quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O CRIME DA PRAÇA DA GRAÇA




18 de fevereiro de 2010   Diário Incontínuo

O CRIME DA PRAÇA DA GRAÇA

Elmar Carvalho

Em minha temporada carnavalesca parnaibana, mais precisamente anteontem, fui visitar o poeta Alcenor Rodrigues Candeira Filho. Logo ao chegar, tive a satisfação de encontrar a professora Rossana Silva, sua vizinha, que ia chegando a sua residência. Antes de entrar na casa do bardo, conversei rapidamente com ela, aproveitando a oportunidade para lhe fornecer o endereço do blog onde este diário vem sendo publicado. Alcenor e Rossana, pelos comentários que ouço e em minha opinião pessoal, são dois dos maiores professores de Literatura, e talvez o sejam porque têm prazer e alegria em lecionar essa disciplina, porque são leitores compulsivos de obras literárias. 

Minha amizade com o Alcenor data do final da década de setenta. Cheguei para morar em Parnaíba em junho de 1975, pois nesse ano meu pai veio chefiar a ECT nesse município. Em agosto desse ano, fui assumir meu cargo de monitor postal nessa empresa, em Teresina, em virtude de curso no Recife, em que fui aprovado. Mas logo retornei, pois obtive êxito no vestibular para o curso de Administração de Empresas, na UFPI, que então só era ministrado em Parnaíba. 

Através do Paulo de Athayde Couto, filho do saudoso mestre, tradutor e intelectual Lima Couto, que era meu colega de turma, travei conhecimento com o poeta. Meus colegas dos Correios, um dia, creio que em 77, sabedores de que eu era poeta, me chamaram, eufóricos, para ver o Alcenor, que fora postar ou receber alguma correspondência. Meu retraimento, me impediu de conhecê-lo nesse dia. Devo tê-lo visto à distância. Corria a lenda de que ele se formara em Direito para reabrir o processo contra os algozes de seu pai, trucidado em plena Praça da Graça, no dia dedicado a essa padroeira, por volta das cinco horas da tarde, quase no horário da saída da procissão. 

Por causa da chamada “chacina da Praça da Graça” a tradição foi quebrada, e nesse 11 de outubro de 1959, domingo, não houve procissão. Alcenor Candeira, pai do poeta, foi abatido praticamente no momento em que o sineiro tocava o dobre final do chamamento dos fiéis para o préstito católico, quando ele se encontrava a menos de cinquenta metros da Catedral, levando pela mão a filha caçula, Tânia, mulher do meu amigo e compadre Canindé Correia, então com onze anos de idade.

Durante os mais de trinta anos de nossa amizade tive esse caso rumoroso como um tabu, e sempre mantivemos o mais completo silêncio sobre essa tragédia, mesmo nas várias ocasiões festivas, em que conversamos descontraidamente, em meio a goles de cerveja. Nas incontáveis ocasiões em que saí com a Tânia e o Canindé, cunhado e amigo do poeta, jamais tocamos nesse assunto. Somente muitos anos depois, quando Alcenor, talvez até como forma de catarse, escreveu o poema Passando em Revista, é que me senti mais à vontade para ferir esse caso.

No ano passado, quando o episódio trágico completou cinquenta anos, o escritor, posto que o bardo é também um exímio prosador, publicou o livro O Crime da Praça da Graça, que alcançou inusitada vendagem e repercussão. A obra esclarece os fatos, pois Alcenor, com a honestidade e a sinceridade que lhe são características, e já diminuída a comoção pelo decurso do tempo, calcado em peças do processo, narra os fatos de forma clara e objetiva. A obra transcreve trechos dos autos e alguns textos sobre o homicídio.

Às páginas 51/52 do livro, encontra-se a crônica Por Quem os Sinos Dobram, da lavra de José Leitão Matos, publicada em 1961, da qual transcrevo esta passagem: “Três homens e uma mulher espreitaram a passagem do Secretário da Prefeitura, Alcenor Rodrigues Candeira, a quem trucidaram da mameira mais cruel. Jamacy e os Clodoveus fizeram a fuzilaria infernal, enquanto Veudacy rasgava, à faca, logo após, o corpo franzino de Alcenor”. As pessoas citadas eram os advogados e professores Clodoveu Cavalcante e seu filho, de mesmo nome, a mulher do primeiro, Jamacy, e o outro filho do casal, Veudacy, portanto, pais e filhos.

Conta a lenda que Jamacy, mulher enérgica, de temperamento muito forte, por causa de um desentendimento com Alcenor, insuflava o marido contra seu desafeto tocando na vitrola música de Ataulfo Alves e Mário Lago, que dizia, em suas belas letra e melodia: “Covarde sei que me podem chamar / Porque não calo no peito essa dor...” Suponho que esse incitamento não tenha ocorrido desse modo, uma vez que Alcenor a ele não se refere em seu livro.

O velho professor Clodoveu foi absolvido. Clodoveu Filho e sua mãe Jamacy nunca foram julgados. Veudacy foi condenado a seis anos de prisão. Alcenor, em seu livro, relata que Jamacy atirou contra seu pai quando este se encontrava de costas para a família, que se encontrava em um jeep, perto da esquina em que ele dobrou, já nas proximidades da Catedral de N. S. das Graças, vindo de sua casa, que ficava a apenas um quarteirão.

No corpo tombado foram encontradas as marcas de nove tiros de revólver, cortes de faca ou punhal e hematomas de coronhadas. Tinha Alcenor 45 anos de idade. Deixou quatro órfãos menores e a viúva, professora Maria de Lourdes Castelo Branco Candeira. O poeta era aluno dos Clodoveus, pai e filho, e na semana anterior ao crime lhes assistira as aulas. Não procurei informações sobre a situação atual da família Cavalcante.

Sei que Alcenor Candeira Filho, sempre galgando posições e conquistando seu espaço, através do estudo e do trabalho, tornou-se procurador federal, exercendo a chefia de Previdência Social em Parnaíba por vários anos, professor da Universidade Federal do Piauí, e mestre de Literatura na rede particular, precisamente na Unidade Escolar Alcenor Candeira (Colégio Cobrão). Seu pai deu nome à rua na qual ficava a sua residência.

Hoje, o bardo é o secretário de Educação do Município de Parnaíba. Mas, sobretudo, é o intelectual, escritor e poeta, que todos admiramos e respeitamos, e que ocupa uma cadeira na Academia Piauiense de Letras, mercê de sua competência e dedicação ininterrupta às letras.

11 comentários:

  1. Caro Elmar:
    O texto do seu diário toca na ferida mas o faz com a objetividade e o cuidado de não trazer à tona sofrimentos do passado. O fato já pertence à História. De certa forma, ao retomar um assunto delicado, o autor não quer causar novas amarguras aos descendentes de um pai covardemente assassinado. Porém, o relato da memória pode ser feito, e é o caso aqui, para mostrar que a verdade de um acontecimento nos previne contra a ideia ingênua de que o ser humano jamais cometeria atrocidades. A natureza dos homens é imprevisível. Os atos de barbárie não podem ser subtraídos da História da Humanidade. A maldade dói, mas deve ser denunciada. Cunha ae Silva Filho

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  2. gostaria de saber se "os clodoveus" ainda tem descendentes em parnaiba.e se tem,quem são.um abraço.

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  3. Cresci ouvindo essa história, contada pela parte dos Candeiras, por isso gostaria de ouvir a outra parte, assim como, quem começou as hostilidades? e o porquê disso tudo, se a vítima fatal era pacifista, por que portava um revólver se dirigindo a uma procissão? Dizem também que a mulher de Clodoveu levou um tiro na boca, que por pouco não morreu, qual seja, ainda tem muita coisa a ser esclarecida.

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    1. sr anonimo,ele andava armado porque a mulher de clodoveu mandara um recado a alcenor dizendo que ia mata-lo,o tiro na boca foi a resposta que alcenor deu a quem o alertou dizendo que antes de morrer daria um tiro na boca dela, e o fez...

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    2. sr anonimo,ele andava armado porque a mulher de clodoveu mandara um recado a alcenor dizendo que ia mata-lo,o tiro na boca foi a resposta que alcenor deu a quem o alertou dizendo que antes de morrer daria um tiro na boca dela, e o fez...

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  4. Só hoje vi essa postagem. Tenho muito a contar. Morava em Parnaíba quando tudo aconteceu. Mas, a anônimo não respondo. Todos temos que assumir nossos questionamentos ou afirmativas. Anônimo é alguém que não existe?

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    1. sr claudio sousa eu estava nesse dia na praça da graça e cheguei a visualizar alguma coisa desse crime embora não houvesse entendido muito bem o acontecido...anos depois ouvi do meu pai esse relato e me veio a lembrança cenas esparsas daquele dia...lembro da garota correndo e gritando:não matem meu pai,não matem meu pai, e tenho na memoria a imagem de alcenor de arma na mão encostado em uma das portas do predio onde hoje é a camara...dai pra frente me foge toda lembrança...gostaria de saber mais sobre isso...brigado

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    2. sr claudio sousa eu estava nesse dia na praça da graça e cheguei a visualizar alguma coisa desse crime embora não houvesse entendido muito bem o acontecido...anos depois ouvi do meu pai esse relato e me veio a lembrança cenas esparsas daquele dia...lembro da garota correndo e gritando:não matem meu pai,não matem meu pai, e tenho na memoria a imagem de alcenor de arma na mão encostado em uma das portas do predio onde hoje é a camara...dai pra frente me foge toda lembrança...gostaria de saber mais sobre isso...brigado

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    3. sr claudio sousa eu estava nesse dia na praça da graça e cheguei a visualizar alguma coisa desse crime embora não houvesse entendido muito bem o acontecido...anos depois ouvi do meu pai esse relato e me veio a lembrança cenas esparsas daquele dia...lembro da garota correndo e gritando:não matem meu pai,não matem meu pai, e tenho na memoria a imagem de alcenor de arma na mão encostado em uma das portas do predio onde hoje é a camara...dai pra frente me foge toda lembrança...gostaria de saber mais sobre isso...brigado

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  5. Como se adquire um exemplar do livro: O Crime da Praça da Graça? Resposta: amparo.ibiapina@bol.com.br

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  6. Revisitando esta postagem através de um e-mail em nosso arquivo, por coincidência, no início desta semana, 16/01/2023, localizamos um texto, editado e escrito pela Professora Lourdinha, viúva de Alcenor, tentando elucidar e defender a memória do marido. Considero um documento raro e singelo, pois mesmo ainda sofrende a dor da perda recente do marido, a professora Lourdinha, como era conhecida, teve forças para dar uma satisfação à sociedade parnaibana, rebatendo o que a boca pequena tentava transformar a vítima em cúmplice. No final da tarde do fatídico acontecimento, por minutos tive meu pai assassinado... Explico: tenho mais ou menos a idade dos órfãos do Alcenor. No caminho do Cine Éden, onde iria assistir um filme, encontrei com conhecidos que gritavam me informando que mataram meu pai. Pore certo fui confundido com um dos filhos de Alcenor, ou mesmo pela aparência do meu pai com a vítima, podem ter me confundido como filho dela. Meu pai havia ido à procissão, que não aconteceu.

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