau. Depois voltavam pra casa, de mãos dadas, achando graça disso e daquilo, de peito inchado porque conseguiram recitar sem erros os versos em homenagem às suas mães.

E naquele dia tão bonito de domingo, quando as mães levavam seus filhos à missa da manhã em São Sebastião, pra alguns meninos e tantos adultos o Dia das Mães era coberto por uma tristeza infinita e um sofrimento pesado que nem uma pedra bruta. Era dia de o autofalante na Guarita, a Amplificadora São Raimundo, tocar o dia todo aquela música do Teixeirinha, o “Coração de Luto”. Eram filhos que homenageavam suas mães já mortas ou desaparecidas.

E o locutor ia anunciando o nome do filho que estava oferecendo aquela música numa lembrança sofrida. Em muitos casos as mães haviam morrido de parto, de tuberculose, afogadas, tiveram a casa queimada por uma brasa solta do trem ou foram embora e nunca mais deram notícias. E aquela música triste de Teixeirinha, “Coração de Luto”, era assim como uma forma de purificar pelo sofrimento naquele dia, trazer pra perto do filho que ficou órfão, aquela mulher que o deixou desgarrado no mundo.

E os nomes e os sobrenomes eram muitos. Raimundo, Maria do Carmo, Socorro, José, Batista, Inocência, Rita, Benedita, Francisco, Antônio, Vicente. Eram vários e eram os filhos que naquele momento da manhã se sentiam felizes. De certa forma havia uma lembrança, uma volta, um abraço do filho pra mãe naquela música. E até repetiam os pedidos das músicas tantas e tantas vezes, pagando mais que um cruzeiro. E quanto eram filhos já adultos, ali mesmo na quitanda da amplificadora encostavam a barriga no balcão e se entregavam a beber aguardente tirando gosto com torresmo ou limão. 

(Crônica extraída do livro O Menino, de Pádua Marques)

domingo, 30 de abril de 2023

Egocentrismo

 

Fonte: Google

EGOCENTRISMO


Elmar Carvalho

 

Eu sou um homem,

diante do qual,

curvo como um

servo capacho,

eu tiro meu chapéu,

que nem sequer tenho.

Eu vendo minha

imagem refletida

no espelho não mágico

de meu quarto,

curvo-me a mim mesmo,

como um eunuco do harém

perante o sultão.

E aquela imagem,

curva ante mim,

é minha maior homenagem

que me presto.

Eu me aproximo

do espelho,

até que minha imagem egocêntrica

seja projetada no infinito.

(Poema dos anos 1970)

sábado, 29 de abril de 2023

sexta-feira, 28 de abril de 2023

El mar


 

ERROS NÃO SÃO ATRIBUTOS DIVINOS


 

ERROS NÃO SÃO ATRIBUTOS DIVINOS


Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

 

            Diria, tentando não ser demagogo ou hipócrita, que não me tem abalado a fé, a confiança, muito menos a religiosidade em relação às coisas divinas e misteriosas, essa repentina e absurda irrupção de erudição que tentam despejar aos olhos e ouvidos de todos, e não apenas dos lhes dão incomensurável crédito,  neófitos doutores, teólogos, metafísicos de plantão, quase semideuses, que se põem ou se propõem a dissecar, interpretar e, por conseguinte, recomendar, como se verdades insofismáveis ou incontestáveis fossem, obscuros pontos de vista, toscas opiniões, obtidos de pares ou parceiros tão magnânimos e sapientes quanto eles, ou catados em escaninhos eivados de ficção e asnices, encontrados aos montes em espaços como redes sociais particulares ou na parte mais rasa da rede mundial de computadores, ou nichos similares. Compilações de informações fajutas ou deletérias são fontes de que se abastecem esses iluminados em suas elucubrações divagantes.

            Não consigo atribuir seriedade ou racionalidade às previsões, otimistas ou catastróficas, dispensadas, seja em espaços virtuais, na imprensa, seja em conversas públicas ou privadas, por profetas midiáticos que, em busca de prestígio imediato, mais que prestar um serviço de utilidade incontestável, travestem-se de videntes, quiromantes, magos, enfim, visionários, pouco se preocupando se o fruto de suas quiromancias, vidências ou visões servirão ou se prestarão a desestabilizar as emoções mais sensíveis de indivíduos que se deixam influenciar, facilmente, por conhecimentos ou informações provenientes de fontes, às quais não se metem a criticar, tampouco questionar a veracidade ou validade.

            Criminosos não poderiam ser considerados – Hitler teria começado mais ou menos assim: dentre outras sandices, tentando vender a ilusão de que pretendia estabelecer um mundo perfeito para o povo alemão, ele que nem germano era, quando, na verdade, o que desejava era subjugá-los, moral, ética e, socialmente, o que conseguiu, com certa facilidade, por algum tempo – indivíduos que, em vez de opiniões, não raro, manifestam, expõem afirmações que gostariam de ver tratadas como fatos científicos, não meras insinuações, que, por sua vez, induzem mentes mais incautas, menos céticas, acríticas, a partir das depreensões que delas absorvem, a tomar rumos ou decidirem em desacordo com a lógica mais racional; esses que expelem bobagens, vitupérios e ignomínias que chegam a funcionar como uma forma eficiente de lavagem cerebral, notadamente, para os tipos mais despreparados existencial, intelectual e/ou, culturalmente?

            Que dizer de esses seres divinizados – que não creem em deuses, logo, quem acreditaria que não gostariam de ser havidos ou considerados uma entidade superior às demais?  - que, quando, temporariamente, se humanizam, transformam-se em anjos caídos e, como tal, absorvem o que seria o pior aspecto da fragilidade do homem: a bestialidade, a irracionalidade; porém, vivenciada essa experiência, logo reassumem sua condição de deuses, quando, então, esperam que não lhes seja impingida qualquer culpa, nem cobrada, pelos mortais comuns, nenhuma desculpa ou justificativa, por conta das atrocidades cometidas contra inocentes indefesos, enquanto travestidos de indivíduos falíveis, essencialmente, homens? Deuses, seres divinos, iluminados, se erram, certamente, não podem nem devem tentar justificar-se, tampouco, esconder-se sob forma de figuras falíveis; mas isso, simplesmente, não acontece: erros não são atributos dos deuses; nós somente relevamos erros cometidos por toleirões que até gostariam de ser confundidos com entes divinos, inatacáveis, inquestionáveis, porque acreditamos que errar é uma imanência humana.    

quarta-feira, 26 de abril de 2023

Nasci feio mesmo assim

Os Mutantes    Fonte: Google


Nasci feio mesmo assim


Jonas Filho Fontenele de Carvalho 


Nasci feio mesmo assim,

Logo cedo perdi mãe e fiquei errante,

Nordestino, sangue nada fino, resolvi encarar o mundo.

São Paulo logo me encantou, novidades eram tantas.

Trabalhei de um tudo moço, passei por momentos ruins

Chorei, sofri, mas resisti, encarei a luta feito mutante

Tudo aparecia veloz demais, ditadura, drogas, modas, resistência

E eu? Perdido no meio daquilo tudo a me triturar, torturar

Nasci feio mesmo assim.

Meus amigos curtindo Gal, Caetano, Mutantes, Gil

E eu ouvindo sem saber mesmo por que, James Brow e Odair José.

Tempos brutos exigiam respostas duras,

viver era preciso, navegar não.

Sem entender o porquê, o turbilhão passou,

 se foi, não entendi nada.

Hoje, não sei se já maduro, por vezes me pego matutando

pensando nas coisas que vivi, que sofri, que resisti

hoje sorrio um sorriso todo meu, conquistado no ferro e na brasa

e a vida passa despreocupada ao largo de mim

e eu moço? Não sei de nada, só sei que nasci feio mesmo assim

segunda-feira, 24 de abril de 2023

CRÔNICA OU CONTO?

 

Fonte: Google

CRÔNICA OU CONTO?

 

Elmar Carvalho

 

Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram. (João 20:29)

 

Todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em seu coração (Mt 5:28)

 

Na sexta-feira passada, feriado nacional, minha mulher resolveu lavar nossa casa na zona rural de Teresina. Para isso contratou uma moça da redondeza e levamos o Mundico, que costuma fazer serviços de conservação e conserto em nossa casa da cidade, há vários anos. Ele presta esses serviços para nossos vizinhos, de modo que é pessoa de nossa amizade e confiança.

 

À boca da noite, resolvemos tomar umas talagadas de uma boa calibrina com caju. Ele tentou ler o rótulo da garrafa, mas não o conseguiu, seja por causa de certa deficiência visual ou provavelmente por causa de sua condição de (quase) analfabeto, de modo que eu tive que ler para ele o nome da cachaça, por sinal fabricada em Inhuma.

 

Após algumas doses, a seu pedido, passamos a tomar cerveja. Quando terminou o Jornal Nacional, minha mulher veio até onde nós estávamos, uma área interligada à varanda, a que dei o nome de Pasárgada, em homenagem a Manuel Bandeira e a seu famoso poema. Entre séria e meio na brincadeira, ela disse que o Mundico já estava ficando meio “melado”, uma vez que a sua língua já estaria meio embolada. Mundico sorriu e disse que não, que ainda estava “bonzinho”. Pouco depois, minha mulher deixou o recinto e foi para o quarto, assistir a algum programa de TV.

 

Conversamos sobre assuntos diversos, porém banais, do cotidiano, e sobre algumas passagens de nossas vidas. Uma ou duas cervejas depois, algo estranho aconteceu. Em dado momento, ao falar de um conhecido que já dera muitas cabeçadas na vida, eu disse que o pai de todos os pecados seria o egoísmo, por razões que não expliquei. O Mundico, então, com toda autoridade, convicção e firmeza, contudo sem arrogância ou empáfia, me retrucou que era o desejo. A voz, a fluência da fala, o tom de autoridade, me deram a certeza ou pelo menos a convicção de que eu não estava mais falando com o meu amigo, pessoa simples e humilde, embora inteligente em suas poucas letras.

 

Respondi a esse questionamento, arguindo que o egoísmo poderia gerar desejos pecaminosos. A suposta entidade não respondeu, como se tivesse plena certeza do que falara ou como se não desejasse discussão e polêmica. Todavia, depois me lembrei que Jesus nos alertara sobre as ciladas do desejo; que um simples olhar malicioso para a mulher do próximo já seria um adultério. Aduzi que o pecado começara com a Queda do homem, mas sem mencionar os nomes de Adão ou Eva, ou o chamado pecado original, e tampouco sem fazer referência ao episódio bíblico da árvore do conhecimento ou do fruto proibido do Jardim do Éden. Sem também citar essas palavras ou expressões, me respondeu, com muita autoridade, que o pecado já existia antes da Queda.

 

Fiquei arrepiado, com uma espécie de calafrio e, não devo negar, me veio um certo sobrosso. Fiz uma breve oração, e pedi a Deus que me desse coragem, inspiração e inteligência para enfrentar aquela entidade, seja lá quem ela fosse. Redargui que Nosso Senhor Jesus Cristo é quem estava no princípio, como o Verbo, por meio de quem Deus criara o tempo e o espaço, ou seja, o Universo. O espírito que falava através do Mundico insistiu que o pecado já existia antes da Queda, antes de o homem perder a imortalidade. Concordei que sim, que antes do homem existira a Rebelião dos Anjos. Mas não usei a palavra Satanás ou diabo; nem ele, tampouco.

 

Notando a fluência, o grau de aparente certeza, a correção das frases e a argúcia do raciocínio, e sobretudo a autoridade como ele falava, sem titubeios e sem hesitações, como se tivesse sido testemunha de tudo, fiquei temeroso, mas tentei me dominar, e olhei atentamente para o Mundico. E vi que suas feições estavam mudadas. Ele era um caboclo, descendente de negro e índio, mas naquele instante estava mais claro e com as feições de um homem branco, como se estivesse transfigurado. Retirei a vista dele. Mas quando olhei novamente, vi que ele estava voltando a tomar novamente as feições do velho amigo Mundico. Ainda com certo sobrosso, resolvi encerrar a libação e deixei o recinto.

 

No dia seguinte, fiz as minhas orações costumeiras. Li, como diariamente o faço, a Bíblia e uns livros de edificação e fortalecimento espiritual e moral. Refleti sobre o que narrei acima. Tomei a deliberação de nada comentar. Cheguei tarde ao recinto onde se encontravam minha mulher, minha filha e seu namorado, que acabavam de chegar. O Mundico fazia alguns serviços, que minha mulher lhe determinara, e respondeu ao meu cumprimento com a sua simplicidade, alegria e humildade de sempre. Depois, conversei com ele, mas ele aparentava não se lembrar de nenhum dos episódios acima narrados. Estava com o seu modo jovial e prazenteiro de sempre.

 

Um espírita vai achar, certamente, que um espírito se apossou do meu amigo, para travar a conversa que teve comigo. Um cético poderá argumentar que ele tinha conhecimentos bíblicos e teologais ocultos, que lhe afloraram com a bebida, como um desdobramento de sua personalidade simples e de pouca instrução, muito menos detentora de conhecimentos teologais. Outros poderão dizer que eu tive uma espécie de visão ou um breve sonho. E eu não direi nada, exceto que procurei ser fiel ao que acho que de fato testemunhei, em estado de vigília.

 

Se eu desejasse enriquecer o meu texto, poderia ter incrementado o meu diálogo com a suposta entidade, lhe fazendo perguntas de alta profundidade teologal sobre a natureza de Deus, sobre seus atributos, sobre como se explicaria a eternidade, sobre a concepção e ressurreição de Jesus, sobre a sua transfiguração, ou simplesmente lhe perguntaria se o Big-Bang teria mesmo existido, e o que ou quem estava por trás ou antes da explosão do átomo primordial. Mas não quis dar a esse diálogo um tom de confronto ou de mera curiosidade humana.

 

Como nos últimos meses vinha orando para que Deus aumentasse a minha Fé, prefiro pensar, mesmo incorrendo em erro, que esse (suposto) espírito era simplesmente o meu anjo da guarda, que de forma discreta, sutil, se revelou a mim, para que a minha Fé fosse aumentada.

 

Aos incrédulos, direi, invocando o ditado espanhol: “Yo no creo em brujas, pero que las hay, las hay.”          

 

domingo, 23 de abril de 2023

Cruviana

Fonte: Google

 

Cruviana

 

Sousa Filho

 

No arquejar da noite, o frio aumenta.

Meus instintos afloram intensos, sim.

A cruviana me persegue dentro de mim.

Minha pele sente a frieza que atormenta.

A procela insiste; não se cala, não.

Sem fim, ela perdura; resiste, teima.

Mantém esse gelo que arde muito; queima.

Maltrata , humilha, o meu coração.

Então, que cesse o gelo que há em mim.

Quiçá cesse  também o gelo teu.

Que eu fale pra ti tudo que sinto.

Que possa novamente voltar a ser seu.

Que tu reflitas! vês que não minto!

Para que que não haja entre nós,  o fim.

quinta-feira, 20 de abril de 2023

OS BONS COMBATES DE LADISLAU

Igreja matriz de Esperantina    Fonte: Google

                         

OS BONS COMBATES DE LADISLAU


Elmar Carvalho


Quando eu caminhava pelas calçadas da Frei Serafim, perto do HGV, deparei-me com o padre Ladislau João da Silva, meu conhecido há várias décadas. Assisti à sua ordenação, na vetusta catedral de N. S. das Graças. Foi ainda no tempo de Dom Paulo Hipólito de Sousa Libório, que fora professor do Colégio Diocesano, em Teresina, no tempo em que meu pai ali estudou, nos idos de 1940.

Dom Paulo, com a sua mitra e seu báculo, dirigiu a ordenação. Lembro-me do momento em que padre Ladislau se prostrou e se estendeu no solo, como ordena o ritual católico. Pouco depois, no final de 1979 ou em 1980, foi ser o vigário de Esperantina, onde desenvolveu um grande trabalho de cunho social, de conscientização política e de  estímulo à cidadania, o que terminou desagradando os poderosos e políticos conservadores do lugar.

Talvez nos últimos meses do primeiro semestre de 1981, o referido sacerdote foi espancado por um latifundiário de Esperantina (ou por pessoa a mando deste). O proprietário se sentia, pelo visto, incomodado com as pregações e com as campanhas de conscientização política do padre, que inclusive organizara, por ocasião das comemorações do 7 de Setembro, uma passeata com trabalhadores a carregar seus instrumentos de trabalho, como foices, enxadas, machados, etc.

Suponho que o latifundiário e outros graúdos de Esperantina se sentiram irracionalmente ameaçados, daí por que o vigário sofreu a agressão física, fato que obteve alguma repercussão na mídia estadual, embora não tanto como merecia. Por essa razão, embora o Jornal Inovação não dispusesse de estrutura, eu e o Reginaldo Costa resolvemos ir a Esperantina, bem distante de Parnaíba, para entrevistá-lo.

No auge de nossa juventude e de nossa saudável boêmia e “irresponsabilidade”, seguimos pela manhã, em minha motocicleta, parando em quase todos os botecos de beira de estrada para tomarmos uma “calibrina” e batermos um papo. Chegando à cidade de Batalha, já nas proximidades de nosso destino, nos demoramos um pouco, em um bar, e entramos numa inconsequente discussão sobre quem era maior: se Chico Buarque ou se Ivan Lins. Eu defendia o primeiro, ele, o segundo. Alguns anos atrás, o Reginaldo terminou me confessando haver revisto a sua opinião musical.

Fizemos uma longa e bela entrevista, publicada com todo destaque na edição de nº 37, junho/julho de 1981, do Inovação, inclusive como Suplemento Especial, com direito a capa ilustrada e tudo mais. A viagem em si e a conversa com o entrevistado me renderam o poema “7 de Setembro”, que lhe dediquei; foi publicado na mesma edição da entrevista.

Muitos anos depois, aproximadamente na virada do milênio, encontrei esse sacerdote como superintendente do INCRA no Piauí, quando estive nessa repartição para fazer uma consulta sobre questão fundiária. Hoje, padre Ladislau é o coordenador institucional do Programa Brasil Alfabetizado e EJA-PI.

14 de maio de 2010

quarta-feira, 19 de abril de 2023

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Mimos de aniversário




Mimos de aniversário

Elmar Carvalho

Na véspera de meu aniversário, minha mulher disse que desejaria conhecer o Restaurante Faustino, situado na beira do Igaraçu, nas imediações do antigo Bar do Cornélio. Foram conosco, à boca da noite, o Felipe Macedo, minha filha Elmara, Simone, sobrinha de minha esposa, e, claro, eu e a Fátima. Adrede convidado pela Fátima, apareceu no Faustino o Francié (Francierton) Vasconcelos, marido da Auricélia, sobrinha de minha mulher, que não pôde comparecer.

Após feitos os pedidos, fui surpreendido com um bolo de aniversário e um prato com uma iguaria com decoração temática. Só então fiquei sabendo que era a comemoração antecipada de meu aniversário. O cantor e compositor Teófilo Lima, artista parnaibano de minha admiração, anunciou o meu aniversário, disse umas palavras simpáticas de acolhimento, e interpretou, com belo arranjo de sua autoria, duas canções comemorativas de aniversário, sendo uma delas a tradicional “Parabéns pra você”. As pessoas próximas, em gesto de cortesia, cantaram e acompanharam as salvas de palmas.

O Teófilo continuou a interpretar clássicos da MPB, ao tempo em que intercalava belas canções de sua autoria, algumas delas exaltando a linda paisagem parnaibana. Ele compôs uma excelente melodia, com letra que é na verdade um criativo e belo poema, em que a deslumbrante praia de Pedra do Sal é exaltada. Antes de ir embora, autografei meu opúsculo O Poeta e seu Labirinto e entreguei ao Teófilo, oportunidade em que lhe disse, brincando: “Não podendo eu ser diretamente amigo de Deus, sou amigo do Teófilo, cujo nome significa amigo de Deus.”

Em vários grupos de WhatsApp, uns bons amigos se referiram à minha data natalícia, tendo eu respondido a todos. O acadêmico Jônathas Nunes, professor da UFPI e que já exerceu importantes cargos públicos, inclusive o de reitor da Universidade Estadual e o de deputado federal, costuma brindar seus colegas da Academia Piauiense de Letras com criativos e bem-humorados poemas, por ocasião de seus aniversários natalícios. Ele postou o mimo abaixo, que muito me desvaneceu:

S A L V E!

 

É noite de Preamar!

Bom Dia Comandante Elmar!

Das Letras no oceano,

Seu NOTURNO DE OEIRAS,

Alcança o Brasil inteiro!

Tem o mais forte lampejo

Deste Piauí sertanejo!

Nada importa, pouco importa,

Se o NOTÍVAGO DE OEIRAS,

Amante de uma balada,

Sonhando com uma donzela,

Caminhe sem encontrar nada!    

Minha filha Elmara Cristina fez uma bela arte para esse criativo e epigramático poema, como um corolário a esta singela, contudo magnífica homenagem, que o professor e confrade Jônathas Nunes, em sua generosidade, me prestou.