sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

ARTE-FATOS ONÍRICOS


A BOLA E O ZEPPELIN

Eu treinava como goleiro num pátio acimentado, sombrio e deserto. O piso parecia algo sujo, encardido. O muro era gretado e apresentava manchas de lodo escuro, e não esverdeado. Não tinha portanto a beleza de um outro muro que conheci, com o musgo verde, brilhoso, macio, aparentando uma textura de veludo. A bola também era inusitada, porquanto não era redonda, mas um tanto comprida, com uma certa semelhança com a usada no futebol americano. Em meu treino, eu lançava-a contra a parede ou contra o piso, para tentar pegá-la de volta. Testava meus reflexos e minha habilidade de segurá-la entre as mãos ou encaixá-la entre meus braços e meu peito. Mas a bola parecia ter seus caprichos e ganhava vida própria, pois tomava um rumo inesperado, a desafiar as leis da física, talvez com o objetivo de enganar-me a diligência de goleiro. Na última vez em que a lancei, tomou a forma e a dimensão de um Zeppelin, em cuja cesta entrei, para voar, tendo como céu e pano de fundo uma imensa tela de Rembrandt, com o seu característico contraste de claro e escuro, sombra e luz.

2 comentários:

  1. ELMAR:

    Neste texto, você consegue misturar habilidosamaene recursos da prosa com a função poética. Trecho caprichado, cheio de imagens fundindo, sinestesicamente, arte plástica e lliteratura. Você tem, a meu ver, um obsessão pelas cores e pelas formas, ou melhor, a apreensão do mundo físico através dos sentidos bastante aguçados no seu espírito e, portanto, na sua escrita. Nas linhas finais deste texto percebe-se, não sei se uma tendênica constante, mas o gosto para um mergulho surreal, acrescentando, assim, um componente inusitado nas imagens que lhe surgem no desenvolvimento do texto. Boa prosa.
    Cunha e Silva Filho

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  2. Caro Cunha,
    Mais uma vez sua análise foi muito percuciente e verdadeira. Diria que você acertou em cheio na mosca, ou no alvo, conforme se prefira.

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