quarta-feira, 3 de março de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO


3 de março

Encontrei há pouco, no restaurante Gula-Gula, em Regeneração, a professora Dolores Maria. Com o seu jeito alegre e expansivo, disse que estava com saudades de mim, mas do poeta, e não do juiz. É que estive de recesso e de férias, e fazia meses que não nos víamos. Tempos atrás, num ato falho, chamei-a de professora Maria da Cruz. Pareceu-me que ela não me ouviu, o que me causou estranheza. Explicou-me haver pensado que eu não estava falando com ela, uma vez que seu nome era outro. Imediatamente, respondi-lhe, em tom de blague, que Cristo morrera na Cruz, mas que certamente sentira muitas “dolores”, e fora por isso que eu a chamara de Maria da Cruz, e não, Dolores. De qualquer modo, a cruz tornou-se o símbolo da Fé em Cristo.

Soube, por uma nota do Simão Pedro, publicada no blog Bitorocara, que faleceu em Campo Maior o decano dos comerciantes. Vendia miudezas, como equipamentos de pesca, tubos de linha, balas, guloseimas etc., no centro comercial da cidade. Morava num pequeno apartamento, no fundo de sua loja. Pelo que interpretei do texto e da conversa que mantive com Simão Pedro, ao telefone, ele era um celibatário, de hábitos um tanto esquisitos. Embora fosse comerciante, e como tal tivesse que manter contatos com seus clientes e fornecedores, levava uma vida reclusa, quase um ermitão, fechado em si mesmo e no seu pequeno aposento. Tempos atrás, saía a noite, para passear em sua Rural, provavelmente no intuito de se desanuviar de suas tristezas e preocupações. Criava, no quintal, mais de duas centenas de gatos, o que, só pela quantidade, já era uma excentricidade. Por que ele criava tantos gatos? Dois ou três não lhe seriam o bastante? Seria uma maneira de driblar e compensar a tristeza e a depressão, se é que as tinha? Gato é um animal que aguça e excita o imaginário popular, inclinado a acreditar em crendices, lendas e superstições. Diz-se que o gato tem sete vidas e que vê e pressente coisas, que ninguém mais percebe. Esse comerciante, de nome Moisés, não recebia visitas, não tinha amizades íntimas. Era recluso, calado, sem expansões emotivas, embora fosse educado e tratasse bem os seus clientes. Sentia-se uma nota de tristeza, escondida em seu olhar. Fico imaginando em que pensaria ele, na solidão de seu quarto, à noite, morando num local que era movimentado durante o dia, mas que, nas madrugadas, transformava-se numa cidade morta, num quase cemitério. Que emoções sentiria ele? Que segredos guardaria ele? Seria infenso às emoções humanas? Seu segredo seria não ter nenhum segredo, e levar a vida comum de um homem simples e bom, mas que optou em viver sozinho? Não sei. Talvez ninguém saiba. E ele, para sempre, levou as respostas consigo. Respostas que – quem sabe? - nem mesmo ele as tivesse, posto que, muitas vezes, o homem é a esfinge de si mesmo.

3 comentários:

  1. Caro poeta,
    Também conheço a professora Dolores, já trabalhamos juntos outrora e, por este motivo, posso ratificar a descrição que fizeste. No entanto, o que me motivou a comentar a sua postagem foi a "confusão" causada pela troca acidental do nome da distinta professora. Enquanto eu lia, recordei-me de uma entrevista a um menta atleta concedida à apresentadora Adriane Galisteu há uns 04 anos. Lembro-me bem que uma das perguntas respondidas pelo gênio da memória foi como ele conseguia se lembrar de tantas informações com tamanha exatidão e ele deu como resposta a descrição de um sistema de organização do pensamento no qual havia sempre uma grande coerência entre elementos dignos de uma postagem em ARTE-FATOS ONÍRICOS. Pelo que percebi, o nobre bardo Elmar Carvalho possui um sistema parecido para exercitar a memória.

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  2. Caro Nelson Rios,
    Lamento informar, mas parece que o temível alemão [Alzheimer] já está querendo me pegar (vade, retro). Já anda rondando à soleira de minha porta, mas tento afugentá-lo vigorosamente.

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  3. Admirado poeta,
    Ao entrar em seu blog, fiquei surpresa e até lizongiada por ter sido lembrada por tão nobre pessoa e, mais ainda por ver o seu lado hunano através do relato sobre o funcionário de Cocal de Telha. Mais uma vez, como tantas outras, tive a certeza de interpretar bem suas poesias, pois atrás do correto homem da lei, existe um homem simples de coração puro e alma nobre, com o dom de sensibilizar as pessoas com gestos simples, mas de valor incalculável aos olhos do altíssimo. Seja sempre o poeta e a pessoa que é hoje.
    Parabéns por ser quem é. E obrigada pela oportunidade de conhecê-lo.
    Um abraço: Dolores Maria.

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